quinta-feira, 29 de maio de 2014

Paradoxos sobre São Lázaro - Parte I

Por Igson Mendes (revisor) e Cláudio Cássio da Mata  (Autor)

“É proibido aos sacerdotes católicos
concelebrar a Eucaristia junto com
sacerdotes ou ministros de Igrejas
ou comunidades  que não estão em
plena comunhão com a Igreja católica.”
(CDC[1]. Cân. 908)

PARTE I

Sincretismo Religioso e Imagens
A história da vida de Lázaro foi mal contada e há até fábulas no meio dela.

Exemplo: No site[2] < http://www.saolazaro.org.br  > se conta a história do milagroso são Lázaro, mas, refletindo bem, o próprio Lázaro foi quem recebeu o maior milagre. A história tem coerência, porém a imagem usada ainda é outra parecida com o Lázaro da parábola, rodeada de cachorros. Outro erro é o fato de afirmarem que Lázaro teria vivido após sua ressurreição em Kition, Lanarka. A Bíblia afirma que os príncipes dos sacerdotes teriam atentado contra sua segunda vida pouco tempo depois de sua ressurreição,[3] em virtude de muitos judeus por causa dele passarem a acreditar em Jesus. O uso desse tipo de imagem errônea, que gera confusão no povo seria proposital, falta de conhecimento, ou mesmo pela falta de uma imagem mais autêntica em relação ao santo?

Minhas respostas são as seguintes:
Se proposital – os bispos e os sacerdores, como responsáveis pela educação da fé, magistério docente da Igreja, deveriam responder por falsa piedade ou mesmo exigir a que a verdade seja pregada como tal.

Vejamos o que nos ensina o CIC:

·         O falso testemunho e o falso juramento, além de atentarem contra a verdade e a dignidade humana, são considerados crimes, quando se tornam abusos na sociedade. (cf. CIC[4] 2476)
·         “A mentira é a ofensa mais direta à verdade. Mentir é falar ou agir contra a verdade para induzir em erro (...) A caridade e o respeito à verdade devem ditar a resposta a todo pedido de informação ou de comunicação.” (CIC 2485.2489)

O Código de Direito canônico também ensina:

·         Cân.1187 – Só é lícito venerar, mediante culto público, aqueles servos de Deus que foram inscritos pela autoridade da Igreja no catálogo dos Santos ou dos Beatos.

Se por falta de conhecimento – é necessário catequizar o povo com a verdade. Pregar nas homilias o correto na época das festas, conscientizar o católico que vai a Missa. E amadurecer a formação dos fiéis. Não fingir a verdade em prol de glórias efêmeras ou lucros.

“A caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com a sua vida terrena e, sobretudo com a sua morte e ressurreição, é a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira.”[5]

Se por falta de uma imagem autêntica – É dever e direito da comunidade pedir a ereção de uma imagem original quanto à vida do Santo. Observemos o que nos ensina o CDC:

·     Cân.1188 – Mantenha-se a praxe de propor imagens sagradas nas igrejas, para a veneração dos fiéis; entretanto, sejam expostas em número moderado e na devida ordem, a fim de que não se desperte a admiração no povo cristão, nem se dê motivo a uma devoção menos correta.

IMAGENS DE SANTOS

As imagens são sinais bonitos para lembrar-nos aonde e em quem Deus agiu de forma especial, é para nos apontar por onde o homem ou a mulher que buscou a santidade seguiu. Imagens são sinais! E o uso errado delas pode gerar muita confusão. Tantas vezes, em algumas Igrejas Católicas, quando Jesus Eucarístico está exposto, há muitos fiéis prostrados diante de imagens enquanto o Senhor Jesus, Santo dos santos, está ali ao lado sem ao menos receber o devido culto. Porque as autoridades competentes não ensinam ou exortam o povo?  É necessário expor a verdade diante de tais fatos.

Observemos o que nos ensina Bento XVI: “- Um cristianismo de caridade sem verdade pode ser facilmente confundido com uma reserva de bons sentimentos, úteis para a convivência social, mas marginais. Deste modo, deixaria de haver verdadeira e propriamente lugar para Deus no mundo. Sem a verdade, a caridade acaba confinada num âmbito restrito e carecido de relações; fica excluída dos projetos e processos de construção de um desenvolvimento humano de alcance universal, no diálogo entre o saber e a realização prática.”[6]

Por vezes, somos ridicularizados como aconteceu em um site: < http://feijaocomnutella.wordpress.com/2008/07/31/ritual-bom-pra-cachorro >, onde há até a foto de um cachorro armado na festa do Lázaro, Nicarágua. E por aqui não é muito diferente. Pesquisem e observem:

Desde os primeiros séculos os cristãos já esculpiam imagens nas catacumbas e nas Igrejas de Roma, mas jamais para adorá-las e sim venerá-las. Foi somente a encarnação do Filho que inaugurou uma nova “economia” das imagens. (Cat. §1159) A Tradição cristã sempre reconheceu o valor pedagógico e psicológico das imagens como suportes para a vida de oração. Assim, os simples e iletrados podiam aprender com mais devoção nos primeiros séculos cristãos.

O culto que a Igreja Católica presta a Deus é único, e é chamado “latria”, isto é, de ADORAÇÃO. Aos anjos e santos chama-se “dulia”, de Veneração. Já Maria, mãe de Jesus, recebe o culto de “hiper-dulia”, de super-venezação, no entanto ainda muito longe da Adoração.

O professor Felipe Aquino[1],dá excelente ensinamento sobre as Imagens desejáveis, desaconselhadas e condenadas pela Igreja no livro a Moral Católica. A Igreja não quer, entretanto, que haja abusos ou exageros em relação as imagens; e também quer que elas sejam confeccionadas de maneira adequada. Aqui faço um breve resumo:

São desejáveis:

- imagens que eduquem a fé ; que levem em conta as reações das crianças e não as dos adultos; que sejam feitas com boa estética; que não desviem do essencial (sem pormenores inúteis); que não tenham exageros.

