segunda-feira, 30 de junho de 2014

O primado de Pedro.


Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Hoje celebramos o dia do Papa, na festa de São Pedro, apóstolo escolhido por Jesus para ser seu vigário aqui na terra (“vigário”, aquele que faz as vezes de outro), constituído por ele seu representante, chefe da sua Igreja: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas (os poderes) do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus (a Igreja): tudo o que ligares na terra será ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu” (Mt 16, 18-19).

Estas palavras de Jesus são, por assim dizer, a carta da Constituição da Santa Igreja, o diploma divino da investidura do Príncipe dos Apóstolos como chefe visível de toda a Igreja, primeiro Papa, fundamento (pedra) sólido, inquebrantável e perpétuo da Igreja de Cristo (“a minha Igreja”). Jesus lhe confere o primado de jurisdição sobre ela, quer dizer, uma autoridade suprema para dirigi-la, conduzir e governar (“ligar e desligar”). Ele o faz supremo Pastor, seu substituto (“apascenta os meus cordeiros e as minhas ovelhas” (Jo 21, 15-17)), a cabeça visível da sua Igreja, seu doutor infalível, com a garantia da infalibilidade e indefectibilidade, pela presença contínua e segurança dele, Jesus, a pedra angular, até o final dos tempos (Mt 28,20).

É por isso que veneramos o sucessor de São Pedro no Primado sobre toda a Igreja, o Santo Padre o Papa – hoje, Papa Francisco - e lhe prestamos nosso respeito e submissão, guardando com ele, fator de unidade da Igreja, a comunhão, “de modo que, guardada esta unidade com o Romano Pontífice, tanto de comunhão como de profissão da mesma Fé, seja a Igreja de Cristo um só Rebanho, sob um só Pastor supremo (Jo 10,16). Tal é a doutrina da verdade católica, da qual ninguém pode desviar-se sem perigo para a sua Fé e sua salvação”, pois “esta Sé de São Pedro permanece imune de todo erro, segundo a promessa de nosso Divino Salvador feita ao Príncipe de Seus Apóstolos: ‘Roguei por ti, para que tua Fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos’ (Lc 22,32)” (Concílio Vaticano I, Constituição Dogmática Pastor Aeternus D-S 3060 e 3070).


São Pedro, fraco por ele mesmo, mas forte pela força que lhe deu Jesus, representa bem “a Igreja, que reúne em seu seio os pecadores”, sendo assim, “ao mesmo tempo santa, e sempre necessitada de purificação” (Lumen Gentium, 8). No Credo do Povo de Deus proclamamos: “Cremos na Igreja una, santa, católica e apostólica, edificada por Jesus Cristo sobre a pedra que é Pedro...Cremos que a Igreja, fundada por Cristo e pela qual Ele orou, é indefectivelmente una, na fé, no culto e no vínculo da comunhão hierárquica. Ela é santa, apesar de incluir pecadores no seu seio; pois em si mesma não goza de outra vida senão a vida da graça. Se realmente seus membros se alimentam dessa vida, se santificam; se dela se afastam, contraem pecados e impurezas espirituais, que impedem o brilho e a difusão de sua santidade. É por isso que ela sofre e faz penitência por esses pecados, tendo o poder de livrar deles a seus filhos, pelo Sangue de Cristo e pelo dom do Espírito Santo”.

sábado, 28 de junho de 2014

A moral cristã e Game of Thrones.


Por Emanuel Jr.

Não é a minha melhor performance falar de cinema, analisar novela e séries e dar uma de crítico dessa arte, na verdade não entendo absolutamente nada do assunto, mas me senti levado a isso nos últimos dias ao ver a quarta temporada da série Game of Thrones. Fiquem tranquilos, não temos spoilers aqui.

Comecei a ver a série por pura propaganda. Era tanta gente falando dela que me senti envolvido pela propaganda boca a boca. Tenho que confessar que fiquei assustado com os primeiros episódios da primeira temporada. Eu não esperava uma violência daquela, mesmo com a propaganda.

Mas o que mais me chamou a atenção é justamente o porquê dessa violência, seja visual, seja psicológica, seja moral. Fui evoluindo na série e, episódio por episódio fui percebendo como funcionou a cabeça do autor. É, eu tenho essas coisas mesmo. No lugar de me envolver com a história fico pensando como foi feito, o que está por trás, com pensou o autor.... Coisa de gente meio doida. Confesso!

A total ausência de moral cristã marca a série.
Mas percebi que o autor, querendo ou não, imaginou um mundo de fantasias, sem dúvida, e ambientado em uma possível idade média estereotipada , mas, sobretudo, um mundo sem qualquer risco ou herança de moral cristã. Claro que seria impossível pensar em um mundo sem moral cristã, portanto ele usou o que não poderia ser retirado para causar mais violência psicológica ainda.

A tal violência pra mim é algo permanente na série justamente devido à moral cristã estar muito presente no que eu tenho como certo em minha vida. Assim, temos horrores como relacionamento sexual entre irmãos, incestos dos mais variados, orgias, total desprezo pela vida humana, luta pelo poder em um vale tudo político em que as cabeças rolam sem qualquer discriminação. As lutas e sangue escorrendo são meros detalhes. Tudo isso acontece nos deixando em um ambiente de tensão, já que os personagens principais acabam morrendo e você fica sem referência na série até entender que a referência mudou. Um sem número de histórias acontecendo paralelamente em confluência com uma história central também fazem um contexto muito bom.

A Patrulha da Noite com os cadáveres de quem
lutou para proteger quem nunca saberá que foi protegido
Toda essa experiência de um mundo sem moral cristã, fez com que o Autor criasse um único mundo possível sem essa moral que muitos querem destruir ultimamente: um mundo de absoluta violência e maquiavélico no sentido literal da palavra (os fins justificam sempre os meios).

Outra coisa que me chamou muito a atenção é o celibato dos que cuidam da muralha: a patrulha da noite. Eles são celibatários justamente para cuidar de algo que está além do entendimento de quem está sendo protegido pela muralha de gelo. Essa analogia me faz pensar em algo mais profundo. Ao que me lembro, no juramento deles consta o celibato, justamente para não se verem responsáveis particularmente por ninguém, mas sim por todos que estão depois da muralha e, assim, poderem fazer o seu trabalho da melhor forma. Consta também que não tem mais sobrenomes, títulos ou regalias. Afirma-se também que protegerão os que nunca saberão que foram protegidos.

