terça-feira, 29 de abril de 2014

O demônio presente na noite escura do Espírito.


Por Igson Mendes da Silva

Para melhor assimilação do presente tema - primeiro, é necessário esclarecer alguns conceitos relevantes. Isto se deve ao fato da má compreensão que se tem hoje de certos fenômenos ligados à vida mística.

Santa Verônica em visão de Cristo cruciificado
Não é raro na atualidade entender por “vida mística”, àquela caracterizada por fenômenos extraordinários: com visões, êxtases, estigmas, etc. Tal concepção é errônea. Não são esses feitos extrínsecos, sensíveis, que consiste a essência da Mística. Na verdade, a vida mística, longe de ser algo extraordinário - deve ser tida como uma etapa natural na ordem das coisas em que o cristão vive no decorrer de sua vida espiritual. Dela, pode-se tirar como conceito fundamental, a experiência profunda cuja criatura humana faz Deus presente no íntimo de sua alma. Não obstante, após percorrer uma longa jornada!

Tomemos por exemplo, grandes santos e santas que se dedicaram à oração e práticas ascéticas. Estes, por sua vez, acabaram por ingressar numa fase conhecida por noite escura do espírito ou da alma. O termo refere-se metaforicamente ao processo de purificação da alma, que se dá na obscuridade da fé, e que nos dispõe ao matrimônio místico com o Senhor.  Em outras palavras, consiste na “ausência” de Deus na vida daquele que crê. É como se de repente Deus o tivesse abandonado ou como se sua vida de preces tivesse entrado em colapso. Mas, segundo São João da Cruz (séc. XVI), um dos maiores místicos da Igreja, sem "noites escuras" não se pode aproximar de Deus como convém. Por esse motivo, tal fase é de suma importância.

Após esclarecer alguns conceitos chaves de maneira sintética, de agora em diante desejo evidenciar à existência dos demônios e sua influência na vida espiritual; Haja vista, no presente momento, tanto sua existência como ação ser bastante contestada por certos “cristãos” e até de boa parte docente da Igreja. Para isso, recorro novamente ao testemunho deixado por grandes santos e místicos da Igreja Católica!

São João da Cruz e a
Noite Escura do Espírito
A literatura dos santos é riquíssima em textos retratando a noite escura do espírito assim como da existência do demônio. Como exemplo, temos o relato da humilde costureira e mística do século XIX, Javiera de Valle. Na sequência apresento a descrição feita por essa humilde costureira do século XIX:

“Quando a alma resolve não querer nada senão seguir o seu amado Redentor, e colocando seu olhar fixo sobre Ele, se pudesse ver o que fez e sofreu por ela seu adorável Redentor, Satanás enfurecido prepara uma grande batalha”.

(…) Se propõe arrancar de nós as três virtudes teologais. Mais onde vai colocar diretamente seu alvo é na fé, porque, obtida essa, fica mais fácil conseguir as outras duas coisas; porque é como o fundamento sobre a qual se levanta todo edifício espiritual, que é o que ele (demônio) mais quer e deseja, e pretende destruir.

Deus então silencia, não o impede em sua intenção, antes prepara o caminho para que a batalha seja mais dura. E também mantém seus olhares firmes nele, pois prepara os caminhos para deixá-lo confuso na batalha, enganado e derrotá-lo completamente, para que saíamos verdadeiros vencedores desta batalha e nos tornemos invencíveis no que vier.

Quando Satanás já se aproxima da luta, a primeira coisa que diminui é a luz clara e formosa que Deus havia nos dado, para com ela conhecermos a verdade.

A escola [do Espírito Santo] se fecha; a memória e a razão pela força da dor e o sentimento que a alma tem parecem perdidos. Pobre alma que busca a Deus e não sabe. Quer chamá-lo e não pode articular uma palavra. Tudo que sabia foi esquecido; com uma profunda piedade, sente-se sozinha, sem companhia alguma.

A quem me compararei neste estado? A nada, senão é essas  noites de verão que de repente se levantam esses nevoeiros tão fortes e horríveis, quer por sua obscuridade tenebrosa nada se vê, senão relâmpagos que assustam, trovões que deixam alguém tremendo, tufões que recordam a justiça de Deus no fim do mundo, o granizo e a pedra que parecem destruir tudo.

Não digo ao que poderia comparar: somente, sem Deus, sentir ir até ela um exército furioso, que gritam a ela que está enganada, que não existe Deus, e a cercam por todos os lados[...]

[...] Mas não a deixam prontamente, e com raciocínios tão fortes e violentos, à força, querem fazer com que ela acredite que não existe Deus, e com horríveis deboches dizem que não há o tal Deus a quem ela busca e o fazem como com um poder sobre as potências, para ao poder nem refletir nem acreditar em outra coisa se não naquilo que a força nus querem fazer entender e crer, querem que não se acredite em mais nada além daquilo que eles dizem, e não acredite em nenhuma coisa mais.

[...] Assim é uma alma sem voz, e gaguejando, como que quisesse dizer: me uno a todo o credo de minha mão, a Igreja e não quero crer em ninguém mais. E sem poder dizer mais nada, nem falar, nem entender, assim se foram meses e meses, até se passarem dois anos.

Eu tinha dezoito anos quando isso aconteceu, e quando eu tanto sofria e chorava sem consolo a perda da minha fé, amanheceu para mim o dia claro e formoso.

E assim como eu sem saber de nada, nesse estado em que me vi metida, agora também vi e senti que me tiraram dele.
Javiera Del Valle(1856-1930)
Decenário do Espírito Santo, oitavo dia


Percebemos assim que a noite escura não possui um tempo pré-determinado de passagem, por esse motivo o demônio se empenha a todo custo em deter o avanço espiritual do individuo, fazendo-o sucumbir vários pecados. Assim o faz, pelo fato de não suporta a alma que se eleva ao mais longe de seu alcance tendo uma profunda experiência de Deus, deleitando-se apenas pela vida espiritual.

