quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Criação e evolução.


Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Alguns ficaram injustamente escandalizados com a afirmação do Santo Padre, o Papa Francisco, em seu discurso de 27/10/2014, sobre a teoria da evolução, pensando até que o Papa estivesse defendendo o evolucionismo ateu. Há que se distinguir entre teoria da evolução, defensável e aceitável, e o evolucionismo, ideologia materialista que ensina a evolução total com a ausência do Criador. (Marx e Engels utilizaram a teoria da evolução de Darwin para propagar o materialismo ateu do comunismo). Também é necessário distinguir o criacionismo, ideologia que defende erroneamente a interpretação literal da Bíblia como parâmetro da ciência, da teoria da Criação, verdade que a Igreja, e nós com ela, defendemos e ensinamos.

Na verdade, o Papa Francisco afirmou que “a evolução na natureza não contrasta com a noção de criação, porque a evolução pressupõe a criação dos seres que evoluem”. Ele explica que Deus “criou os seres e deixou que se desenvolvessem segundo as leis internas que Ele deu a todos, para que se desenvolvessem, para que chegassem à sua plenitude. Ele deu autonomia aos seres do universo ao mesmo tempo em que assegurou Sua presença contínua, dando o ser a toda a realidade”. Ou seja, Deus criou o mundo e o acompanha com as leis que Ele criou. É o que chamamos a Divina Providência.

Além disso, o Pontífice explicou que é aceitável a teoria que explica o começo do universo através de uma grande explosão, aventada pelo sacerdote católico belga Georges Lamaître, chamada de Big Bang. Aliás, o Pontífice afirmou que “o começo do mundo não é obra do acaso, mas que deriva diretamente de um Princípio supremo que cria por amor”.

Já em 1951, o Papa Pio XII havia acolhido com simpatia a teoria do Big Bang, afirmando ser ela perfeitamente compatível com o ensino da Igreja sobre a criação do mundo por Deus, “a obra da onipotência criadora, cuja força, saída do potente ‘fiat’ pronunciado a milhões de anos pelo Espírito criador, se propagou no universo, chamando à existência com um gesto de amor generoso a matéria exuberante de energia. Realmente parece que a ciência moderna, olhando para milhões de séculos atrás, conseguiu se tornar testemunha daquele primordial Fiat lux (Faça-se a luz), pelo qual do nada irrompe, com a matéria, um mar de luz e radiação, enquanto as partículas químicas dos elementos se separam e se reúnem em milhões de galáxias” (Pio XII, discurso de 22/11/1951).


O evolucionismo, materialista ateu e marxista, acaba transformando a matéria em deus. A matéria seria perfeitíssima, conteria todas as perfeições nas quais se transformaria, eterna, onipotente, criadora por si mesma do céu e da terra: mas essa é a definição de Deus! E quem provocou a tal explosão inicial, onipotente, inteligente e organizadora? Na ânsia de negar o Deus pessoal inteligente, chega-se ao deus matéria cega e bruta. Como seríamos contraditórios, se negássemos a Deus! E mais crentes, pois é preciso ter mais “fé” para ser ateu, crendo no absurdo, do que para crer em Deus Onipotente e eterno, com uma Fé lógica e racional.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Discurso integral do Papa Francisco no Parlamento Europeu.

Discurso integral do Santo Padre no Parlamento Europeu, palavras fortes e necessárias.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Vice-Presidentes,
Ilustres Eurodeputados,
Pessoas que a vário título trabalhais neste hemiciclo,

Queridos amigos!

Agradeço-vos o convite para falar perante esta instituição fundamental da vida da União Europeia e a oportunidade que me proporcionais de me dirigir, por vosso intermédio, a mais de quinhentos milhões de cidadãos por vós representados nos vinte e oito Estados membros. Desejo exprimir a minha gratidão de modo particular a Vossa Excelência, Senhor Presidente do Parlamento, pelas cordiais palavras de boas-vindas que me dirigiu em nome de todos os componentes da Assembleia.

A minha visita tem lugar passado mais de um quarto de século da realizada pelo Papa João Paulo II. Desde aqueles dias, muita coisa mudou na Europa e no mundo inteiro. Já não existem os blocos contrapostos que, então, dividiam em dois o Continente e, lentamente, está a realizar-se o desejo de que «a Europa, ao dotar-se soberanamente de instituições livres, possa um dia desenvolver-se em dimensões que lhe foram dadas pela geografia e, mais ainda, pela história» .