São desaconselhadas:

- imagens que não suscitem sentimentos de fé e de piedade, com muito expressionismo. (Ex: semblantes de boneca, ideias que remetam homens afeminados. Etc.);

São condenadas:

- imagens que transmitam falsa noção de realidade; que apresentem aspectos muito sentimentais; que contribuam para ridicularizar algum personagem sagrado, algum mistério da fé ou os ritos da Liturgia.

O Sincretismo permitido e até incentivado dentro das Igrejas.

OMULÚ (ABALUAÊ, XAPANÃ) - SÃO LAZARO[2]

O núcleo umbandista de São Sebastião ensina que Omulú, Abaluaê e Xapanã são nomes do mesmo Orixá, alguns, no entanto, os separam alegando serem Orixás diferentes. No  terreiro os três nomes são adotados sendo Omulú o mais ouvido.  O sincretismo com São Lázaro é porque entre a maioria dos católicos, a imagem do santo mostra-o de muletas com cães lambendo-lhe as chagas espalhadas pelo corpo todo. Os africanos acreditam que Omulú ou Abaluaê, é o protetor contra as doenças e contra a peste e que seu corpo é coberto com uma roupa de palha que lhe esconde as feridas. Daí a sua ligação com os cemitérios, onde se reza pelas almas, bem como, nos cruzeiros em geral, tais como, os encontrados nas estradas, nos cemitérios e nas igrejas. Desta forma São Lázaro é um Santo que protege e é também uma das portas que se abrem para desmanchar magias maléficas. Por isso muitos devotos pedem a ele a cura de vícios.
A imagem do santo mostra-o de muletas com um cão lambendo-lhe as chagas espalhadas pelo corpo todo. Os nossos irmãos africanos nos ensinaram que Omulú é o protetor contra as doenças e contra a peste, que seu corpo é coberto com uma roupa de palha que lhe esconde as feridas, por esse motivo o sincretismo com São Lázaro ocorreu. Outros o sincretizam a São Roque e outros a São Cipriano. A Omulú recorrem todos que sofrem de moléstias tidas como incuráveis, o que lhe vale a fama de médico dos miseráveis.

Registro Histórico no Brasil

O mais antigo documento histórico que fala sobre a existência da Capela de São Lázaro, no Brasil, é de 12 de outubro de 1737. O local onde esta a Capela chamado "Lazareto", ficando longe do centro da capital baiana, era destinado às pessoas afetadas pelas doenças contagiosas e aos doentes-escravos trazidos da África. Para a manutenção do hospital e da Igreja o rei do Portugal, D. José, instituiu o "Real de São Lázaro". Segundo o antigo documento de 1737 os bens de São Lázaro "não podiam ser vendidos, doados ou trocados".

Orixá ligado às linhas de Oxalá e Africana, Omulú e seus seguidores encaminham as almas dos recém-falecidos ao mundo espiritual e deles absorve os fluídos e miasmas que exalam de um cadáver. Daí a sua ligação com os cemitérios, aonde se condensam as vibrações desse gênero. Quando evocado nos terreiros, a evocação é sempre feita pelos guias, como os Caboclos e os Pretos Velhos, sendo que muitos Pretos Velhos trabalham na vibração de Omulú. Suas cores são o branco e o preto, o branco simboliza o sentido da pureza espiritual dedicado a Oxalá e nas contas negras está representada a ausência da vida. A Umbanda afirma que Omulú não deve ser encarado como algo assustador, para enganar as pessoas. Omulú e seus enviados são atuantes nos cemitérios e impedem o mau uso das energias e fluídos lá depositados, através dos cadáveres sepultados, dispersando na atmosfera esses fluídos e energias que poderiam ser usados por espíritos malignos em seus hediondos trabalhos de baixa magia. Na África ele é considerado o protetor contra a peste, contra a varíola e outras doenças contagiosas. Nas obrigações a Omulú são normalmente usadas velas brancas ou brancas e pretas, cravos brancos ou outra flor branca masculina, água pura ou vinho branco doce.

No Candomblé, é usada em descarrego de pessoas doentes, a pipoca preparada em azeite de dendê (sem sal). Na Umbanda é raro esse tipo de descarrego, porém, ocorre em alguns templos.

Assim, nos orienta a Palavra de Deus em defesa a essas barbaridades:

 “A manifestação do ímpio será acompanhada, graças ao poder de Satanás, de toda a sorte de portentos, sinais e prodígios enganadores. Ele usará de todas as seduções do mal com aqueles que se perdem, por não terem cultivado o amor à verdade que os teria podido salvar.” (II Tes 2,9s)


[1]
                Aquino, Felipe Queiroz de. A Moral Católica e os dez mandamentos. Ed. Cleófas, 2010. (livro com IMPRIMATUR, pelo Bispo †Dom Benedito Beni dos Santos, de Lorena.  Pág. 83s
 



[1]Código de Direito Canônico.
[2]Donos: Santuário do Céu Azul, Belo Horizonte – MG.
[3]Jo 12,10
[4] Catecismo da Igreja Católica.
[5] (Do Sumo Pontífice Bento XVI, Carta Encíclica CARITAS IN VERITATE. Parágrafo 1, pág.3. Ed.Paulinas,2009. 
[6] CARITAS IN VERITATE, parágrafo 4, pág.7. Ed.Paulinas-2009.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

A cultura do encontro.


Dom Fernando Arêas Rifan.
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Domingo próximo, dia 1º de junho, é o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais. Como vivemos hoje a cultura do desencontro e do descartável, reflitamos sobre a mensagem do Papa Francisco para esse dia, cujo tema é a cultura do encontro.

Vivemos num mundo que está se tornando cada vez menor, parecendo, por isso mesmo, que deveria ser mais fácil fazer-nos próximos uns dos outros. Todavia, dentro da humanidade, permanecem divisões e conflitos. Os meios de comunicação podem ajudar e particularmente a internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos.

