Por Paulo
Henrique Cremoneze
Todos pecam.
O homem não consegue
não pecar.
É algo atávico e
próprio condição humana, pobre, miserável, falível.
Os grandes santos e
santas pecaram, uns mais, outros menos, mas todos invariavelmente pecaram.
Salvo Jesus, o Deus
vivo, o "Kyrios", o Deus que se fez homem e viveu a condição humana
em tudo, menos o pecado, e, conforme a sã doutrina, a Virgem Maria, mãe de
Deus, concebida sem o pecado original por obra de Deus justamente para ser o
primeiro Sacrário do Senhor, todos os homens e mulheres foram, são e serão até
o final dos tempos, pecadores.
Aliás, conhecer os
pecados dos santos pode ser mais pedagógico do que suas virtudes heróicas para
o aprimoramento espiritual de cada um (afinal, grande fonte de consolação saber
que santos e santas foram pecadores, como todos nós somos).
Santo e justo não é
o indivíduo que não peca, mas o que cai em pecado, levanta-se e continua na
luta determinado pela busca da santidade.
Santo Inácio de
Loyola disse que para consolo dos homens Deus leva mais em conta a intenção do
que o resultado.
Assim, um resultado
bom nascido de uma intenção má, ruim, pode não ser tão agradável aos olhos de
Deus como uma ação em si mesma negativa, mas originada de reta intenção.
O desejo de acertar,
de ser bom, justo e santo tem ao coração Divino, sempre misericordioso, enorme
valor.
Como um pai amável,
Deus está disposto a perdoar seus filhos, pobres crianças, perdidas em suas
misérias e em seus sofrimentos.
Batalha Espiritual |
O coração humano é
difícil de ser entendido. Movido por paixões, pode se deixar afetar por
desordens de um momento para o outro.
Tolo quem se acha
absolutamente justo e salvo do pecado.
A soberba espiritual
é algo muito grave e revela uma miséria profunda, mais abjeta do que aquele que
se perde noutras formas de vícios, pecados ou afetos desordenados.
Por isso, São
Bernardo de Claraval, ao tratar dos doze graus da humildade recomendou:
“reconhecer-se como o mais desprezível de todos” e, antes, “julgar-se indigno e
inútil para tudo”.
Tais recomendações parecem absurdas segundo os
critérios atuais e psicológicos, denotando uma aparente baixa-estima.
Mas a sabedoria
sobrenatural ultrapassa tal forma de entendimento e deita-se no seio de valores
espirituais ligados à ascese, à contrição e ao desejo de conformar o próprio
coração ao coração de Deus, tendo, como Jesus ensinou, um coração manso e
humilde.
Não se trata de
falta de auto-estima, mas de colocar-se no lugar dos outros e de desenvolver um
espírito misericordioso.
São meios
necessários para evitar alguns daqueles que o mesmo São Bernardo chamou de
graus da soberba, dentre os quais: “a individualidade que em tudo busca a
própria glória”, a “presunção, que se faz presente em tudo” e a “arrogância,
porque um se crê mais santo que os demais”.
A Igreja ensina, com
base nas Sagradas Escrituras, que todos são chamados à santidade.
Trata-se da vocação
à santidade, comum a todos os homens e mulheres, uma vocação universal,
portanto.
O fundamento maior é
o ensinamento evangélico de que cada pessoa deve ser santo, como santo é o
Pai-Deus.
Ao longo da história
da Cristandade muitos aceitaram o convite, ainda que a custo de sangue.
Não poucos passaram
por violentos processos de metanóia, a conversão absoluta e outros tantos
defenderam a santidade com grandes mortificações e até mesmo atos exagerados e
radicais segundo os falsos valores do mundo contemporâneo, viciado pelo
relativismo moral.
Não é fácil ser
santo e fazem sempre o que é certo e justo.
Somos, sim,
pecadores, mas pecadores perdoados e amados pelo Pai-Deus.