A par duma União Europeia mais ampla, há também um mundo mais complexo e em intensa movimentação: um mundo cada vez mais interligado e global e, consequentemente, sempre menos «eurocêntrico». A uma União mais alargada, mais influente, parece contrapor-se a imagem duma Europa um pouco envelhecida e empachada, que tende a sentir-se menos protagonista num contexto que frequentemente a olha com indiferença, desconfiança e, por vezes, com suspeita.

Hoje, falando-vos a partir da minha vocação de pastor, desejo dirigir a todos os cidadãos europeus uma mensagem de esperança e encorajamento.

Uma mensagem de esperança assente na confiança de que as dificuldades podem revelar-se, fortemente, promotoras de unidade, para vencer todos os medos que a Europa – juntamente com o mundo inteiro – está a atravessar. Esperança no Senhor que transforma o mal em bem e a morte em vida.

Encorajamento a voltar à firme convicção dos Pais fundadores da União Europeia, que desejavam um futuro assente na capacidade de trabalhar juntos para superar as divisões e promover a paz e a comunhão entre todos os povos do Continente. No centro deste ambicioso projecto político, estava a confiança no homem, não tanto como cidadão ou como sujeito económico, mas no homem como pessoa dotada de uma dignidade transcendente.

Sinto obrigação, antes de mais nada, de sublinhar a ligação estreita que existe entre estas duas palavras: «dignidade» e «transcendente».

«Dignidade» é a palavra-chave que caracterizou a recuperação após a Segunda Guerra Mundial. A nossa história recente caracteriza-se pela inegável centralidade da promoção da dignidade humana contra as múltiplas violências e discriminações que não faltaram, ao longo dos séculos, nem mesmo na Europa. A percepção da importância dos direitos humanos nasce precisamente como resultado de um longo caminho, feito também de muitos sofrimentos e sacrifícios, que contribuiu para formar a consciência da preciosidade, unicidade e irrepetibilidade de cada pessoa humana. Esta tomada de consciência cultural tem o seu fundamento não só nos acontecimentos da história, mas sobretudo no pensamento europeu, caracterizado por um rico encontro cujas numerosas e distantes fontes provêm «da Grécia e de Roma, de substratos celtas, germânicos e eslavos, e do cristianismo que os plasmou profundamente» , dando origem precisamente ao conceito de «pessoa».

Hoje, a promoção dos direitos humanos ocupa um papel central no empenho da União Europeia que visa promover a dignidade da pessoa, tanto no âmbito interno como nas relações com os outros países. Trata-se de um compromisso importante e admirável, porque persistem ainda muitas situações onde os seres humanos são tratados como objetos, dos quais se pode programar a concepção, a configuração e a utilidade, podendo depois ser jogados fora quando já não servem porque se tornaram frágeis, doentes ou velhos.

Realmente que dignidade existe quando falta a possibilidade de exprimir livremente o pensamento próprio ou professar sem coerção a própria fé religiosa? Que dignidade é possível sem um quadro jurídico claro, que limite o domínio da força e faça prevalecer a lei sobre a tirania do poder? Que dignidade poderá ter um homem ou uma mulher tornados objeto de todo o género de discriminação? Que dignidade poderá encontrar uma pessoa que não tem o alimento ou o mínimo essencial para viver e, pior ainda, o trabalho que o unge de dignidade?

Promover a dignidade da pessoa significa reconhecer que ela possui direitos inalienáveis, de que não pode ser privada por arbítrio de ninguém e, muito menos, para benefício de interesses económicos.

É preciso, porém, ter cuidado para não cair em alguns equívocos que podem surgir de um errado conceito de direitos humanos e de um abuso paradoxal dos mesmos. De facto, há hoje a tendência para uma reivindicação crescente de direitos individuais, que esconde uma concepção de pessoa humana separada de todo o contexto social e antropológico, quase como uma «mónada» (μονάς) cada vez mais insensível às outras «mónadas» ao seu redor. Ao conceito de direito já não se associa o conceito igualmente essencial e complementar de dever, acabando por afirmar-se os direitos do indivíduo sem ter em conta que cada ser humano está unido a um contexto social, onde os seus direitos e deveres estão ligados aos dos outros e ao bem comum da própria sociedade.