No entanto, existem aspectos problemáticos: a velocidade da informação supera a nossa capacidade de reflexão e discernimento, e não permite uma expressão equilibrada e correta de si mesmo. O ambiente de comunicação pode ajudar-nos a crescer ou, pelo contrário, desorientar-nos. O desejo de conexão digital pode acabar por nos isolar do nosso próximo, de quem está mais perto de nós. Estes limites são reais, mas não justificam uma rejeição dos mass-media; a comunicação é uma conquista mais humana que tecnológica. Devemos recuperar certo sentido de pausa e calma. Isto requer tempo e capacidade de fazer silêncio para escutar. Então aprenderemos a ver o mundo com olhos diferentes e saberemos apreciar melhor também os grandes valores inspirados pelo Cristianismo, como, por exemplo, a visão do ser humano como pessoa, o matrimônio e a família, a distinção entre esfera religiosa e esfera política, os princípios de solidariedade e subsidiariedade, entre outros.


Então, como pode a comunicação estar ao serviço de uma autêntica cultura do encontro? A resposta está na parábola do bom samaritano, que é também uma parábola do comunicador. Na realidade, quem comunica faz-se próximo. E o bom samaritano não só se faz próximo, mas cuida do homem que encontra quase morto na estrada. E quando falo de estrada penso nas estradas do mundo onde as pessoas vivem. Entre estas estradas estão também as digitais, congestionadas de feridos: homens e mulheres que procuram uma salvação ou uma esperança. Também graças à rede, pode a mensagem cristã viajar “até aos confins do mundo” (At 1, 8). Abrir as portas das igrejas significa também abri-las no ambiente digital, seja para que as pessoas entrem, independentemente da condição de vida em que se encontrem, seja para que o Evangelho possa cruzar o limiar do templo e sair ao encontro de todos. Mas o testemunho cristão não se faz com o bombardeio de mensagens religiosas, mas com a vontade de se doar aos outros, através da disponibilidade para se deixar envolver, pacientemente e com respeito, nas suas questões e nas suas dúvidas, no caminho de busca da verdade e do sentido da existência humana. Pensemos no episódio dos discípulos de Emaús. É preciso saber-se inserir no diálogo com os homens e mulheres de hoje, para compreender os seus anseios, dúvidas, esperanças, e oferecer-lhes o Evangelho, isto é, Jesus Cristo. Dialogar não significa renunciar às próprias ideias e tradições, mas à pretensão de que sejam únicas e absolutas.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Alô? Aqui é a Xuxa


Por Denilson Cardoso de Araújo

A Lei da Palmada não só é desnecessária, como é ruinosa para um país que vive crise sem precedentes no trato com suas crianças e adolescentes.

"Alô? Aqui é a Xuxa" foi a frase mais ouvida na quarta-feira, dia 16/10/2013, em Brasília. Xuxa metralhou telefonemas aos integrantes da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara de Deputados. Tentava a aprovação do Projeto que, propagado de forma nefasta como “Lei da Palmada”, já impõe ao imaginário popular caráter coercitivo que não poderia ter, pois só projeto é.

Se você está localizado no tempo e no espaço, saberá que a Xuxa é signo de triste modo de televisar para crianças. Deu gerações estragadas na  sexualização precoce e no consumismo desenfreado. Individualismo black-bloc, não cidadão. Faz a sociedade clamar por limites. Estragado o ontem, se quer agora demolir o amanhã.

Mas o prestígio da apresentadora parece não ter sido suficiente para afrontar o jogo de chantagens que é da rotina parlamentar. Arrancaram o tema da pauta. Mas, em Comissão Especial, venceu por unanimidade. Foi a plenário. A polêmica o pôs na CCJ. Lá aprovado, volta ao plenário. Repetindo-se o infeliz resultado, Senado. Vencendo, se gabarita à sanção do governo autor da Lei. Há que resistir!

Pela péssima ideia, alteram-se o ECA e o Código Civil, para vedar  “qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos”. O infrator da 'futura' norma será submetido a medidas de aconselhamento e orientação a pais e a filhos previstas no Art. 129 do ECA.

O que ofende profundamente na proposta, além da generalização que passa recado errado à população (afrouxem!), é seu caráter populista. Imagina famílias ideais à margem do conceito base que deve reger a elaboração legislativa. Lei é feita para o cidadão médio. Eu o conheço. Nas  centenas de palestras aos pais, sempre faço a pesquisa. Ergam as mãos os que foram educados com palmadas! Quase unanimidade. Quantos acham que lhes foram úteis? A enxurrada de mãos se repete.

Equívoco, basear-se, a proposta, no “Comentário nº 08” do Comitê dos Direitos da Criança, da ONU. Que agrega países de analfabetismo famélico, nações que sangram rostos de meninos ou promovem circuncisão de meninas. Visando coibir o mais grave, recorre-se ao extremo. Para não sangrar crianças,  proíba-se a palmada! Ora! Generalização descabida, como a que faz a ONU entender ser “criança”, o menor de 18 anos! E o tal documento diz que é “'corporal' ou 'físico' qualquer castigo no qual força física é usada com intenção de causar algum grau de dor ou desconforto, por mais leve que seja”.

Educação verdadeira, que dá os tão reclamados limites, sempre é desconforto! Até dor. Em algum momento, contenção física (segurar pelo braço, sacolejo veemente) se fará necessária. Abomino socos, pontapés, chicotes, tamancos, varas de amoreira, fios elétricos, panelas, pedaços de pau, arames, varas de bambu. Não falo de quebrar dentes, provocar hematomas, arranhões, quebraduras. Crimes, covardias! Já vedados! A lei brasileira, a par de proibir torturas, penaliza especificamente maus-tratos a crianças e adolescentes. Impõe dever geral de garantir a “a integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente”, “pô-los a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” e de “qualquer forma de violência, crueldade ou opressão" (arts. 17, 18 e 5º do ECA).

O Código Penal é bastante para coibir abusos. O artigo 136 prevê detenção ou reclusão, conforme o resultado do ilícito, a todo o que “abusar de meios de correção ou disciplina”. E o art. 129 sanciona lesão corporal praticada contra descendentes. Sempre com agravante se a vítima é menor de 14 anos.