A muralha que divide o conhecido do desconhecido e
que deve proteger a todos com a ajuda da Patrulha da Noite
A ideia da Patrulha da Noite é interessante analogamente em todos os pontos de vista. São celibatários, ok. Perdem os títulos e sobrenomes, ok. Protegem o mundo do que está além da muralha e é desconhecido, ok. Não são reconhecidos pela proteção que realizam, muito menos pela vida que dispensam pra esse fim, ok. São pessoas que muitas vezes não conseguem seguir seus votos, ok. E por aí vai.


Muita coisa que merece ser analisada mais a fundo. Muita analogia que foi feita e muitas vezes não nos damos conta. Muita coisa a ver com nossa doutrina cristã e os efeitos dela no mundo atual.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

“Ei, Dilma...”


Por Carlos Ramalhete

Uma semana já passada – vicissitudes de se ter uma coluna semanal –, escrevo sobre a multidão que xingou Dilma não só na abertura da Copa, na presença dela, mas em vários outros jogos.

As reações foram impagáveis: petistas apelaram à decência, à moral, aos bons costumes e mesmo à presença de criancinhas (!) no estádio. Antipetistas enfileiraram listas de horrores perpetrados pelo PT como justificativa.

Ora, no Maracanã (ou em qualquer outro estádio), já dizia Nélson Rodrigues, vaia-se até minuto de silêncio. Nada mais normal. Mais ainda porque, graças aos altíssimos preços das entradas, é garantido que a torcida seja composta por quem ao menos tem condições de se informar. Gente que não vê a Dilma como “a mulher do Lula, que me dá esta bolsa-família”; gente que o mais baixo populismo da história pátria não pode comprar.

Além da já tradicional irreverência – no bom e no mau sentido – que o anonimato e os ânimos exaltados de um estádio de futebol ocasionam, contudo, há um elemento a mais nessa vaia. Ela mostra que o discurso eleitoreiro e populista do PT, que costumava atingir mais a classe média que as classes baixas, chegou ao limite. Os fatos estão aí, para quem quiser ver. Não é necessário reiterá-los, mesmo por não haver relação assim tão direta entre a criminalidade galopante – entre tantos outros fatores – e a vaia. Mas o fato é que o PT perdeu as rédeas. Sem o inegável carisma do Lula, tendo como figura pública o mau humor permanente de nossa governanta, as péssimas escolhas políticas e a ausência total de escrúpulos do Partido vieram à luz do dia. Aliás, aproveitando a Copa, eles estão agora tentando inventar uma nova Constituinte! Você sabia? Pois é, é disso que eu estou falando.

Eles vêm tentando transformar o que já é ruim – pois nem um louco acreditaria que o sistema de governo e a legislação brasileira atuais valham o papel em que foram escritos – em algo ainda pior. Venezuelizar o país, cubanizar o país. Transformar, em suma, o Brasil numa espécie de quintal do Partido, em que a população seja tratada como as galinhas que ciscam no meu: assim que para de botar ovo, vai pra panela.


E isso já se tornou evidente a todos, talvez com a exceção de habitantes de grotões perdidos do Nordeste. Mas seus coronéis – aliados desde criancinhas do PT, aliás, como Maluf e Sarney – já estão vendo de que lado o vento sopra. Acabou a hegemonia. Que bom!

quinta-feira, 26 de junho de 2014

São João Batista.


Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Hoje celebramos a solenidade de São João Batista, um dos santos “juninos”, ao lado de Santo Antônio (dia 13) e São Pedro (dia 29). Vale recordar, para nossa edificação, o exemplo daquele de quem Jesus disse: “Entre todos os nascidos de mulher não surgiu quem fosse maior que João Batista” (Mt 11,11).

João Batista, assim cognominado pelo batismo que administrava, foi o precursor de Jesus, aquele que o apresentou ao povo de Israel. Filho de Zacarias e Santa Isabel, foi santificado ainda no seio materno quando da visita de Nossa Senhora, já grávida do Menino Jesus. Por isso a Igreja festeja, no dia 24, o seu nascimento, ao contrário de todos os outros santos, dos quais ela só comemora a morte, ou seja, seu nascimento para o Céu.

Desde criança, retirou-se para o deserto para fazer penitência e se preparar para sua futura missão. Alguns acham que ele teria vivido entre os Essênios, comunidade monacal do deserto vizinho ao Mar Morto. Ministrava ao povo o batismo de penitência, ao qual Jesus também acorreu, por humildade. Sua pregação era: “Convertei-vos, pois o reino dos Céus está próximo... Produzi fruto que mostre vossa conversão... Eu vos batizo com água, para a conversão. Mas aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu. Eu não sou digno nem de levar suas sandálias. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3, 2, 8, 11).

Jesus, no começo do seu ministério público, quis também, por humildade, misturando-se aos pecadores, ser batizado por João. João quis recusar, dizendo: “Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?... Depois de ser batizado, Jesus saiu logo da água e o céu se abriu. E ele viu o Espírito de Deus descer, como uma pomba e vir sobre ele. E do céu veio uma voz que dizia: ‘Este é o meu filho amado; nele está o meu agrado’” (Mt 3, 14, 16-17). 

São João Batista era o homem da verdade, sem acepção de pessoas. Por isso admoestava o Rei Herodes contra o seu pecado de infidelidade conjugal e incesto, o que atraiu a ira da amante do rei, Herodíades, que instigou o rei a metê-lo no cárcere. No dia do aniversário de Herodes, a filha de Herodíades, Salomé, dançou na frente dos convivas, o que levou o rei, meio embriagado, a prometer-lhe como prêmio qualquer coisa que pedisse. A filha perguntou à mãe, que não perdeu a oportunidade de vingar-se daquele que invectivava seu pecado. Fez a filha pedir ao rei a cabeça de João Batista. João foi decapitado na prisão, merecendo o elogio de Jesus, por ser um homem firme e não uma cana agitada pelo vento.