Santo Inácio de Loyola sofreu tentações
de suicídio em sua noite escura do espírito
A noite escura do espírito supõe uma série de tentações de ateísmo, de escrúpulos, de suicídio ou depressão, e, em qualquer caso, são muito intensas. Santo Inácio de Loyola e Santa Teresa de Lisieux sofreram tentações de suicídio. Já Madre Teresa de Calcutá sofreu de terríveis tentações que colocavam em perigo a fé e a existência de Deus. Não há como evitar o sofrimento nestas noites, e quanto pior forem tais tentações, mais breves serão; e quanto mais brandas, mais prolongadas; No entanto, tenhamos convicção que mesmo diante da ação maligna, elas só acontecem com plena permissão de Deus, que também pode determinar o espaço de tempo necessário para que termine.

Com base no testemunho da mística Javiera Del Valle, pode-se ratificar o que sempre esteve presente na Doutrina Católica. Sobretudo, a respeito da existência dos seres decaídos, isto é, dos demônios. Como também, de sua ação e embate travado contra as almas que anseiam por alcançar a vida intima com Deus.  

Ademais, é com profundo pesar na atualidade, o fato de determinadas correntes teológicas – pra não dizer heréticas -  tratarem como fábulas uma presença real e que há muito tem arrastado almas ao precipício.

“Humilhai-vos, pois, debaixo da poderosa mão de Deus, para que ele vos exalte no tempo oportuno. Confiai-lhe todas as vossas preocupações, porque ele tem cuidado de vós. Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar. Resisti-lhe fortes na fé. Vós sabeis que os vossos irmãos, que estão espalhados pelo mundo, sofrem os mesmos padecimentos que vós. O Deus de toda graça, que vos chamou em Cristo à sua eterna glória, depois que tiverdes padecido um pouco, vos aperfeiçoará, vos tornará inabaláveis, vos fortificará. A ele o poder na eternidade! Amém.”  (I Pd. 5,6-14) 

Igson Mendes da Silva
Presidente do Instituto Missionário Porta Fidei
 Fundador do website: www.paraclitus.com.br


domingo, 27 de abril de 2014

A Virgem de Guadalupe.


Por Lizandra Danielle.
                                       
Situação histórica

O século XVI foi marcado pelo crescimento do Protestantismo. Em 1517 na Alemanha o frade agostiniano Martinho Lutero começou a sua revolta pregando uma lista com 95 teses contra a Igreja Católica na porta da igreja do castelo de Wittenberg, na véspera do dia de Todos os Santos. A partir daí começaram a aparecer vários movimentos reformadores, como os de Huldreich Zwínglio (1484/1531) e João Calvino (1509/1564), ambos na Suíça.

O início do século XVI também é marcado pela invasão e conquista da civilização asteca pelos espanhóis.

Na época das aparições de Nossa Senhora de Guadalupe a cultura pagã de índios era muito forte na região do México. Muitas tribos costumavam oferecer sacrifícios humanos aos deuses.


O Império Asteca foi responsável pela morte de milhares de homens, mulheres e crianças em rituais cruéis de sacrifícios oferecidos aos deuses e até mesmo aos demônios cultuados, o principal deles denominado Tlacaellel. Alguns rituais foram registrados, o pior deles foi em 1487, quando foram oferecidos 80.000 homens num período de 4 dias, em dedicação do novo templo dedicado ao deus Huitzilopochtli.

*Aparições

Todas as aparições de Nossa Senhora de Guadalupe que aconteceram no México foram escritas na língua Azteca (Nahuatl) por Antônio Valeriano, de origem indígena. Ele relata que um índio da tribo Quauhtlatoatzin, batizado posteriormente com nome de Juan Diego e nascido em 1474, teve a honra de receber a visão e as mensagens de paz da Maria Santíssima. 

Em uma bela manhã de sábado no dia 9 de dezembro de 1531, o índio Juan Diego, foi até um morro chamado Tepeyac, quando, de repente começou a escutar bonitos cantos de passarinho e decidiu ir até o cume. Quando chegou lá avistou uma linda mulher toda revestida de luz cujos raios refletiam em tudo que estava ao seu redor, as plantas pareciam feitas de ouro e prata o lugar onde seus pés se apoiavam tinha a aparência de serem várias pedras preciosas. Segundo Antonio Valeriano ao escrever a história da aparição de Nossa Senhora em Guadalupe na língua da região  -nahua-, a mulher se dirigiu á Juan dizendo as seguintes palavras:

- ”Sabe e entende, tu é o mais humilde dos meus filhos. Eu sou a Sempre Virgem Maria, Mãe do Deus Vivo por quem nós vivemos, do Criador de todas as coisas, Senhor do céu e da terra. Eu desejo que um templo seja construído aqui, rapidamente; então, Eu poderei mostrar todo o meu amor, compaixão, socorro e proteção, porque Eu sou vossa piedosa Mãe e de todos os habitantes desta terra e de todos os outros que me amam, invocam e confiam em mim. Ouço todos os vossos lamentos e remédio todas as vossas misérias, aflições e dores. E para realizar o que a minha clemência pretende, vá ao palácio do Bispo do México e lhe diga que Eu manifesto o meu grande desejo, que aqui neste lugar seja construído um templo para mim. Tu dirás exatamente tudo que viste, admiraste e ouviste. Tem a certeza que ficarei muito agradecida e te recompensarei. Porque Eu te farei muito feliz e digno da minha recompensa, por causa do esforço e fadiga que terás para cumprir o que Eu te ordeno e confio. Observa, tu ouviste minha ordem, meu humilde filho, vai e coloca todo teu esforço.“

Juan não teve medo e logo depois pós-se a fazer o que lhe havia sido pedido pela Mãe Celeste. Caminhou rapidamente até a Cidade do México a procura do Bispo Juan de Zumarraga, de ordem franciscana. Chegando ao palácio do Bispo, pediu para ser anunciado e, momentos depois entrou, e logo se ajoelhou e contou ao Bispo tudo o que vira e ouvira. Infelizmente, o Bispo não lhe deu muito crédito e pediu-lhe para que voltasse outra hora. Muito triste, Juan saiu do palácio e foi direto ao topo da montanha onde a Vigem se encontrava. Numa segunda aparição no morro Tepeyac, o índio pediu à Senhora que mandasse uma pessoa mais importante e bem conhecida em seu lugar para cumprir o que queria, porém Nossa Senhora lhe respondeu:

- ”Escuta, meu filho caçula, deves entender que eu tenho vários servos e mensageiros, aos quais Eu posso encarregar de levar a mensagem e executarem o meu desejo, mas eu quero que tu mesmo o faças. Eu fervorosamente imploro, meu caçula, e com severidade Eu ordeno que voltes novamente amanhã ao Bispo. Tu vais em meu Nome e faze saber meu desejo: que ele inicie a construção do templo como Eu pedi. E novamente dize que Eu, pessoalmente, a Sempre Virgem Maria, Mãe de Deus Vivo, te ordenei.“

Juan ficou muito temeroso em cumprir o que a Virgem lhe havia pedido por se considerar indigno de tamanha confiança, mas, como um bom servo inclinou-se diante Dela e obedeceu-a.

No dia seguinte, dia 10 de dezembro (domingo), o índio foi à missa por volta das 10 da manhã, em seguida foi ao encontro do Bispo que com muita dificuldade o atendeu novamente. Juan ajoelhou-se e implorou para que o Bispo acreditasse nele, pois era uma ordem da Maria Santíssima. Chorando aos pés do Bispo pediu-lhe que construísse um templo onde Ela lhe havia aparecido. O Bispo, porém, fez várias perguntas e concluiu que ele estava muito firme em suas colocações, mas que isso ainda não provava nada. Pediu então que lhe desse um sinal qualquer, só então acreditaria ser ele o enviado da Senhora do Céu.

Quando Juan saiu do palácio o Bispo ordenou a algumas pessoas de sua casa que o acompanhassem até o local onde supostamente teria acontecido a aparição e que o observassem em todo momento. No meio do caminho eles perderam Juan de vista e tiveram que voltar para o palácio onde deram a desculpa que tinham sido enganados pelo índio. Furiosos, o Bispo e seus acompanhantes planejaram castigá-lo, caso ele voltasse contando as mesmas mentiras.

No mesmo dia Juan foi se encontrar com a Senhora para contar que o Bispo estava ordenando um sinal para que sua mensagem fosse provada. Maria então lhe disse:

- ”Muito bem, meu querido filhinho, retornarás aqui amanhã, então levarás ao Bispo o sinal por ele pedido. Com isso ele irá acreditar em ti, e a este respeito, ele não mais duvidará nem desconfiará de ti, e sabe, meu querido filhinho, Eu te recompensarei pelo teu cuidado, esforço e fadiga gastos em Meu favor. Vai agora. Espero por ti aqui amanhã.”

Infelizmente quando Juan chegou em casa, encontrou seu tio à beira da morte, pois tinha contraído uma peste. No outro dia não pode ir ao encontro de Maria para levar o sinal para o Bispo, como tinha prometido. No dia 12 de dezembro, foi à procura de um sacerdote para que seu tio pudesse confessar antes da morte e receber a unção dos enfermos. No caminho para a cidade a Senhora lhe apareceu de repente, perguntando o que iria fazer, muito envergonhado de não ter cumprido o prometido Juan explicou toda a situação. Maria, com suas meigas palavras lhe prometeu a cura de seu tio: não era mais necessário procurar um sacerdote.

Muito feliz com a notícia, Juan Diego pediu a Senhora que lhe desse o sinal:

- “Sobe, meu caçula, ao topo da montanha; lá onde Me viste e te dei a ordem, encontrarás diferentes flores. Corta-as, junta-as, então volta aqui e traze-as em minha presença”. »

Quando Juan chegou ao topo da montanha ficou muito espantado com tantas variedades de flores, algumas que nunca nem tinha visto, uma mais bonita que a outra. O mais espantoso foi ver aquelas lindas flores brotarem do chão em pleno inverno e em um solo nem um pouco favorável. Cortou todas que foi possível e colocou em seu tilma (um manto de material frágil que era comumente usado pelos índios da região).

Voltou ao lugar onde estava Nossa Senhora e mostrou a Ela as flores, Ela as tocou e ordenou que as levasse ao Bispo.

Quando chegou ao Bispo mostrou todas aquelas flores; todos que estavam na sala ficaram todos impressionados por estarem vendo flores frescas fora de época. Juan pediu que fosse construído um templo no lugar onde as flores tinham sido colhidas. Quando ele abriu totalmente o tilma apareceu subitamente à imagem de Maria Santíssima exatamente como ele a via. Todos os presentes ficaram espantados com tamanho milagre.

*Os significados da imagem

·        A imagem mostra Nossa Senhora iluminada por uma luz que vem por trás Dela, dando a impressão que seja o sol, lembrando a passagem da Bíblia onde diz que existe uma mulher revestida de sol. Também simboliza a grandeza e a vitória do Deus verdadeiro em comparação com o deus sol adorado pelos índios.

·    Também pode ser observada a lua nos pés de Maria. Na cultura dos índios existia a adoração a um deus que era figurado pela lua encrespada. A Senhora sobre a lua significa a vitória sobre o falso deus.
·   O manto azul naquela época era sinal de virgindade, realeza e usado pelas deusas adoradas pelos índios. As estrelas encontradas no manto representam exatamente o modo em que o céu estava no dia 12 de dezembro em 1531.
·    A cabeça inclinada de Maria simboliza o poder que está por trás dela (Deus verdadeiro), porque os deuses e deusas que os índios adoravam sempre eram representados com a cabeça inclinada olhando seus adoradores nos olhos para mostrar a eles seus poderes. Não podemos nos enganar com a ideia de que Maria queria passar-se por uma deusa, mas sim que todo o poder encontrado, provém do Deus Salvador.
·     O Coração nas costas da mão representa o Coração Imaculado de Maria. Nas aparições em Fátima também aparece o mesmo sinal, o que mostra que são eventos relacionados. E como sempre as mãos de Maria estão postas, pedindo penitências e muita oração. Entre as mãos se encontra uma chave, que simboliza a grande força encontrada em uma oração, ligando então os pecadores à porta do Reino dos Céus.