Por isso, considero que seja mais vital hoje do que nunca aprofundar uma cultura dos direitos humanos que possa sapientemente ligar a dimensão individual, ou melhor pessoal, à do bem comum, àquele «nós-todos» formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade social . Na realidade, se o direito de cada um não está harmoniosamente ordenado para o bem maior, acaba por conceber-se sem limitações e, por conseguinte, tornar-se fonte de conflitos e violências.

Assim, falar da dignidade transcendente do homem significa apelar para a sua natureza, a sua capacidade inata de distinguir o bem do mal, para aquela «bússola» inscrita nos nossos corações e que Deus imprimiu no universo criado ; sobretudo significa olhar para o homem, não como um absoluto, mas como um ser relacional. Uma das doenças que, hoje, vejo mais difusa na Europa é a solidão, típica de quem está privado de vínculos. Vemo-la particularmente nos idosos, muitas vezes abandonados à sua sorte, bem como nos jovens privados de pontos de referência e de oportunidades para o futuro; vemo-la nos numerosos pobres que povoam as nossas cidades; vemo-la no olhar perdido dos imigrantes que vieram para cá à procura de um futuro melhor.

Uma tal solidão foi, depois, agravada pela crise económica, cujos efeitos persistem ainda com consequências dramáticas do ponto de vista social. Pode-se também constatar que, no decurso dos últimos anos, a par do processo de alargamento da União Europeia, tem vindo a crescer a desconfiança dos cidadãos relativamente às instituições consideradas distantes, ocupadas a estabelecer regras vistas como distantes da sensibilidade dos diversos povos, se não mesmo prejudiciais. De vários lados se colhe uma impressão geral de cansaço e envelhecimento, de uma Europa avó que já não é fecunda nem vivaz. Daí que os grandes ideais que inspiraram a Europa pareçam ter perdido a sua força de atração, em favor do tecnicismo burocrático das suas instituições.

A isto vêm juntar-se alguns estilos de vida um pouco egoístas, caracterizados por uma opulência atualmente insustentável e muitas vezes indiferente ao mundo circundante, sobretudo dos mais pobres. No centro do debate político, constata-se lamentavelmente a preponderância das questões técnicas e económicas em detrimento de uma autêntica orientação antropológica . O ser humano corre o risco de ser reduzido a mera engrenagem dum mecanismo que o trata como se fosse um bem de consumo a ser utilizado, de modo que a vida – como vemos, infelizmente, com muita frequência –, quando deixa de ser funcional para esse mecanismo, é descartada sem muitas delongas, como no caso dos doentes terminais, dos idosos abandonados e sem cuidados, ou das crianças mortas antes de nascer.

É o grande equívoco que se verifica «quando prevalece a absolutização da técnica» , acabando por gerar «uma confusão entre fins e meios» , que é o resultado inevitável da «cultura do descarte» e do «consumismo exacerbado». Pelo contrário, afirmar a dignidade da pessoa significa reconhecer a preciosidade da vida humana, que nos é dada gratuitamente não podendo, por conseguinte, ser objeto de troca ou de comércio. Na vossa vocação de parlamentares, sois chamados também a uma grande missão, ainda que possa parecer não lucrativa: cuidar da fragilidade dos povos e das pessoas. Cuidar da fragilidade quer dizer força e ternura, luta e fecundidade no meio dum modelo funcionalista e individualista que conduz inexoravelmente à «cultura do descarte». Cuidar da fragilidade das pessoas e dos povos significa guardar a memória e a esperança; significa assumir o presente na sua situação mais marginal e angustiante e ser capaz de ungi-lo de dignidade .

Mas, então, como fazer para se devolver esperança ao futuro, de modo que, a partir das jovens gerações, se reencontre a confiança para perseguir o grande ideal de uma Europa unida e em paz, criativa e empreendedora, respeitadora dos direitos e consciente dos próprios deveres?

Para responder a esta pergunta, permiti-me lançar mão de uma imagem. Um dos mais famosos frescos de Rafael que se encontram no Vaticano representa a chamada Escola de Atenas. No centro, estão Platão e Aristóteles. O primeiro com o dedo apontando para o alto, para o mundo das ideias, poderíamos dizer para o céu; o segundo estende a mão para a frente, para o espectador, para a terra, a realidade concreta. Parece-me uma imagem que descreve bem a Europa e a sua história, feita de encontro permanente entre céu e terra, onde o céu indica a abertura ao transcendente, a Deus, que desde sempre caracterizou o homem europeu, e a terra representa a sua capacidade prática e concreta de enfrentar as situações e os problemas.

