quinta-feira, 28 de novembro de 2013

As 12 estrelas.

Dom Fernando Arêas Rifan

Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney


            A bandeira da União Européia (UE), estabelecida pelo Tratado de Maastricht na década de 1990, possui 12 estrelas douradas que formam um círculo sobre um fundo azul. Essa bandeira aparece na face de todas as notas de “Euro” e as estrelas em todas as moedas. Essa bandeira foi criada pelo designer francês católico Arsène Heitz, que ganhou a competição para a escolha do símbolo maior da UE. Heitz disse que se inspirou na “Medalha Milagrosa” que ele usava no pescoço. O simbolismo da bandeira é uma clara alusão à devoção mariana, que atribui a Nossa Senhora a passagem do início do capítulo 12 do Apocalipse: “E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e sobre a cabeça uma coroa de 12 estrelas”. O presidente da comissão julgadora era um judeu belga que se convertera ao catolicismo e foi bastante sensível ao número 12 que, na simbologia bíblica, representa a perfeição: 12 tribos de Israel, 12 Apóstolos, 12 meses do ano, etc.

            Interessante e irônico! A Europa, que cada vez mais rejeita os valores cristãos, que tinha recusado estampar a cruz na sua bandeira por ser um símbolo cristão, acabou colocando nela um símbolo mariano, honrando assim a Mãe de Jesus. “Ad Jesum per Mariam!” Parece com a história daquele ateu que não conseguia rezar o Pai-Nosso, e tentou rezar a Ave-Maria: é claro que se converteu. Chegou, por Maria, até Jesus. Caminho seguro!

            A “Medalha Milagrosa”, que inspirou o designer francês, tem origem na célebre aparição de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré, então noviça das Irmãs da Caridade de São Vicente de Paulo, em Paris, em 27 de novembro de 1830, há precisamente 183 anos. A Virgem lhe apareceu sobre um grande globo, com os braços estendidos e dedos ornados por anéis que irradiavam luz e rodeada por uma frase que dizia: Ó Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”. E lhe disse: “Faz cunhar uma medalha onde apareça minha imagem como vês agora. Todos os que a usarem receberão grandes graças”. E Maria lhe mostrou como deveria ser o verso da medalha: a letra M, monograma de Maria, com uma cruz em cima, os Corações de Jesus e de sua Mãe, contornado por uma coroa de 12 estrelas.

            A frase inscrita na medalha sintetiza a mensagem que a Virgem revelou: sua Imaculada Conceição, que seria proclamada dogma de Fé em 1854, pelo Papa Pio IX, e ratificada na aparição de Lourdes em 1858, e a mediação da Mãe de Deus junto ao seu Divino Filho: Maria, Medianeira imaculada. Assim temos Nossa Senhora das Graças, da Medalha Milagrosa.

            Interessante é que de início, o padre confessor de Santa Catarina, Pe. Jean Marie Aladel, não acreditou no que ela lhe contou, mas depois de dois anos de cuidadosa observação, ele se dirigiu ao Arcebispo, que ordenou a cunhagem das medalhas, que se espalharam pela Europa e por todo o mundo, sendo o veículo de inúmeras graças de Deus.

            O Papa Pio XII chamou Santa Catarina Labouré de “a santa do silêncio”, pois guardou consigo até à morte o segredo dessa aparição.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A IGREJA CATÓLICA E O MUNDO ATUAL.

Por Ives Gandra Martins

Não é a primeira vez, nestes 20 séculos, que a Igreja Católica parece perder relevância, fiéis e atualidade na mensagem. Isso aconteceu na queda do Império Romano do Ocidente (476 DC) e do Oriente (1453 DC), na invasão da Europa pelos mouros (711 DC), na invasão dos povos bárbaros, na crise da Renascença, com o aparecimento dos diversos ramos do protestantismo (Lutero, Calvino, Zwinglio), no Iluminismo, nas Revoluções Francesa, Mexicana ou Espanhola, na perda dos Estados Pontifícios e mesmo durante a 2ª. guerra.

Voltaire tinha certeza de que acabaria com a religião católica e Nietzsche proclamava que Deus morrera.

Tem, porém, sempre ressurgido com força maior e com santos renovadores, como São Francisco de Assis, São Bernardo, Santo Inácio de Loyola, São José Maria Escrivá, mostrando a permanência de uma mensagem que não necessita de marketing, pois penetra no íntimo dos homens de boa vontade, dispostos a viver valores familiares, profissionais e sociais.

Mesmo a grande crítica que se fez à Idade Média, não se sustenta, se tivermos presente que graças à Igreja Católica, criou-se o maior instrumento de cultura da civilização ocidental, que é a Universidade. Quase todas as ciências evoluíram a partir de cientistas sacerdotes, desde a astronomia à física, matemática ou genética.

O próprio processo de Inquisição –a história demonstra que o número de condenados, em séculos de Inquisição, foi muito menor do que os mortos em qualquer batalha sem expressão daquela época- permitiu a evolução do direito processual moderno, com a eliminação das ordálias, substituídas pelo contraditório.

O certo é que a Igreja Católica tem conhecido um renascer fantástico, como as últimas jornadas da juventude em Madrid demonstraram.

Por outro lado, as figuras dos dois últimos Papas (João Paulo II e Bento XVI), quando se pensava que a Igreja Católica estaria desaparecendo, levaram e levam multidões, que acolhem com entusiasmo a figura de Sua Santidade por onde passa.

É bem verdade que vivemos período de múltiplos choques, que procurei retratar no meu livro “A era das contradições”. Hoje, o egoísmo e a auto-realização, alimentados por uma expansão da desfiguração familiar, do avanço das drogas, da corrupção e da falta de fidelidade, tanto na família como nos negócios, fizeram com que muitos se afastassem da religião católica, que não transige no que há de permanente em seus valores.

O homem tem, todavia, uma necessidade fantástica de Deus e, quando não busca o verdadeiro, elege outros deuses como ocorreu com o nacional socialismo ou os deuses do cotidiano (dinheiro, sexo, poder, drogas etc.).


Tal choque entre o mundo das virtudes e o mundo do egocentrismo é algo que permanecerá até o fim dos séculos. Mas, como as estações se renovam, renova-se, de igual forma, a mensagem de Cristo, que se torna sempre nova, apesar de seus 2.000 anos. Esta é a razão pela qual, nada obstante as críticas e ataques que recebe de todos os lados, a nave da Igreja singra buscando os homens, não como uma empresa busca clientes, mas, desinteressadamente, para que encontrem um sentido de vida que lhes dê a verdadeira dimensão da existência.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Cristo e a Igreja – Uma primeira aproximação,


Deus nos disse uma Palavra breve, uma única: Cristo. Felipe exclamou: “(...) mostra-nos o Pai e isso nos basta!” (Jo 14,  8 ). Nosso Senhor não lhe disse palavra sobre, mas pediu apenas que olhasse para Ele: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14, 9). Também
“Quem me vê, vê o Pai”
quando se calou ante a pergunta de Pilatos sobre o que era a verdade (Jo 18, 38), aquietou-se, porém quão estrondosa foi a resposta daquele e naquele silêncio: a Verdade não é uma coisa, mas um “Quem”, uma Pessoa. Pilatos estava diante da Verdade. A resposta para Pilatos era Jesus em pessoa: “Eu sou a Verdade (Ego sum veritas)” (Jo 14, 6). Este é o sentido da palavra de Santo Agostinho. Em Seu Ministério, Cristo nada disse acerca de, disse-Se. Sua doutrina era Ele próprio: “(...) sua doutrina – diz Ele – é ele mesmo (suam doctrinam dixit, seipsum)”[1]. Neste sentido, numa prédica sobre o mesmo Evangelho de João, Santo Agostinho declara:

Cristo prega a Cristo (Christus Christum praedicat), porque se prega a si mesmo (quia seipsum praedicat).(...) Cristo se prega a si (Christus praedicat se).[2]

Também num Sermão Sobre o Credo, Santo Tomás afirma que Cristo não nos trouxe uma mensagem ou uma carta de Deus, sendo Ele próprio a Palavra, a Carta de Deus para nós:

Como dissemos acima, o Filho de Deus é o Verbo de Deus, e o Verbo de Deus Encarnado é como a palavra de Deus escrita em uma carta (Verbum Dei incarnatum est sicut verbum scriptum in charta).[3]

Do quanto dissemos, temos que, aderir à doutrina de Cristo é aderir à sua Pessoa, é unir-se vitalmente a Ele. Neste sentido, já dizia Penido, o maior dos nossos em Santo Tomás:

(...) O divino Mestre identifica-se à própria doutrina – “Eu sou a verdade” – enquanto o sábio se distingue da sua descoberta e o filósofo do seu sistema. Tanto assim que podemos adotar uma teoria sem lhe conhecer o autor, enquanto aceitar o ensinamento de Cristo é aderir à pessoa de Cristo: a sua revelação é ele mesmo.[4]

Ora, a doutrina a testemunhar não é apenas teoria senão vida, e vida que consiste em aderir a outra vida: a vida pessoal de Cristo. A pessoa de Platão ou de Aristóteles, por exemplo, distingue-se de sua doutrina. Não assim Cristo: “Eu sou o caminho, a verdade, a vida”, diz ele (Jo 14, 6). Aderir à verdade cristã é aderir à pessoa de Cristo, é viver de Cristo, ter em si o pensamento e o amor de Cristo. (...) Logo, testemunhar o cristianismo não pode reduzir-se a repetir fórmulas cristãs, nem mesmo a aceitar essas fórmulas. Testemunhar, é aceitar a pessoa mesma de Cristo, entregando-se a ele, observando o que ele prescreveu.[5]

E há mais. Conhecer Deus, em Cristo, é conhecer o próprio Cristo: “Ele é por tal forma o Revelador, que não apenas ouvindo-o as palavras, mas simplesmente conhecendo-o, conhecemos a seu Pai (Jo 12, 45; 14, 9)”[6]. E ainda:

Jesus não é apenas um amigo de Deus como Abraão, nem um simples mensageiro de Deus, como os profetas. Jesus Cristo é Deus propriamente. Logo podemos dizer em verdade: Deus é homem. Olhando a face de Cristo, é a face do Pai que contemplamos: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14, 9).[7]

Destarte, Nosso Senhor não é um simples profeta. Não é simplesmente um mestre. Ele não é um filósofo, nem somente um sábio. De fato, profetas, filósofos, mestres e sábios ensinam-nos o caminho que devemos seguir, o “por onde” devemos ir para podermos chegar “aonde” devemos chegar. Cristo não! Ele próprio é o CAMINHO “por onde” devemos ir e Ele mesmo é o “aonde” devemos chegar. Numa pregação sobre o Evangelho de São João, disse Santo Agostinho:

E nós para onde vamos, senão para ele (ad ipsum)?
E por onde vamos, senão por ele (per ipsum)?
(...) nós vamos para ele por ele (nos ad ipsum per ipsum).
(...) nós vamos por ele e para ele (...) (nos per ipsum et ad ipsum).[8]

Assim, Cristo não é apenas o Caminho que leva à verdade, senão que Ele é o Caminho e a Verdade. Cristo não é somente o Caminho que conduz à vida, mas Ele é o Caminho e a Vida! Em uma palavra: Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14, 6). Ele é a Salvação e não somente o salvador que nos leva à salvação, porque é estando nEle que estaremos salvos: “Permanecei em mim (...)” (Jo 15, 4). Ele é a Vida eterna, e é estando nEle que nos tornaremos partícipes da Vida que é Ele próprio. Di-lo-á o Santo Doutor de Hipona n’outro Sermão sobre o mesmo Evangelho:

O Senhor é a vida eterna (Ipse est vita aeterna), onde havemos de estar, quando nos receber para si. (...) Ele é a vida que tem (ipse est quod habet). A vida que está nele, é ele mesmo (quod vita est in ipso, ipse est in seipso). Quanto a nós, não somos a própria vida. Somos participantes da vida dele. Estaremos nele.[9]

 (...) Cristo é a vida eterna (Christus est vita aeterna).[10]

Cristo é o Céu e ir para o Céu é ir, por Cristo, com Cristo e em Cristo, para Cristo.


Mas onde, hoje, está Cristo? Como podemos, hoje, aderir à Sua pessoa? Como permanecermos unidos a Ele, hoje? Cristo é a Sua Igreja. A Igreja e Cristo não são duas realidades distintas, mas uma só. Não, está claro, por uma identidade de natureza. Não! Mas por uma comunhão vital, constituem uma única e mesma pessoa mística. De fato, a Igreja é a comunhão dos que creem na pessoa de Cristo com a pessoa de Cristo. É um Corpo, cuja Cabeça é Nosso Senhor e cujos membros são os fiéis. Da mesma forma que o homem inteiro não é apenas os seus membros, mas os seus membros e a sua cabeça, assim o Cristo total (“Christus totus”) é Nosso Senhor, Cabeça, e seus membros, a Igreja. É deste modo que a Igreja e Cristo formam uma única pessoa mística. Santo Agostinho celebra esta verdade noutro sermão Sobre o Evangelho de São João:

Congratulemo-nos e demos graças a Deus, porque somos, não somente cristãos, mas Cristo [non solum nos christianos factos esse, sed Christum]. Compreendeis, irmãos, estais convencidos de que a graça de Deus reside em nós? Admirai, regozijai-vos; tornamo-nos Cristo [Christus facti sumus]. [Si enim caput ille, nos membra; totus homo, ille et nos= Com efeito, se ele é a cabeça e nós os membros, o homem inteiro é Ele e nós] (...) A plenitude de Cristo é a cabeça e os membros. Quem é a cabeça e quem são os membros? É Cristo e a Igreja.[11]

Num Sermão sobre o Salmo XXVI, o Santo Doutor não é menos claro:

Daí se vê que somos o corpo de Cristo [Christi corpus nos esse] (...). E todos nele somos de Cristo, e somos Cristo [Christus sumus], porque de certo modo o Cristo Total é Cabeça e Corpo [totus Christus caput et corpus est].[12]

Santo Tomás, mais sucinto, remata: “Deve-se dizer que cabeça e membros são como uma única pessoa mística.”[13] Portanto, é somente unindo-nos à Igreja, e inserindo-nos nesta comunhão vital com Cristo e com os que creem em Cristo, que nos unimos a Cristo. Só desta maneira Ele poderá levar-nos, por Ele, nEle, para Ele.

