Por Paul
Medeiros Krause.
Em primeiro lugar,
quero fazer saber ao leitor que me sinto indigno de dirigir-lhe a palavra. Se
há alguém que não sabe do que fala, esse alguém sou eu. Este texto não é
manifestação da minha sabedoria; ao contrário, o é da minha intemperança. Os
insensatos gostam de falar do que não sabem. Falam mais por gosto do que por
conhecimento ou competência. É este o caso. Eis a manifestação da minha
intemperança ou verborragia incontida.
Contudo, ainda
assim, gostaria de atrever-me a dirigir-lhe a palavra a propósito de algo sobre
que penso algumas vezes: a dor, o sofrimento. A dor é um mistério. Por vezes,
causa um incômodo inaudito, insuportável. Aparentemente, o sofrimento é um
acontecimento ilógico, uma contradição da natureza, um paradoxo divino. Se Deus
ama-nos e é onipotente, por que permite o sofrimento?
Há quem diga que a
Igreja Católica gosta de incutir nas pessoas o sentimento de culpa. Há quem
afirme que a Igreja de Roma vê mal em tudo e em todos e que seja vítima de
terrível pessimismo. Ouso pensar de forma contrária. Se há algum excesso no
catolicismo, é de otimismo.
A minha
desconfiança, por vezes, é a de que a Igreja não nos conta toda a verdade. Ou,
pelo menos, não insiste tanto nela. Não que ela, a Esposa de Jesus Cristo, seja
desonesta conosco, longe disso. A minha sensação é a de que ela não quer esmagar-nos,
desanimar-nos. Ela não revela logo ao doente toda a gravidade da sua doença. A
minha suposição é a de que a realidade do pecado é muito mais grave,
desesperadora e terrível do que imaginamos.
Somente quem não se
conhece suficientemente e ignora a gravidade do que seja um simples pecado
venial, pode achar que sofre injustamente. Só quem não conhece a própria
malícia e não faz a ideia mais pálida que seja da pureza inconcebível de Deus
pode chegar ao tresloucado e disparatado ato de dizer que sofre injustamente.
Essas pessoas – e eu mesmo quando me queixo das minhas unhas encravadas! – são
o mau ladrão do Evangelho, que, mesmo sendo bandido, queixa-se a Cristo por
estar sendo crucificado. Aquele ladrão queixoso, que tanta revolta nos causa!,
somos nós: todo murmurador é um mau ladrão! Ladrões, usurpadores da glória de
Deus, todos somos pelo pecado. Mas podemos escolher ser o bom ladrão.
Quanto a isto estou
plenamente convencido: não há quem sofra injustamente. A não ser Cristo e Nossa
Senhora, todos pecamos. O pecado é uma realidade gravíssima. Causa uma desordem
tal na nossa relação com Deus, na nossa relação com os outros homens, na nossa
relação com nós mesmos e com a natureza que não somos capazes de imaginar.
Basta dizer que é uma ofensa a um ser infinito, Deus. Ora, uma ofensa a um ser
infinito, por imperativo de justiça, exige uma reparação infinita. Qualquer
sofrimento que tenhamos, por maior que seja, é insuficiente para reparar as
ofensas que fazemos a Deus. Respeito quem pense o contrário. Mas permita-me
dizer-lhe que padece de uma cegueira brutal. Acredite: a realidade é que você
sofre pouquíssimo, bem menos do que merece!
Assim, a primeira
conclusão a que chego é a de que nenhum sofrimento é injusto. Que ninguém se
atreva a queixar-se. Oferecendo o seu sofrimento a Deus como reparação dos seus
pecados, você ainda é um devedor falido que não tem com que pagar a sua dívida.
O Evangelho afirma isso.
O segundo ponto das
minhas reflexões é: o sofrimento é um ato de confiança de Deus no homem. Ao
permitir-nos sofrer, Deus mostra-nos que não somos feitos de açúcar. Mais do
que isso. Ele revela-nos que somos meninos mimados, que, na verdade, são muito
mais capazes de sofrer do que imaginam. O nosso limite, o limite do suportável,
vai muito além do que pensamos ou do que gostaríamos. Mas é nesse muito além
que brotam os atos de heroísmo.
O sofrimento do menino Bernardo. |
O caso do menino
Bernardo, pelo que se supõe, assassinado pelo pai e pela madrasta, em um
primeiro momento, desconcerta-nos, aflige-nos, deixa-nos perplexos. O mistério
da iniquidade, o mistério da maldade trava-nos o raciocínio. Quebra-nos as
pernas. Corta-nos as asas. Prostra-nos.
Não há dúvida de que
a história trágica, dilacerante, de Bernardo esmaga-nos. Deixa-nos moídos,
despedaçados. Contudo, não me soa irrazoável supor que diante da grandeza do
paraíso de que ele agora goza, e que é eterno, todo o seu mal na terra não
passou de umas cócegas, de uma coceira.