O futuro da Europa depende da redescoberta do nexo vital e inseparável entre estes dois elementos. Uma Europa que já não seja capaz de se abrir à dimensão transcendente da vida é uma Europa que lentamente corre o risco de perder a sua própria alma e também aquele «espírito humanista» que naturalmente ama e defende.

É precisamente a partir da necessidade de uma abertura ao transcendente que pretendo afirmar a centralidade da pessoa humana; caso contrário, fica à mercê das modas e dos poderes do momento. Neste sentido, considero fundamental não apenas o património que o cristianismo deixou no passado para a formação sociocultural do Continente, mas também e sobretudo a contribuição que pretende dar hoje e no futuro para o seu crescimento. Esta contribuição não constitui um perigo para a laicidade dos Estados e para a independência das instituições da União, mas um enriquecimento. Assim no-lo indicam os ideais que a formaram desde o início, tais como a paz, a subsidiariedade e a solidariedade mútua, um humanismo centrado no respeito pela dignidade da pessoa.

Por isso, desejo renovar a disponibilidade da Santa Sé e da Igreja Católica, através da Comissão das Conferências Episcopais da Europa (COMECE), a manter um diálogo profícuo, aberto e transparente com as instituições da União Europeia. De igual modo, estou convencido de que uma Europa que seja capaz de conservar as suas raízes religiosas, sabendo apreender a sua riqueza e potencialidades, pode mais facilmente também permanecer imune a tantos extremismos que campeiam no mundo actual – o que se fica a dever também ao grande vazio de ideais a que assistimos no chamado Ocidente –, pois «o que gera a violência não é a glorificação de Deus, mas o seu esquecimento» .

Não podemos deixar de recordar aqui as numerosas injustiças e perseguições que se abatem diariamente sobre as minorias religiosas, especialmente cristãs, em várias partes do mundo. Comunidades e pessoas estão a ser objecto de bárbaras violências: expulsas de suas casas e pátrias; vendidas como escravas; mortas, decapitadas, crucificadas e queimadas vivas, sob o silêncio vergonhoso e cúmplice de muitos.

O lema da União Europeia é Unidade na diversidade, mas a unidade não significa uniformidade política, económica, cultural ou de pensamento. Na realidade, toda a unidade autêntica vive da riqueza das diversidades que a compõem: como uma família, que é tanto mais unida quanto mais cada um dos seus componentes pode ser ele próprio profundamente e sem medo. Neste sentido, considero que a Europa seja uma família de povos, os quais poderão sentir próximas as instituições da União se estas souberem conjugar sapientemente o ideal da unidade, por que se anseia, com a diversidade própria de cada um, valorizando as tradições individuais; tomando consciência da sua história e das suas raízes; libertando-se de tantas manipulações e fobias. Colocar no centro a pessoa humana significa, antes de mais nada, deixar que a mesma exprima livremente o próprio rosto e a própria criatividade tanto de indivíduo como de povo.

Por outro lado, as peculiaridades de cada um constituem uma autêntica riqueza na medida em que são colocadas ao serviço de todos. É preciso ter sempre em mente a arquitetura própria da União Europeia, assente sobre os princípios de solidariedade e subsidiariedade, de tal modo que prevaleça a ajuda recíproca e seja possível caminhar animados por mútua confiança.

Nesta dinâmica de unidade-particularidade, coloca-se também diante de vós, Senhores e Senhoras Eurodeputados, a exigência de cuidardes de manter viva a democracia dos povos da Europa. Não escapa a ninguém que uma concepção homologante da globalidade afecta a vitalidade do sistema democrático, depauperando do que tem de fecundo e construtivo o rico contraste das organizações e dos partidos políticos entre si. Deste modo, corre-se o risco de viver no reino da ideia, da mera palavra, da imagem, do sofisma... acabando por confundir a realidade da democracia com um novo nominalismo político. Manter viva a democracia na Europa exige que se evitem muitas «maneiras globalizantes» de diluir a realidade: os purismos angélicos, os totalitarismos do relativo, os fundamentalismos a-históricos, os eticismos sem bondade, os intelectualismos sem sabedoria .

