quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Questão de tempo.


Por André Brandalise

“O meu passado, Senhor, à Tua misericórdia. O meu presente, ao Teu amor. O meu futuro, à Tua Providência” (Santo Padre Pio de Pietrelcina)

Sinopse: Tim (Domhnall Gleeson) faz parte de uma família de viajantes do tempo. Após descobrir o seu dom, ele passa a usá-lo em seu próprio proveito, principalmente para conquistar mulheres. É aí que ele conhece Mary (Rachel McAdams), uma garota linda, porém insegura. Usando suas habilidades nada convencionais, ele altera o tempo para construir uma linda história de amor. Mas ele também vai perceber que nem tudo está sob o nosso domínio.

Algumas vezes nos deparamos com filmes que tratam dessa temática: a volta no tempo e mudança de decisões e atos que acabam repercutindo no futuro. O primeiro ótimo registro desse tema foi com o livro de H.G. Wells, “A Máquina do Tempo”, que já foi adaptado para o cinema algumas vezes. Também tivemos a ótima trilogia “De Volta para o Futuro”, em que acompanhamos Marty McFly tentando salvar o passado, presente e futuro de uma vez só.

Nesta produção temos contato novamente com esta temática, em que o rapaz descobre que tem o dom de voltar ao passado e alterar os atos, o que, com certeza, gera consequências no presente e futuro. É uma solução fácil para aqueles que se arrependem de algo que fizeram, ou então, uma forma de evitar sofrimentos.

Todo esse vai e vem no tempo, durante o filme, nos leva a acompanhar ótimas experiências, como a excelente relação entre pai e filho e o que isso gera na vida deles no presente e futuro (inclusive com uma nova geração vindo), torcendo para que o jovem protagonista consiga viver sua vida com felicidade, corrigindo erros do passado ou melhorando situações do presente, ainda que fúteis, inclusive com alguns momentos cômicos.

Tudo isso nos leva a pensar o que mudaríamos no nosso passado… Mas, creio que nenhum dos leitores tem este dom de voltar ao passado, então, para cada um de nós vale lembrar as palavras de Gandalf em “O Senhor dos Anéis”:  “O que nos cabe é decidir o que fazer com o tempo que nos é dado”.

Seria ótimo podermos retornar e apagar de nossa história os erros que cometemos, mudar as situações vexatórias que passamos, impedir que viéssemos a conhecer pessoas que nos causassem mal, entre tantas outras coisas, mas como não podemos, devemos aprender com o passado, confessar nossos pecados (quando arrependidos) e, no presente, agirmos pensando em nosso futuro, mas cientes de que este a Deus pertence.

O Papa Francisco, em uma de suas homilias na Casa Santa Marta, diz que toda a nossa vida está fundada em três pilares: um no passado, um no presente e outro no futuro. O pilar do passado, explicou, “é o da eleição do Senhor”, que Ele nos disse “venha”. O futuro, ao invés, diz respeito ao “caminhar rumo a uma Promessa”, o Senhor “fez uma promessa conosco”. Por fim, o presente “é a nossa resposta a esse Deus tão bom que nos elegeu”.

E finalizou assim:

“Esquecer o passado, não aceitar o presente, desfigurar o futuro: é o que fazem as riquezas e as preocupações. O Senhor nos diz: ‘Estejam tranquilos! Busquem o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais lhes será acrescentado. Peçamos ao Senhor a graça de não errar com as preocupações, com a idolatria da riqueza e de sempre lembrar que temos um Pai, que nos elegeu; lembrar que este Pai nos promete uma coisa boa, que é caminhar rumo àquela promessa e ter a coragem de aceitar o presente como vem. Peçamos essa graça ao Senhor!”


Vale a pena assistir este filme, seja para refletirmos conforme colocado acima, ou apenas pelo bom filme que é.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Uma breve reflexão nos parágrafos VII a XII do livro X do De Trinitate de Agostinho.

Uma breve reflexão acerca do “γνῶθι σεαυτόν” (gnõthi seaytón) nos parágrafos VII a XII do livro X do De Trinitate de Agostinho[1] e uma meditação sobre a sua aplicabilidade a nossa condição atual

Por Sávio Laet

Santo Agostinho, autor de De Trinitate.
A obra De Trinitate de Agostinho é dividida em três partes. São quinze livros. Como indica o próprio nome, ela pretende aproximar-se do mistério da Trindade. A primeira parte consiste numa demonstratio da Trindade baseada na auctoritas da Escritura (I-IV). A segunda parte consiste na defesa – baseada, desta feita, sobre a ratio – da legitimidade daquilo que dizemos acerca da Trindade. Trata-se também de um tratado sobre a “linguagem teológica” no que toca aos atributos divinos (V-VII). Na terceira parte, a Trindade – em sua unidade – é contemplada através da inteligência – em particular da mente humana –, desta sorte considerada como imagem de Deus (VIII-XV). É a tentativa de contemplar e compreender como a mens humana constitui uma imagem da Trindade.

Agora bem, dentro desta terceira parte, o livro X tem a sua autonomia. É o livro cujo tema é o conhecimento de si mesmo. Com efeito, se a mente é o lugar onde podemos ver um reflexo da Trindade, torna-se essencial conhecer o que a mente é. E se nós somos a nossa mente, isto significa que se torna essencial – para o conhecimento da Trindade – o “conhecimento de si mesmo”. O objetivo de Agostinho é mostrar que a “cogitatio” de si – da parte da mente – é temporária, parcial e sujeita a erro. Já a notitia acerca da própria mente – procedente da mente mesma – é perene, total e infalível. Ora, a seção do livro X – que vai do parágrafo VII ao parágrafo XII – concentra-se sobre o sentido do “projeto délfico”: como posso conhecer a mim mesmo? Isto é importante porque – se o homem é sua mente – a mente deve ter um conhecimento certo de si, a fim de que o homem viva segundo a sua natureza.

Mas, para Agostinho, conhecer-se e saber o que se é não é a mesma coisa. E saber o que se é, é saber que, na hierarquia dos seres – segundo o esquema neoplatônico – a mente não ocupa nem o vértice nem a base, mas o meio. No vértice está Deus; na base, o mundo dos corpos. Destarte, para a mente se comportar corretamente, deve saber que é superior aos corpos, mas inferior a Deus. Deve, pois, saber ocupar o seu lugar na realidade. Não se trata, propriamente, de adquirir um conhecimento do qual era privada, mas de retomar a “consciência” do que sempre soube e habitualmente se esquece. Para isso, importa que a mente corrija o modo pelo qual se tornou habituada a conhecer a si mesma.

A mente deve habituar-se a pensar-se adequadamente.
A proposta de Agostinho é que a mente – através do correto conhecimento de si mesma – saia do estado de “inconsciência” para o de “consciência” de si mesma e, assim, encontre um estilo de vida superior. Em outras palavras, a mente deve habituar-se a pensar-se adequadamente.