Além de todas essas simbologias apresentadas aqui, existem muitos outros sinais mais complexos que representam: o Espírito Santo; Abraão; os Reis Davi e Salomão; o profeta Daniel; a maternidade de Maria; Maria, Mãe de Deus; Natividade de Jesus; apresentação do Menino Jesus no Templo; a Última Ceia; um rosto de duas caras representando Judas e o demônio; agonia de Jesus no Horto; flagelação de Jesus; a Cruz; a Sagrada Face.

*Desafiando a Ciência

Imagem se encontra na Basílica de
N. Sra. de Guadalupe no México
A tilma usada por Juan onde se encontra a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe foi confeccionado com uma fibra vegetal de ayate, — tela rala de fio de magüey, uma espécie de agave potule zacc mexicana. Trata-se de um material muito frágil que, geralmente se decompõe com 20 anos, mas essa é extremamente especial, mesmo exposta a todos os componentes e agentes naturais do ar (umidade, calor, microorganismos, poeira, etc.) já se passaram séculos e ela continua intacta por algum motivo inexplicável.

Alguns cientistas sugeriram que a tinta encontrada na imagem poderia ser uma proteção contra os agentes naturais. Então foi enviada uma amostra da imagem para ser analisada pelo cientista alemão que já havia ganhado o prêmio Nobel de Química, Richard Kuhn. E mais uma descoberta fantástica! A “tinta” do manto não tem origem nem ao reino vegetal, animal ou mineral, como isso é possível?

A imagem foi submetida a mais análises por 2 estudiosos, doutor Calagan, da NASA, e o professor Jody B. Smith, catedrático de Filosofia da Ciência no Pensacolla College. Fizeram análises fotográficas com raios infravermelhos e chegaram a várias conclusões impressionantes.

·  O ayate não possui preparação alguma, o que torna inexplicável, à luz dos conhecimentos humanos e que qualquer tipo de corante ou tinta impregne e se conserve em fibra tão inadequada.
·   Não foi encontrado nenhum tipo de esboços prévios, como os descobertos pelo mesmo processo nos quadros de Velázquez, Rubens, El Greco e Ticiano. A imagem foi pintada diretamente, tal qual a vemos, sem esboços nem retificações.  
·   Não há nenhum traço de pincel, uma técnica empregada que é desconhecida pelo homem. É inusitada, incompreensível e irrepetível.

* Os olhos da imagem

Depois de anos de pesquisas, foi detectado que os olhos da imagem refletem imagens como se estivessem vivos no momento em que apareceu subitamente na tilma, imitando o olho de uma pessoa. È refletido exatamente a cena que é narrada do momento exato em que o índio Juan Diego abriu manto onde se encontrava as flores.

Vários oftalmologistas examinaram a figura e relataram que os olhos da imagem possuem todas as características do olho de um humano vivo e quando examinados são extremamente vivos e reais.

A cena encontrada nos olhos da imagem é, um índio no ato de desdobrar o manto, um homem com a mão na barba branca olhando diretamente para o manto com o rosto de surpresa (com as características do bispo da época comparado com os retratos existentes dele), uma família com seis pessoas contendo crianças, alguns religiosos usando o hábito franciscano, uma mulher negra no canto (provavelmente alguma serviçal do bispo) e outro índio se posicionando para oração.

Para que essa cena fosse percebida foi necessária a ampliação de mais de 2000 vezes, ou seja, seria impossível alguém pintar algo desse tamanho.

*As lágrimas de Nossa Senhora

No ano de 1994, a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe misteriosamente derramou lágrimas de óleo.

Maria nos ensina que não é mãe apenas de quem é católico, mas de todas as pessoas. Não importa a religião, tribo, raça ou se acreditam ou não nela. Ela se manifesta para que todo tipo de ofensa ao teu Filho seja destruída, informando o que é desagradável a Deus e também para a proteção de seus filhos aqui na terra, condenando os sacrifícios que eram oferecidos a deuses indígenas na região do México.

Nenhum católico é obrigado a acreditar na história contada. A Igreja nos dá a liberdade para crer ou não crer, por se tratar de uma revelação particular.

Mesmo com todas as mensagens de Nossa Senhora no México, a situação dos cristãos e, principalmente, católicos, foi ficando cada vez mais precária. No século XX as perseguições contra os católicos só aumentaram. Entre 1922 e 1930 todas as propriedades da Igreja foram confiscadas. O uso da batina (mortuária) pelos padres na rua era proibida, nenhuma religião cristã pode possuir algum tipo de emissora de rádio ou TV, a pouco tempo a Igreja conseguiu com muita dificuldade uma emissora de TV via cabo.

Por mais que a Nossa Mãe Celeste se esforce para nos avisar e proteger, as ações do maligno continuam dando frutos na sociedade em que vivemos e aumentará cada vez mais se continuarmos com os braços cruzados. 

sábado, 26 de abril de 2014

Um fato extraordinário.


Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

A Páscoa, maior festa religiosa do calendário cristão, é a celebração da gloriosa Ressurreição de Jesus Cristo, a sua vitória sobre o pecado, sobre a morte e sobre a aparente derrota da Cruz. Cristo ressuscitou glorioso e triunfante para nunca mais morrer, dando-nos o penhor da nossa vitória e da nossa ressurreição. Choramos a sua Paixão e nos alegramos com a vitória da sua Ressurreição. Para se chegar a ela, para vencer com ele, aprendemos que é preciso sofrer com ele: “Quem quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). “Que por sua Paixão e Cruz cheguemos à glória da Ressurreição!”. A morte não é o fim. O Calvário não foi o fim. Foi o começo de uma redenção, de uma nova vida. A Páscoa é, portanto, a festa da alegria e a da esperança na vitória futura. 

Como figura, esta festa já existia no Antigo Testamento. Era a celebração da libertação da escravidão do Egito, na qual sofreram os israelitas, povo de Deus, por muitas gerações, sendo libertados por Moisés que, por ordem do Senhor, fulminou os egípcios com as célebres dez pragas. Na última dessas pragas, na passagem do anjo de Deus (Páscoa quer dizer passagem, em hebraico), os egípcios foram castigados com a morte dos seus primogênitos, ao passo que os hebreus foram poupados por causa do sangue do cordeiro que imolaram, conforme o Senhor havia prescrito. Todos os anos, em ação de graças, eles repetiam, por ordem de Deus, essa ceia de Páscoa: milhares de cordeiros eram imolados na sexta-feira antes da Páscoa.