Manter viva a realidade das democracias é um desafio deste momento histórico, evitando que a sua força real – força política expressiva dos povos – seja removida face à pressão de interesses multinacionais não universais, que as enfraquecem e transformam em sistemas uniformizadores de poder financeiro ao serviço de impérios desconhecidos. Este é um desafio que hoje vos coloca a história.

Dar esperança à Europa não significa apenas reconhecer a centralidade da pessoa humana, mas implica também promover os seus dotes. Trata-se, portanto, de investir nela e nos âmbitos onde os seus talentos são formados e dão fruto. O primeiro âmbito é seguramente o da educação, a começar pela família, célula fundamental e elemento precioso de toda a sociedade. A família unida, fecunda e indissolúvel traz consigo os elementos fundamentais para dar esperança ao futuro. Sem uma tal solidez, acaba-se por construir sobre a areia, com graves consequências sociais. Aliás, sublinhar a importância da família não só ajuda a dar perspectivas e esperança às novas gerações, mas também a muitos idosos, frequentemente constrangidos a viver em condições de solidão e abandono, porque já não há o calor dum lar doméstico capaz de os acompanhar e apoiar.

Ao lado da família, temos as instituições educativas: escolas e universidades. A educação não se pode limitar a fornecer um conjunto de conhecimentos técnicos, mas deve favorecer o processo mais complexo do crescimento da pessoa humana na sua totalidade. Os jovens de hoje pedem para ter uma formação adequada e completa, a fim de olharem o futuro com esperança e não com desilusão. Aliás são numerosas as potencialidades criativas da Europa em vários campos da pesquisa científica, alguns dos quais ainda não totalmente explorados. Basta pensar, por exemplo, nas fontes alternativas de energia, cujo desenvolvimento muito beneficiaria a defesa do meio ambiente.

A Europa sempre esteve na vanguarda dum louvável empenho a favor da ecologia. De facto, esta nossa terra tem necessidade de cuidados e atenções contínuos e é responsabilidade de cada um preservar a criação, dom precioso que Deus colocou nas mãos dos homens. Isto significa, por um lado, que a natureza está à nossa disposição, podemos gozar e fazer bom uso dela; mas, por outro, significa que não somos os seus senhores. Guardiões, mas não senhores. Por isso, devemos amá-la e respeitá-la; mas, «ao contrário, somos frequentemente levados pela soberba do domínio, da posse, da manipulação, da exploração; não a “guardamos”, não a respeitamos, não a consideramos como um dom gratuito do qual cuidar» . Mas, respeitar o ambiente não significa apenas limitar-se a evitar deturpá-lo, mas também utilizá-lo para o bem. Penso sobretudo no sector agrícola, chamado a dar apoio e alimento ao homem. Não se pode tolerar que milhões de pessoas no mundo morram de fome, enquanto toneladas de produtos alimentares são descartadas diariamente das nossas mesas. Além disso, respeitar a natureza lembra-nos que o próprio homem é parte fundamental dela. Por isso, a par duma ecologia ambiental, é preciso a ecologia humana, feita daquele respeito pela pessoa que hoje vos pretendi recordar com as minhas palavras.

O segundo âmbito em que florescem os talentos da pessoa humana é o trabalho. É tempo de promover as políticas de emprego, mas acima de tudo é necessário devolver dignidade ao trabalho, garantindo também condições adequadas para a sua realização. Isto implica, por um lado, encontrar novas maneiras para combinar a flexibilidade do mercado com as necessidades de estabilidade e certeza das perspectivas de emprego, indispensáveis para o desenvolvimento humano dos trabalhadores; por outro, significa fomentar um contexto social adequado, que não vise explorar as pessoas, mas garantir, através do trabalho, a possibilidade de construir uma família e educar os filhos.
De igual forma, é necessário enfrentar juntos a questão migratória. Não se pode tolerar que o Mar Mediterrâneo se torne um grande cemitério! Nos barcos que chegam diariamente às costas europeias, há homens e mulheres que precisam de acolhimento e ajuda. A falta de um apoio mútuo no seio da União Europeia arrisca-se a incentivar soluções particularistas para o problema, que não têm em conta a dignidade humana dos migrantes, promovendo o trabalho servil e contínuas tensões sociais. A Europa será capaz de enfrentar as problemáticas relacionadas com a imigração, se souber propor com clareza a sua identidade cultural e implementar legislações adequadas capazes de tutelar os direitos dos cidadãos europeus e, ao mesmo tempo, garantir o acolhimento dos imigrantes; se souber adoptar políticas justas, corajosas e concretas que ajudem os seus países de origem no desenvolvimento sociopolítico e na superação dos conflitos internos – a principal causa deste fenómeno – em vez das políticas interesseiras que aumentam e nutrem tais conflitos. É necessário agir sobre as causas e não apenas sobre os efeitos.