Com efeito, a causa do amor desordenado pelas coisas sensíveis reside no fato de a alma crer ser um corpo (materialismo). E para corrigir isso, ela deve acercar-se de si mesma não como se fosse ausente de si mesma, porque nada é mais presente à mente do que a própria mente. Deve, pois, aproximar-se de si mesma não mais se procurando nas suas “representações”, mas diretamente, e isto acarreta que a mente se destaque, distinguindo-se das imagens sensíveis que estão na sua memória, imagens estas que o mais das vezes ela toma por ela mesma.

De resto, não se trata de um conhecimento aditivo, mas subtrativo, isto é, a mente deve se subtrair às imagens que a povoam. Outrossim, não se resolve o problema dizendo que Agostinho opõe um dentro a um fora. Isto só barateia a questão. É mais do que isso, porque as imagens também estão dentro de nós. Trata-se, na verdade, de ir além do interior – que Agostinho identifica com a imaginação – para o íntimo, que ele chama de inteligência.

Alienados de nós mesmos.
Neste sentido, nós vivemos habitualmente fora de nós mesmos, alienados de nós mesmos, ausentes de nós mesmos, mesmo em nossa interioridade, mesmo em nossa vida interior. Daí a necessidade de uma metafísica da interioridade (ir além da própria interioridade), que nos coloque imediatamente frente a frente com nós mesmos – a sós com nós mesmos – e que redunde, por isso mesmo, no amor bem ordenado.

No entanto, importa entendermos ainda outro aspecto. Agostinho, por este itinerário, não chega ao “individualismo moderno”. Na verdade, antes de descobrir o indivíduo – não o “individualismo” – Agostinho descobre, como vimos, a verdadeira interioridade. E é precisamente nesta interioridade, cujo “superlativo” é a intimidade, que ele se encontra com a alteridade de Deus. Ora, é somente na relação com este TU, que o mesmo Agostinho pode afirmar o seu “eu”. Há, portanto, na interioridade agostiniana, um êxodo, um sair de si mesmo para se relacionar com Aquele que é maior do que nós: Deus. Trata-se, pois, de uma interioridade que culmina na transcendência. E isto se estende também às relações humanas. Com efeito, é apenas fazendo uma experiência interior do outro, isto é, uma experiência que "transgrida" os simulacros que temos dele, que nos tornamos capazes de estabelecer, com este outro, um diálogo de um “eu” com um “tu”. Destarte, cumpre acentuar, que a interioridade agostiniana não nos transforma em mônadas; antes, torna-nos seres relacionais. De fato, é partir desta “metafísica da interioridade” que Agostinho formula o seu conceito de “civitas Dei”, o qual é um conceito universal, visto que a "civitas" não é uma “pólis” que possa ser circunscrita no espaço e no tempo, mas um hábitat que é constituído por todos aqueles que fazem esta experiência, vale dizer, por todos aqueles que estejam abertos a experienciar dentro de si o Outro e os outros. Por conseguinte, é reformulando o ideal “cosmopolita” do seu tempo, que Agostinho funda o seu conceito de “civitas”.[2]

Mas, retornando ao início do nosso texto, na “prática”, qual é a causa de nos desintegrarmos?

Na extinta série Diálogos Impertinentes, num diálogo mediado pelo filósofo e professor Mário Sérgio Cortella, quando da discussão acerca da “A Moral”[3], dois pensadores de peso – Prof. Olavo de Carvalho e o Prof. Frei Carlos Josaphat – debateram a questão. Toda a conversação é uma aula, mas fiquemos apenas com um pequeno trecho que vai dos 37min: 18s até aos 41min: 16s. Trata-se de uma fala – que fala por si mesma – do filósofo Olavo de Carvalho. Como educador, o professor consegue ser autoexplicativo.

O que entendo é o seguinte. A absolutização da moral é um fenômeno que não nasceu na cristandade medieval. Os medievais eram antirracionalistas (não antirracionais) e, por isso mesmo, acreditavam que a figura deste mundo passa. O grande exemplo disso era a festa dos bufões, onde tudo era posto de cabeça para baixo, exatamente para evidenciar a transitoriedade da ordem presente. A moral endeusada é um fenômeno moderno e laico. E é a moral, concebida como substituta de Deus, que tem causado a maioria das nossas desordens, inclusive emocionais. Como ninguém aguenta ficar vigiando-se o tempo todo e como também ninguém consegue “produzir provas contra si mesmo”, é “natural” – numa sociedade que endeusa a moral e onde não há mais um Deus com quem se possa conversar e a quem se possa recorrer – projetar nos outros os próprios defeitos e, sem mais, desonerar-se de responsabilidades, responsabilizando os outros. Enfim: Summum jus, summa injuria! Parafraseando: o moralismo é a suma imoralidade.

Mudança de comportamento moral, uma tragédia esperada.
Ora, os ideólogos não demoraram a perceber que a absolutização da moral está na ordem do dia. Hoje, eles não procuram mais mudar ideias, mas sim comportamentos e, mudando o comportamento, conduzem as suas vítimas ao entorpecimento, ao desinteresse, à alienação e, a longo prazo, a ter vergonha de si mesmas. E, como a moral passa a ser a última instância – a instância inapelável – estas pessoas não aceitam fazer uma revisão das suas próprias condutas, não aceitam se policiar, porque também não tem para onde ir. O moralismo é o pecado sem perdão. Hoje não há mais lugar, por exemplo, para as Confissões de um Agostinho. Não existe mais arrependimento, porque não há mais esperança de redenção. Há muito remorso, isto sim. Perdão é coisa rara onde não existe remissão. Fazendo uma analogia com São Paulo: sem Deus, a lei só identifica o delito, para depois deixar a pessoa sozinha com os seus "demônios", sendo incapaz de exorcizá-los. Neste contexto, resta o conformismo, a fuga de si mesmo, a distração e a negação dos autênticos valores. É neste contexto, que a integração pessoal proposta por Sócrates e reproposta por Agostinho ganha todo sentido.