Assim o cordeiro ficou sendo por excelência a vítima do sacrifício. São João Batista, ao apresentar Jesus ao povo, disse: “Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo!” Esse Cordeiro de Deus, numa sexta-feira antes da Páscoa foi também imolado, realizando, com o seu sangue, a libertação do mundo do pecado, ressuscitando no terceiro dia. Essa é a nossa festa da Páscoa, a festa da Ressurreição de Cristo, o verdadeiro Cordeiro de Deus, o fim do Antigo Testamento e o começo da nova Aliança entre Deus e os homens, o início da Igreja.

“Se se considera a importância que tem o sábado na tradição do Antigo Testamento, baseada no relato da criação e no Decálogo, torna-se evidente que só um acontecimento com uma força extraordinária poderia provocar a renúncia ao sábado e sua substituição pelo primeiro dia da semana. Só um acontecimento que se tivesse gravado nas almas com uma força fora do comum poderia haver suscitado uma mudança tão crucial na cultura religiosa da semana. Para isso não teriam bastado as meras especulações teológicas. Para mim, a celebração do Dia do Senhor, que distingue a comunidade cristã desde o princípio, é uma das provas mais fortes de que aconteceu uma coisa extraordinária nesse dia: o descobrimento do sepulcro vazio e o encontro com o Senhor Ressuscitado” (Bento XVI – Jesus de Nazaré II). 


Feliz e Santa Páscoa para todos: que todos fiquemos alegres com a esperança que Jesus Cristo nos dá com o seu triunfo, penhor da nossa vitória um dia no Céu, onde todos esperamos nos encontrar.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Escatologia e Soteriologia agostinianas – Uma primeira aproximação


Por Sávio Laet

A nossa fé é uma fé pascal! Aos coríntios São Paulo diz: “E se Cristo não ressuscitou, vossa fé é ilusória, ainda viveis em vossos pecados” (I Cor 15, 17). Não há nada de especial em crer que Cristo morreu – exclama Santo Agostinho num Sermão. Isto – continua ele – qualquer homem, judeu, pagão ou não crente acredita sem dificuldade. Antes, a fé divina, a fé cristã consiste em crer que Cristo ressuscitou dos mortos. Esta é a fé que nos faz cristãos, esta é a fé salvífica, dom de Deus. Aos de Roma, diz o Apóstolo: “(...) se creres de coração que Deus o ressuscitou da morte, tu te salvarás” (Rm 10, 9). Ouçamos o Bispo de Hipona:

Não é grande coisa acreditar que Cristo morreu [Non magnum est credere quia mortuus est Christus]; também os pagãos, os judeus e todos os malvados acreditam. Todos acreditam que ele morreu. A fé dos cristãos consiste em crer na ressurreição de Cristo [fides Christianorum, resurrectio Christi est]. Consideramos importante crer que ele ressuscitou.[1]

Contudo, há algo que precisamos entender. A morte e a ressurreição do Senhor não são dois eventos separados. Como se deram no espaço e no tempo – e estamos no espaço e no tempo – eles se apresentam a nós como duas coisas distintas. Mas na realidade não é bem assim. A cruz é a hora em que se manifesta a divindade de Nosso Senhor: “Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que Eu, Eu sou (...)” (Jo 8, 27). E, de fato, aconteceu. Com efeito, ante o Cristo morto, o centurião romano – seja qual for o alcance desse dito – confessa: “Verdadeiramente este homem era filho de Deus [Vere homo hic Filius Dei erat]” (Mc 15, 39).

Quando fala da Cruz, Nosso Senhor revela ser ela o momento no qual Ele conquista, aos que creem, a vida eterna: “(...) é necessário que seja levantado o Filho do Homem, a fim de que todo aquele que crer tenha nele a vida eterna” (Jo 3, 14). Para o Senhor, a cruz é o instante da glória: “É chegada a hora em que será glorificado o Filho do homem” (Jo 12, 23). De mais a mais, o adorável Redentor disse ter Ele vindo exatamente para este momento: “(...) foi precisamente para esta hora que eu vim” (Jo 12, 27). Tanto é assim que, no instante anterior à sua morte salutífera, exclama “Está consumado!” (Jo 19, 18). Tudo está feito, Sua missão está cumprida! Agostinho, ao deparar-se com estes textos, constata que a vitória está na cruz e exclama: “(...) vencedor e vítima, e, justamente porque vítima, foi vencedor [victor quia vitima= vencedor porque vítima]”[2]. O Catecismo da Igreja Católica celebra: “Regnavit a ligno Deus= Deus reinou do alto do madeiro”[3].

É morrendo que se vive para a vida eterna, dizia São Francisco. “Deus é amor”, diz São João (I Jo 4, 8; I Jo 4, 16). Ora, o Senhor disse aos seus: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15, 13). Se Deus é amor – e Jesus é Deus – e a cruz é a hora em que Ele dá a sua vida por nós, entendemos, então, porque naquele momento a divindade de Cristo se manifesta maximamente. Na cruz, os séculos viram e veem Deus. Na cruz, Deus se apresenta à História. A morte – salário do pecado (Rm 6, 23) – ao tentar tragar Cristo, foi morta por Ele: “Aceitou a morte, e suspendeu-a na cruz, e os mortais foram libertados da morte”[4]. Cristo – “Verbo da Vida” (I Jo 1, 2), a própria Vida (Jo 14, 6; Jo 11, 25) – morrendo, matou a morte: “A vida assumiu pois a morte para matar a morte”[5]. Noutra parte, Santo Agostinho se aproxima do mistério desta forma:

Cristo não é a Vida? Todavia foi suspenso na cruz. Cristo não é a Vida? Todavia morreu. Mas a morte foi morta na morte de Cristo, porque a Vida que foi morta matou a morte. A plenitude da vida absorveu a morte. A morte foi absorvida no corpo de Cristo.[6]