Senhor Presidente, Excelências, Senhoras e Senhores Deputados!

A consciência da própria identidade é necessária também para dialogar de forma propositiva com os Estados que se candidataram à adesão à União Europeia no futuro. Penso sobretudo nos Estados da área balcânica, para os quais a entrada na União Europeia poderá dar resposta ao ideal da paz numa região que tem sofrido enormemente por causa dos conflitos do passado. Por fim, a consciência da própria identidade é indispensável nas relações com os outros países vizinhos, particularmente os que assomam ao Mediterrâneo, muitos dos quais sofrem por causa de conflitos internos e pela pressão do fundamentalismo religioso e do terrorismo internacional.

A vós, legisladores, compete a tarefa de preservar e fazer crescer a identidade europeia, para que os cidadãos reencontrem confiança nas instituições da União e no projeto de paz e amizade que é o seu fundamento. Sabendo que, «quanto mais aumenta o poder dos homens, tanto mais cresce a sua responsabilidade, pessoal e comunitária» , exorto-vos a trabalhar para que a Europa redescubra a sua alma boa.

Um autor anónimo do século II escreveu que «os cristãos são no mundo o que a alma é para o corpo». A tarefa da alma é sustentar o corpo, ser a sua consciência e memória histórica. E uma história bimilenária liga a Europa e o cristianismo. Uma história não livre de conflitos e erros, mas sempre animada pelo desejo de construir o bem. Vemo-lo na beleza das nossas cidades e, mais ainda, na beleza das múltiplas obras de caridade e de construção comum que constelam o Continente. Esta história ainda está, em grande parte, por escrever. Ela é o nosso presente e também o nosso futuro. É a nossa identidade. E a Europa tem uma necessidade imensa de redescobrir o seu rosto para crescer, segundo o espírito dos seus Pais fundadores, na paz e na concórdia, já que ela mesma não está ainda isenta dos conflitos.

Queridos Eurodeputados, chegou a hora de construir juntos a Europa que gira, não em torno da economia, mas da sacralidade da pessoa humana, dos valores inalienáveis; a Europa que abraça com coragem o seu passado e olha com confiança o seu futuro, para viver plenamente e com esperança o seu presente. Chegou o momento de abandonar a ideia de uma Europa temerosa e fechada sobre si mesma para suscitar e promover a Europa protagonista, portadora de ciência, de arte, de música, de valores humanos e também de fé. A Europa que contempla o céu e persegue ideais; a Europa que assiste, defende e tutela o homem; a Europa que caminha na terra segura e firme, precioso ponto de referência para toda a humanidade!


Obrigado!

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Máscaras.


Por Paul Medeiros Krause

Prezado leitor, será que nós estamos plenamente convencidos de que Deus criou-nos para a felicidade suprema e completa? Será que nos conduzimos por essa verdade?

A nossa vocação inadiável é para a felicidade.
Estou me aproximando dos meus quarenta anos, no ano que vem os completo, se Deus quiser, e as leituras e a experiência de vida acumuladas até aqui levam-me a crer que a maioria de nós não nos convencemos da nossa vocação inadiável para a felicidade. Ou, dito de outra forma, estou convencido da existência de uma tentação sutil, sorrateira, que o demônio arma aos crentes: a ideia ilusória de que seguir o caminho de Deus significa negar a própria natureza, o aniquilamento do próprio eu, o sacrifício da espontaneidade e da criatividade, a mutilação da personalidade.

O demônio é como o PT, na verdade, o PT, verdadeira sucursal do inferno, é como o demônio: acusa os outros do que ele faz. A grande verdade é que o capeta, quanto mais uma pessoa a ele se confia, de forma tácita (talvez a mais comum) ou expressa, mais destrói a sua natureza, o seu eu, a sua identidade única, a sua liberdade e espontaneidade. As personalidades confiadas ao pai da mentira são fragmentadas, sem unidade e coerência. O diabo, astuto conhecedor da natureza humana, sugere continuamente aos homens a ideia de que Deus os quer tristes e frustrados, os quer mutilados, quer negar-lhes tudo. Lembremo-nos da primeira mentira da serpente no Livro do Gênesis: “É verdade que Deus vos proibiu de comer de toda árvore do jardim?”.