Será que nós
meditamos de fato no que alguns teólogos dizem: a menor pena no purgatório é
maior do que o maior sofrimento da terra? Assim, não estará Deus, muitas vezes,
trocando uma pena maior no purgatório por uma pena menor nesta terra? Será que
temos bem presente o que dizia São Paulo, que o prêmio da vida futura não tem
proporção, não tem parâmetro de comparação com os males da vida presente?
Não nos enganemos:
todo pecado exige reparação. A Igreja ensina que quando recebemos a absolvição
na confissão a nossa culpa é perdoada, mas não a nossa pena temporal no
purgatório. Além disso, a esse mundo governado pelo egoísmo e pelo
individualismo, é bom recordar: vivemos a comunhão dos santos. Uma alma que se
eleva, eleva o mundo. Uma alma que cai, faz cair o mundo. Estamos ligados uns
aos outros por uma espécie de comunhão ou linha invisível. Cristo poderia ter
reparado todas as nossas penas no purgatório, a sua paixão era suficiente para
isso, mas ele não concedeu essa graça de forma automática. É possível obter a
reparação integral da pena temporal por meio das indulgências plenárias. Mas
não são todos os que recorrem a esse tesouro espiritual depositado nas mãos da
Igreja. Tudo indica que uns reparam pelos outros. Parece absolutamente certo
que algumas pessoas reparam em lugar de outras. É bem possível que seja o caso
de Bernardo. Se com Cristo foi assim, por que não seria conosco? Se Deus
assumiu a condição humana, por que não assumiríamos em parte a paixão divina?
Se Deus se solidarizou conosco, por que não nos solidarizaríamos com ele e com
os outros homens?
Simão Cirineu |
Como quer que seja,
Simão Cirineu grita-nos alguma coisa. A paixão de Cristo é suficiente para
eliminar toda a nossa culpa e toda a nossa pena. Mas Deus, nos insondáveis
mistérios da sua Providência, quis que Simão Cirineu, na verdade, toda a
humanidade, se lhe associasse, de alguma forma, no caminho do calvário. Deus
quis que participássemos, de alguma maneira, do calvário. Notemos que o Cirineu
não se ofereceu. Ele foi obrigado a carregar por alguns momentos a cruz de
Cristo. Talvez aquela gota de água derramada no cálice de vinho do ofertório
signifique a nossa minúscula participação no sofrimento redentor de Cristo.
Convido o leitor a
fazer um pouco de discernimento dos espíritos. Observemos bem como são as obras
de Deus: elas são como um banho frio. No começo, o banho frio é incômodo e
difícil; no meio, acostumamo-nos a ele; no final e depois do final, dá mais
prazer e mais duradouro do que um banho quente. As obras de Deus causam-nos um
desconforto no instante inicial e uma paz longa e duradoura no final e após o
final. Assim é a quaresma. Assim é a nossa vida, que é uma espécie de quaresma,
de prelúdio da páscoa definitiva.
As obras do demônio
funcionam de modo inverso: o prazer máximo, por curtíssimo instante, vem no
começo; no meio da ação, já estamos enjoados; no final e após o final, sentimos
um amargor perene. Por um prazer de cinco minutos, desgraçamos a nossa vida inteira.
Assim é o pecado. Assim é a vida de pecados, a que se segue a insatisfação
eterna, o inferno de tormentos.
Não sei se alguém já
observou que o tempo pascal é superior em número de dias ao período da
quaresma. E por ensinamento do próprio Santo Agostinho são desestimulados o
jejum e as penitências corporais no período pascal, que é como que o dia de
páscoa estendido até pentecostes.
Vendo por esse
prisma, a quaresma, a exigência de mortificação, soa quase como uma brincadeira
de Deus. Ele pede-nos uma privação de quarenta dias, para depois dar-nos um
período de festa de cinquenta dias!...
Mas essa é a lógica
de Deus. Atrevo-me a dizer que o sofrimento é uma brincadeira de Deus com os
homens. Há uma tal desproporção entre o sofrimento e a recompensa, que diante
desta aquele é uma cócega, apenas uma coceira.
Se observarmos bem,
esse tempo quaresmal, com seus quarenta dias que são uma figura da nossa vida,
da nossa penosa peregrinação rumo ao paraíso, é uma pausa restauradora. A
Igreja em sua sabedoria demarcou um tempo nem exageradamente extenso, nem
demasiadamente curto. Em quarenta dias é possível começar a arrancar os maus
hábitos, a sair da má rotina, a puxar pela raiz os vícios, a dar ao corpo uma
espécie de convalescença pelas surras que levou dos próprios pecados.
A nossa vida, por
decreto divino, também não será excessivamente extensa nem excessivamente
curta. A nossa vida, a nossa vida amarga, o nosso desterro de misérias, a nossa
quaresma personalíssima prepara-nos para uma páscoa de bem mais de cinquenta
dias.
Voltemos ao pensamento
de São Paulo. Os sofrimentos dessa vida não têm comparação com a recompensa
futura. Aguarda-nos o banquete pascal da eternidade. O sofrimento é uma
brincadeira de Deus.
Muito bom!
ResponderExcluirObrigada Paul. Deus te abençoe!