Assim, a virtude que mais sobressai em João Batista, além da sua humildade e penitência, é a firmeza de caráter, tão rara hoje em dia, quando muitos pensam ser virtude o saber “dançar conforme a música”, ser uma cana que pende de acordo com o vento das opiniões, o pautar a vida pelo que dizem ou acham e não pela consciência reta, voz de Deus em nosso coração. João Batista foi fiel imitador de Jesus Cristo, caminho, verdade e vida, que, como disse o poeta João de Deus, “morreu para mostrar que a gente pela verdade se deve deixar matar”.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

A infalibilidade do papa nas canonizações dos santos.

Por Rodrigo Pedroso.


A infalibilidade do papa é um caso particular da infalibilidade da Igreja e, por sua vez, a infalibilidade da Igreja é, na verdade, uma participação na própria divina infalibilidade de Jesus Cristo. Em outros termos, o papa é infalível porque a Igreja é infalível e a Igreja é infalível porque infalível é Jesus Cristo, seu fundador. O papa não é infalível por seus dotes naturais, nem por suas virtudes ou qualidades pessoais – neste sentido, ele é um homem como outro qualquer. O papa é infalível porque Jesus Cristo prometeu a assistência infalível do Espírito Santo a quem quer que fosse que, no legítimo exercício do cargo de pontífice romano, proferisse sentença definitiva e irreformável em matéria de fé e moral. A infalibilidade do papa, portanto, pertence à ordem sobrenatural e sem referência a essa ordem sobrenatural não pode ser compreendida nem sequer aceita.

Efetivamente, a infalibilidade é exigida, por necessidade lógica, pelo próprio caráter e constituição sobrenatural da Igreja. Destinada a dirigir os homens na ordem sobrenatural para o elevado fim a que foram chamados, a Igreja não pode ter simplesmente o direito de errar por último. Suas sentenças definitivas e irreformáveis, no que tange à matéria de fé e moral, não podem conter erros, sob pena de inviabilizar o fim para o qual foi fundada.

Um caso particular de sentença definitiva e irreformável em matéria de fé e moral é a canonização de um santo. Com a canonização, o santo é proposto à veneração da Igreja universal, como estando junto de Deus na glória celeste, participando da vida da Santíssima Trindade e gozando da visão beatífica. Originalmente, a canonização era a inclusão do nome do santo no cânon (oração eucarística) da missa. Não é o ato de canonização que “santifica” o santo – tal ato apenas declara que determinada alma santificou-se em vida pela graça divina e encontra-se agora na glória de Deus. Em termos técnicos, a sentença de canonização é declaratória e não constitutiva.

Ensina Santo Afonso Maria de Ligório, doutor da Igreja, em seu breve, porém riquíssimo, opúsculo sobre a Oração: «Quanto aos santos, é certo que é utilíssimo recorrer à sua intercessão, falando dos santos já canonizados, que gozam da visão de Deus. Supor que neste ponto a Igreja é falível seria incidir em culpa ou heresia, como dizem São Boaventura, Belarmino e outros, ou ao menos está próximo de heresia, segundo Suárez, Azor, Gotti e outros. Porque o Sumo Pontífice, como diz Santo Tomás, no canonizar os santos, é de modo particular guiado pela inspiração infalível do Espírito Santo» (A Oração, 4ª ed., Aparecida, 1992. p. 35).

Tal ensinamento não é mera opinião de Santo Afonso. Se não somos adeptos do relativismo e entendemos que a teologia é uma verdadeira ciência, devemos considerar que estamos diante de uma conclusão teológica de um dos maiores estudiosos da matéria, ele mesmo homem de vida santa e proclamado doutor da Igreja. E ainda que fosse mera opinião, a opinião de um doutor da Igreja, em matéria teológica, tem muitíssimo mais peso que a sua ou a minha.

Alguém poderia dizer que, como não se trata da definição de um novo dogma, a sentença de canonização não poderia ser infalível. Entretanto, a Igreja não é infalível apenas ao definir explicitamente os dogmas contidos no depósito da Revelação Divina. Ela também é infalível ao definir os chamados “fatos dogmáticos”, isto é, fatos necessariamente conexos com a Revelação Divina por razões lógicas, históricas ou morais. Quem nega a infalibilidade da Igreja ao definir fatos dogmáticos, mesmo quando ocorridos depois de encerrada a Revelação pública, são os hereges jansenistas. O então cardeal Ratzinger, à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, na Nota Doutrinal Ilustrativa da Fórmula Conclusiva da Profissão de Fé Exigida ao Assumir um Ofício a Exercer em Nome da Igreja, enumerou entre os exemplos de fatos dogmáticos a canonização dos santos (n. 11).

Outros poderiam negar a infalibilidade das sentenças de canonização por suposto defeito no processo que as antecedeu. Ocorre que a canonização não é infalível por conta do processo que a antecede, mas porque se trata de ato definitivo e irreformável do pontífice romano, a quem Jesus Cristo prometeu a assistência infalível do Espírito Santo. O papa não precisa de processo para ser infalível. O processo canônico é um meio humano como outro qualquer e serve apenas para fornecer ao papa elementos para formar o seu juízo – e é prerrogativa do papa considerar se os elementos fornecidos são suficientes ou não. Aliás, os processos de canonização não existiam antes do século XII. Não é o processo que canoniza o santo, porque a Igreja é a primeira a admitir que esses processos são faliveis, como o de qualquer tribunal humano. É o que ensina o pe. Joseph Mors, na tese 17 de seu Institutiones Theologiae Fundamentalis (Petrópolis, 1943, tomus II, n. 222, p. 155): «Ecclesia infallibilis est in canonizatione sanctorum. Canonizatio est ultima et definitiva sententia R. Pontificis qua aliquis homo aeterna gloria frui declaratur ejusque cultus omnibus fidelibus permittitur et praescribitur (saltem eo sensu, quod omnes fideles teneantur eum habere sanctum et cultu publico dignum). (…) Infallibilitatem vindicamus Ecclesiae saltem pro canonizatione, et quidem quoad id quod in recto affirmatur, nimirum canonizatum gloriae caelestis esse participem et cultu sanctorum dignum. De historicis virtutis heroicae testimoniis vel miraculis Ecclesia non vult authentice judicare; haec sunt condicio et occasio, non objectum definitionis.» [“A Igreja é infalível na canonização dos santos. Canonização é a última e definitiva sentença do romano pontífice pela qual algum homem é declarado gozar da eterna glória e seu culto é permitido e preceituado a todos os fiéis (ao menos no sentido de que todos os fiéis sejam obrigados a tê-lo por santo e digno de culto público). Reclamamos a infalibilidade da Igreja ao menos para a canonização, e com certeza na medida em que isso é afirmado estritamente, que sem dúvida o canonizado é partícipe da glória celeste e digno do culto dos santos. Sobre os testemunhos históricos da virtude heróica ou os milagres não quer a Igreja autenticamente julgar; esses são condição e ocasião, não o objeto da definição”. Ou seja, mesmo que os testemunhos ou milagres apresentados no processo não sejam autênticos, o papa não erra na sentença de canonização.