Além disso, o poder familiar é exercido na intimidade do lar, constitucionalmente garantida. Não digo que dentro de casa tudo pode ocorrer, claro que não. Mas as vedações estão postas, à farta. Abusos possuem remédios legais eficazes. A minúcia pretendida remeterá ao arbítrio do intérprete o que é “moderação”. Porta do abuso hermenêutico e da educação permissiva (tudo o que este país – desesperadamente - não precisa!), levando-nos à seara suicida de achar que educação não pode impor desconforto!


A dificuldade (desconforto!) é que nos erige. Palma da mão em bumbum de criança é elemento indispensável no arsenal pedagógico das famílias. Se será ou não usada é história outra. Mas deve estar disponível. A Lei da Palmada não só é desnecessária, como é ruinosa para um país que vive crise sem precedentes no trato com suas crianças e adolescentes. Somos ridículos: por não dar palmadas necessárias, acabaremos visitando filhos na prisão. Telefone para o seu deputado. Se não ele só escuta a Xuxa.

domingo, 25 de maio de 2014

Uma breve reflexão acerca do gnοthi seaytοn.

Uma breve reflexão acerca do “γνῶθι σεαυτόν” (gnõthi seaytón) nos parágrafos VII a XII do livro X do De Trinitate de Agostinho[1]

Por Sávio Laet.

Santo Agostinho, autor de De Trinitate.
A obra De Trinitate de Agostinho é dividida em três partes. São quinze livros. Como indica o próprio nome, ela pretende aproximar-se do mistério da Trindade. A primeira parte consiste numa demonstratio da Trindade baseada na auctoritas da Escritura (I-IV). A segunda parte consiste na defesa – baseada, desta feita, sobre a ratio – da legitimidade daquilo que dizemos acerca da Trindade. Trata-se também de um tratado sobre a “linguagem teológica” no que toca aos atributos divinos (V-VII). Na terceira parte, a Trindade – em sua unidade – é contemplada através da inteligência – em particular da mente humana –, desta sorte considerada como imagem de Deus (VIII-XV). É a tentativa de contemplar e compreender como a mens humana constitui uma imagem da Trindade.

Agora bem, dentro desta terceira parte, o livro X tem a sua autonomia. É o livro cujo tema é o conhecimento de si mesmo. Com efeito, se a mente é o lugar onde podemos ver um reflexo da Trindade, torna-se essencial conhecer o que a mente é. E se nós somos a nossa mente, isto significa que se torna essencial – para o conhecimento da Trindade – o “conhecimento de si mesmo”. O objetivo de Agostinho é mostrar que a “cogitatio” de si – da parte da mente – é temporária, parcial e sujeita a erro. Já a notitia acerca da própria mente – procedente da mente mesma – é perene, total e infalível. Ora, a seção do livro X – que vai do parágrafo VII ao parágrafo XII – concentra-se sobre o sentido do “projeto délfico”: como posso conhecer a mim mesmo? Isto é importante porque – se o homem é sua mente – a mente deve ter um conhecimento certo de si, a fim de que o homem viva segundo a sua natureza.

Mas, para Agostinho, conhecer-se e saber o que se é não é a mesma coisa. E saber o que se é, é saber que, na hierarquia dos seres – segundo o esquema neoplatônico – a mente não ocupa nem o vértice nem a base, mas o meio. No vértice está Deus; na base, o mundo dos corpos. Destarte, para a mente se comportar corretamente, deve saber que é superior aos corpos, mas inferior a Deus. Deve, pois, saber ocupar o seu lugar na realidade. Não se trata, propriamente, de adquirir um conhecimento do qual era privada, mas de retomar a “consciência” do que sempre soube e habitualmente se esquece. Para isso, importa que a mente corrija o modo pelo qual se tornou habituada a conhecer a si mesma.

A proposta de Agostinho é que a mente – através do correto conhecimento de si mesma – saia do estado de “inconsciência” para o de “consciência” de si mesma e, assim, encontre um estilo de vida superior. Em outras palavras, a mente deve habituar-se a pensar-se adequadamente.

Com efeito, a causa do amor desordenado pelas coisas sensíveis reside no fato de a alma crer ser um corpo (materialismo). E para corrigir isso, ela deve acercar-se de si mesma não como se fosse ausente de si mesma, porque nada é mais presente à mente do que a própria mente. Deve, pois, aproximar-se de si mesma não mais se procurando nas suas “representações”, mas diretamente, e isto acarreta que ela se destaque, distinguindo-se das imagens sensíveis que estão na sua memória, imagens estas que o mais das vezes ela toma por ela mesma. Nós vivemos habitualmente fora de nós mesmos, alienados de nós mesmos, ausentes de nós mesmos. Daí a necessidade de uma metafísica da interioridade que nos coloque frente a frente com nós mesmos, e que redunde, por isso mesmo, no amor bem ordenado.

De resto, não se trata de um conhecimento aditivo, mas subtrativo, isto é, a mente deve se subtrair às imagens que a povoam. Outrossim, não se resolve o problema dizendo que Agostinho opõe um dentro a um fora. Isto só barateia a questão. É mais do que isso, porque as imagens também estão dentro de nós. Trata-se, na verdade, de ir além do interior – que Agostinho identifica com a imaginação – para o íntimo, que ele chama de inteligência.


Neste sentido, nós vivemos habitualmente fora de nós mesmos, alienados de nós mesmos, ausentes de nós mesmos, mesmo em nossa interioridade, mesmo em nossa vida interior. Daí a necessidade de uma metafísica da interioridade (ir além da própria interioridade), que nos coloque imediatamente frente a frente com nós mesmos – a sós com nós mesmos – e que redunde, por isso mesmo, no amor bem ordenado.






[1] Este texto não é senão uma despretensiosa resenha e meditação sobre a fala do Prof. Giovanni Catapano dada em 28 de fevereiro de 2013, na Sala Rossini Caffè Pedrocchi, em Padova. Trata-se da terceira intervenção feita para a XVIII edição do projeto “Filosofia come terapia”. O evento é promovido pela seção de Padova da “Associazione Italiana di Cultura Classica”. Vide: CATAPANO, Giovanni. Giovanni Catapano legge Agostino. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=hZjLNBVgX3A>. Acesso em: 25/05/2014.

sábado, 24 de maio de 2014

Ora e trabalha: A marca de São Bento na vida da Igreja.