Nós anunciamos Cristo crucificado. Porque?
Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.
O fato é que, o mesmo Apóstolo que diz – se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa fé – afirma: “(...) nós, porém, anunciamos Cristo crucificado (...)” (I Cor 1, 23). Por quê? Porque ele via na cruz a vitória do amor – que é doação – e da vida, que só é vida, quando se vive para Deus e para os irmãos. Não foi isso que a Vida Encarnada nos ensinou? Como viveu a Vida entre nós? Doando-se. Desta forma, ela nos ensinou o que é viver: “Ora, ele morreu por todos a fim de que aqueles que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que morreu e ressuscitou por eles” (II Cor 5, 15). Outrossim, o Amor – amando-nos – ensinou-nos o que é amar: “Este é meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15, 12; Jo 15, 17). Na verdade, a compreensão do que é viver e do que é amar mudaram totalmente depois do evento Cristo. A História testemunha a vitória da cruz. E Santo Agostinho, com espanto, reconhece: “Escarnecido na cruz, a mesma (cruz) na qual sofreu insultos está marcada na fronte dos reis (...) [irrisus in cruce, ipsam crucem suam in qua irrisus est iam fixit in frontibus regum]” . Para Constantino, a cruz transformou-se em signo de vitória – “Neste sinal, vencerás [In hoc signo vinces]”. Para os cristãos, ela tornou-se a única esperança: “O crux ave, spes unicaSalve ó cruz, única esperança”. Cumpriu-se, enfim, o que profetizou o próprio Senhor: “(...) e, quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12, 32).

Mas do que Jesus nos salvou e o que Ele nos deu? Sejamos, por um instante, sinceros com nós mesmos. Não é verdade – mesmo de um ponto de vista humano – o dito de São Paulo: “Se temos esperança em Cristo somente para esta vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens” (I Cor 15, 19)? O que mais buscamos senão sermos felizes? Ora, como pode alguém ser feliz, num mundo onde os bens que o apazíguam tendem fatalmente a caducar? Santo Agostinho – ainda recém-convertido – depara-se com esta triste realidade: “(...) todos esses bens sujeitos à mudança podem vir a ser perdidos. Por conseguinte, aquele que os ama e possui não pode ser feliz (...)”[7]. Por outro lado, o que não é perecível, num mundo onde todas as coisas, “(...) no exato momento em que nascem e começam a existir, quanto mais rapidamente crescem para o ser, tanto mais correm para o não ser”[8]? Existe alguma coisa que podemos amar – sem risco de perder – neste século onde todas as coisas "Nascem e morrem"[9]? Há algo que possamos abraçar sem que o percamos, num universo onde todas as coisas, “(...) nascendo, começam a existir e a crescer para chegar à maturidade; porém, uma vez maduras, decaem e morrem”[10]? Como escapar, enfim, a esta lei implacável? A que ou a quem podemos amar sem a certeza de que o perderemos, num orbe onde "Nem tudo envelhece (non omnia senescunt), mas tudo morre (omnia intereunt)"[11]?

E há mais. Na verdade, não só tudo passará, mas nós mesmos passaremos, pois “O homem começa a ser na morte no momento em que começa a ser no corpo”[12]. Esta vida é bela, é lindo viver, mas é vida passageira, “(...) vida que não passa de corrida para a morte (...)”[13]. Santo Agostinho não é pessimista; é realista. Viver é bom, mas esta vida passa, porque ela se apresenta – de forma iniludível – como um constante “(...) tender para a morte”[14]. Neste sentido, até seria mais adequado dizer que “(...) esta vida mortal (...)” mais parece uma “(...) morte vital (...)”[15]. De fato, nela a infância morre para dar lugar à vida adulta e esta para dar lugar ao sênior, e este, por fim, perece também. O Santo Bispo não escondia dos seus o que atestava em seus livros. Num Sermão, afirmou sem pestanejar: “Porque começamos a viver, logo morremos”[16].

Mas será que a morte é o fim? O que nos aguarda no além-túmulo? O nada? O desconhecido? Não assim para Nosso Senhor. Para Cristo, a morte é uma passagem para a verdadeira vida, a vida eterna. Diz Ele por ocasião do episódio de Lázaro: “Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá. E quem vive e crê em mim, jamais morrerá” (Jo 11, 25-26). O mais interessante nesta passagem, além, é claro, da promessa da vida eterna, é que esta vida começa, aqui e agora, pela fé. Quem crê em Cristo e está vivo, jamais verá a morte. Quem passa pela morte, na verdade, passa da vida perecível à imperecível. Então, é como disse Santa Terezinha: Não morro; entro na vida! Mas como subtrair-se ao mundo que passa, com suas concupiscências, seu orgulho, suas riquezas e honras? Não há outro meio senão pelos sacramentos, a começar pelo Batismo. Afirma São Paulo acerca do Batismo: “Portanto pelo batismo nós fomos sepultados com ele na morte para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos vida nova” (Rm 6, 4). Antes de São Paulo, o próprio Senhor – em seu discurso eucarístico – afirma: “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá para sempre. O pão que eu darei é minha carne para a vida do mundo” (Jo 6, 51). Um pouco mais adiante, ratifica: “Quem come minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna (...)” (Jo 6, 54). Nosso Senhor diz: tem a vida eterna.