Ao canonizar um santo, o papa é infalível, não por conta dos rigores do processo, mas apenas por ser o papa, porque ao papa foi prometida a assistência infalível do Espírito Santo. Processo algum do mundo, por mais rigoroso que seja, é de per si suficiente para provar que alguém esteja na glória de Deus. Admitir o contrário seria entender que se pode atingir a ordem sobrenatural por meios puramente naturais, o que é heresia pelagiana.


Descontado o jansenismo dos que negam a infalibilidade da Igreja ao definir fatos dogmáticos e o pelagianismo dos que afirmam que o papa é infalível por causa do processo e não por ser o papa, os que negam a infalibilidade das canonizações estão próximos da heresia também por outra razão: afirmar que o papa tenha errado ao canonizar um único santo é colocar a santidade de todos os outros sob suspeita. Pois se a Igreja errou ao canonizar determinado santo, que garantia temos de haver ela acertado ao canonizar os outros? E chega-se, assim, ao seguinte paradoxo: sustenta-se o dogma católico da intercessão e da veneração dos santos em teoria, mas por outro lado nega-se que haja na prática santo algum. Por isso o papa Bento XIV, grande canonista, chamou os que negam a infalibilidade do papa ao canonizar os santos de «temerários, causadores de escândalos, injuriadores dos santos e favorecedores dos hereges que negam a veneração dos santos».

terça-feira, 24 de junho de 2014

Foi o próprio Jesus.


Por Lizandra Danielle

Santa Faustina Kowalska

Irmã Faustina Kowalska
Helena Kowalska, mais conhecida como Santa Faustina, a “apóstola da Divina Misericórdia”, nasceu em 25 de agosto de 1905 na Polônia, em uma família de camponeses muito pobres. Pela falta de condições da família, Helena estudou apenas 3 anos de sua vida, outro relato da pobreza é de que Helena e sua irmãs tinham apenas um bom vestido para ir à Santa Missa, assim, assistiam Missa em horários diferentes para que todas pudessem usar o vestido.

Irmã Faustina é mais uma santa que deixou todas as suas experiências místicas registradas em seu próprio diário. Ela relata em um de seus escritos que, aos 7 anos, recebeu a graça do chamado divino para a vida religiosa, mas se manteve calada por muitos anos. Sua família era contra a ideia de ingressar na vida religiosa, e juntamente com tantos outros obstáculos, a voz de Deus foi sendo cada vez mais sufocada no coração da menina.  Anos se passaram e o desejo de se tornar freira foi de certa forma esquecido. “O chamado contínuo da graça era para mim um grande tormento, porém procurava sufocá-lo com os passatempos. Evitava encontrar-me com Deus intimamente e com toda a alma me abria às criaturas.”

“O dia que mudou minha vida”

Em um belo dia Helena Kowalska daria fim à espera de Jesus. Aos 19 anos, ela e sua irmã Josefina, tinham sido convidadas para ir a um baile. Chegando ao baile, como ela mesma relata em seu diário, começou a sentir fortes tormentos interiores enquanto todos da festa se divertiam. Mas, para tentar afastar esses sentimentos angustiantes começou a dançar e tentar se divertir com seus amigos. Foi então que de repente o próprio Jesus se faz presente. Com olhar triste, despojado de suas vestes, com o corpo chagado, se dirige à Helena e diz:

“Até quando hei de ter paciência contigo e até quando tu me decepcionarás?”

Helena não via e nem escutava nada, seus olhos e ouvidos estavam inteiros apenas para Crucificado de pé ao seu lado. E não parou por aí. Para disfarçar, sentou-se na mesa com a desculpa de que estava sentindo uma forte dor de cabeça e logo que pode se levantou e foi correndo para a catedral de S. Estanislau Kostka, prostrou-se diante do Santíssimo Sacramento e implorou por uma ordem de o que fazer a partir daquele momento. Deus não demorou em atender seu pedido e respondeu com essas palavras:

“Vai imediatamente a Varsóvia (Polônia) e lá entrarás no convento”.

A menina foi para casa, colocou na mala apenas o indispensável, explicou o acontecido para a irmã e para não ser impedida foi para Varsóvia sem se despedir dos pais.

Apóstola da Divina Misericórdia.

Depois de muito procurar por um convento que a aceitasse, Helena ingressou na Congregação das Irmãs da Divina Misericórdia. No convento recebeu nome de Irmã Maria Faustina. Depois de algum tempo vieram experiências místicas extremamente dolorosas. Irmã Faustina passou pela chamada noite escura da alma e depois pelos sofrimentos espirituais e morais relacionados com o cumprimento da missão que havia recebido de Jesus Cristo. Toda sua vida foi acometida a numerosos sofrimentos por ter se oferecido a Deus em sacrifício pelos pecadores, a fim de salvar almas.

No dia 22 de fevereiro de 1931, a Divina Misericórdia se revela à Irmã Faustina. De acordo com os relatos de seu diário, já era noite e a Irmã se encontrava em sua cela quando novamente Nosso Senhor Jesus Cristo se faz presente. Ele estava vestido de uma túnica branca, sua mão direita se erguia como se fosse dar uma benção e a esquerda tocava-lhe o peito de onde saíam dois grandes raios, um branco e o outro vermelho. Como da primeira vez, Irmã Faustina ficou imóvel contemplando o Senhor. “A minha alma estava cheia de temor, mas também de grande alegria.”

Logo depois, Jesus ordenou-a que pintasse a imagem que estava vendo e fizesse com que a imagem fosse venerada em todo mundo.