Por Ian Farias.

Iniciamos hoje uma série de meditações sobre algumas das Congregações Religiosas que constituem a nossa Igreja. Percorreremos cada uma com vivo apreço e procuraremos explanar as ideias centrais que nortearam a constituição e a forma como foram geradas. Começaremos, porém, por aquela que é a primeira Congregação da nossa Igreja: os beneditinos. Os “filhos de São Bento”, que receberam diretamente a sua herança e que perpassa mil e quinhentos anos com uma profunda firmeza espiritual e cultural, solidificada na famosa regra do santo pai e que tem como lema: Ora et labora (Ora e trabalha). Quando tudo parecia perdido, os Mosteiros surgem como colunas da Civilização e muralhas da Igreja, inscrevendo a figura de nosso pai São Bento no frontispício da cultura ocidental.

Primeiro lugar devemos conhecer um pouco da austera vida de São Bento, um compêndio da penitência, da renúncia e da pronta entrega a Deus. Bento, que como dissera São Gregório Magno, o é “tanto na graça como no nome”, nasceu em Núrsia em 480. O único registro biográfico o temos nos livros dos Diálogos, de Gregório Magno, que foi o primeiro Papa da Ordem e se baseia em fatos narrados por aqueles que conviveram diretamente com o santo pai.

São Bento de Nursia. Detalhe do afresco de Fra Angelico
Bento foi enviado à Roma para estudar retórica e filosofia, ainda jovem. Sendo filho de um nobre romano, óbvio que seu pai não o deixaria a mercê, mas queria de igual forma torna-lo um pai de família, homem rico, de vida abastada. Entretanto, maior lhe foi a decepção com a decadência moral da cidade, o que fê-lo abandonar a urbe de Roma e retirar-se para Subiaco, por volta do ano 500. Após três anos nesta vida de eremitério, dedicada a oração e ao sacrifício, e tendo sido descoberto por pastores e pessoas da região, teve a sua fama de santidade divulgada, sendo visitado constantemente por pessoas que a ele acorriam para direções e conselhos, além dos que levavam-lhe alimentos.

Em 503 funda, então, doze mosteiros, recebendo um bom número de discípulos, entre os quais São Mauro e São Plácido, seus dois fiéis companheiros. Em 529 vai morar em Monte Cassino, onde funda a famosa Abadia. Uma das poucas abadias territoriais ainda a existirem no mundo. No ano de 534 escreve a Regula Monasteriorum (Regra dos Mosteiros), conhecida por nós como Regula Sancti Benedicti.

Depois de numerosos milagres, dentre os quais consta-se que teria ressuscitado um morto, falece aos 21 dias de março de 547, após receber os sacramentos e tendo anunciado a alguns monges seis dias antes que viria a falecer, mandando que abrissem a sua sepultura. Em pé, após a recepção da sagrada comunhão e ardendo em febre, entrega a alma a Deus.

Detalhe do altar-mor da Igreja de São Bento em Olinda-BA
S. Bento é venerado em três datas diferentes. A 21 de Março, dia da Primavera, celebra-se a sua morte terrena, o nascimento para o céu (Natalis). É o trânsito do Santo Patriarca (Festa do Trânsito). A data é, de fato, assegurada pela tradição monástica. Porque tal data coincide com o tempo da Quaresma, em que a Igreja proíbe as grandes solenidades externas, bem depressa se criou uma outra data, o 11 de Julho, em que os beneditinos comemoram a deposição dos restos mortais de S. Bento em Fleury, mosteiro de Saint Benoît-sur-Loire, França (Depositio), quando, depois da destruição de Monte Cassino pelos Longobardos, monges gauleses (673) trataram de levar dali as relíquias.

A Ordem beneditina é dentre as congregações a que mais teve religiosos elevados ao papado. Aqui os nomeamos: Gregório Magno, Bonifácio IV, Adeodato II, Leão IV, João IX, Leão VII, Estevão IX, Gregório VII, Vitor III, Urbano II, Pascoal II, Gelásio II, Celestino V, Clemente VI, Urbano V, Pio VII e Gregório XVI.

A ordem foi se estruturando aos poucos, como todas as demais ordens, entretanto foi um celeiro de santidade e vocações. Mas aquele que por Pio XII foi chamado “glória da Igreja”, fundamentou a prioridade da congregação em duas palavras: Ora et labora (Reza e trabalha). Certamente algo que os monges fizeram e ainda fazem com grande zelo. Poderíamos resumi-lo numa única citação do Venerável Servo de Deus Pio XII: “Isso, porém, não é tudo. A base, a diretriz, por assim dizer, suprema de toda a vida beneditina, é que todo trabalho, seja ele qual for, intelectual ou manual, seja, antes de mais, para o monge veículo que o eleve a Jesus Cristo e centelha que o inflame no seu amor perfeitíssimo. Não podem, com efeito, as coisas da terra, nem do universo, satisfazer as exigências espirituais do homem, que Deus criou para si” (Car. Enc. Fulgens Radiator, 18).

Acima de tudo propõe o santo pai que o monge procure configurar sua vida a de Cristo; que ele faça da si uma morada de Deus, o lugar onde Deus exercerá o seu salvífico poder burilando o homem para que seja aquele que ouve e cumpre atentamente a voz de Cristo em tudo que fizer. Poderíamos dizê-lo de outra forma ainda: Não basta trabalhar, é preciso trabalhar com Cristo. O cristão não pode se comprazer no terreno, nem deve vangloriar-se como se tudo fosse graças à sua condição. Deus é quem concede condição necessária para que, criados à sua imagem e semelhança, exerça sobre o trabalho uma atividade santificadora e edificante.