Não poderíamos encerrar esta pequena reflexão sem traçar um paralelo com o atual contexto do nosso país. Para tanto, valer-nos-emos de um trecho do Comentário de Tomás ao célebre livro V da Ética a Nicômaco de Aristóteles:

[...] Aristóteles comenta que essa dúvida será posteriormente esclarecida na Política, já que, no terceiro livro dessa obra (Ética), ele comenta que ser um homem simplesmente bom não se confunde com ser um cidadão bom, pois esses dois conceitos não são sempre a mesma coisa em todos os Estados e em todas as Constituições. Há Estados com leis não retas, nos quais alguém pode ser um bom cidadão, sem ser um bom homem. Mas, no Estado ótimo, não há bom cidadão que não seja também um bom homem.[4]

A partir do que dissemos ao longo deste texto e da passagem acima, meditemos um pouco sobre a nossa condição atual. Será que é um homem bom quem segue algumas das “leis” aprovadas recentemente neste país? Será que, no Brasil, ser um bom cidadão é ser um bom homem? Se não, como fica a integração da pessoa? Como fica a formação do caráter e a sociabilidade do indivíduo, uma vez que a política não é ética e a ética não se aplica à política? Devemos exigir, no contexto em que estamos, que os nossos educadores formem bons cidadãos ou não seria mais apropriado pedir a eles, antes de tudo, que formem bons homens, no caso, homens com consciência crítica? Mas será que as nossas instituições de ensino oferecem – ou ao menos pretendem oferecer – uma formação segundo a virtude? Não estarão elas atendendo a outros interesses, que visam somente a reproduzir o que está diante dos nossos olhos? Será que, no contexto em que vivemos, vale a pena confiar a educação ao Estado? Será que podemos confiar ao Estado, tal como ele se encontra, todas as nossas expectativas? Será que por aqui há alguma instituição com vínculos estatais capaz de contribuir, com correção, na integração pessoal do indivíduo? Será que alguma instituição governamental é suficientemente livre para formar – com retidão – a consciência moral de alguém?




[1] Este texto não é senão uma despretensiosa resenha e meditação sobre a fala do Prof. Giovanni Catapano dada em 28 de fevereiro de 2013, na Sala Rossini Caffè Pedrocchi, em Padova. Trata-se da terceira intervenção feita para a XVIII edição do projeto “Filosofia come terapia”. O evento é promovido pela seção de Padova da “Associazione Italiana di Cultura Classica”. Vide: CATAPANO, Giovanni. Giovanni Catapano legge Agostino. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=hZjLNBVgX3A>. Acesso em: 25/05/2014. 
[2] Vide a intervenção de Piero Coda, no seu diálogo com Umberto Galimberti: AGOSTINHO D’IPPONA: UNA EREDITÀ, UNA RISORSA: UMBERTO GALIMBERTI E PIERO CODA IN DIALOGO. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=tHTJmT9WMe4&list=UU8vw0NdgiFyLGdjXCv1MQlQ>. Acesso em: 25/10/2014.
[3] DIÁLOGOS IMPERTINENTES. A Moral. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=xllUdBZOU7Q> . Acesso em: 30/09/2014. 
[4] TOMÁS DE AQUINO. Da Justiça. Trad. Tiago Tondinelli. Rev. Silvia Elizabeth da Silva. São Paulo: Vide Editorial, 2012. Lição III. p. 35.

sábado, 25 de outubro de 2014

O Mundo não começou com Lula.


Por Denilson Cardoso de Araújo

O mundo não se divide entre os completamente santos e os totalmente perversos. A vida não é simples assim. Conheço gente virtuosa, mas com vícios. E vi canalhas com arroubos de bondade. Então, não me insultem a inteligência dizendo que Dilma é classe operária indo ao paraíso, a Marina purgatório e o Aécio, o inferno.

Não desertando de ideais, trago pés na realidade. Portanto, sei. Bom ficou à biografia deste país de elites machistas, caberem na cadeira importante, tanto o retirante com dedo comido na máquina quanto a mulher governante. Mas descasque estes simbolismos úteis, até necessários. Ressalvada a política de cotas nas universidades, esta sim, de caráter libertário, o conteúdo de seus governos deixa déficits ideológicos e morais inéditos, vindos de quem tinha compromissos opostos.

O mundo não começou com Lula. Século de sacrifícios de militantes pagaram em sofrimento e sangue o alto preço da oportunidade dada ao PT. Por isso dói o desperdício em compromissos abandonados na subserviência a banqueiros, manutenção do status quo econômico, exacerbação do clientelismo e práticas corruptas que condenava. O PT não fez jus a tantos que puseram sangue no tom do vermelho que antes enchia a estrela hoje desbotada. Dói ver petistas presos envergonhando o gesto militante de erguer o punho que simboliza luta. O vergonhoso discurso implícito é coisa tipo “nossos criminosos são melhores que os deles”.

Assim, o dilema do eleitor de Marina parece dispensável drama para quem admirou a miserável que senadora se tornou, moribunda que renasceu militante aguerrida, Osmarina-ninguém que personalidade mundial se tornou. Pois tal voto nasceu também do cansaço com o petismo tornado organização de militantes reféns da direção que os quer cúmplices, e que sequestra representações sindicais e sociais para esterilizá-las, tirando voz da sociedade insatisfeita.

A opção deste eleitor parece penosa, mas simples. Renovar “o inferno” de suas frustrações ou votar pela alternativa, mesmo sendo ela, a alguns, uma “cruz”. Além de ser verdade relativa atribuir direitismos a Aécio, quem disse que o PT governou à esquerda? Ah, tem o Bolsa-Família, que alimenta desfavorecidos. Mas os fideliza e compromete com um tantas vezes injustificado senso de “eu mereço” e, pela inércia na busca de ocupação, falseia estatísticas de desemprego. Populismos servem à esquerda e à direita. Estão aí fartos votos dos mesmos “grotões” que um dia garantiram eleições à ARENA da ditadura. Hoje podem dar a Dilma outro mandato.

Patrulheiros ideológicos acenderão fogueiras da Inquisição com esta crônica, mas é fato: o PSDB não é o PMDB. Trágico reconhecimento: sem esse acessório permanente do poder não se governa este país. Aluga-se a casa e o PMDB vem junto. Necessário conviver com ele. Então, se o PT anda a braços dados com Sarney, Renan e Collor; se o PSDB fez o mesmo, qual o diferencial? Marina é um deles. Outro, a indispensável alternância. Até para que o que restou da esquerda sequestrada se recomponha, se purgue e, quem sabe, dando vez aos lúcidos e honestos (que os há!) um dia retorne em condições mais fraternas, éticas e menos arrogantes. O mundo não começou com Lula. O mundo não acaba sem ele.


Se o PSDB não tinha legitimidade para resolver graves dificuldades do país, o PT, que um dia a teve, desperdiçou-a sem o fazer. Tempos penosos virão. Não estamos escolhendo revolução ou retrocesso. Apenas capitão apto a tirar o barco do labirinto de naufrágios em que nos meteram.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Santo Antônio Maria Claret


Por Ana Maria Bueno

"Um filho do Imaculado Coração de Maria é um homem que arde em caridade e abrasa por onde  passa; que deseja eficazmente e procura por todos os meios inflamar o mundo no fogo do divino amor. Nada o detém. Alegra-se nas privações. Enfrenta os trabalhos. Abraça os sacrifícios. Compraz-se nas calúnias. Alegra-se nos tormentos e dores que sofre e gloria-se na cruz de Jesus Cristo. Não pensa  senão em como  seguir e imitar a Cristo na oração, no trabalho e no sofrimento, procurando sempre e unicamente a maior glória de Deus e a salvação dos homens" (Por Santo Antônio Maria Claret - Missionário Apostólico - Emilio Vicente - Ed Ave-Maria - pag 68)

Assim Santo Antônio Maria Claret definiu sua vocação, - e assim a viveu plenamente.  Quantas lutas, quantas batalhas, quantas renuncias, mas quantas vitórias em Cristo Jesus. Sua vida fiel ao chamado de Deus nos faz exultar de alegria e nos faz glorificar as maravilhas do Senhor no chamado que faz aos homens. Santo Antônio desejava ser um missionário no estilo de Jesus narrado pelos Evangelhos: Simples e claro. O lucro, o interesse pessoal, o prazer, a honra, nunca os moveram - o que recebeu em vida foi sempre a pobreza, a fadiga, os insultos, as calúnias, os sofrimentos em Cristo, com Cristo e para Cristo. O que queria no fundo de seu coração era a Glória de Deus e a salvação dos homens. Não descansava e não se consolava enquanto não evangelizava, enquanto não se colocava a caminho e anunciava a Cristo e sua doutrina santa.