“Pinta uma Imagem de acordo com o modelo que estás vendo, com a inscrição: Jesus, eu confio em Vós.
 ... Prometo que a alma que venerar esta Imagem não perecerá. Prometo também, já aqui na Terra, a vitória sobre os inimigos e, especialmente, na hora da morte.
 ... Eu desejo que haja a Festa da Misericórdia. Quero que essa Imagem, que pintarás com o pincel, seja benta solenemente no primeiro domingo depois da Páscoa, e esse domingo deve ser a Festa da Misericórdia.”(Palavras de Jesus para Irmã Faustina)

A imagem não foi pintada pela Irmã, por falta de habilidade ela entregou essa missão a um artista da cidade, Eugênio Kazimirowski. Por seis meses o pintor recebeu a visita de Faustina uma vez por semana para que o quadro fosse pintado exatamente como ela informava e para tentar acrescentar detalhes ou corrigir imperfeições.

"Causam-me prazer as almas que recorrem à Minha misericórdia. A estas almas concedo graças que excedem os seus pedidos. Não posso castigar, mesmo o maior dos pecadores, se ele recorre à Minha compaixão, mas justifico-o na Minha insondável e inescrutável misericórdia". (Mensagem de Jesus transmitida a Santa Faustina Kowalska)

“Até quando hei de ter paciência contigo e até quando tu me decepcionarás?”

Por meio da Santa Maria Faustina Jesus Cristo enviou a cada um de nós essa mesma pergunta. Pode ser que não estejamos negando a Ele uma vocação religiosa como ela, mas podemos estar negando muitas outras missões que Deus nos confiou. Cabe a nós saber se necessitaríamos escutar de Jesus essa mesma frase. Cabe a nós estar dispostos a escutar a Sua voz. Cabe a nós recorrer a Sua Divina Misericórdia.


“JESUS EU CONFIO EM VÓS!”

segunda-feira, 23 de junho de 2014

“Nós, pró-abortistas...”

(finalmente um defensor do aborto atribui a si esse adjetivo)

Por Pe. Luiz Carlos Lodi

Em 16 de agosto de 2005, o Pró-Vida de Anápolis foi condenado a pagar uma indenização por danos morais por ter usado a palavra “abortista” para designar quem defende o direito ao aborto. A decisão foi unânime, embora nenhum dos membros daquela Turma Julgadora do Distrito Federal fosse capaz de dizer que outra palavra de nossa língua poderia ter sido usada com o mesmo significado.

Quase dez anos depois, em 3 de maio de 2014, vejo o jornalista Hélio Schwartsman atribuir a si mesmo o adjetivo outrora proibido:

Em minha modesta opinião, enquanto nós, pró-abortistas, vemos o embrião em seus estágios iniciais de desenvolvimento como um simples amontoado de células, os antiabortistas, mais sensíveis ao essencialismo, neles identificam uma vida humana[1].

Note-se que o autor usou para designar os que, como ele, defendem o direito ao aborto, não apenas a palavra “abortista”, mas até “pró-abortista”, sem qualquer intenção de ofender a si mesmo nem os que partilham de suas ideias. Finalmente prevaleceu o bom senso no uso da língua portuguesa.

A tese do embrião “como um simples amontoado de células”, de Hélio Schwartsman, é, porém, obsoleta. Em 4 de julho de 2002 a revista Nature publicou o célebre artigo Seu destino, desde o dia um (“Your destiny, from day one”) acerca de pesquisas em regulação do desenvolvimento embrionário em seus primeiríssimos estágios. A matéria, que faz alusão aos trabalhos de Richard Gardner e Magdalena Zernicka-Goetz, começa dizendo:

Seu mundo foi moldado nas 24 horas depois da concepção. Onde sua cabeça e seu pé iriam brotar e que lado formaria suas costas e seu ventre foram sendo definidos nos minutos e horas depois que espermatozoide e óvulo se uniram.

Até cinco anos atrás essa afirmação teria sido heresia. Pensava-se que os embriões de mamíferos passassem seus cinco primeiros dias como uma esfera de células sem feições. Só depois, por volta do tempo da implantação na parede do útero, pensava-se que essas células adquirissem ‘destinos’ distintos, determinando suas posições no futuro corpo.

Mas por meio da marcação de pontos específicos de ovos de mamíferos logo após a fertilização, pesquisadores demonstraram que eles vêm situar-se em pontos previsíveis do embrião. Em vez de ser uma esfera simples, parece que o ovo recém-fertilizado tem um eixo bem definido de alto a baixo, que configura o eixo equivalente no futuro embrião. Controversamente um grupo ainda afirma que o ponto no ovo em que o espermatozoide entra determina onde a primeira divisão ocorre – e que as duas células resultantes já têm uma tendência para diferentes destinos[2].

O último parágrafo do artigo citado apresenta a seguinte conclusão:

“O que é claro é que os biólogos do desenvolvimento não admitirão mais que os embriões precoces de mamíferos sejam amontoados de células[3].

[1] SCHWARTSMAN, Hélio. Essências e embriões. Folha de S. Paulo, São Paulo, p. A2, 3 maio 2014. Os destaques são meus.
[2] H. Pearson, “Your destiny, from day one”, Nature 418 (2002), p. 14.
[3] Ibid., p. 15. O destaque é meu.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

03/06/2001 - Pentecostes - João Paulo II

SOLENIDADE DE PENTECOSTES
HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II
Domingo, 3 de Junho de 2001

1. "Todos ficaram cheios do Espírito Santo" (Act 2, 4).

Foi assim que aconteceu em Jerusalém, no dia de Pentecostes. Hoje, reunidos nesta Praça, centro do mundo católico, voltamos a viver o clima daquele dia. Também no nosso tempo, como no Cenáculo de Jerusalém, a Igreja é atravessada por um "vento impetuoso". Ela experimenta o sopro divino do Espírito, que a abre para a evangelização do mundo.

Por uma feliz coincidência, na solenidade do dia de hoje temos a alegria de acolher, ao lado do altar, os veneráveis restos mortais do Beato João XXIII, que Deus plasmou com o seu Espírito, fazendo dele uma admirável testemunha do Seu amor. Este meu veneradíssimo predecessor faleceu há 38 anos, no dia 3 de Junho de 1963, precisamente quando na Praça de São Pedro uma imensa multidão de fiéis rezava, espiritualmente reunida à volta do seu leito de morte. A celebração de hoje une-se a essa oração e, enquanto comemoramos o trânsito deste Beato Pontífice, louvamos a Deus que o deu à Igreja e ao mundo.