Mas é preciso entender como Nosso Senhor via a morte. Seria demasiado longo arrolar todas as passagens em que Ele próprio diz que a morte é uma passagem desta vida para o Pai. Basta-nos citar a principal delas. Por ocasião do lava-pés, o Evangelista afirma algo digno de nota: “Antes da festa da Páscoa (Πάσχα= Páskha), sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar (μεταβῇ= metab) deste mundo para o Pai (...)” (Jo 13, 1). A morte é, pois, uma passagem. Uma passagem da transitoriedade deste mundo à vida imarcescível. A Páscoa é, portanto, precisamente este trânsito, e este trânsito dá-se justamente na Paixão de Cristo. Morte e ressurreição, eis indissociavelmente a Páscoa: “(...) Paixão e Ressurreição do Senhor, que é a verdadeira Páscoa (...)”[17]. Donde Santo Agostinho – valendo-se dos recursos semânticos de que dispunha em seu tempo – fazer uma síntese teológica perfeita:

Irmãos, a palavra Páscoa não é, como alguns julgam, uma palavra grega, mas hebraica. Todavia, deu-se no emprego desta palavra uma coincidência extraordinariamente oportuna das duas línguas. Em grego, o verbo πάσχειν significa sofrer, pelo que Páscoa foi interpretada no sentido de Paixão, como se a palavra Páscoa tivesse origem na palavra “Paixão”. Na língua hebraica Páscoa significa trânsito.[18]

Escutai ainda o mistério desta palavra. Segundo a língua grega, páskha parece significar a paixão; πάσχειν (páskhein) se traduz, de fato, por sofrer; de acordo, porém, com a língua hebraica, páskha se traduz por passagem. Com efeito, se interrogares com insistência os gregos, negam que páskha seja termo grego. Soa, de fato, πάσχειν (páskhein), isto é, sofrer, mas não se costuma deste modo se pronunciar; pois paixão em grego é πάθος (páthos). Portanto, páskha, conforme afirmam os que sabem, e que traduziram para que lêssemos, é passagem. Efetivamente, estando por acontecer a paixão do Senhor, o evangelista usa a própria palavra: “Sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai” (Jo 13, 1).[19]

Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele
que desceu do céu, o Filho do Homem.
Para sermos mais exatos, a Páscoa é Cristo. Daí dizer São Paulo: “Pois nossa Páscoa, Cristo, foi imolado” (I Cor 5, 7). Com efeito, Cristo é a nossa Páscoa, porquanto Ele é o único Caminho (Jo 14, 6) da nossa passagem. De Cristo, diz o Doutor de Hipona: “(...) Aquele que se fez, a si mesmo, o nosso Caminho para o Céu”[20]. Destarte, não há duas Páscoas, uma vez que “Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem” (Jo 3, 13). Ele próprio no-lo afirma: “Ninguém vem ao Pai a não ser por mim” (Jo 14, 6). Assim sendo, ou se passa com Cristo para o Pai ou se passa com o mundo que passa. Urge, pois, unir-se a Cristo e à Sua cruz. Exorta Santo Agostinho em duas passagens que se tornaram clássicas:

Ninguém pode passar através do mar do mundo, se não for transportado na cruz de Cristo. Por vezes até quem sofre dos olhos abraça esta cruz. Quem não pode ver ao longe a pátria para onde vai, nunca se afaste da cruz; ela por si mesma o conduzirá.[21]

Transitemos pois para Deus que é imutável, não suceda que transitemos com o mundo que é transitório. (...) Eis a Páscoa. Donde, e para onde? Desse mundo para o Pai. Na cabeça foi dada aos membros uma esperança, porque, transitando a cabeça, sem dúvida hão-de segui-la os membros. (...) Mas uma coisa é transitar do mundo, e outra é transitar com o mundo. Uma coisa é transitar para o Pai, e outra é transitar para o inimigo.[22]

Mister, outrossim, é entender que este trânsito não se dá tão somente na hora da morte, embora culmine nela. Esta passagem é a caminhada de uma vida inteira e é um evento eclesial, porque a nossa páscoa – conforme já dissemos – não é senão uma participação na Páscoa de Cristo, à qual começamos a nos associar pelo Batismo: “Porque se nos tornamos uma coisa só com ele por morte semelhante à sua, seremos uma coisa só com ele também por ressurreição semelhante à sua (...)” (Rm 6, 5). E ainda: “Mas se morremos com Cristo, temos fé que também viveremos com ele (...)” (Rm 6, 19).

Quem come a minha carne e bebe o meu sangue,
permanece em mim e Eu nele.
O que nos é proposto, pois, é viver a vida ressuscitada de Cristo já este mundo, ainda que de modo incoativo. Este começo se dá pelo Batismo e aprofunda-se pela Eucaristia. Nosso Senhor é claro: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo pelo Pai, também aquele que de mim se alimenta, viverá por mim” (Jo 6, 56 e 57). Não há vida fora de Cristo e é preponderantemente pelos sacramentos que prouve a Cristo fazer passar a circular em nós a vida divina. A propósito da Eucaristia, não falamos da “santa ceia” de algumas confissões. O que nos torna partícipes da vida trinitária é aquele sacramento no qual Cristo não somente é sacerdote, senão sacerdote e vítima. Daí Santo Agostinho, quando fala da Eucaristia, não usar de meias palavras para dizer: “Cristo era levado em suas próprias mãos, quando, ao entregar seu próprio corpo, disse: ‘Isto é o meu corpo (Mt 26, 36). Aquele corpo era sustentado em suas mãos”[23]. E ainda: “Ele se carregava, de certo modo, ao dizer: ‘Isto é o meu corpo’ (...)”[24].  O que significa isso? Responde o mesmo Santo Bispo: “(...) o próprio Sacerdote fez-se sacrifício”[25]. Noutro lugar, afirma igualmente: “(...) ele foi sacerdote e sacrifício, e justamente sacerdote enquanto sacrifício”[26].

Sendo assim, é pelos sacramentos que nos tornamos membros da Cabeça que é Cristo e passamos a participar da Sua vida ressurreta. Comentando o Salmo 140 que, na tradução que tinha em mãos, tinha um versículo que dizia “Quanto a mim, estou sozinho até que passe”, Santo Agostinho – atribuindo esta frase a Cristo – afirma que, Cristo estava só apenas até abrir às portas do Céu pela Sua paixão. Doravante – enquanto Cabeça – confessa que muitos membros o seguirão em Seu triunfo sobre a morte: “Depois da páscoa já não estarei mais sozinho, depois da passagem não estarei mais isolado. Muitos me imitarão, muitos me seguirão”[27]. Noutro lugar, o Santo Doutor lembra a mesma verdade:

Pela paixão, no entanto, o Senhor passou da morte à vida; e abriu-nos um caminho para acreditarmos em sua ressurreição e passarmos também nós da morte à vida.[28]

É certo que, se prevalentemente realizamos a nossa passagem do mundo para o Pai unindo-nos a Cristo pelos sacramentos, isto se dá também pela prática das virtudes, pela ruptura com o pecado e pelas obras de misericórdia. Por exemplo – da virtude infusa da fé – Cristo diz: “(...) aquele que crê tem a vida eterna” (Jo 6, 47). Desta feita, Santo Agostinho pôde dizer também: “Presentemente, nós realizamos esta passagem por meio da fé, que nos obtém o perdão dos pecados e a esperança da vida eterna, se amamos a Deus e ao próximo”[29].