O Livro do Gênesis é de uma atualidade gritante. Aquela mentira é diuturnamente soprada aos ouvidos da nossa alma pelo inimigo do gênero humano. Desgraçado, derrotado, sumamente infeliz, invejoso, escravo dos seus vícios, Satanás deseja ver-nos desgraçados, destroçados, fragmentados, sumamente infelizes como ele.

Há uma máxima, salvo engano, da teologia escolástica: “A graça não anula a natureza, mas a leva à perfeição”, isto é, a ação de Deus, a ação do Espírito Santo na alma em estado de graça, não destrói a natureza humana, não a mutila, não a cerceia, mas eleva-a, aperfeiçoa-a. Nesse sentido, só pode ser uma tentação diabólica pensar que a ação do Espírito Santo na nossa alma aniquilará o nosso próprio eu, sufocará a nossa individualidade, destruirá os nossos gostos, as nossas inclinações, eliminará os nossos lazeres, lançará uma camisa de força em nossa criatividade. Nada mais falso! É justamente o contrário. O Espírito Santo tão somente aperfeiçoará os nossos mais legítimos anseios, orientando-os para o seu pleno atingimento.

Usamos máscaras, desconhecemos a verdade
e nos apresentamos a Deus como homens que não somos.
É por desconhecer essas verdades que muitas vezes usamos máscaras. É por ignorar isso que tantas vezes nos apresentamos diante de Deus e dos homens como nós não somos, exibindo virtudes que não possuímos e dissimulando nossos defeitos. Muitas vezes, até para rezar, utilizamos entonações sentimentais, piegas, esquisitas, pasteurizadas, como se a eficácia da nossa oração dependesse de uma certa homogeneidade, da opinião exterior da assembleia, e não da nossa nudez, da nossa tranquila simplicidade diante de Deus, que conhece até as dobras das nossas almas. Muitas vezes temos a ideia falsa de que Deus deseja um monte de robozinhos que O sirvam. Esses robozinhos, se olharem para o lado, já estariam pecando. Nada disso. Isso é escrúpulo.

 “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Deus não nos quer com máscaras. Deus não nos quer com poses de santos; quer-nos santos, sem pose. Santos ao natural, com os cabelos ao vento. Ele não quer entonações afetadas, sorrisos forçados, artificialismos. Ele quer que sejamos santos com toda a tranquila espontaneidade que emerge das nossas almas banhadas pela luz do seu Espírito. Deus quer expandir a nossa personalidade ao máximo, e não manietá-la.

O Espírito Santo é criativo por natureza, e Ele quer que sejamos livres, criativos também. Deus só nos proíbe a autodestruição. O pecado é uma espécie de automutilação, de autoflagelo ou suicídio espiritual. A Lei de Deus, portanto, só nos proíbe de ferirmos a nós mesmos e aos outros. O pecado nos desfigura; a graça nos cura.

É sempre bom lembrar as palavras do Papa João Paulo II no início do seu Pontificado: “Não, não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarai as portas a Cristo! Ao Seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas econômicos assim como os políticos, os vastos campos de cultura, de civilização e de progresso! Não tenhais medo! Cristo sabe bem 'o que é que está dentro do homem'. Somente Ele o sabe!”

O que Deus nos tira, meus irmãos, é o que não é Dele: são as falsas alegrias, os falsos gozos, as falsas amizades, as falsas esperanças neste mundo ilusório, pois, como diz São Paulo, “a figura deste mundo passa”.

Tenhamos a coragem de ser nós mesmos. De corresponder cada vez mais à nossa própria identidade, à nossa própria criatividade. Deus que nos criou com todos os nossos dons quer que os desenvolvamos ao máximo, e não que enterremos nossos talentos na terra. Ele mesmo disse isso no Evangelho. Ele não quer tolher a nossa personalidade, não quer vestir-nos uma camisa de força. Pelo contrário, o Espírito Santo é o espírito da abertura, da alegria, da liberdade calma, da espontaneidade tranquila, da simplicidade serena. Nosso Criador não nos deu dons para que nós os atrofiássemos.