Como Sacerdote, Bispo e Papa, o Beato Ângelo Roncalli foi extremamente dócil à acção do Espírito, que o orientou pelas sendas da santidade. Por isso, na comunhão viva dos Santos, queremos celebrar a solenidade do Pentecostes em singular sintonia com ele, deixando-nos acompanhar por algumas das suas reflexões inspiradas.

2. "A luz do Espírito Santo irrompe das primeiras palavras do Livro dos Atos dos Apóstolos... O caminho impetuoso do Espírito divino precede e acompanha os evangelizadores, penetrando na alma de quem os escuta e dilatando as tendas da Igreja católica até aos extremos confins da terra, percorrendo todos os séculos da história" (Discursos, Mensagens e Colóquios do Santo Padre João XXIII, II, pág. 398).

Com estas palavras, pronunciadas no Pentecostes de 1960, o Papa João XXIII ajuda-nos a compreender o irrefreável impulso missionário próprio do mistério que celebramos nesta solenidade. A Igreja nasce missionária, porque nasce do Pai, que enviou Cristo ao mundo; nasce do Filho que, morto e ressuscitado, enviou os Apóstolos a todas as nações; e nasce do Espírito Santo, que infunde neles a luz e a força necessárias para levar a cabo esta missão.

Também nesta dimensão missionária, a Igreja é ícone da Santíssima Trindade: ela reflecte na história a fecundidade superabundante que é própria de Deus, fonte de amor subsistente, que gera vida e comunhão. Com a sua presença e acção no mundo, a Igreja propaga entre os homens este dinamismo misterioso, difundindo o Reino de Deus, que é "justiça, paz e alegria no Espírito Santo" (Rm 14, 17).

3. O Concílio Ecuménico Vaticano II, anunciado, convocado e inaugurado pelo Papa João XXIII, estava consciente desta vocação da Igreja.

O Espírito Santo pode justamente definir-se protagonista do Concílio, desde quando o Papa o convocou, declarando que ouviu como que vinda do Alto, uma voz íntima que ressoou no seu espírito (cf. Constituição Apostólica Humanae salutis, 25 de Dezembro de 1961, n. 6). Aquela "brisa" tornou-se "vento impetuoso" e o acontecimento conciliar adquiriu a forma de um renovado Pentecostes. "Com efeito, é na doutrina e no espírito do Pentecostes afirmou o Papa João XXIII que o grande acontecimento do Concílio Ecuménico adquiriu substância e vida" (Discursos, Mensagens e Colóquios... op. cit., pág. 398).

Caríssimos Irmãos e Irmãs, se hoje recordamos aquele singular período eclesial, é porque o Grande Jubileu do Ano 2000 se colocou em continuidade com o Concílio Vaticano II, retomando muitos dos seus aspectos de doutrina e de método. E o recente Consistório extraordinário voltou a propor a sua atualidade e riqueza para as novas gerações cristãs. Tudo isto é para nós um ulterior motivo de reconhecimento ao Beato Papa João XXIII.

4. Em particular, no contexto desta celebração de hoje, que associa ao Pentecostes um solene acto de veneração, gostaria de frisar que o dom mais precioso que o Papa João XXIII deixou ao Povo de Deus foi ele mesmo, ou seja, o seu testemunho de santidade.

Também aqui é válido o que ele mesmo afirmou sobre os Santos, isto é, que cada um deles "é uma obra-prima de graça do Espírito Santo" (Ibid., pág. 400). Depois, pensando nos Mártires e nos Sumos Pontífices sepultados na Basílica de São Pedro, acrescentava palavras que hoje voltamos a escutar com emoção: "Às vezes dá-se pouco valor às relíquias dos seus corpos, mas é sempre nelas que palpitam a sua recordação e oração". Além disso, exclamava: "Oh! São os Santos, os Santos do Senhor que nos alentam, nos encorajam e nos abençoam em toda a parte" (Ibid., pág. 401).

Estas expressões do Papa João XXIII, valorizadas pelo exemplo luminoso da sua existência, coloquem em grande evidência a importância da opção da santidade como senda privilegiada da Igreja no início do novo milénio (cf. Novo millennio ineunte, 30-31). Efectivamente, a vontade generosa de colaborar com o Espírito para a santificação pessoal e dos irmãos constitui uma condição prévia indispensável para a nova evangelização.

5. Se a evangelização exige a santidade, esta, por sua vez, tem necessidade da linfa da vida espiritual: da oração e da união íntima com Deus, mediante a Palavra e os Sacramentos. Em síntese, precisa da profunda vida espiritual pessoal.

Ainda a propósito disto, como deixar de recordar a rica herança espiritual que nos foi deixada pelo Beato João XXIII, no seu "Jornal da alma"? Naquelas páginas, pode admirar-se mais de perto o compromisso diário com que ele, desde os anos do seminário, quis corresponder plenamente à acção do Espírito Santo. Depois, deixou-se plasmar pelo Espírito dia a dia, procurando com tenacidade paciente conformar-se cada vez mais à Sua vontade. Eis o segredo da bondade com que ele conquistou o Povo de Deus e muitos homens de boa vontade!

6. Enquanto nos confiamos à sua intercessão, hoje queremos pedir ao Senhor que a graça do Grande Jubileu se irradie no novo milénio, mediante o testemunho de santidade dos cristãos.Professamos com confiança que isto é possível. É possível pela acção do Espírito Paráclito que, em conformidade com a promessa de Cristo, permanece sempre ao nosso lado.

Animados pela esperança sólida, digamos com as próprias palavras do Beato João XXIII: "Ó Espírito Santo Paráclito... torna forte e contínua a prece que recitamos em nome do mundo inteiro: apressa para cada um de nós o tempo de uma profunda vida interior: dá impulso ao nosso apostolado, que deseja alcançar cada homem e todos os povos... Mortifica em nós a presunção natural e eleva-nos às regiões da santa humildade, do verdadeiro temor de Deus e da coragem generosa. Que nenhum vínculo terrestre nos impeça de honrar a nossa vocação; nenhum interesse, por nossa ignorância, sacrifique as exigências da justiça; nenhum cálculo limite os imensos espaços da caridade dentro das angústias dos pequenos egoísmos. Tudo seja grande em nós: a busca e o culto da verdade; a prontidão para o sacrifício, até à cruz e à morte; e tudo, enfim, corresponda à última oração do Filho ao Pai celeste; e àquela efusão que de ti, ó Espírito Santo de amor, o Pai e o Filho desejaram para a Igreja e as suas instituições, para cada alma e para todos os povos. Amen!" (Discursos, Mensagens... op. cit., pág. 350).