Nossa Senhora era sua companheira em tudo que fazia. Tinha com ela um relacionamento intimo e confiante, e se encomendava a ela em todas as suas missões. A tinha como mãe, amiga, intercessora, modelo, mestra, o seu tudo depois de Jesus. Para que seu trabalho tivesse maior eficácia, Santo Antônio recorria a oração - 4 horas por dia era o mínimo que o fazia . A catequese de crianças e adultos - para ele a formação religiosa era fundamental para se formar um bom cristão, um bom cidadão, um filho de Deus -, os exercícios espirituais, os sermões, as missões populares, livros e folhetos, as conversações familiares e os objetos religiosos, tudo era usado para evangelizar e aplacar sua sede de almas. Não perdia tempo, tudo era usado para seu objetivo.

Dizia que um missionário deveria refletir Cristo, testemunhar até com o sangue de necessário fosse - coisa que com ele aconteceu por várias vezes. Sua humildade era latente, possuía pouquíssimos bens - um par de sapatos, duas mudas de roupas, sua Bíblia  e o breviário eram suficientes. Era modesto, manso e se mortificava constantemente - Sabia que o povo tem um mau conceito de um missionário que não sabe dominar nem refrear seus desejos e caprichos: "Quem não se domina, não pode ser bom testemunho do Senhor', dizia ele.

Santo Antônio Maria Claret, nasceu numa época difícil. A França havia invadido a Península Ibérica, e a guerra causou muitos sofrimentos e perseguições à Igreja. Sua família era numerosa e bela, - era o quinto filho de onze irmãos. Seu pai tinha uma pequena indústria têxtil e ele tinha grande aptidão para este trabalho. Para se especializar foi estudar em Barcelona, conseguiu êxitos, mas o desejo de servir a Deus já pulsava em seu coração, precisa apenas responder a voz que o chamava constantemente. O fez, depois de passar por vários episódios difíceis, sendo o mais grave a iminente morte por afogamento. Sua vida foi poupada e no meditar da palavra de Deus resolve ingressar num Seminário. A partir daí, viveu para Deus até o último dia de sua vida.

Isaías 61 era seu texto base. Deus o falava ali e quanto mais o lia, mais tinha forças para levar adiante seu desejo de ser missionário, que não tinha paradas. Tudo que queria era ser livre para ir onde Deus o mandasse. Ordenado sacerdote em 1835, foi para sua cidade natal - Sallent - onde permaneceu por quatro anos. Lá passou por grandes dificuldades e perseguições pela guerra em curso. A paróquia consistia um entrave em seu desejo de Evangelizar, de caminhar para levar a boa nova, e por conta disso, depois de um pedido ao Bispo, deixou a paróquia e se ofereceu ao Papa, para que o enviasse onde fosse necessário. Colocou-se então, a serviço da Congregação para a Evangelização dos Povos. Foi em Roma que pode se unir aos jesuítas e ali muito aprendeu com eles, mas foi acometido por uma grave enfermidade na perna direita. Em meados de 1840, de Roma foi à Catalunha e daí à Viladrau onde foi nomeado pároco. Ali tudo faltava e Santo Antônio se preocupava tanto com o espiritual como o material para aquele povo sofrido. Foram tempos movimentados e muito frutuosos. Mais uma vez o desejo de viver sua vocação como missionário estava comprometido com tanto a se fazer.  Pediu então, ao seu Bispo que o exonerasse o ministério e dali então foi a Vic ser como ele mesmo dizia: "Missionário de Jesus, como Jesus".

Santo Antônio Maria Claret, amava a leitura, a escrita e tudo o levava a escrever. Fundou a Livraria religiosa, criou associações, tudo para saciar a fome da Palavra de quem o ouvia, - a messe era enorme e os operários sempre poucos. Sua forma de evangelizar atraiu amigos fieis e logo pode então - em 16 de julho de 1849, fundar a Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria. Mas Deus tinha outros planos e Santo Antônio foi então nomeado Arcebispo de Santiago de Cuba o que olhe causou grande tristeza, mas por obediência aceitou, tendo no coração o desejo de fazer daquele lugar um reduto de suas missões e de sua pregação. Não foi fácil, a carência material e espiritual eram enormes. Havia opressão, escravidão, pobreza, ignorância. Durante os seis anos passados ali, tudo fez pelas almas. Fundou bibliotecas, escolas profissionalizantes, comunidades, ajuda medicinais ao povo doente, lutou pela liberdade e dignidade humana, rechaçando com todas as forças o domínio do poder sobre os cidadãos. Ali também sofreu um grave atentado que quase ceifou sua vida. Foi neste tempo que foi chamado a ser o confessor da rainha Isabel II e em 1857, deixou Cuba e regressou a Espanha.

Sentia-se preso e a opulência do palácio o maltratava, já que a pobreza era sua alegria. Sentia-se como ele mesmo dizia: "Um pássaro em gaiola de outro". Por 11 anos foi seu confessor e em suas viagens pode evangelizar não perdendo tempo algum, mesmo que escasso para tal. Para ele, foram seus anos mais duros, mas soube aproveitar seu tempo que lhe sobrava para evangelizar. Na corte sofreu em silencio, houve perseguições e calúnias e tudo isso só o fazia mais forte no sofrimento. Sem poder pregar nas Igrejas, pregava nos conventos, atendia a confissões, escrevia, organizava associações. Fundou uma importante Academia de São Miguel  que era uma associação de artistas, escritores, cientistas e intelectuais a serviço da evangelização. Santo Antônio conseguia atrair a muitos e a todos dava a incumbência de levar Cristo aos homens. Era mesmo incansável e esta era sua maior marca. Tudo fazia para evangelizar. O fogo abrasava sua alma e a sede delas o movia.

