sábado, 24 de maio de 2014

Ora e trabalha: A marca de São Bento na vida da Igreja.


Por Ian Farias.

Iniciamos hoje uma série de meditações sobre algumas das Congregações Religiosas que constituem a nossa Igreja. Percorreremos cada uma com vivo apreço e procuraremos explanar as ideias centrais que nortearam a constituição e a forma como foram geradas. Começaremos, porém, por aquela que é a primeira Congregação da nossa Igreja: os beneditinos. Os “filhos de São Bento”, que receberam diretamente a sua herança e que perpassa mil e quinhentos anos com uma profunda firmeza espiritual e cultural, solidificada na famosa regra do santo pai e que tem como lema: Ora et labora (Ora e trabalha). Quando tudo parecia perdido, os Mosteiros surgem como colunas da Civilização e muralhas da Igreja, inscrevendo a figura de nosso pai São Bento no frontispício da cultura ocidental.

Primeiro lugar devemos conhecer um pouco da austera vida de São Bento, um compêndio da penitência, da renúncia e da pronta entrega a Deus. Bento, que como dissera São Gregório Magno, o é “tanto na graça como no nome”, nasceu em Núrsia em 480. O único registro biográfico o temos nos livros dos Diálogos, de Gregório Magno, que foi o primeiro Papa da Ordem e se baseia em fatos narrados por aqueles que conviveram diretamente com o santo pai.

São Bento de Nursia. Detalhe do afresco de Fra Angelico
Bento foi enviado à Roma para estudar retórica e filosofia, ainda jovem. Sendo filho de um nobre romano, óbvio que seu pai não o deixaria a mercê, mas queria de igual forma torna-lo um pai de família, homem rico, de vida abastada. Entretanto, maior lhe foi a decepção com a decadência moral da cidade, o que fê-lo abandonar a urbe de Roma e retirar-se para Subiaco, por volta do ano 500. Após três anos nesta vida de eremitério, dedicada a oração e ao sacrifício, e tendo sido descoberto por pastores e pessoas da região, teve a sua fama de santidade divulgada, sendo visitado constantemente por pessoas que a ele acorriam para direções e conselhos, além dos que levavam-lhe alimentos.

Em 503 funda, então, doze mosteiros, recebendo um bom número de discípulos, entre os quais São Mauro e São Plácido, seus dois fiéis companheiros. Em 529 vai morar em Monte Cassino, onde funda a famosa Abadia. Uma das poucas abadias territoriais ainda a existirem no mundo. No ano de 534 escreve a Regula Monasteriorum (Regra dos Mosteiros), conhecida por nós como Regula Sancti Benedicti.

Depois de numerosos milagres, dentre os quais consta-se que teria ressuscitado um morto, falece aos 21 dias de março de 547, após receber os sacramentos e tendo anunciado a alguns monges seis dias antes que viria a falecer, mandando que abrissem a sua sepultura. Em pé, após a recepção da sagrada comunhão e ardendo em febre, entrega a alma a Deus.

Detalhe do altar-mor da Igreja de São Bento em Olinda-BA
S. Bento é venerado em três datas diferentes. A 21 de Março, dia da Primavera, celebra-se a sua morte terrena, o nascimento para o céu (Natalis). É o trânsito do Santo Patriarca (Festa do Trânsito). A data é, de fato, assegurada pela tradição monástica. Porque tal data coincide com o tempo da Quaresma, em que a Igreja proíbe as grandes solenidades externas, bem depressa se criou uma outra data, o 11 de Julho, em que os beneditinos comemoram a deposição dos restos mortais de S. Bento em Fleury, mosteiro de Saint Benoît-sur-Loire, França (Depositio), quando, depois da destruição de Monte Cassino pelos Longobardos, monges gauleses (673) trataram de levar dali as relíquias.

A Ordem beneditina é dentre as congregações a que mais teve religiosos elevados ao papado. Aqui os nomeamos: Gregório Magno, Bonifácio IV, Adeodato II, Leão IV, João IX, Leão VII, Estevão IX, Gregório VII, Vitor III, Urbano II, Pascoal II, Gelásio II, Celestino V, Clemente VI, Urbano V, Pio VII e Gregório XVI.