Veni, Sancte Spiritus, veni!

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Fé – Amor - Reparação

Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Amanhã celebraremos com toda a Igreja a solene festa do Corpo de Deus, ou Corpus Christi, solenidade em honra do Corpo de Cristo, presente na Santíssima Eucaristia.

Por que tal festa? “Augustíssimo sacramento é a Santíssima Eucaristia, na qual se contém, se oferece e se recebe o próprio Cristo Senhor e pela qual continuamente vive e cresce a Igreja. O Sacrifício Eucarístico, memorial da morte e ressurreição do Senhor, em que se perpetua pelos séculos o Sacrifício da cruz, é o ápice e a fonte de todo o culto e da vida cristã, por ele é significada e se realiza a unidade do povo de Deus, e se completa a construção do Corpo de Cristo. Os outros sacramentos e todas as obras de apostolado da Igreja se relacionam intimamente com a santíssima Eucaristia e a ela se ordenam” (Direito Canônico cân. 897).

O mesmo nos ensina o Catecismo da Igreja Católica: “A Eucaristia é o coração e o ápice da vida da Igreja, pois nela Cristo associa sua Igreja e todos os seus membros a seu sacrifício de louvor e ação de graças oferecido uma vez por todas na cruz a seu Pai; por seu sacrifício ele derrama as graças da salvação sobre o seu corpo, que é a Igreja. A Eucaristia é o memorial da Páscoa de Cristo: isto é, da obra da salvação realizada pela Vida, Morte e Ressurreição de Cristo, obra esta tornada presente pela ação litúrgica. Enquanto sacrifício, a Eucaristia é também oferecida em reparação dos pecados dos vivos e dos defuntos, e para obter de Deus benefícios espirituais ou temporais” (nn.1407, 1409 e 1414).

Esse tesouro de valor incalculável, a Santíssima Eucaristia, centro e o ponto culminante da vida da Igreja Católica, foi instituído por Jesus na Última Ceia, na Quinta-feira Santa. Mas, então, a Igreja estava ocupada com as dores da Paixão de Cristo e não podia dar largas à sua alegria por tão augusto testamento. Por isso, na primeira quinta-feira livre depois do tempo pascal, ou seja, amanhã, a Igreja festeja com toda a solenidade, com Missa e procissão solenes, Jesus Cristo, vivo e ressuscitado, presente sob as espécies de pão e vinho, na Hóstia Consagrada. Esta festa tem a finalidade de expressarmos publicamente a nossa fé, nosso amor e nossa adoração para com Jesus Eucarístico e, ao mesmo tempo, nossa reparação pelos ultrajes, sacrilégios, profanações, e, até também, pelos abusos litúrgicos que infelizmente acontecem com relação à Santíssima Eucaristia. 

O Papa João Paulo II, na sua Encíclica “Ecclesia de Eucharistia”, já nos advertia contra os “abusos que contribuem para obscurecer a reta fé e a doutrina católica acerca deste admirável sacramento” e lastimava que se tivesse reduzido a compreensão do mistério eucarístico, despojando-o do seu aspecto de sacrifício para ressaltar só o aspecto de encontro fraterno ao redor da mesa, concluindo: “A Eucaristia é um dom demasiado grande para suportar ambiguidades e reduções”.


Nessa festa de Corpus Christi, demonstremos, pois, a importância da Eucaristia na Igreja e a nossa fé, adoração, respeito, reparação e amor por Jesus Eucarístico.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

08/06/2014 - Pentecostes. Papa Francisco

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
Domingo, 8 de Junho de 2014

«Todos ficaram cheios do Espírito Santo » (Act 2, 4).

Falando aos Apóstolos na última Ceia, Jesus disse que, depois da sua partida deste mundo, lhes teria enviado o dom do Pai, ou seja o Espírito Santo (cf. Jo 15, 26). Esta promessa realiza-se poderosamente no dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo desce sobre os discípulos congregados no Cenáculo. Aquela efusão, embora tenha sido extraordinária, não foi única nem limitada àquele momento, mas é um acontecimento que se renovou e que ainda hoje se renova. Cristo glorificado à direita do Pai continua a cumprir a sua promessa, derramando sobre a Igreja o Espírito vivificador, que nos ensina, nos recorda e nos faz falar.

O Espírito Santo ensina-nos: é o Mestre interior. Ele orienta-nos pela senda recta, através das situações da vida. Indica-nos o caminho, a vereda. Nos primórdios da Igreja, o Cristianismo era conhecido como «o caminho» (cf. Act 9, 2), e o próprio Jesus é o Caminho. O Espírito Santo ensina-nos a segui-lo, a caminhar nas suas pegadas. Mais do que um mestre de doutrina, o Espírito Santo é um Mestre de vida. E, sem dúvida, da vida faz parte também o saber, o conhecer, mas no contexto do horizonte mais amplo e harmonioso da existência cristã.

O Espírito Santo recorda-nos, recorda-nos tudo aquilo que Jesus disse. É a memória viva da Igreja. E enquanto nos faz recordar, leva-nos também a compreender as palavras do Senhor.

Este recordar no Espírito e graças ao Espírito não se reduz a um gesto mnemónico, mas constitui um aspecto essencial da presença de Cristo em nós e na sua Igreja. O Espírito de verdade e de caridade recorda-nos o que Cristo disse, leva-nos a entrar cada vez mais plenamente no sentido das suas palavras. Todos nós fazemos esta experiência: num momento, em qualquer situação, temos uma ideia e depois mais uma, que se liga a um trecho da Escritura... É o Espírito que nos leva a percorrer este caminho: a vereda da memória viva da Igreja. E isto exige de nós uma resposta: quanto mais generosa for a resposta, tanto mais as palavras de Jesus se tornarão em nós vida, atitudes, escolhas, gestos e testemunho. Em síntese, o Espírito recorda-nos o mandamento do amor e chama-nos a vivê-lo!