Em 1868 foi exilado com a rainha, foi a Paris e depois, mesmo doente participou do Concílio Vaticano I. Morreu em 24 de outubro de 1870 - foi beatificado pelo papa Pio XI e no dia 7 de maio de 1950 foi finalmente canonizado por Pio XII

Frases de Santo Antônio Maria Claret:

 - Não deixes para ninguém o que tu mesmo podes fazer"
 - Não disponhas do dinheiro, antes de te-lo em mãos
 - Não compres alguma, por mais barata que seja, se não necessitas dela.
 - Evita o orgulho, porque é pior do que a fome, a sede e o frio.
 - Nunca te arrependas de ter comido pouco
 - Se estiveres zangado, conte até dez antes de responder; e se estiveres ofendido, será melhor contar até cem.
 - Fale bem do teu amigo; e de teu inimigo não fales nem bem nem mal.
 - A resposta suave e tranquila quebranta a ira, as palavras duras excitam o furor.

 - Pense bem antes de dar conselhos e esteja sempre pronto para servir  (Mensagens dos santos - Pedro Teixeira Cavalcante - Paulus - pag 37)

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Quem ganha as eleições?


Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

     Muitos consideram as eleições como expressão da verdadeira vontade popular, manifestada pela maioria. Chegam mesmo a dizer: “vox populi, vox Dei”, “a voz do povo é a voz de Deus”. Mas será mesmo assim? Será que realmente ganham os melhores os mais preparados para o cargo? Ganha a eleição quem tem mais sabedoria, prudência, competência, honestidade, ou ganha quem grita mais, quem foi melhor apresentado pelos marqueteiros e formadores de opinião, criadores de sonhos no imaginário popular?! Sem considerar muitos outros fatores, devemos dizer que nem sempre ganha quem merece.

      É a grande discussão sociológica e filosófica sobre a verdadeira representatividade? Já foi dito com propriedade: “sufrágio universal, mentira universal!”. Sim, porque muitas vezes o povo vota influenciado pela propaganda, pelos formadores de opinião, sem muita reflexão e conhecimento pleno do que significa o seu voto.

     Jesus foi condenado à morte, a pedido da maioria da população. Na eleição proposta pelo governador romano, Pôncio Pilatos, entre Barrabás e Jesus, este último foi fragorosamente derrotado, porque o povo sufragou Barrabás, revolucionário e homicida, condenando o inocente à morte.

      Mas, por que Jesus perdeu essa eleição? A morte de Jesus foi realmente o desejo da maioria do povo? Jesus, tão querido por todos, cercado pelas multidões, aclamado pela população ao entrar em Jerusalém, foi condenado por esse mesmo povo, cinco dias depois?! Ou será que esse povo foi manobrado por uma minoria ruim, mas muito hábil? O Evangelho diz que os chefes, os manipuladores de opinião, influenciaram o povo a que pedisse Barrabás e condenasse Jesus. Ele mesmo, ao morrer na cruz, pediu por eles perdão ao Pai, dizendo que eles não sabiam o que faziam. Já não eram mais povo; tinham se tornado massa. O povo pensa. A massa é que é manobrada. Nem sempre podemos dizer que a eleição seja expressão da vontade do povo. Talvez seja só da massa.


       Quando aconteceu a Ressurreição de Jesus, fato incontestável, diz o Evangelho de São Mateus (28, 11-15), que os sumos sacerdotes judeus, com os anciãos, “deliberaram dar bastante dinheiro aos soldados; e instruíram-nos: ‘Contai o seguinte: ‘Durante a noite vieram os discípulos dele e o roubaram, enquanto estávamos dormindo’. E se isso chegar aos ouvidos do governador, nós o tranquilizaremos, para que não vos castigue”. Eles aceitaram o dinheiro e fizeram como lhes fora instruído. E essa versão ficou divulgada entre os judeus, até o presente dia”. Vê-se que o suborno e a mentira são de longa data. Por analogia, quando da proposta da escolha entre Jesus e Barrabás, ao lerem os intérpretes a passagem “os sumos sacerdotes e os anciãos, porém, instigaram as multidões para que pedissem Barrabás e fizessem Jesus morrer” (Mt 27, 20), concluem que os inimigos de Jesus distribuíram dinheiro ao povo para que escolhessem Barrabás. A compra de votos também é de longa data.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Mensagem do Sínodo Extraordinário dos Bispos sobre a Família/2014


Abaixo consta a íntegra da mensagem dos Bispos, difundida pela Sala de Imprensa da Santa Sé:

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Nós, Padres Sinodais reunidos em Roma junto ao Santo Padre na Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, nos dirigimos a todas as famílias dos diversos continentes e, em particular, àquelas que seguem Cristo Caminho, Verdade e Vida. Manifestamos a nossa admiração e gratidão pelo testemunho cotidiano que vocês oferecem a nós e ao mundo com a sua fidelidade, fé, esperança e amor.

Também nós, pastores da Igreja, nascemos e crescemos em uma família com as mais diversas histórias e acontecimentos. Como sacerdotes e bispos, encontramos e vivemos ao lado de famílias que nos narraram em palavras e nos mostraram em atos uma longa série de esplendores, mas também de cansaços.

A própria preparação desta assembleia sinodal, a partir das respostas ao questionário enviado às Igrejas do mundo inteiro, nos permitiu escutar a voz de tantas experiências familiares. O nosso diálogo nos dias do Sínodo nos enriqueceu reciprocamente, ajudando-nos a olhar toda a realidade viva e complexa em que as famílias vivem.

A vocês, apresentamos as palavras de Cristo: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo” (Ap 3,20). Como costumava fazer durante os seus percursos ao longo das estradas da Terra Santa, entrando nas casas dos povoados, Jesus continua a passar também hoje pelos caminhos das nossas cidades.

Nas vossas casas se experimentam luzes e sombras, desafios exaltantes mas, às vezes, também provações dramáticas. A escuridão se faz ainda mais densa até se tornar trevas, quando se insinuam no coração da família o mal e o pecado.

Existe, antes de tudo, os grandes desafios da fidelidade no amor conjugal, do enfraquecimento da fé e dos valores, do individualismo, do empobrecimento das relações, do stress, de um alvoroço que ignora a reflexão, que também marcam a vida familiar. Se assiste, assim, a não poucas crises matrimoniais enfrentadas, frequentemente, em modo apressado e sem a coragem da paciência, da verificação, do perdão recíproco, da reconciliação e também do sacrifício. Os fracassos dão, assim, origem a novas relações, novos casais, novas uniões e novos matrimônios, criando situações familiares complexas e problemáticas para a escolha cristã.

Entre estes desafios queremos evocar também o cansaço da própria existência. Pensemos no sofrimento que pode aparecer em um filho portador de deficiência, em uma doença grave, na degeneração neurológica da velhice, na morte de uma pessoa querida. É admirável a fidelidade generosa de muitas famílias que vivem estas provações com coragem, fé e amor, considerando-as não como alguma coisa que é arrancada ou infligida, mas como alguma coisa que é doada a eles e que eles doam, vendo Cristo sofredor naqueles corpos frágeis.

Pensemos nas dificuldades econômicas causadas por sistemas perversos, pelo “fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano” (Evangelii Gaudium 55), que humilha a dignidade das pessoas.