Essa confiança
decorre da certeza de sermos filhos de Deus, mesmo que adotivos em Cristo
Jesus.
Decorre também do
valor invulgar do santo Batismo, sacramento pelo qual o Espírito Santo é infuso
em cada pessoa e as palavras do Salmo 2 ganham uma dimensão ainda maior: “Tu és
meu filho e hoje eu te gerei”.
Ter a certeza de ser
filho amado de Deus e que o perdão está sempre à disposição de quem o procura,
não importa salvo-conduto para pecar.
Importante ter isso
em mente: o pecado sempre faz sangrar o coração de Deus, sempre.
Por isso, a
consciência e aceitação da condição de pecador e a certeza do perdão e da
reconciliação não autorizam uma “liberdade de pecar”, ou seja, o LIBERTAS
PECCANDI, mas apenas tiram o jugo, tiram a carga de humilhação e de opressão
que recai nos ombros de quem peca, mas não deseja pecar.
“Peco porque sou
fraco e ainda não me fortaleci na fé, no caminho das virtudes, no desejo de só
fazer o bem, MAS hei de mudar tudo isso com a Graça de Deus e meu contínuo
esforço” e NÃO “peco porque peco e nada farei para mudar, pouco me importando
as conseqüências dos meus pecados, tanto para mim como para os outros”. Ora
duas formas de pensar e de agir, sendo que a escolha caberá a cada pessoa, haja
vista o dom bendito do livre arbítrio.
O homem nasce com o
pecado original e dificilmente se verá livre dele ao longo da vida. Todavia,
tem ampla liberdade para escolher a vida em constante e infernal pecado ou a
vida de luta pela santidade, mesmo que marcada por quedas, mais ou menos
constantes.
Ocorre que mesmo
sendo grave, o pecado não é maior do que o amor de Deus, ao menos para aqueles
que sinceramente sentem a compulsão pelo perdão e pela união íntima com o
Criador.
O maior pecado de
Judas não foi ter traído Jesus, costumo dizer, mas, sim, achar que sua traição,
o seu pecado, eram maiores do que o amor e o perdão de Jesus. Ele que conviveu
com o Deus que se fez homem não conseguiu entender isso e, tomado pela soberba,
preferiu por fim à sua vida ao invés de caminhar a Jesus, arrepender-se
verdadeiramente do mal que fez, converter-se, encarar de frente sua culpa e
buscar a reconciliação.
Por isso, lembrando
mais uma vez São Bernardo e os graus da soberba, penso que pior do que o pecado
em si, qualquer que seja sua gravidade na escala espiritual, é o DEFENSIO
PECCATORUM.
A defesa do pecado é
algo abominável e faz com que a pessoa passe a ter ódio das instituições
religiosas ou das coisas que remetem a Deus.
Ela manchou sua
vida, mas incapaz de reconhecer seu erro e humildemente lutar pela reforma
íntima, passa a acusar tudo aquilo que, de uma forma ou de outra, aponta o seu
erro.
Quem abraça o
DEFENSIO PECCATORUM cai numa outra manifestação de soberba, o CONSUETUDO
PECCANDI, que é o costume de pecar.
O esse costume
agrava-se pela pseudo-justificação e passa a fazer com que a pessoa odeie tudo
e a todos, perca o sentido do sagrado e mergulhe num mundo de caos e de
constante inferno.
Por isso é
importante lutar contra isso. Se não for possível cortar imediatamente o
pecado, se a ordenação do afeto ainda não encontrou morada no coração, muito
melhor assumir o erro, reconhecer a culpa e buscar os meios de solução, mesmo
que demorados e gradativos, do que defender o pecado.
O pecado, consciente
ou inconsciente, é fruto da fraqueza; a defesa do pecado, fruto odioso da
maldade.
Quem defende o
pecado, perde a fé.
Quem peca, mas
mantém a humilde, pode se tornar santo.
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