Um cristão sem memória não é um cristão autêntico: é um cristão a meio caminho, é um homem ou uma mulher prisioneiro do momento, que não sabe valorizar a sua história, não sabe lê-la nem vivê-la como história de salvação. Ao contrário, com a ajuda do Espírito Santo, podemos interpretar as inspirações interiores e os acontecimentos da vida à luz das palavras de Jesus. E assim prospera em nós a sabedoria da memória, a sapiência do coração, que é um dom do Espírito. Que o Espírito reavive a memória cristã em todos nós! E naquele dia, juntamente com os Apóstolos, estava presente a Mulher da memória, Aquela que desde o princípio ponderava tudo no seu coração. Estava presente Maria, nossa Mãe. Que Ela nos ajude neste caminho da memória!

O Espírito Santo ensina-nos, recorda-nos e — outra sua característica — faz-nos falar com Deus e com os homens. Não existem cristãos mudos, emudecidos de alma; não, não há lugar para isto.

Ele leva-nos a falar com Deus na oração. A oração é uma dádiva que nós recebemos gratuitamente; é diálogo com Ele no Espírito Santo, que ora em nós em e que nos permite dirigir-nos a Deus chamando-lhe Pai, Aba (cf. Rm 8, 15; Gl 4, 4); e não se trata apenas de um «modo de dizer», mas da realidade: nós somos realmente filhos de Deus. «Todos aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus» (Rm 8, 14).

Ele faz-nos falar no gesto da fé. Nenhum de nós pode dizer «Jesus é o Senhor» — como ouvimos hoje — sem o Espírito Santo. E o Espírito leva-nos a falar com os homens no diálogo fraterno. Ajuda-nos a falar com os demais, reconhecendo neles irmãos e irmãs; a falar com amizade, ternura e mansidão, compreendendo as angústias e as esperanças, as tristezas e as alegrias dos outros.

Mas há mais: o Espírito Santo leva-nos a falar também aos homens na profecia, ou seja, transformando-nos em «canais» humildes e dóceis da Palavra de Deus. A profecia é feita com franqueza, para mostrar abertamente as contradições e as injustiças, mas sempre com mansidão e intenção construtiva. Impregnados do Espírito de amor, podemos ser sinais e instrumentos de Deus que ama, serve e vivifica.

Recapitulando: o Espírito Santo ensina-nos o caminho; recorda-nos e explica-nos as palavras de Jesus; leva-nos a rezar e a dizer «Pai» a Deus; faz-nos falar aos homens no diálogo fraterno e leva-nos a falar na profecia.


No dia de Pentecostes, quando os discípulos «se tornaram cheios do Espírito Santo», teve lugar o baptismo da Igreja, que nasceu «em saída», «em partida», para anunciar a Boa Notícia a todos. A Mãe Igreja parte para servir. Recordemos também a outra Mãe, a nossa Mãe que partiu com prontidão para servir. A Mãe Igreja e a Mãe Maria: ambas são virgens, ambas são mães, são ambas mulheres. Jesus foi peremptório com os Apóstolos: eles não deviam afastar-se de Jerusalém antes de ter recebido do alto a força do Espírito Santo (cf. Act 1, 4.8). Sem Ele não existe a missão, e nem sequer a evangelização. Por isso, juntamente com a Igreja inteira, com a nossa Mãe Igreja católica, invoquemos: Vinde, Espírito Santo!

terça-feira, 17 de junho de 2014

Tomar os fatos sociais como coisa em si.


Por José Octavio Dettmann

01) O grande problema de se "tomar os fatos sociais como coisa em si" está no fato de que esses fatos têm sua própria verdade, onde o objeto às vezes se tona sujeito ou causa da transformação social, deixando-a menos cristã e mais corrupta, influenciável à ação criminosa marxista.

02) Se eles, os fatos sociais, têm sua própria verdade, então eles se tornam monumento de algo que parece ter se derivado do nada. De certo modo, tornam-se ídolos.

03) Numa sociedade descristianizada, quem prega que todos têm sua própria verdade admite que veio do nada. Logo, o pregador é um ser morto em vida. E um ser morto em vida não pode falar ou pensar, pois não tem o dom de si, que se funda em Deus.

04) Se as coisas vieram do nada, nenhuma edificação faria sentido, nem mesmo as leis da Física. E a cultura seria toda voltada para a morte e não para vida, como deveria ser. Por negarem Deus, negam a autoria e a causa das coisas serem o que são.

05) É justamente por causa desse péssimo hábito de se fazer sociologia que os marxistas manipulam as coisas de modo a que as coisas se pervertam em uma verdadeira mentira.

06) Se as coisas têm sua própria verdade, elas podem dizer o que bem entenderem, seja no sentido humano ou anti-humano do termo ao mesmo tempo, quase que simultaneamente. Enfim, a coisa não tem verdade - o que se alega é que ela é fruto de uma tese, antítese e síntese que se deu ao longo do tempo, através de marchas e contramarchas, cujas razões derivam da paixão dos homens, já que eles têm sua própria verdade. Como a dialética deriva de coisas subjetivas, a análise sociológica ou antropológica que se funda no fato de que a coisa tem a sua verdade é uma tremenda de uma ilusão; logo, ela não é conforme o todo e não pode ser científica.

07) É justamente por saberem que tudo que edificaram se funda na mentira que os revolucionários promovem o verdadeiro conservantismo dessa mentira através da falsa sociologia e da falsa antropologia, pois justificam que isso tudo é um fato social que deve ser tomado como coisa, pois a coisa, que se funda na sabedoria humana, tem sua própria verdade.

Durkheim e a coisa em si.
07) Eles, os marxistas, são os que melhor compreenderam a sociologia de Dürkheim, pois compreendem muito bem o sentido do que é edificar as coisas de modo a promover a cultura da morte. E um dos métodos de corrupção que adotam se dá através da catalogação das coisas, tal como se deu através do estruturalismo antropológico de Claude Lévi-Strauss.


08) Eis aí a razão pela qual eu não levo a sério o fato de se usar uma disciplina que aplica métodos de ciências naturais a realidades que decorrem do fato da vida humana se desenvolver bem em sociedade, cujo estudo implica em se estar em conformidade com o todo de Deus.