Pensemos no pai ou na mãe desempregados, impotentes diante das necessidades também primárias de suas famílias, e nos jovens que se encontram diante de dias vazios e sem expectativas, e que podem tornar-se presa dos desvios na droga e na criminalidade.

Pensemos também na multidão das famílias pobres, àquelas que se agarram em um barco para atingir uma meta de sobrevivência, nas famílias refugiadas que sem esperança migram nos desertos, naquelas perseguidas simplesmente pela sua fé e pelos seus valores espirituais e humanos, naquelas atingidas pela brutalidade das guerras e das opressões.

Pensemos também nas mulheres que sofrem violência e são submetidas à exploração, ao tráfico de pessoas, nas crianças e jovens vítimas de abusos até mesmo por parte daqueles que deveriam protegê-las e fazê-las crescer na confiança e nos membros de tantas famílias humilhadas e em dificuldade. “A cultura do bem-estar anestesia-nos e (…) todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma” (Evangelii Gaudium, 54). Fazemos apelo aos governos e às organizações internacionais para promoverem os direitos da família para o bem comum.

Cristo quis que a sua Igreja fosse uma casa com a porta sempre aberta na acolhida, sem excluir ninguém. Somos, por isso, agradecidos aos pastores, fiéis e comunidades prontos a acompanhar e a assumir as dilacerações interiores e sociais dos casais e das famílias.

***

Existe, contudo, também a luz que de noite resplandece atrás das janelas nas casas das cidades, nas modestas residências de periferia ou nos povoados e até mesmos nas cabanas: ela brilha e aquece os corpos e almas. Esta luz, na vida nupcial dos cônjuges, se acende com o encontro: é um dom, uma graça que se expressa – como diz o Livro do Gênesis (2,18) – quando os dois rostos estão um diante o outro, em uma “ajuda correspondente”, isto é, igual e recíproca. O amor do homem e da mulher nos ensina que cada um dos dois tem necessidade do outro para ser si mesmo, mesmo permanecendo diferente ao outro na sua identidade, que se abre e se revela no dom mútuo. É isto que manifesta em modo sugestivo a mulher do Cântico dos Cânticos: “O meu amado é para mim e eu sou sua…eu sou do meu amado e meu amado é meu”, (Cnt 2,16; 6,3).

Para que este encontro seja autêntico, o itinerário inicia com o noivado, tempo de espera e de preparação. Realiza-se em plenitude no Sacramento onde Deus coloca o seu selo, a sua presença e a sua graça. Este caminho conhece também a sexualidade, a ternura, e a beleza, que perduram também além do vigor e do frescor juvenil. O amor tende pela sua natureza ser para sempre, até dar a vida pela pessoa que se ama (cf. João 15,13). Nesta luz, o amor conjugal único e indissolúvel persiste, apesar das tantas dificuldades do limite humano; é um dos milagres mais belos, embora seja também o mais comum.

Este amor se difunde por meio da fecundidade e do ‘gerativismo’, que não é somente procriação, mas também dom da vida divina no Batismo, educação e catequese dos filhos. É também capacidade de oferecer vida, afeto, valores, uma experiência possível também a quem não pode gerar. As famílias que vivem esta aventura luminosa tornam-se um testemunho para todos, em particular para os jovens.

Durante este caminho, que às vezes é um percurso instável, com cansaços e caídas, se tem sempre a presença e o acompanhamento de Deus. A família de Deus experimenta isto no afeto e no diálogo entre marido e mulher, entre pais e filhos, entre irmãos e irmãs.

Depois vive isto ao escutar juntos a Palavra de Deus e na oração comum, um pequeno oásis do espírito a ser criado em qualquer momento a cada dia. Existem, portanto, o empenho cotidiano na educação à fé e à vida boa e bonita do Evangelho, à santidade.

Esta tarefa é, frequentemente, partilhada e exercida com grande afeto e dedicação também pelos avôs e avós. Assim, a família se apresenta como autêntica Igreja doméstica, que se alarga à família das famílias que é a comunidade eclesial. Os cônjuges cristãos são chamados a tornarem-se mestres na fé e no amor também para os jovens casais.

Há outra expressão da comunhão fraterna, e é a da caridade, da entrega, da proximidade aos últimos, aos marginalizados, aos pobres, às pessoas que estão sozinhas, doentes, estrangeiras, às famílias em crise, conscientes da palavra do Senhor: “Há mais alegria em dar que em receber” (At 20,35). É uma entrega de bens, de companhia, de amor e de misericórdia, e também um testemunho de verdade, de sentido da vida.

O vértice que reúne e sintetiza todos os elos da comunhão com Deus e com o próximo é a Eucaristia dominical quando, com toda a Igreja, a família se senta à mesa com o Senhor. Ele se doa a todos nós, peregrinos na história em direção à meta do encontro último quando “Cristo será tudo em todos” (Col 3,11). Por isto, na primeira etapa do nosso caminho sinodal, refletimos sobre o acompanhamento pastoral e sobre o acesso aos sacramentos pelos divorciados recasados.

Nós, Padres Sinodais, vos pedimos para caminhar conosco em direção ao próximo Sínodo. Em vocês se confirma a presença da família de Jesus, Maria e José na sua modesta casa. Também nós, unindo-nos à Família de Nazaré, elevamos ao Pai de todos a nossa invocação pelas famílias da terra:

Senhor, doa a todas as famílias a presença de esposos fortes e sábios,
que sejam vertente de uma família livre e unida.

Pai, doa aos pais a possibilidade de ter uma casa onde viver em paz com a família.

Pai, concede aos filhos a possibilidade de serem sinais de confiança e aos jovens a coragem do compromisso estável e fiel.

Pai, ajuda todos a poderem ganhar o pão com as suas próprias mãos, de provar a serenidade do espírito e de manter viva a chama da fé mesmo na escuridão.

Pai, dai-nos a alegria de ver florescer uma Igreja sempre mais fiel e credível, uma cidade justa e humana, um mundo que ame a verdade, a justiça e a misericórdia.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

As raízes e seus ramos


Por Carlos Ramalhete

As primeiras universidades foram instituições religiosas. Do mesmo modo, os valores humanos dos laicistas mais exacerbados – como a dignidade da pessoa humana, o valor da vida ou a adesão a um código ético – são versões reduzidas e resumidas de preceitos cristãos.

Contudo, em alguns meios de intelectualidade rasa, é moda prezar os valores oriundos do cristianismo e, ao mesmo tempo, desprezar a religião que os gerou. Antes dela, na Roma pagã, por exemplo, a vida humana pouco valia: o pai tinha direito de vida e morte sobre toda a família, e no circo o “palhaço” era morto por feras. Se não fosse a ascensão do cristianismo, ainda hoje seria assim; se o cristianismo desaparecesse, os valores humanistas também desapareceriam, por falta de base. Sem sua base cristã, a única razão para aceitar estes valores é “porque sim”.