Agora bem, unidos a Cristo pela Igreja, comungamos a Sua vida. Assim como um ato da cabeça é sempre também dos membros, porque, afinal, é um ato da pessoa, assim, quando entramos em comunhão com Cristo e a Igreja, que formam uma única pessoa mística, a vida de Cristo Cabeça e os Seus méritos passam a ser também a nossa vida e os nossos méritos, uma vez que nos tornamos Seus membros. É por isso que São Paulo afirma: “(...) da obra de justiça de um só (i.é., Cristo), resultou para todos os homens a justificação que traz a vida” (Rm 5, 18). Com efeito, como Seus membros, os Seus atos passam a ser os nossos e os nossos, enquanto nos mantivermos unidos a Ele, passam a ser os atos dEle em nós: “(...) sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5). Nosso Senhor fala desta estreitíssima solidariedade, quando se dirige aos seus, dizendo: “(...) vós em mim e eu em vós” (Jo 14, 20). Desta forma, a Igreja apresenta-se como um prolongamento da vida de Cristo Cabeça. E como seu Corpo, constituindo com Ele uma mesma pessoa mística, a Igreja torna-se possuidora dos méritos que Ele próprio conquistou no Calvário e é entronizada na comunhão trinitária, “(...) Eu neles e tu em mim (...)” (Jo 17, 23), diz Nosso Senhor ao Pai em sua Oração Sacerdotal. De sorte que o mistério da graça é indissociável do da Igreja, que, por sua vez, é um prolongamento do mistério de Cristo, o qual, por fim, introduz-nos na comunhão da Trindade. Estar em graça, portanto, é estar em Cristo, e estar em Cristo é estar em Deus Uno e Trino. Todavia, para se estar em Cristo é preciso estar na Igreja, Corpo Místico de Cristo. Santo Tomás explica com palavras fortes:

(...) a graça foi dada a Cristo não como a uma pessoa em particular, mas como ao chefe da Igreja (caput Ecclesiae= cabeça da Igreja), ou seja, de modo que dele redundasse para os seus membros. Portanto, as obras de Cristo são atribuídas tanto a si (tam ad se) como a seus membros (quam ad sua membra). (...). Conclui-se então que, por sua paixão, Cristo mereceu a salvação não só para si*, mas também para todos os seus membros (omnibus suis membris suam).[14]

* Não que Cristo precisasse ser salvo. Não! Mas a Pessoa do Verbo, que assumiu a nossa natureza, mereceu a salvação que conquistou no Calvário para a nossa natureza. De maneira que no Gólgota, misticamente, estávamos todos nós. Assim, São Paulo pode celebrar: “(...) pela obediência de um só, todos se tornarão justos” (Rm 5, 19). Vemos pelo verbo no futuro, “tornarão justos”, que é preciso ponderar. Cristo mereceu a salvação para os Seus membros. E o que é esta salvação? É a libertação do pecado? Na verdade, a libertação é o meio pelo qual obtemos a salvação, que é estar em Deus. Portanto, a salvação que Cristo nos conquistou mediante a Cruz é esta: Estar nEle. Mas só estamos nEle, estando na Igreja, Seu Corpo. Diz Santo Tomás:

Portanto, deve-se dizer que cabeça e membros são como uma única pessoa mística. Portanto, a satisfação de Cristo pertence a todos os fiéis como a membros seus.[15]

Ora, mas como acontece esta solidariedade entre Cristo e nós? Mormente através
Os 7 sacramentos.
dos sacramentos. Por eles, a vida de Cristo torna-se contemporânea a nós. Nosso Senhor disse que são os que comungam o Seu Corpo e Sangue que permanecerão nEle, que viverão por Ele (Jo 6, 56 e 57). São Paulo, aos Romanos, fala do Batismo como duma imersão no mistério da morte e ressurreição do Senhor (Rm 6, 3-4) e diz também algo tremendo: “(...) nos tornamos uma coisa só com ele (i.é., com Cristo) (...)” (Rm 6, 5). Ademais, o que se realiza no rito, traduz-se em vida. São Paulo vive a Vida do Senhor. Diz-nos estar crucificado com Cristo; fala-nos não ser mais ele quem vive, mas Cristo a viver nele (Gl 2, 20). Afirma-nos que traz em si os estigmas de Nosso Senhor (Gl 6, 17). Aos coríntios, relata:

“(...) por toda parte trazemos em nosso corpo a agonia de Jesus, a fim de que a vida de Jesus seja também manifestada em nosso corpo (...). Somos sempre entregues à morte por causa de Jesus, a fim de que também a vida de Jesus seja manifestada em nossa carne mortal” (II Co 4, 10-11).

Aos de Filipos declara que, para ele, viver é Cristo (Fl 1, 21). Assim, ser Igreja afigura-se como um viver da e na Vida que é Cristo. Ser Igreja é ser Cristo, porque só se é Igreja na medida em que se está cada vez mais unido a Cristo. Por conseguinte, a Igreja não se interpõe entre Cristo e os fiéis; ao contrário, inserindo-nos nela mesma pelos sacramentos, a Igreja une-nos intimamente a Cristo. Mais, torna-nos Cristo, porque faz-nos membros dum Corpo, que é ela própria e cuja Cabeça é Nosso Senhor. A Saulo, perseguidor dos cristãos, Nosso Senhor se identifica com sendo a igreja que ele (Saulo) persegue: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues” (At 9, 5). Tal é a união mística de Cristo e a Igreja!

Tamanha é esta comunhão vital que, no Sacramento do Altar, quando a Igreja oferece Nosso Senhor imolado ao Pai, sendo ela o Corpo dAquele que ela oferece, ela oferta-se a si mesma também. Diz com firmeza Santo Agostinho: “Tal mistério a Igreja também o celebra assiduamente no sacramento do altar, conhecido dos fiéis, em que mostra que se oferece a si mesma na oblação que faz”[16]. De fato, é neste sentido místico que São Paulo diz aos de Colossas: “(...) completo o que falta às tribulações de Cristo em minha carne pelo seu Corpo, que é a Igreja” (Col 1, 24). Com efeito, o fato de sermos membros de Cristo era uma verdade tão evidente aos primeiros cristãos, que o Apóstolo dos Gentios, aos de Corinto, pergunta como eles puderam se esquecer desta verdade: “Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo”? (I Co 6, 15), “(...) não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós e que recebestes de Deus”? (I Co 3, 19). Mas onde, enfim, realiza-se esta união? Num Sermão sobre o Credo, Santo Tomás ratifica: nos sacramentos. Asssim, ele considera como sendo interfaces dum mesmo mistério, Cristo e a Igreja, a graça e os sacramentos:

Os bens de Cristo são comunicados a todos os cristãos, como a energia da cabeça é comunicada a todos os membros. Essa comunicação é realizada pelos sacramentos da Igreja (...).[17]

A Igreja, por conseguinte, é Cristo em nós (Col 1, 27: “Cristo em vós”), e, sendo Cristo Deus conosco (Mt 1, 23), a Igreja é Deus entre nós, é Deus no meio de nós. Ela é Cristo, vivo e atuante, hoje. São Paulo diz com toda clareza à igreja que estava em Corinto: “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? (...) Pois o templo de Deus é santo e esse templo sois vós” (I Co 3, 16-17). Sim, a Igreja é o sacrário do Altíssimo neste mundo! Ela é o ostensório de Deus. Não estamos a dizer, bem entendido, que a Igreja forme uma só pessoa física com o Verbo, com Deus. Não, em absoluto! Mas, por sua união vital, união mística com Cristo, que é Deus, pelos seus sacramentos, a Vida de Nosso Senhor torna-se presente nela, atual em Seus membros. De sorte que, pela Igreja, a Trindade como que “desce” do céu para habitar na terra, em nós, “Eu virei a vós” (Jo 14, 18), “(...) meu Pai o amará e a ele viremos e nele estabeleceremos a nossa morada” (Jo 14 23), e nós, por outro lado, como que “subimos” à Trindade: “Como tu, Pai, está em mim e eu em ti, que eles estejam em nós.” (Jo 17, 21). Sim, unidos a Cristo, participamos da Sua Vida ressurreta e, como membros duma Cabeça glorificada, com Ele assentamo-nos, desde já, decerto que em mistério, no Céu. Por isso, aos de Éfeso, São Paulo afirma com meridiana clareza que o Pai, “(...) com ele (i,é., Cristo) nos ressuscitou e nos fez assentar nos céus (...)” (Ef 2, 6). Daí Santo Tomás poder dizer também sem pestanejar que “(...) a graça não é outra coisa senão um início da glória em nós (...)”[18]. De tal maneira a Igreja está irmanada a Cristo, que o mesmo Santo Tomás, citando Santo Agostinho (De Consensu Evangelistarum. 1, 35, 54), chega a dizer o seguinte acerca da Bíblia:

Deve-se dizer, com Agostinho, que “Cristo é a cabeça de todos seus discípulos, que são como membros de seu corpo. Por isso, tendo eles escrito o que Cristo fez e ensinou, não se pode dizer que ele (Cristo) nada escreveu absolutamente, uma vez que seus membros puseram por escrito o que a cabeça lhes ditou. Tudo o que Cristo quis que lêssemos a respeito de suas palavras e ações, ele lhes ordenou escrever, como se fossem suas mãos.”[19]

Também nesta ótica, podemos dizer que a oração da Igreja é um mistério cristológico! Na verdade, há um só que ora: Cristo. E sua oração é intercessão. Ora, não há meio termo: ou oramos por Cristo, com Cristo e em Cristo, ou não oramos ou nossa oração não é cristã, porque está escrito: “(...) ninguém vai ao Pai a não ser por mim” (Jo 14, 6). E o que é orar senão ir a Deus? Com efeito, como Cristo é a Cabeça, e nós, Seus membros, não é possível dizer que a oração da Igreja seja outra que não a de Cristo. Por isso, somente quando estamos verdadeiramente unidos a Cristo, verdadeiramente oramos. Mais: quando oramos, é Cristo que ora por nós, conosco e em nós. De fato, quando intercedemos, é Cristo quem intercede em nós, por nós. Intercede por nós, como nosso Sacerdote, e intercede em nós, como nossa Cabeça. E se lhe pedimos algo, na verdade, é Ele quem pede em nós, por nós, e é Ele também quem atende os nossos pedidos como nosso Deus. Santo Agostinho celebra este mistério num Sermão sobre o Salmo LXXXV, feito na vigília da festa de São Cipriano:

Ao nos dirigirmos, suplicantes, a Deus não apartemos o Filho, e ao rezar o corpo do Filho (i.é. a Igreja), não se separe da Cabeça (i.é., Cristo). Seja ele o único Salvador de seu Corpo, nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, que suplique por nós (oret pro nobis= ore por nós)*, ore em nós, e a quem enderecemos nossas preces (oretur a nobis= é orado por nós)**. Ora por nós como nosso sacerdote, ora em nós como nossa Cabeça e a ele oramos (oratur a nobis= é orado por nós) como a nosso Deus. Reconheçamos, portanto, na sua as nossas vozes, e sua vós em nós (in illo voces nostras, et voces eius in nobis= nele a nossa voz, e em nós a sua voz).[20]
A comunhão dos Santos.

A comunhão dos santos também é um mistério cristológico! Sabemos que somos “(...) membros uns dos outros” (Rm 12, 5) a formar “(...) um só corpo em Cristo” (Rm 12, 5). Ora, por formarmos um só Corpo, há uma estreita solidariedade e comunhão entre nós. De modo que, “Se um membro sofre, todos os membros compartilham o seu sofrimento (...)” (I Co 12, 26), mas também,“(...) se um membro é honrado, todos os membros compartilham a sua alegria.” (Co 12, 26). Há, portanto, na Igreja, uma circulação vital; há, pois, uma unidade entre os membros do Corpo de Cristo, de sorte que participamos da vida uns dos outros. Assim, sob certo aspecto, o que é meu é seu e o que é seu é meu também. Sim, o “pai misericordioso” tinha razão ao dizer: “(...) tudo o que é meu é teu (...)” (Lc 15, 31). Por quê? Exatamente por isso: “Há, portanto, muitos membros, mas um só corpo.” (I Co 12, 17). Que corpo é este? Responde São Paulo: “(...) vós sois o corpo de Cristo e sois seus membros (...)” (I Co 12, 27). Então: há alguma coisa sua que não seja minha, se formamos um só corpo? Há alguma coisa minha que não seja sua, se somos um só corpo? De fato, assim é na Igreja: o dom de um redunda em proveito de outro. Destarte, nela não há lugar para a inveja e para o ciúme. E se compreendermos isso, se não nos comportarmos como o “filho mais velho”, toda a riqueza da Igreja será nossa. Sim, porque a Igreja é riquíssima de dons e carismas, visto que, embora o Corpo seja único, os membros são muitos: “O corpo não se compõe de um só membro, mas de muitos” (I Co 12, 14). Santo Agostinho, consciente do tesouro que tinha em mãos, canta-o num Sermão duma forma impossível de não se entender:

A Igreja fala a língua de todos os povos! (...) Mas esse pergunta-me: E tu, falas todas as línguas? Sem dúvida; toda a língua me pertence, pois pertence ao corpo de que eu sou membro. A Igreja espalhada através de todos os povos fala todas as línguas. A Igreja é o corpo de Cristo, e neste corpo tu és um membro. Sendo tu membro do corpo que fala todas as línguas, podes estar certo de que fala todas as línguas.[21]

Se amas, tens alguma coisa. Se amas a unidade, o que tem qualquer prerrogativa, também a tem para teu proveito. Acaba com a inveja, e é teu o que eu tenho. E seu acabar com a inveja, é meu o que tu tens. A ferida desorganiza, a saúde estabelece união.[22]

Santo Tomás, sempre mais conciso, mas não menos claro, afirma: “E porque todos os fiéis são um só corpo, o bem de um comunica-se ao outro”[23].

BIBLIOGRAFIA


AGOSTINHO. A Cidade de Deus. 7ª ed. Trad. Oscar Paes Leme. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002. v. I.


_____. Comentário ao Evangelho de São João: Médico e Alimento. 2ª ed. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra: Gráfica Coimbra, 1954. v. II.


_____. Comentário ao Evangelho de São João: Luz, Pastor e Vida. 2ª ed. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1960. v. III.


_____. Comentário ao Evangelho de São João: A Ceia do Senhor. Trad. José Augusto Amado. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1952. v. IV.


_____. Comentário aos Salmos. 2ª ed. Trad. Monjas Beneditinas. Rev. H. Dalbosco. São Paulo: Paulus, 2005. v. I.


_____. Comentário aos Salmos. Trad. Monjas Beneditinas. Rev. H. Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1997. v. II.


PENIDO, Maurílio Teixeira Leite. Iniciação Teológica I: O Mistério da Igreja. 2ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1956.


_____. Iniciação Teológica III: O Mistério de Cristo. São Paulo: Edições Paulinas, 1968.


TOMÁS DE AQUINO. Exposição sobre o Credo. 4ª ed. Trad. Odilão Moura. São Paulo: Edições Loyola, 1997.


_____.  Suma Teológica. Trad. Aimom- Marie Roguet et al. São Paulo: Loyola, 2001.






[1] AGOSTINHO. In Evanglium Ioannis Tractatus Centum Viginti Quatuor. XXIX, 3. (A tradução é nossa).
[2] AGOSTINHO. Comentário ao Evangelho de São João: Luz, Pastor e Vida. 2ª ed. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1960. v. III. XLVII, 3. p. 262.