Esta segunda condição do trabalho, contudo, só tem sentido se acompanhada daquela primeira e essencial atividade que Bento adverte: A oração. Como poderíamos então fazer uma associação da oração com a figura de Cristo no contexto espiritual da vida monástica beneditina. Em outra parte da Regra ele cunha uma das suas frases mais famosas – senão a mais famosa: “Nihil amori Christi praeponere – Nada antepor ao amor de Cristo" (IV, 21). Enquanto as guerras difundiam ódio e atrocidade por parte dos povos bárbaros, verdadeiros “terrores do ocidente”, o patriarca santíssimo deixava o legado aos seus filhos para que acolhessem o amor de Cristo e nada lhe roubasse tal lugar, e nele o próximo, o que bate à porta.

Por fim gostaria de elementar um aspecto da contribuição dos beneditinos para o mundo e como eles estruturam esta civilização. De fato, não somente convém conhecermos o aspecto histórico das congregações mas os seus benefícios nos demais âmbitos e como elas conseguiram superar os desafios do tempo e da sociedade. As contendas causadas posteriormente com a difusão do protestantismo, já no entardecer do período medieval, não permitiram que fossem obscurecidas as laboriosas atividades monacais que levaram os próprios protestantes a reconhecerem as “muralhas” da civilização que foram os mosteiros. Chegaram a reconhecer que “se não fosse pelos monges e monastérios, o dilúvio bárbaro poderia ter varrido completamente os traços da civilização romana. O monge foi o pioneiro da civilização e da cristandade na Inglaterra, Alemanha, Polônia, Boêmia, Suécia, Dinamarca. Com o incessante estrondo das armas a sua volta, foi o monge em seu claustro mesmo nas remotas fortalezas, por exemplo, no Monte Athos, quem, perseverando e transcrevendo manuscritos antigos, tanto cristãos como pagãos, assim como registrando suas observações de eventos contemporâneos, foi repassando a tocha do conhecimento intactas às futuras gerações e amealhando estoques de erudição para as pesquisas de uma área mais esclarecida. Os primeiros músicos, pintores, fazendeiros, estadistas da Europa após a queda da Roma imperial sob o ataque violento dos bárbaros, eram monges”. (A Protestant Historian; acessado em: http://caiafarsa.wordpress.com/igreja-catolica-mae-da-civilizacao-moderna/).

Enquanto o caos parecia ter a última palavra, os que sempre confiaram-se ao amor de Cristo e a quem sempre Cristo confiou-lhes o seu amor, debruçaram sobre obras caritativas, conservaram a Bíblia, construíram escolas e universidades, edificaram templos magníficos, acolheram pobres, viúvas e doentes, conservaram a fé. Quando alguns se empenhavam a destruir, estes se empenhavam a edificar. Por isso é graças a estes, que sempre trabalharam ardorosamente, que temos uma sociedade civilizada, com uma cultura (hoje não tão bem aproveitada como outrora) e com uma fé que enraíza-se no Cristo Jesus.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

O Reinado Social de Cristo.


Por Rodrigo Pedroso.

“Cristo” é a tradução grega do termo hebraico “Messias”, que quer dizer “ungido”. Segundo o Catecismo da Igreja Católica (n. 436), no antigo povo de Israel eram ungidos em nome de Deus os reis, os sacerdotes e os profetas. Por isso, sendo o Senhor Jesus o Ungido por excelência, a Ele pertence o tríplice múnus de Sumo Profeta, Eterno Sacerdote e Rei Universal. O Catecismo Romano, por sua vez, esclarece que a Unção pela qual Jesus foi sagrado o Cristo consiste na plenitude da graça do Espírito Santo e na abundância dos dons espirituais que Lhe foram conferidos enquanto homem (cf. I, III, 7).

Assim, o fundamento da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo está no mistério da Encarnação, ou seja, no fato de ser Ele verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Trata-se daquela que pelos teólogos é chamada de “união hipostática”: duas naturezas, divina e humana, não confundidas, mas admiravelmente unidas na Pessoa divina do Verbo. Em vista disso, Jesus Cristo é Rei do Universo, não apenas por ser Deus e Senhor de tudo, mas também enquanto homem. Como explica o Papa Pio XI, na encíclica Quas Primas: «Segue daí que o Cristo não somente deve ser adorado como Deus pelos anjos e pelos homens, mas também que a Ele, como homem, devem estar submetidos e obedecer: isto é, que unicamente pelo fato da união hipostática o Cristo recebeu o poder sobre todas as criaturas» (n. 7). Efetivamente, ensina o antigo Catecismo Romano: «Jesus é Rei porque Deus reuniu em sua humanidade tudo o que a natureza humana podia comportar de poder, grandeza e dignidade. Entregou-lhe, portanto, o governo do mundo inteiro» (I, III, 7).

Isso significa que Jesus é Rei não apenas da porta da sacristia para dentro. Jesus é Rei não apenas dos homens considerados individualmente, mas também deve reinar sobre a vida pública e social. Com efeito, declara Papa Pio XI: «Os homens, unidos em sociedade, não estão menos sob o poder do Cristo do que o estejam os homens particulares. Somente Ele é a fonte da salvação privada e pública» (Quas Primas, 11). O mesmo Pontífice, na encíclica Ubi Arcano, já havia dito que «o meio mais eficaz de trabalhar pelo restabelecimento da paz é restaurar o Reino de Cristo» (n. 39). E em que consiste esse Reino? Responde-nos o Papa Paulo VI em sua Solene Profissão de Fé (Credo do Povo de Deus): «Consiste em conhecer sempre mais profundamente as insondáveis riquezas do Cristo, em esperar sempre mais ardentemente os bens eternos, em responder sempre mais decididamente ao amor de Deus e em distribuir sempre mais largamente a graça e a santidade entre os homens» (n. 27).

Diz ainda o Sumo Pontífice Pio XI que Jesus «reina na sociedade quando esta, prestando a Deus uma homenagem soberana, reconhece que d’Ele derivam a autoridade e seus direitos» (Ubi Arcano, 38). No entanto, quão longe disso estamos hoje em dia! Mais uma vez vemos cumprirem-se diante de nossos olhos as palavras do Salmista: «Por que os povos agitados se revoltam? Por que tramam as nações projetos vãos? Por que os reis de toda a terra se reúnem e conspiram os governos todos juntos contra o Deus onipotente e o seu Cristo?» (Sl 2,1-2).