O fato é que nossa sociedade está passando por uma séria crise de adolescência, revoltando-se contra as origens de tudo o que ela diz prezar. Esta crise também se reflete nas universidades, de que um ou outro deseja expulsar a expressão religiosa. Ora, ao negar o desejo humano de Deus, faz-se apenas com que falsos deuses – partidos, “celebridades” ou teorias da moda – tentem inutilmente preencher o vazio. Além disso, proibir alguém de professar sua fé no ambiente universitário é tão arbitrário quanto exigir que se siga, obrigatoriamente, uma religião. É a ditadura do laicismo.

Quando começou esta separação artificial entre os valores que vêm do cristianismo e a fé que lhes deu origem, há coisa de 200 anos, seus defensores ainda pregavam a necessidade da crença religiosa como meio de garantir o bom comportamento da “massa ignara”. Depois, nem isso mais admitiam: no Rio há ainda a Igreja Positivista do Brasil, a que pertencia Benjamin Constant, que mantém uma imitação de capela católica com Gutenberg e Descartes no lugar dos santos, qual museu de uma tentativa frustrada de criar o homem sem Deus, há cerca de um século.

Hoje esta crise adolescente está em seu auge, com a sociedade querendo negar a figura do pai – Deus – e ver-se livre da figura da mãe – a cristandade –, sem aceitar que é deles que vem. Pipocando como espinhas, ateus militantes vendem mentiras requentadas e movimentos laicistas procuram impedir a expressão religiosa, sem que percebam que estão atacando a religião em nome de valores que provêm dela mesma, de valores que, antes da ascensão do cristianismo, seriam tidos por loucura.

Universidade de Oxford. Seria bom buscar as origens do
que hoje é o que conhecemos como sistema universitário.
É pena, mas até mesmo na universidade este tipo de contra-senso ainda aparece. É perfeitamente normal que, como o adolescente que não precisa mais ser guiado pela mão ao atravessar a rua, a universidade tenha se distanciado um pouco de suas origens. A especialização extremada do ambiente acadêmico de hoje, em que o químico ignora o que estuda o biólogo, também deixa pouco espaço para a discussão teológica, forçosamente mais abrangente que os caminhos hoje separados das ciências. Mesmo assim, apenas em meio a pessoas pouco afeitas ao raciocínio lógico seria concebível não perceber a tremenda contradição que é pregar valores que vêm da religião e ao mesmo tempo atacá-la; na universidade, seria de se esperar que isto não acontecesse. Afinal, crises de histeria adolescente não ficam bem sequer nos adolescentes, quanto mais em universidades.

O papel da religião na universidade, assim, é cuidar para que ela não se distancie dos valores em que se baseiam tanto ela quanto a própria sociedade ocidental. Como o tronco de uma árvore, que comunica às raízes o que vem das folhas e às folhas o que vem das raízes, a presença religiosa impede que a ciência perca seu norte ético. Para tal, deve haver na universidade ao menos um chamado à oração e à meditação, um reconhecimento explícito da necessidade de proteção divina (como há na Constituição, aliás), uma capela, atos de culto oficiais e imagens religiosas...


Em suma: apoio, abertura e tolerância para com as manifestações religiosas de todos os que, juntos, compõem este “universo de mestres e estudiosos” chamado universidade. Só assim ela pode evitar a triste posição de adolescente mimado que renega a origem de sua existência, valores e sobrevivência.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Dia do professor.


Por Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Hoje, dia 15, dia de Santa Teresa de Jesus, grande mestra da vida espiritual, e exatamente por isso, é comemorado o dia do professor. Deixo aqui consignada a minha saudação e gratidão a todos os que se dedicam a essa nobre e benemérita carreira, difícil, mas nem sempre reconhecida e condignamente gratificada. Mais do que uma profissão, educar é uma arte, uma vocação e uma missão: formar, conduzir crianças, jovens e adultos no caminho da verdade, sugerindo opiniões conscientes, aconselhando e tornando-se amigos e irmãos dos seus alunos. Que Deus os abençoe e lhes dê coragem, paciência e perseverança.

Ser professor é ser educador e mestre. E ser mestre é muito mais do que ensinar matérias, como bem escreveu o nosso ilustre poeta Antônio Roberto Fernandes, de saudosa memória: “Ser mestre não é só contar a história/ de um certo Pedro Álvares Cabral/ Mas descobrir, de novo, a cada dia,/ um mundo grande, livre, fraternal. - Ser mestre não é só mostrar nos mapas/ onde se encontra o Pico da Neblina/ Mas é subir, guiando os alunos,/ à montanha da vida que se empina... Ser mestre é ser o pai, a mãe, o amigo,/ mostrando sempre a direção da luz,/ pois a palavra Mestre – sobretudo –/ também é um dos nomes de Jesus.” 

A melhor definição de educação nós a encontramos no Direito Canônico, conjunto de normas da Igreja (cânon 795): é a formação integral da pessoa humana, dirigida ao seu fim último e, ao mesmo tempo, ao bem comum da sociedade, de modo que as crianças e jovens possam desenvolver harmonicamente seus dotes físicos, morais e intelectuais, adquirir um sentido mais perfeito da responsabilidade e um uso correto da liberdade, preparando-se para participar ativamente da vida social. Que missão nobre, sublime e difícil a do professor-educador! Indicando aos alunos o sentido da vida, ele vai ajudá-los a dominar seus instintos e a dirigi-los pela razão, a desenvolver o conjunto de suas faculdades, a combater as más paixões e desenvolver as boas, a adquirir o domínio de si e a orientar seus sentimentos, levando em conta as diversas fases da vida e as características do seu temperamento, formando assim sua personalidade e seu caráter. Sendo assim, o mestre é cooperador da Graça de Deus, que, como Pai, só quer o bem dos seus filhos.

Mas, será que vale a pena tanto esforço por tão pouco reconhecimento e tão pouco salário? “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” (Fernando Pessoa). Se o professor trabalha por vocação, sentir-se-á recompensado pelos frutos do seu trabalho, mesmo que não apareçam imediatamente.


A você, portanto, caro professor e querida professora, a nossa homenagem por ter recebido de Deus tão nobre e importante missão e a nossa gratidão reconhecida pelo seu trabalho, que não se mede pela produção imediata, mas por frutos, muitas vezes escondidos, que só vão aparecer ao longo da vida e que estarão escritos no livro da eternidade. “Os que educaram a muitos para a justiça brilharão como estrelas para sempre” (Dn 12,3).  

"Os saqueadores".


Por Ives Gandra da Silva Martins

O simples fato de não querer apurar a fundo, de desviar a atenção desse terrível assalto à maior empresa pública privada, procurando dar-lhe diminuta atenção, como se o governo nada tivesse de responsabilidade, torna suspeita a gestão, pelo menos na denominada culpa in vigilando....