[3] TOMÁS DE AQUINO. Exposição sobre o Credo. 4ª ed. Trad. Odilão Moura. São Paulo: Edições Loyola, 1997. p. 45.
[4] PENIDO, Maurílio Teixeira Leite. Iniciação Teológica I: O Mistério da Igreja. 2ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1956. p. 276.
[5] Idem. Ibidem. p. 254.
[6] Idem. Ibidem. p. 10.
[7] PENIDO, Maurílio Teixeira Leite. Iniciação Teológica III: O Mistério de Cristo. São Paulo: Edições Paulinas, 1968. pp. 27 e 28 
[8] AGOSTINHO. Comentário ao Evangelho de São João: A Ceia do Senhor. Trad. José Augusto Amado. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1952. v. IV. LXIX, 2.
[9] Idem. Ibidem. LXX, 1.
[10] AGOSTINHO. Comentário ao Evangelho de São João: Médico e Alimento. 2ª ed. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1954. v. II. XXVI, 20. 
[11] AGOSTINHO. Comentário ao Evangelho de São João: Médico e Alimento. 2ª ed. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra: Gráfica Coimbra, 1954. v. II. XXI, 8. pp. 125 e 126. (A tradução por nós proposta entre colchetes, parece-nos mais conforme ao original latino).
[12] AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. 2ª ed. Trad. Monjas Beneditinas. Rev. H. Dalbosco. São Paulo: Paulus, 2005. v. I. 26, 2.
[13] TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Trad. Aimom- Marie Roguet et al. São Paulo: Loyola, 2001. III, 48, 2, ad 1. 
[14] TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, 48, 1, C. (Os parênteses são nossos).
[15]Idem. Ibidem. III, 48, 2, ad 1. 
[16] AGOSTINHO A Cidade de Deus. 7ª ed. Trad. Oscar Paes Leme. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002. X, VI. p. 377. 
[17] TOMÁS DE AQUINO. Exposição sobre o Credo. p. 79.
[18] Idem. Suma Teológica. II-II, 24, 3, ad 2. 
[19] Idem. Ibidem. III, 42, 4, ad 1. (O parêntese é nosso).
[20] AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. Trad. Monjas Beneditinas. Rev. H. Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1997. v. II. 85, 1. (Os parênteses são nossos. * Preferimos, entre parênteses, manter a terceira pessoa do singular do presente do subjuntivo. ** Preferimos manter também a construção da frase na voz passiva: “orado por nós”). 
[21] AGOSTINHO. Comentário ao Evangelho de São João: Médico e Alimento. XXXII,  VII.
[22] Idem. Ibidem. XXXII, VIII.
[23] TOMÁS DE AQUINO. Exposição Sobre o Credo. p. 79.

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Sávio Laet é Bacharel-Licenciado e Pós-Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Mato Grosso [UFMT], cursou ainda algumas disciplinas teológicas [Revelação e Fé; Transmissão da Revelação e Teologia do Direito Canônico] no SEDAC [Studium Eclesiástico D. Aquino Corrêa]. Foi pesquisador do Grupo de Estudos Polis-Éthos [registrado no CNPq] da UFMT. Também participou como estudioso da filosofia medieval no grupo de “Pesquisas em Filosofia Antiga e Medieval” [com registro no CNPq] vinculado à mesma instituição.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

01/11/2013 - Todos os Santos - Papa Francisco.

SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Cemitério Verano, Roma
Sexta-feira, 1º de Novembro de 2013

Nesta hora, antes do pôr-do-sol, neste cemitério reunimo-nos e pensamos no nosso futuro, pensamos em todos aqueles que já partiram, que nos precederam na vida e estão no Senhor.

É muito bonita a visão do Céu que ouvimos na primeira Leitura: o Senhor Deus, a beleza, a bondade, a verdade, a ternura, o amor pleno. É tudo isto que nos espera. Aqueles que nos precederam e morreram no Senhor encontram-se lá. Eles proclamam que foram salvos não pelas suas obras — também realizaram obras boas — mas pelo Senhor: «A salvação é obra do nosso Deus, que está sentado no trono, e do Cordeiro» (Ap 7, 10). É Ele que nos salva, é Ele que no final da nossa vida nos leva pela mão, como um pai, precisamente para aquele Céu onde se encontram os nossos antepassados. Um dos anciãos faz uma pergunta: «Esses, que estão revestidos de vestes brancas, quem são e de onde vêm?» (v. 13). Quem são estes justos, estes santos que estão no Céu? A resposta: «Esses são os sobreviventes da grande tribulação; lavaram as suas vestes e alvejaram-nas no sangue do Cordeiro» (v. 14).

Só podemos entrar no Céu graças ao sangue do Cordeiro, graças ao sangue de Cristo. Foi precisamente o sangue de Cristo que nos justificou, que nos abriu as portas do Céu. E se hoje recordamos estes nossos irmãos e irmãs que nos precederam na vida e estão no Céu, é porque eles foram lavados pelo sangue de Cristo. Esta é a nossa esperança: a esperança do sangue de Cristo! Uma esperança que não desengana, se caminharmos na vida com o Senhor. Ele nunca desilude!

Ouvimos na segunda Leitura aquilo que o Apóstolo João dizia aos seus discípulos: «Considerai com que amor nos amou o Pai, para que sejamos chamados filhos de Deus. E nós, efectivamente, somo-lo. Por isso, o mundo não nos conhece... Nós somos filhos de Deus, mas ainda não se manifestou o que havemos de ser. Sabemos que, quando isto se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porque o veremos como Ele é» (1 Jo 3, 1-2). Ver Deus, sermos semelhantes a Deus: esta é a nossa esperança. E hoje, precisamente no dia dos Santos e antes do dos Finados, é necessário ponderar um pouco sobre a esperança: na esperança que nos acompanha durante a vida. Os primeiros cristãos representavam a esperança como uma âncora, como se a vida fosse a âncora lançada à margem do Céu e todos nós caminhássemos rumo àquela margem, agarrados à corda da âncora. Esta é uma bonita imagem da esperança: ter o coração ancorado onde estão os nossos antepassados, onde se encontram os Santos, onde está Jesus, onde está Deus. Esta é a esperança que não desilude; hoje e amanhã são dias de esperança.

A esperança é um pouco como o fermento, que faz dilatar a alma; existem momentos difíceis na vida, mas com a esperança a alma vai em frente e contempla aquilo que nos espera. Hoje é um dia de esperança. Os nossos irmãos e irmãs encontram-se na presença de Deus e também nós estaremos ali, por pura graça do Senhor, se percorrermos o caminho de Jesus. O Apóstolo João conclui: «Todo aquele que n’Ele tem esta esperança torna-se puro, como Ele é puro» (v. 3). Também a esperança nos purifica e alivia; esta purificação na esperança em Jesus Cristo leva-nos a caminhar depressa, com prontidão. Nesta antecipação do crepúsculo hodierno, cada um de nós pode pensar no ocaso da sua própria vida: «Como será o meu ocaso?». Todos nós teremos um declínio, todos! Encaro-o com esperança? Com aquela alegria de ser acolhido pelo Senhor? Trata-se de um pensamento cristão que nos incute paz. Hoje é um dia de alegria, mas de um júbilo calmo, tranquilo, da alegria da paz. Pensemos no crepúsculo de numerosos irmãos e irmãs que nos precederam, meditemos sobre o nosso ocaso, quando ele chegar. Ponderemos no nosso coração, e interroguemo-nos: «Onde está ancorado o meu coração?». Se não estiver bem ancorado, ancoremo-lo ali, naquela margem, conscientes de que a esperança nunca decepciona, porque o Senhor Jesus nunca desilude.

* * *

No final da celebração, após a oração pelos finados, o Papa acrescentou ainda estas palavras.

Gostaria de rezar também de modo especial pelos nossos irmãos e irmãs que, durante estes dias, morreram enquanto procuravam a libertação, uma vida mais digna. Vimos as imagens, a crueldade do deserto, e vimos o mar onde muitos deles morreram afogados. Oremos por eles. E rezemos também por aqueles que se salvaram, e que neste momento se encontram em muitos lugares de acolhimento, amontoados, à espera de que os procedimentos legais sejam completados, a fim de poderem ir para outros lugares, mais cómodos, noutros centros de acolhimento.


quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Tempos sem lei.

Por Carlos Ramalhete.

Para jogar futebol, é preciso saber as regras e respeitá-las. Quem não as respeita recebe um apito do juiz e uma advertência, podendo mesmo ser expulso do campo.

O mesmo ocorre com a vida em sociedade de modo geral. O papel da polícia e dos tribunais, numa sociedade ordeira, é o mesmo do juiz no jogo de futebol: advertir, e até punir, quem não respeita as regras comuns, quem sai do normal e do aceito por todos, para que a ordem possa continuar. A ordem social não é nem poderia jamais ser criada pela polícia e pelos tribunais, do mesmo modo como um juiz de futebol não conseguiria fazer, à força de apitaços, com que se parasse de usar as mãos num campeonato de handebol; só o que ele conseguiria fazer seria o caos.