Se estendermos o olhar ao nosso redor, veremos ser travada, nos campos da cultura e da política, uma guerra de extermínio contra o Cristianismo. Leis iníquas são aprovadas, arrancam-se os crucifixos das paredes e os cristãos são oprimidos e marginalizados apenas por vivenciarem a sua fé. Este é o panorama de uma sociedade que se rebela contra a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo.


Jesus é Rei, o Legislador supremo e o único verdadeiro Soberano. Todas as vezes em que os homens, arrogantemente, usurparam essa soberania, como se a eles só pertencesse, o resultado invariavelmente foi o mal, a opressão, a tirania. Se não nos organizarmos a fim de devolver à sociedade moderna uma noção do espiritual, defendendo o Reinado social de Jesus Cristo, eles acabarão conosco. «Levantemos o nosso povo do seu abatimento e pelejemos por nossa Pátria e por nossa religião» (I Mac 3,43).

quinta-feira, 22 de maio de 2014

A conversão de Barrabás.


Por Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Pietro Sarubbi interpretando Barrabás.
O título desse artigo poderia ser “A força de um olhar”. Pietro Sarubbi, quando adolescente, fugiu de casa e foi trabalhar num circo. Viajou pelo mundo como ator de teatro e cinema, tentando preencher o vazio espiritual que o afligia. Em 2001, conseguiu um papel coadjuvante em Hollywood, mas seu vazio existencial continuava. Meses depois apareceu uma oferta para colaborar com Mel Gibson. Pensou que o filme seria de ação, mas era sobre a Paixão de Jesus. Nunca imaginou que poderia atuar em uma representação da Paixão de Cristo, porque naquele momento estava muito longe da Igreja. Queria encarnar o apóstolo Pedro. Não por algo espiritual, mas porque pagavam melhor por dia de trabalho. Por isso, não escondeu sua decepção quando o diretor disse que o procurava para interpretar Barrabás (agência Zenit).

Mel Gibson, o diretor, explicou-lhe que Barrabás era mais que um bandido, um animal sem palavras, o que se expressava em seu olhar.  Era por isso que ele tinha sido escolhido para interpretá-lo, pois, depois de investigar, achou que ele parecia encarnar bem esse animal selvagem e, ao mesmo tempo, refugiar no fundo do seu coração o olhar de um homem bom.

Um dia, no set de filmagens, Sarubbi ficou absorto contemplando por uns momentos seu colega Jim Caviezel, que interpretava Jesus. Faltavam poucos minutos para gravar a cena onde o povo perdoava Barrabás e condenava o Messias. Surpreendentemente, o ator e Barrabás se transformaram numa só pessoa. A cena avançou e ele já não atuava, vivia, vibrava com os acontecimentos. “Não, a esse não! Barrabás!’ Os gritos da multidão tinham alcançado o seu objetivo. Estava livre! Inflado pela sua boa sorte, olhava ironicamente para as autoridades e, em seguida, para a multidão. E, finalmente, descendo as escadas, seu olhar se encontrou com o de Jesus. “Foi um grande impacto. Senti como se tivesse uma corrente elétrica entre nós. Eu via o próprio Jesus”, diz Pietro Sarubbi. A partir daquele momento, diz ele, tudo em sua vida mudou. Aquela paz que eu tinha procurado por anos, finalmente tinha invadido sua alma.

“Ao olhar nos meus olhos, seus olhos não tinham ódio ou ressentimento, apenas misericórdia e amor”. O ator italiano relata assim a sua fulminante conversão no livro “De Barrabás a Jesus, convertido por um olhar”, onde mostra a razão da sua gratidão com aquele personagem, Barrabás, que ele tinha resistido a encarnar: “Ele é o homem que Jesus salvou da cruz. É ele que representa toda a humanidade”.


Foi esse olhar misericordioso de Jesus que mirou Pedro no pátio da casa de Caifás e que o fizeram chorar amargamente (Lc  22, 61), para se tornar o grande São Pedro. Vem à nossa mente o célebre madrigal renascentista “ojos claros, serenos” de Gutierre de Cetina, adaptado por Francisco Guerrero: “Olhos claros, serenos, que fixaram em vosso apóstolo Pedro aí, olhai para mim e reparai o que eu perdi. Se atado fortemente, quereis sofrer por mim e ser açoitado, não me olheis irado, para que não pareçais menos clemente. Pois choro amargamente, voltai os olhos serenos, e já que morreis por mim, olhai-me ao menos”.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Natureza, não religião.


Por Carlos Ramalhete.

A população brasileira está finalmente começando a se levantar em protestos, em sua maioria calados pela mídia, contra a agenda de abominações que se vem tentando impor à força como se fosse não apenas normal, mas consensual. Para o grosso da população, já chegaram a níveis intoleráveis o desprezo pela vida humana, especialmente do nascituro, do idoso e do deficiente; a exigência de que a perversão sexual não seja apenas tolerada, mas celebrada; a definição da identidade em função da libido; a redução do matrimônio a um contrato revogável de sexo e dinheiro; a celebração da prostituição; o racismo aberto e descarado das cotas e demarcações absurdas de terras; a proteção dos criminosos em detrimento das vítimas; a negação “vadia” da dignidade feminina como meio mágico de supostamente afirmá-la; a negação peremptória do fenômeno religioso; a negação da existência de uma Justiça objetiva...

O truque empregado pela brutal elite dita progressista que domina o Estado e a mídia para calar a voz de praticamente toda a população brasileira é acusar de “fundamentalismo religioso atentando contra o Estado laico” qualquer suspiro contrário aos absurdos crescentes que nos vêm sendo impostos. Alguns vão ainda mais longe, e apontam o suposto perigo da implantação de uma teocracia (!) no Brasil.