Ayn Rand (1905-1982) foi uma filósofa, socióloga e romancista com aguda percepção das mudanças que ocorreram na comunidade internacional, principalmente à luz do choque entre o sucesso do empreendedorismo privado e o fracasso da estatização populista dos meios de produção, na maior parte dos países de ideologia marxista. Seu romance A Revolta de Atlas, escrito há mais de 50 anos, talvez seja o que melhor retrata a mediocridade da corrente de assunção do poder por despreparados cidadãos que têm um projeto para conquistá-lo e mantê-lo com slogans contra as elites em "defesa do povo", o que implica a destruição sistemática, por incompetência e inveja, dos que têm condições de promover o desenvolvimento.

Mediocridade.
No romance, os medíocres ameaçam o governo dos Estados Unidos e começam a controlar e assumir os empreendimentos que davam certo, sob a alegação de que os empreendedores queriam o lucro, e não o bem da sociedade. Tal política tem como resultado a gradual perda de competitividade dos americanos, o estouro das finanças, a eliminação das iniciativas bem-sucedidas e a fuga dos grandes investidores e empresários, que são perseguidos, grande parte deles desistindo de administrar suas empresas, com o que os governantes se tornam ditadores e o povo passa a ter os serviços públicos e privados deteriorados. Não contarei mais do romance, pois o símbolo mitológico de Atlas, que sustenta o globo, é lembrado na revolta dos verdadeiros geradores do progresso da Nação.

..."vejo na mediocridade reinante no governo federal do Brasil, loteado em 39 ministérios e 22 mil amigos do rei não concursados, vivendo regiamente à custa da Nação, sob o comando da presidente da República, é a destruição sistemática que, nos últimos anos, ocorreu com a indústria brasileira, abalada em seu poder de competitividade por um Estado mastodôntico, que sufoca a Nação com alta inflação, elevada carga tributária, saldo desprezível na balança comercial, superávit primário ridículo e maquiado, rebaixamento do nível de investimento exterior, desvio em aplicações de capitais que deixam de ser colocados no País para serem destinados a outras nações emergentes, perda de qualidade no ensino universitário e na assistência social...

O que de semelhante vejo na mediocridade reinante no governo federal do Brasil, loteado em 39 ministérios e 22 mil amigos do rei não concursados, vivendo regiamente à custa da Nação, sob o comando da presidente da República, é a destruição sistemática que, nos últimos anos, ocorreu com a indústria brasileira, abalada em seu poder de competitividade por um Estado mastodôntico, que sufoca a Nação com alta inflação, elevada carga tributária, saldo desprezível na balança comercial, superávit primário ridículo e maquiado, rebaixamento do nível de investimento exterior, desvio em aplicações de capitais que deixam de ser colocados no País para serem destinados a outras nações emergentes, perda de qualidade no ensino universitário e na assistência social. Por outro lado, os programas populistas, que custam muito pouco, mas não incentivam a luta por crescimento individual, como o Bolsa Família (em torno de 3% do Orçamento federal), mascaram o fracasso da política econômica. O próprio desemprego, alardeado como grande conquista - leia-se subemprego -, começa a ruir por força da queda ano após ano do produto interno bruto (PIB), que cresce pouco e cada vez menos, e muito menos que o de todos os países emergentes de expressão.

É que o projeto populista de governo, que o leva a manter um falido Mercosul com parceiros arruinados, como Venezuela e Argentina, sobre sustentar Cuba e Bolívia, enviando recursos que seriam mais bem aplicados no Brasil, fechou portas para o País celebrar acordos bilaterais com outras nações. Prisioneiro que é do Mercosul, são poucos os acordos que mantemos. Tal modelo se esgotou e, desorientados, os partidários de um novo mandato não sabem o que dizem e o que devem fazer. Basta dizer que o "ex-ministro da Fazenda em exercício" declarou, neste mês de eleição, que em 2015 continuará com a mesma política econômica, que se revelou, no curso destes últimos anos, um dos mais fantástico fracassos da História brasileira. Parece que caminhamos para uma estrada semelhante à trilhada por Argentina e Venezuela.

No romance de Ayn Rand, quando os verdadeiros empreendedores, que tinham feito a nação crescer e a viam definhando, decidiram reagir, denominaram os detentores do poder, nos Estados Unidos imaginário da romancista, de "os saqueadores". Estes, anulando as conquistas e os avanços dos que fizeram a nação crescer para se enquistarem no poder, por força da corrupção endêmica, da incompetência, de preconceitos e do populismo, levaram o país à ruína.

À evidência, não estou alcunhando os 39 ministérios e os 22 mil não concursados de integrantes de um grupo de "saqueadores", como o fez Ayn Rand. Há, todavia, na máquina burocrática brasileira - com excesso de regulamentação inibidora de investimentos, assim como de desestímulo ao empreendedorismo, e escassez de vontade em simplificar as normas que permitem o empreendedorismo, apesar do esforço heroico e isolado de Guilherme Afif Domingos, uma gota no oceano -, algo de muito semelhante entre o descrito em seu romance há mais de 50 anos e o Brasil atual.

Basta olhar o "mar de lama" da corrupção numa única empresa (Petrobrás). O que mais impressiona, todavia, é que, detectada a ampla corrupção na empresa - são bilhões e bilhões de dólares -, o governo tudo faça para congelar a CPI e não desventrar para o público as entranhas dos mecanismos deletérios e corrosivos que permitiram tanto desvio de dinheiro público e privado. O simples fato de não querer apurar a fundo, de desviar a atenção desse terrível assalto à maior empresa pública privada, procurando dar-lhe diminuta atenção, como se o governo nada tivesse de responsabilidade, torna suspeita a gestão, pelo menos na denominada culpa in vigilando.


Precisamos apenas saber se o eleitor brasileiro está consciente de que, se não houver mudança de rumos, o Brasil de país do futuro, como escreveu Stefan Zweig, se tornará, cada vez mais, o país do passado, vendo o desfile das outras nações passando-lhe à frente, por se terem adaptado às mudanças de uma sociedade cada vez mais complexa e competitiva, em que apenas os países que se prepararem terão chances.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Neste momento.

Por Dom Henrique Soares.

Neste momento, muitas coisas põem a nossa fé à prova. Não vemos o futuro; não vemos que o que parece agora ter êxito não durará muito tempo. Hoje, vemos filosofias, seitas e clãs alastrarem, florescentes. A Igreja parece pobre e impotente...

Peçamos a Deus que nos instrua: temos necessidade de ser ensinados por Ele, estamos cegos.
Quando as palavras de Cristo puseram os apóstolos à prova, eles pediram-Lhe: «Aumenta a nossa fé» (Lc 17,5).

Procuremo-Lo com sinceridade: nós não nos conhecemos; temos necessidade da Sua graça.
Qualquer que seja a perplexidade a que o mundo nos induza, procuremo-Lo com um espírito puro e sincero.

Peçamos humildemente que nos mostre o que não compreendemos, que suavize o nosso coração quando ele se obstina, que nos dê a graça de O amarmos e de Lhe obedecermos fielmente na nossa procura.