É esse o meu temor em relação às tentativas cada vez mais frequentes de fazer da legislação – logo, da polícia e dos tribunais – um instrumento de transformação da ordem social: isso simplesmente não funciona. É como um juiz desportivo que tente fazer valer as regras de outro jogo: na prática, o que ele faz é acabar com toda ordem possível. A ordem social não é baseada na legislação, mas sim nos costumes tradicionais da população, e à legislação compete refleti-los, sob pena de ser, na melhor das hipóteses, irrelevante.

Quando se tenta usar a legislação como instrumento de transformação social, o que ocorre não é a transformação desejada, mas a desordem social, a anomia, ao punir o comportamento considerado normal por todos e tentar impor algo considerado anormal: leis conflitantes com os costumes viram ausência de lei.

É o que vem acontecendo em relação aos homossexuais, cada vez mais frequentemente vitimados por boçais agressivos: a tentativa de imposição por lei de uma visão do homossexualismo como motivo de orgulho fez com que, em grande medida, o comportamento tolerante da cultura tradicional do brasileiro fosse deixado de lado. O que tomou o seu lugar foi a anomia, a desordem, a boçalidade dos que veem os homossexuais como fautores de uma legislação neofascista que na verdade os está usando de bucha de canhão para destruir a ordem tradicional.


A tendência é piorar, enquanto o descompasso entre a ordem social e a legislação perdurar. É por isso que recomendo a todas as vítimas em potencial desta anomia – homossexuais, moças que andam sozinhas à noite e demais minorias que dependam da civilidade geral – que aprendam o quanto antes a se defender. Em tempos sem lei, quem mais sofre são as minorias e os mais fracos, e é isso que se está preparando no Brasil.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O escândalo da corrupção.

Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Já falamos no assunto. Mas como a corrupção é um dos piores crimes, disseminada por toda a parte, o Papa Francisco voltou a tratar do assunto na semana passada.

Ainda quando Cardeal, o Papa falava de uma corrupção que é “o joio do nosso tempo”. E o pior: “o corrupto não percebe sua corrupção. Ocorre como com o mau hálito: dificilmente aquele que tem mau hálito o percebe. Os outros é que o sentem e têm que lhe dizer. Por isso, também, dificilmente o corrupto pode sair de seu estado por remorso interno. Seu bom espírito dessa área está anestesiado”. Falando agora, o Papa diferencia a corrupção do simples pecado. Segundo ele, “aquele que peca e se arrepende, pede perdão, se sente frágil, se sabe filho de Deus, se humilha e pede a salvação a  Jesus”. Mas quem é corrupto, “escandaliza”, não pelas suas culpas, mas porque “não se arrepende”, “continua a pecar e, mesmo assim, finge que é cristão”. É alguém que leva, enfim, uma “vida dupla”. E isso “faz muito mal” para a Igreja, para a sociedade e para o próprio homem.

“É inútil que alguém diga ‘Eu sou um benfeitor da Igreja! Eu coloco a mão no bolso e ajudo a Igreja’, se depois, com a outra mão, rouba do Estado, rouba dos pobres”. E o Papa recorda a afirmação de Jesus no Evangelho: “Mais vale a esse que lhe pendurem uma pedra de moinho ao pescoço e seja lançado ao mar!”. “Aqui não se fala de perdão”, observa o papa, o que esclarece ainda mais a diferença entre corrupção e pecado. Jesus “não se cansa de perdoar” e nos exorta a perdoar até sete vezes por dia o irmão que se arrepende. No mesmo Evangelho, porém, Cristo adverte: “Ai daquele que provoca escândalos!”. Jesus “não está falando de pecado, mas de escândalo, que é outra coisa”, ressalta o papa. Quem escandaliza engana, e “onde há engano não há o Espírito de Deus. Esta é a diferença entre o pecador e o corrupto”: quem leva “vida dupla é corrupto”; quem “peca, mas gostaria de não pecar”, é apenas “fraco”: este “recorre ao Senhor” e pede perdão. “Deus o ama, o acompanha, está com ele”.

Todos nós “devemos nos reconhecer pecadores. Todos nós”. Mas “o corrupto está amarrado a um estado de suficiência, não sabe o que é a humildade”. Jesus chamava esses corruptos de “hipócritas”, ou, pior ainda, de “sepulcros caiados”, que parecem “bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão. Uma podridão envernizada: esta é a vida dos corruptos. E um cristão, que se gaba de ser cristão, mas que não leva vida de cristão, é um desses corruptos”.


“Nós todos conhecemos alguém que está nesta situação: cristãos corruptos, padres corruptos... Quanto mal eles causam à Igreja, porque não vivem no espírito do Evangelho, mas no espírito do mundanismo”. Mundanismo é um perigo a respeito do qual São Paulo já alertava os cristãos de Roma, escrevendo: “Não se conformem com a mentalidade deste mundo”. E, comenta o Papa: “Na verdade, o texto original é mais forte, porque nos diz para não entrarmos nos esquemas deste mundo, nos parâmetros deste mundo, ou no mundanismo espiritual”. 

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A casa de Loreto.

Por Lizandra Danielle.

No século III, quando a imperatriz Santa Helena foi até Nazaré (Galiléia), mandou construir uma igreja onde se encontrava a casa que Maria Santíssima viveu com seus pais Santa Ana e São Joaquim, onde disse SIM à Deus com a notícia do Arcanjo Gabriel que seria a mãe do Verbo encarnado:

“E, no sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem, cujo nome era José, da casa de David; e o nome da virgem era Maria. E, entrando o anjo aonde ela estava, disse: Salve, agraciada; o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres. E, vendo-o ela, turbou-se muito com aquelas palavras, e considerava que saudação seria esta. Disse-lhe, então, o anjo: Maria, não temas, porque achaste graça diante de Deus. E eis que em teu ventre conceberás e darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande, e será chamado filho do Altíssimo;”   Lucas 1, 26).


N. Sra. de Loreto.
Com a invasão e a conquista mulçumana no reino franco da Terra Santa (Jerusalém) muitas igrejas cristãs católicas e monumentos religiosos foram destruídos. Em 1291, dia 8 de maio, a casa da Sagrada Família também foi demolida pelos mulçumanos.

Passado dois dias, dia 10 de maio, foi encontrada uma casa totalmente sem alicerces em um terreno desigual, e com as mesmas características da Santa Casa de Nazaré, em Tersats próximo ao mar Adriático na antiga lugoslávia e atualmente na Croácia, por sinal era muito diferente para sua região chamando assim muita atenção dos moradores que não sabiam como ela poderia ter parado ali, no interior da casa tinha um altar e ao lado uma imagem de Maria segurando no colo o Menino Jesus.

Tersats ficava aproximadamente 2.000 km de Nazaré onde a casa se encontrava dois dias antes.

Com o alvoroço o governo local pediu ao bispo Alexandre de Modruzia para que verificasse se realmente aquela era a casa da Sagrada Família. O bispo estava enfermo e de cama a três anos. Ele pediu a intercessão de Maria para que ela o curasse da enfermidade se essa fosse realmente a casa onde o Verbo tinha se Encarnado, segundo a tradição, foi a própria Maria que havia aparecido a ele dizendo ser aquela a casa onde viveu quase toda a vida e como prova iria curá-lo.

No dia seguinte o bispo estava curado e foi até o local onde a suposta casa teria pousado. Tempos depois foi reunida uma comissão de homens, para ir até Nazaré onde a Casa da Sagrada Família deveria se encontrar, para verificar se a casa realmente teria desaparecido do local. Não foi encontrado nenhum vestígio de escombro da casa. No lugar onde foi demolida havia somente os alicerces da casa que coincidiam com os da casa que estavam em Tersats. A partir daí foi afirmado que realmente aquela era a casa de Nazaré que milagrosamente foi transportada pelos ares por anjos, até Tersats.