A ordem foi se estruturando aos poucos, como todas as demais ordens, entretanto foi um celeiro de santidade e vocações. Mas aquele que por Pio XII foi chamado “glória da Igreja”, fundamentou a prioridade da congregação em duas palavras: Ora et labora (Reza e trabalha). Certamente algo que os monges fizeram e ainda fazem com grande zelo. Poderíamos resumi-lo numa única citação do Venerável Servo de Deus Pio XII: “Isso, porém, não é tudo. A base, a diretriz, por assim dizer, suprema de toda a vida beneditina, é que todo trabalho, seja ele qual for, intelectual ou manual, seja, antes de mais, para o monge veículo que o eleve a Jesus Cristo e centelha que o inflame no seu amor perfeitíssimo. Não podem, com efeito, as coisas da terra, nem do universo, satisfazer as exigências espirituais do homem, que Deus criou para si” (Car. Enc. Fulgens Radiator, 18).

Acima de tudo propõe o santo pai que o monge procure configurar sua vida a de Cristo; que ele faça da si uma morada de Deus, o lugar onde Deus exercerá o seu salvífico poder burilando o homem para que seja aquele que ouve e cumpre atentamente a voz de Cristo em tudo que fizer. Poderíamos dizê-lo de outra forma ainda: Não basta trabalhar, é preciso trabalhar com Cristo. O cristão não pode se comprazer no terreno, nem deve vangloriar-se como se tudo fosse graças à sua condição. Deus é quem concede condição necessária para que, criados à sua imagem e semelhança, exerça sobre o trabalho uma atividade santificadora e edificante.

Esta segunda condição do trabalho, contudo, só tem sentido se acompanhada daquela primeira e essencial atividade que Bento adverte: A oração. Como poderíamos então fazer uma associação da oração com a figura de Cristo no contexto espiritual da vida monástica beneditina. Em outra parte da Regra ele cunha uma das suas frases mais famosas – senão a mais famosa: “Nihil amori Christi praeponere – Nada antepor ao amor de Cristo" (IV, 21). Enquanto as guerras difundiam ódio e atrocidade por parte dos povos bárbaros, verdadeiros “terrores do ocidente”, o patriarca santíssimo deixava o legado aos seus filhos para que acolhessem o amor de Cristo e nada lhe roubasse tal lugar, e nele o próximo, o que bate à porta.

Por fim gostaria de elementar um aspecto da contribuição dos beneditinos para o mundo e como eles estruturam esta civilização. De fato, não somente convém conhecermos o aspecto histórico das congregações mas os seus benefícios nos demais âmbitos e como elas conseguiram superar os desafios do tempo e da sociedade. As contendas causadas posteriormente com a difusão do protestantismo, já no entardecer do período medieval, não permitiram que fossem obscurecidas as laboriosas atividades monacais que levaram os próprios protestantes a reconhecerem as “muralhas” da civilização que foram os mosteiros. Chegaram a reconhecer que “se não fosse pelos monges e monastérios, o dilúvio bárbaro poderia ter varrido completamente os traços da civilização romana. O monge foi o pioneiro da civilização e da cristandade na Inglaterra, Alemanha, Polônia, Boêmia, Suécia, Dinamarca. Com o incessante estrondo das armas a sua volta, foi o monge em seu claustro mesmo nas remotas fortalezas, por exemplo, no Monte Athos, quem, perseverando e transcrevendo manuscritos antigos, tanto cristãos como pagãos, assim como registrando suas observações de eventos contemporâneos, foi repassando a tocha do conhecimento intactas às futuras gerações e amealhando estoques de erudição para as pesquisas de uma área mais esclarecida. Os primeiros músicos, pintores, fazendeiros, estadistas da Europa após a queda da Roma imperial sob o ataque violento dos bárbaros, eram monges”. (A Protestant Historian; acessado em: http://caiafarsa.wordpress.com/igreja-catolica-mae-da-civilizacao-moderna/).

Enquanto o caos parecia ter a última palavra, os que sempre confiaram-se ao amor de Cristo e a quem sempre Cristo confiou-lhes o seu amor, debruçaram sobre obras caritativas, conservaram a Bíblia, construíram escolas e universidades, edificaram templos magníficos, acolheram pobres, viúvas e doentes, conservaram a fé. Quando alguns se empenhavam a destruir, estes se empenhavam a edificar. Por isso é graças a estes, que sempre trabalharam ardorosamente, que temos uma sociedade civilizada, com uma cultura (hoje não tão bem aproveitada como outrora) e com uma fé que enraíza-se no Cristo Jesus.

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