Futuro sombrio à frente.
Ora, o fundamentalismo religioso é o que separa religiões, não o que as une; é o que leva sunitas a matar xiitas e ambos a matar cristãos e judeus. Protestos como o ocorrido em pleno dia útil em Brasília, reunindo uma multidão de espíritas, protestantes, católicos, seguidores de religiões orientais e agnósticos, são o oposto diametral do fundamentalismo religioso. São o pesadelo do fascista, do comunista e do teocrata.

O que há em comum entre todos os que reagem contra as imposições absurdas ora em curso não é uma religião, e sim o respeito à natureza humana atacada ou, na melhor das hipóteses, ignorada por elas. Toda religião, assim como qualquer filosofia que reconheça a existência do humano, levanta-se contra as abominações que nos querem fazer engolir. O que faz com que se reúnam as pessoas de boa vontade em protesto contra essa agenda nefanda é a necessidade de respeito à ordem natural, a percepção de que o que se vem impondo é o caos, a negação da dignidade humana.


Ditatorial, antidemocrático e contrário aos desejos da população é o caos antinatural que nos vem sendo imposto. O perigo fascista não está numa impossível teocracia ecumênica, mas nos ataques estatais à natureza humana.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

11/05/2014 - Dia Mundial de oração pelas vocações. Papa Francisco.

ORDENAÇÕES PRESBITERIAIS
DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
IV Domingo de Páscoa, 11 de Maio de 2014

Queridos irmãos!

Estes nossos filhos e irmãos foram chamados à ordem do presbiterado. Como vós bem sabeis, o Senhor Jesus é o único sumo sacerdote do Novo Testamento; mas n’Ele também todo o povo santo de Deus foi constituído povo sacerdotal. Contudo, entre todos os seus discípulos, o Senhor Jesus quer escolher alguns em particular, para que exercendo publicamente na Igreja em seu nome o ofício sacerdotal a favor de todos os homens, continuem a sua pessoal missão de mestre, sacerdote e pastor.

Depois de uma reflexão madura, agora estamos prestes a elevar à ordem dos presbíteros estes nossos irmãos, a fim de que ao serviço de Cristo mestre, sacerdote e pastor cooperem para edificar o Corpo de Cristo, que é a Igreja, no povo de Deus e templo santo do Espírito.

Com efeito, eles serão configurados a Cristo sumo e eterno sacerdote, ou seja, serão consagrados como verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento, e com este título, que os une no sacerdócio ao seu bispo, serão pregadores do Evangelho, pastores do povo de Deus, e presidirão as ações de culto, especialmente na celebração do sacrifício do Senhor.

Quanto a vós, irmãos e filhos diletíssimos, que estais para ser promovidos à ordem do presbiterado, considerai que exercitando o ministério da sagrada doutrina sereis participantes da missão de Cristo, único mestre. Proclamai a todos aquela Palavra, que vós mesmos recebeis com alegria, das vossas mães, das vossas catequistas. Lede e meditai assiduamente a palavra do Senhor para acreditar naquilo que lestes, ensinai o que aprendestes na fé, vivei o que ensinastes. Portanto, a vossa doutrina, que não é propriedade vossa, seja nutrimento para o povo de Deus: vós não sois proprietários da doutrina! É a doutrina do Senhor, e vós deveis ser fiéis à doutrina do Senhor! Por conseguinte, a vossa doutrina seja o alimento para o povo de Deus, o perfume da vossa vida seja alegria e apoio aos fiéis de Cristo, para que com a palavra e o exemplo edifiqueis a casa de Deus, que é a Igreja.

E assim vós continuareis a obra santificadora de Cristo. Mediante o vosso ministério o Sacrifício espiritual dos fiéis torna-se perfeito, porque unido ao sacrifício de Cristo, que pelas vossas mãos em nome de toda a Igreja é oferecido de modo incruento sobre o altar na celebração dos santos mistérios.

Portanto, reconhecei o que fazeis, imitai o que celebrais, para que, participando no mistério da morte e ressurreição do Senhor, carregueis a morte de Cristo nos vossos membros e caminheis com ele na novidade de vida.

Com o baptismo agregareis novos fiéis ao povo de Deus; com o sacramento da Penitência perdoareis os pecados em nome de Cristo e da Igreja. E aqui quero deter-me e pedir-vos, por amor a Jesus Cristo: nunca vos canseis de ser misericordiosos! Por favor! Tende esta capacidade de perdão que o Senhor teve, o qual não veio para condenar, mas para perdoar! Tende misericórdia, tanta! E se tiverdes o escrúpulo de ser demasiado «perdoadores», pensai naquele santo sacerdote do qual vos falei, que ia diante do tabernáculo e dizia: «Perdoa-me, Senhor, se perdoei demasiado. Mas foste tu que me deste o mau exemplo!». E eu digo-vos, verdadeiramente: sofro tanto quando encontro pessoas que já não se vão confessar, porque foram maltratadas, repreendidas. Sentiram que lhes eram fechadas na cara as portas da igreja! Por favor, não façais isso: misericórdia, misericórdia! O bom pastor entra pela porta e a porta da misericórdia são as chagas do Senhor: se entrardes no vosso ministério pelas chagas do Senhor, não sareis bons pastores.

Com o Óleo santo dareis alívio aos enfermos; celebrando os ritos sagrados e elevando nas várias horas do dia as orações de louvor e de súplica, vós sereis a voz do povo de Deus e da humanidade inteira.

Cientes de que fostes sido escolhidos entres os homens e constituídos em seu favor para estar ao serviço das coisas de Deus, exercitai com júbilo e caridade sincera a obra sacerdotal de Cristo, concentrados unicamente em agradar a Deus e não a vós mesmos.

E pensai naquilo que dizia santo Agostinho sobre os pastores que procuravam agradar a si mesmos, que usavam as ovelhas do Senhor como refeição e para se vestirem, para vestir a majestade de um ministério que não se sabia se era de Deus. Enfim, participando na missão de Cristo, chefe e pastor, em comunhão filial com o vosso bispo, comprometei-vos por unir os fiéis numa única família, para os conduzir a Deus por meio de Cristo no Espírito Santo. Tende sempre diante dos olhos o exemplo do Bom Pastor, que não veio para ser servido, mas para servir, e procurar salvar o que estava perdido.