Do quanto dissemos, que podemos dizer ainda acerca da felicidade? Se não se pode ser feliz apegando-se às coisas passageiras, posto que – quando as conquistamos – já sabemos que vamos perdê-las, qual bem poderá nos fazer felizes senão Aquele que – sendo o Sumo Bem – não passa e não permite que passemos também nós? Sim – responde Agostinho – “(...) O nosso Deus, que não passa (...)”[30], eis a quem podemos e devemos amar sem perigo algum de perder. Por isso – conclui – só “(...) quem possui a Deus é feliz”[31], pois Ele somente é "(...) aquele que nunca perdemos (qui non amittitur)"[32]. Terminamos com uma das belas passagens das Confissões, onde Santo Agostinho celebra a Encarnação do divino Redentor – nosso bem incomutável –, pois Cristo iniciou a nos salvar quando se fez um de nós. A salvação consumou-se na morte e ressurreição, mas começou na Encarnação:

Desceu até nós a nossa vida, a vida verdadeira; tomou sobre si a nossa morte para matá-la com a superabundância de sua própria vida. E com voz de trovão chamou para que voltássemos a ele, ao lugar inacessível de onde veio até nós, entrando primeiro no seio da Virgem para unir-se à natureza humana, à carne mortal, para torná-la imortal; e de lá “como o esposo que sai da câmara nupcial, exulta, como um herói, para percorrer o caminho”. Não se deteve, mas correu, clamando com palavras, com obras, com a própria morte, com a vida, com a descida aos infernos, com a ascensão, para que retornássemos a ele: para isso havia descido, e para isso tornou a subir e desapareceu da nossa vista para que entremos no coração e aí o encontremos.[33]




[1] AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. Trad. Monjas Beneditinas. Rev. Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1998. v. III. 120, 6. p. 558. 
[2] AGOSTINHO. Confissões. 2ª ed. Trad. Maria Luiza Jardim Amarante. Rev. Antônio da Silveira Mendonça. São Paulo: Paulus, 1997. X, 43, 69. p. 325.
[3] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 11ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001. # 550. p. 155.
[4] AGOSTINHO. Comentário do Evangelho de São João: O Verbo de Deus. 2ª ed. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1954. v. I. XII, 11. p. 322.
[5] AGOSTINHO. Comentário do Evangelho de São João: Médico e Alimento. 2ª ed. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1954. v. II. XXVI, 10. p. 248.
[6] Idem. Comentário do Evangelho de São João: O Verbo de Deus. XII, 11.  p. 323. 
[7] AGOSTINHO. A Vida Feliz. Trad. Nair de Assis Oliveira. Rev. H. Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1998. II, 11. p. 130.
[8] AGOSTINHO. Confissões. IV, 10, 15. p. 101.
[9] Idem. Ibidem
[10] Idem. Ibidem.
[11] Idem. Ibidem.
[12] AGOSTINHO. A Cidade de Deus. Trad. Oscar Paes Leme. 4ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2001. v. II.  XIII, 10. p. 104.
[13] Idem. Ibidem. XIII, X. p. 105.
[14] Idem. Ibidem.
[15] Idem. Confissões. I, 6, 7. p. 24.
[16] AGOSTINHO. Comentário de São João: A Ceia do Senhor. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra: Gráfica Coimbra, 1952. v. IV. LXXV, 3. p. 147. 
[17] AGOSTINHO. A Instrução dos Catecúmenos. 2ª ed. Trad. Maria da Glória Novak. Rio de Janeiro: Petrópolis, 2005.  II, XXIII, 41. p. 104.
[18] AGOSTINHO. Comentário de São João: A Ceia do Senhor. LV, 1. pp. 7 e 8. (Quanto à transliteração do termo grego, optamos por seguir o original latino).
[19] Idem. Comentário aos Salmos. 140, 25. p. 942. (Quanto à grafia seguimos o original latino e, na transliteração, preferimos deixar o χ por “kh”, conforme a regra de transliteração adotada pela maioria dos eruditos). De fato, como citamos acima, em João 13/1, o Evangelista usa o termo Πάσχα (Páskha) relacionando-o com o termo μεταβῇ (metab). 
[20] Idem. Ibidem. II, XXII, 40. p. 103.
[21] Idem. Comentário de São João: O Verbo de Deus. II, 2. p. 38.
[22] Idem. Comentário de São João: A Ceia do Senhor. LV, 1. pp. 8 e 9. 
[23] AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. 2ª ed. Trad. Monjas Beneditinas. São Paulo: Paulus, 2005. v. I. 33, I, 10. p. 431.
[24] Idem. Ibidem. 33, II, 2. p. 434.
[25] AGOSTINHO. Comentário de São João: Luz, Pastor e Vida. 2ª ed. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1960. v. III. XLI, 5. p. 146.
[26] Idem. Confissões. X, 43, 69. p. 325.
[27] Idem. Comentário aos Salmos. 140, 25. p. 942.
[28] Idem. Ibidem. 126, 6. p. 558. 
[29] AGOSTINO. Lettera 55. 2, 3. Disponível em: < http://www.augustinus.it/italiano/lettere/lettera_055_testo.htm>. Acesso em: 21/04/2014. (A tradução é nossa).
[30] Idem. Confissões. IV, 11, 17. p. 103.
[31] Idem. De Beata Vita. II, 11. p. 131.
[32] Idem. Confissões. IV, 9, 14. p. 100.
[33] Idem. Ibidem. IV, 12, 19. p. 104.