No dia 10 de dezembro de 1294 três anos depois da transportação da santa casa para Tersats, de repente a casa começou a flutuar e ficou toda iluminada como se estivesse enfeitada com luzinhas brancas e douradas, foi um espetáculo no céu ao mesmo tempo assustador para quem via aquele acontecimento sobrenatural.

A casa desapareceu novamente e foi encontrada em Recanati uma cidadezinha Italiana, próximo a um bosque de loureiros, vindo daí o nome de Casa de Loreto e Nossa Senhora de Loreto.

Várias testemunhas tanto do primeiro quanto do segundo lugar (Tersats- Recanat) deram depoimentos espantados por terem visto uma casa muito iluminada voando pelo céu com a ajuda dos anjos do Senhor.

Os aviadores se identificaram com o fato de que a casa voou pelos ares, uma missão cumpridas pelos anjos, assim adotaram Nossa Senhora de Loreto como sua padroeira, pois sua casa de algum modo e em algum momento se fez voadora, como um lindo avião ilumidado.

Esses acontecimentos foram ficando cada vez mais famosos e atraindo mais romeiros e curiosos, a Casa de Loreto é conhecida mundialmente e recebe milhares de visitantes por ano. Muitos santos já passaram por lá, como Santa Terezinha do Menino Jesus, o Beato João Paulo II, Santa Helena, São Luiz IX (rei da França), etc.

Capela dentro da Igreja em Loreto.
A casa foi se transformanda em uma linda igreja, começada pelo Papa Paulo II e cada sucessor fez uma parte. O Papa Leão X colocou mármore branco para destacar os relevos contornando assim as paredes da casa, o Papa Sixto V pediu que gravasse uma inscrição feita á ouro: “Casa da Mãe de Deus. Onde o Verbo se fez carne.” Grandes transformações foram sendo feitas até chegar nessa magnífica construção, uma igreja que possui forma de cruz latina. A casa tem 8,9 metros de comprimento por 3,8 metros de largura. Não possui nenhum alicerce e se encontra sobre um terreno desigual, fazendo com que um dos lados da casa não toque o chão. As paredes são feitas de pedras avermelhadas com algumas rajadas amareladas.

Curiosidades

Estudos arqueológicos feitos pelo arquiteto Nanni Monelli, confirmaram a veracidade desse milagre, pelo fato de que as pedras do altar da santa casa, possuem a mesma origem das que são encontradas na gruta da Anunciação em Nazaré.

Depois de séculos, a casa ainda permanece em pé sem nenhum apoio ou alicerce, podendo até mesmo passar uma barra de ferro por baixo da casa de um lado para o outro.

As pedras que formam toda a casa, são encontradas em Nazaré e não na Itália, utilizadas comumente nas construções da Galiléia.

As dimensões da casa são idênticas com as fundações que ficaram em Nazaré.

Vários estudos provam que os tijolos com que a casa foi construída, foram mesmo fabricados na Palestina à mais de 2000 anos.

domingo, 17 de novembro de 2013

ECUMENISMO SIM; SINCRETISMO, NÃO! A importância do diálogo ecumênico sem ofensas às identidades de fé.

Por Paulo Henrique Cremoneze. 

ECUMENISMO (OU O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO) NÃO É A MESMA COISA QUE SINCRETISMO: Ecumenismo e diálogo inter-religioso, SIM; Sincretismo e universalismo, NÃO, jamais!

Ecumenismo não é a mesma coisa que sincretismo. Aquele é algo bom e necessário, algo que não fere a identidade de fé de cada pessoa que se dispõe a experimentá-lo, ao passo que o sincretismo é perigoso, para não dizer essencialmente ruim, não produz nada que possa ser aproveitado para a maior glória de Deus.  Confesso que não gosto do sincretismo religioso, pois isso significa perda de identidade, mas sou um entusiasta dos diálogos ecumênico (entre profissões de fé cristãs) e inter-religioso (entre uma profissão de fé cristã e outra não-cristã).

Não sou partidário do sincretismo porque vejo nele o perigo de se construir uma fé de conveniência, manietada e esvaziada de conteúdo (aliás, o grande projeto dos inimigos de Deus e das religiões). Costumo dizer que quem acredita em tudo, no fundo, não acredita em nada. O princípio da identidade é taxativo: o que é, é. Logo, o sincretismo tudo mistura e nada concreto apresenta.

Sou partidário do diálogo ecumênico porque Jesus é um só para católicos, ortodoxos e protestantes, razão pela qual devemos, senão nos amar, ao menos nos suportar dignamente por causa de Jesus, caminho, verdade e vida. (e não é a tolerância em si mesmo um ato de amor?).

Penso, seguindo conselho do amado Papa Bento XVI, que mais importante do que os problemas históricos e as diferenças doutrinárias, os cristãos têm o dever de mostrar ao mundo a cruz e a luz de Cristo. E ao se falar em unidade, em ecumenismo, fala-se, na esteira do que o Santo Padre afirmou em testemunho comum, não em imposição de uma forma de viver à fé à outra. Exatamente o que diz o Relatório sobre a quarta fase (1990-1997) do Diálogo internacional entre a Igreja católica romana e as Igrejas pentecostais tradicionais, bem como outros pentecostais, emitido pelo Conselho Pontifício para a promoção da unidade dos cristãos: “O objetivo não é a unidade estrutural, mas antes a promoção do respeito e da compreensão mútua entre a Igreja católica e os grupos do pentecostalismo tradicional”.

O diálogo ecumênico abranda o escândalo que é os incréus estarem mais a par do que divide as Igrejas do que aquilo que as une, aproveitando-se disso para afastar a presença de Deus no mundo. Além disso, o diálogo ecumênico possibilita a conscientização da tristeza que é um testemunho dividido.

Um mundo que vive à sombra da ditadura do relativismo moral e que na sua porção ocidental se esforça em negar as próprias tradições e raízes, provocando a erosão de sua identidade, a morte dos valores morais judaico-cristãos responsáveis pelo seu desenvolvimento, mais do que nunca a unidade urge, pois é preciso não se permitir a retirada da experiência de Deus no espaço social, confundindo-se os benefícios do Estado laico, com os malefícios de um Estado laicista, um Estado absolutista e ateu ou uma sociedade marcada pelo hedonismo desenfreado, cuja simples menção da palavra Deus é uma ofensa profunda, porque dignifica o dique de contenção moral que ela não quer.

Minha identidade fortemente católica não me afasta, mas, ao contrário, me aproxima dos irmãos de fé ortodoxos e protestantes, pois se existem muitas Igrejas cristãs hoje certamente há um propósito de Deus maior para isso, um propósito tão elevado e profundo que sequer ouso me alongar refletindo a respeito. O tempo das acusações recíprocas já passou (ou, ao menos, deveria ter passado para a maior parte dos cristãos) e o tempo das discussões estéreis também. Agora, é o tempo de união, de todos os cristãos colocarem as vaidades de lado e comungarem de um mesmo objetivo: inserir a cruz de Cristo no mundo.

As almas gritam por salvação, as pessoas perdem-se em manifestações difusas, pseudo-espirituais, retomam os caminhos do um panteísmo redesenhado e absorvem conceitos errados de fé, desprezando a Bíblia, deixando de lado o Senhor. Os cristãos têm culpa em parte nisso. Perdidos em suas disputas fratricidas deixam de dar ao mundo bons exemplos e cedem espaços para os lobos em pelo de cordeiros profetizados pelo Senhor. Durante muito tempo, católicos e protestantes viram-se uns como lobos dos outros e deixaram seus rebanhos para os oportunistas, os verdadeiros salteadores, os verdadeiros lobos.

É o tempo de reunir os rebanhos, de proteger os fiéis, de caçar os lobos ferozes e que só querem o mal. É chegado o tempo de o mundo voltar a se encantar com a pureza da fé da Igreja primitiva e reconhecer que não existe beleza maior do que a de Cristo Jesus.

Hoje, muito se fala, mas nada se conhece de espiritualidade, de mística. Ora, quem lê os escritos dos Padres da Igreja dos primeiros séculos, elaborados a partir de uma visão essencialmente espiritual da Bíblia, embriaga-se com a profundidade mística de cada texto e enxergar uma beleza sem precedentes na fé cristã.

Essa beleza decantada por muitos mestres espirituais católicos e, nos últimos quinhentos anos, também protestantes, sem se deixar de lado os irmãos cristãos ortodoxos, todos os cristãos devem apresentar ao mundo: a invulgar e oceânica profundidade da fé cristã. E tudo isso com um propósito eminentemente prático, voltado às lutas diárias e ao trabalho cotidiano. Tanto a Igreja Católica como as Igrejas Protestantes acreditam na santificação da vida por meio do trabalho.

Sobre o ecumenismo, o Papa Bento XVI disse no dia 2 de março de 2006, por ocasião do “Encontro com o clero da diocese de Roma”: “Isto é de grande importância: devemos suportar a separação que existe. São Paulo afirma que os cismas são necessários durante certo tempo e o Senhor sabe bem porquê: para nos por à prova, para nos exercitar, para nos fazer amadurecer, para nos tornar mais humildes. Mas ao mesmo tempo somos obrigados a caminhar no sentido da unidade e caminhar rumo à unidade é já uma forma de unidade”.

De fato, o desejo de compreender o outro e procurar mais o que nos aproxima do que o aquilo que nos separa é forma de unidade, é mostrar ao mundo o espírito cristão. Afinal, como falar de Jesus Cristo e Seu amor redentor se aqueles que se dizem cristãos não conseguem suportar uns aos outros, enxergando mais as diferenças históricas e doutrinárias do que aquilo que é mais importante, aquilo que é fundamental, a pessoa de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem?

Acaso, podemos ignorar as palavras do Senhor: “Porque quem não é contra nós é por nós” (Mc 9, 40)? Não, não podemos e não devemos. Quem verdadeiramente se deixa infundir do Espírito Santo, quem confessa no nome de Jesus como O Senhor, O “Kyrios”, O “Pantokrator” (Senhor da vida, Senhor de tudo, Rei do Universo), não é contra outro que também confessa a mesma verdade, ainda que por meio de outra profissão de fé.

O ecumenismo não significa rejeitar as convicções herdadas de uma determinada profissão de fé, tampouco acutilar a própria identidade, mas abrir-se sinceramente ao outro e concentrar-se apenas na pessoa de Jesus. As demais questões podem e devem ser tratadas, mas num segundo momento. O primeiro é e sempre deverá ser a pessoa de Jesus, aquilo que une os cristãos em todo o mundo, católicos, ortodoxos e protestantes. Aquilo que une os autores deste livro, um católico, outro protestantes, os dois, cristãos.

Não, pelo contrário, significa a unidade de testemunho e a comunhão de elementos essenciais, respeitando-se a estrutura de cada profissão de fé. O objetivo do ecumenismo não é a unidade estrutural ou a adesão à Igreja católica romana, restaurando-se a unidade primitiva do primeiro milênio e que resultou na quase formação de um Estado supranacional cristão, o chamado Sacro Império Romano-Germânico, em que toda a cristandade estaria abraçada numa só identidade, credo, nação. Não, a unidade é antes de tudo espiritual. Com efeito, disse oficialmente o Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos: “Os pentecostais e os católicos têm a mesma preocupação de unidade da Igreja. O objetivo preciso destas discussões é desenvolver um clima de respeito mútuo e de compreensão quanto à fé e à prática, de encontrar pontos de acordo autêntico, bem como indicar os âmbitos nos quais convém prosseguir o diálogo”. (Diálogo católico-pentecostal: evangelização, proselitismo e testemunho comum).

Muito se fala sobre o ecumenismo, mas pouco realmente dele se conhece. Não raro, o ecumenismo é distorcido e confundido com sincretismo. Sabemos o verdadeiro significado do ecumenismo: o diálogo fraterno e compreensivo entre as diferentes profissões de fé cristã. E acrescentamos, sem perdas de identidades. Assim como valorizamos o ecumenismo, corretamente compreendido e vivido, conferimos invulgar importância ao diálogo inter-religioso, isto é, o diálogo entre os cristãos e os partidários de outras profissões de fé, especialmente os mulçumanos (os quais constituem, hoje, a maior religião do mundo em termos de fiéis) e o judeus (e com especial carinho, pois além do judaísmo ser a religião da qual as demais religiões monoteístas nasceram, os judeus são, segundo palavras do Papa João Paulo II, hoje beato, os irmãos mais velhos dos cristãos na fé).

Sabemos todos, também, que existem diferenças significativas entre as visões de fé dos católicos e protestantes, mas procuramos, sem ignorar as diferenças, aquilo que nos une. E o que nos une? O amor por Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Nosso desejo, sem enveredar pelo proselitismo religioso, é levar ao mundo a beleza da cruz e da luz de Nosso Senhor Jesus Cristo. E ao fazermos, seguimos a vontade do próprio Jesus.

Por isso acredito que o diálogo ecumênico é o caminho para nós, cristãos em geral, diminuirmos os efeitos negativos de uma cultura anti-religiosa que se espalha no mundo contemporâneo como veneno.

A visão ecumênica é a resposta ao anseio de nossas almas e o carinho que a amizade gera, de tal forma que um não se preocupou em mostrar a sua fé ao outro, mas os dois, conscientes das diferenças, buscaram a unidade, em nome de um mesmo e verdadeiro amor.

Mais uma vez, invoco o Relatório sobre a quarta fase (1990-1997) do Diálogo internacional entre a Igreja católica romana e as Igrejas pentecostais tradicionais, bem como outros pentecostais, emitido pelo Conselho Pontifício para a promoção da unidade dos cristãos: “Sensíveis ao problema do testemunho dividido, os participantes deste Diálogo compartilham o sofrimento que sentem diante dessa situação. Sofrimento este que moveu sobretudo a buscar meios de superar as divisões, em conformidade com a exortação paulina “a guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4,3)”.

O mundo, hoje mais do que nunca, é contaminado pelo o que se pode chamar de ditadura do relativismo moral. E essa mesma “cultura” tem por objetivo fundamental banir a presença de Deus no mundo, ferindo o que é substancial para o equilíbrio da vida: os valores morais judaico-cristãos. Por isso, o diálogo ecumênico precisa ser incentivado e exercido com base nas virtudes teologais da fé, esperança e caridade.

Nesse sentido, lembro mais uma vez o discurso que o Papa Bento XVI proferiu num encontro ecumênico profundamente rico e imantado de simbolismo. O Papa, ao visitar apostolicamente sua terra natal, a Alemanha, escolheu o mosteiro agostiniano em que Martinho Lutero, pai da reforma protestante, estudou para transmitir aos líderes religiosos católicos, ortodoxos e protestantes (luteranos, presbiterianos, metodistas e outros) presentes a importância de os cristãos unirem forças, deixando de lado as diferenças doutrinárias, teológicas e históricas de lado, em prol da defesa dos valores cristãos e com vistas a exibirem ao mundo a pessoa de Jesus Cristo.


A nova evangelização passa necessariamente pelo caminho de união e fraternidade entre os cristãos. Acredito, ao menos assim espero em Deus, fazer nossa parte dos esforços para toda a Cristandade pensar a unidade ainda que sob bandeiras d fé distintas e a partir dela a integração saudável com as profissões de fé não cristãs.