Confesso a vocês, e talvez já tenha dito isso antes, para mim, as manhãs de domingo são uma metáfora, uma figura do paraíso, da eternidade. Quando vou fazer meu esporte nas manhãs de domingo, vejo tanta alegria, tanta espontaneidade, tanta criatividade nas pessoas: vejo bicicletas diferentes, skates diferentes, tantos tipos de brinquedos e diversões. Vejo coisas que eu nem imaginava que existissem. Estou seguro de que o paraíso é assim: uma explosão de felicidade, de criatividade e de espontaneidade, em que as nossas personalidades se mostram integralmente e encontram a sua plena realização e o seu pleno desenvolvimento, sob o sol luminoso da presença de Deus.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A reeleição de Dilma Rousseff e a defesa da vida.


Por Ivanaldo Santos (ivanaldosantos@yahoo.com.br)

No último mês de outubro de 2014 o Brasil reelegeu a presidente Dilma Rousseff (PT) para mais 4 anos de governo. Até que se prove o contrário, a eleição foi democrática e, com isso, deve ser respeitada. No entanto, o que esperar de um 2º governo Dilma Rousseff (PT) no tocante a defesa da vida humana? Logo a vida que é o bem maior, o bem básico de todo ser humano. Qualquer governo democrático e preocupado com políticas de inclusão social deve, a princípio, estar preocupado com a defesa e a valorização da vida humana, uma valorização que vai da concepção até a morte natural.

Logo após a realização do 1º turno da eleição o site oficial do Partido dos Trabalhadores (PT), o atual partido governista, publicou um artigo, cujo título é “Novo Congresso será Jurassic Park ideológico”. Nesse artigo é afirmado, entre outras coisas, que “no domingo [05 de outubro de 2014], emergiu um Parlamento repleto de religiosos, ruralistas e militares de extrema-direita como há muito não se via no Brasil”. Sem reconhecer que a escolha dos eleitores foi uma reação aos escândalos de corrupção que levaram parlamentares petistas à prisão, como João Paulo Cunha e José Genoíno, e à forte ideologia de esquerda contida em suas propostas, o partido afirma que a eleição de religiosos e conservadores é “reflexo do clima geral de desqualificação da política”. Nesse artigo, o PT expõe seu temor de que o novo Congresso nacional seja avesso às suas principais propostas ideológicas. Nas palavras do artigo: “O novo quadro dificultará o debate sobre pautas como a união homoafetiva, a legalização do aborto e a descriminalização da maconha para fins medicinais e de consumo recreativo”.

É claro que um artigo isolado publicado no site oficial do partido governista não representa, em tese, a posição da presidente reeleita. Ela pode, muito bem, ter uma visão diferente das propostas e da ideologia do partido governista. No entanto, no tocante a políticas de defesa da vida humana é bom frisar que a própria Dilma Rousseff defendeu, no passado, abertamente o aborto. Em seu primeiro mandato não houve avanços em políticas de defesa da vida e, pelo contrário, houve uma espécie de “apoio indireto”, com distribuição de muito dinheiro público para ONGs pró-aborto, para a luta em prol da legalização do aborto.

As expectativas para a política de defesa da vida humana, no 2º governo Dilma Rousseff (PT), podem ser sinteticamente resumidas em 3 grandes quadros:

1)                 Os grupos e o movimento provida e pró-família precisam redobrar a sua vigilância, o lobby político no Congresso e o trabalho de conscientização, utilizando o método casa a casa, dos cidadãos brasileiros. A princípio, como aconteceu no 1º governo Dilma Rousseff os defensores da cultura de morte, protegidos por influentes setores do atual governo, vão tentar legalizar o aborto e outras questões (infanticídio, eutanásia, etc) por meio de alguma norma técnica e, com isso, fugir do Congresso nacional. Diante disso, é preciso redobrar a vigilância, todo cuidado é pouco diante de um partido (o PT) e um governo fanaticamente comprometido com a legalização do aborto e coisas semelhantes.

2)                 Não se deve esperar muitos avanços na política de promoção da vida humana no 2o governo Dilma Rousseff. Atualmente o Estatuto do Nascituro está parado no Congresso e deve continuar nos próximos 4 anos. O Estatuto da Gravidez e da Lactante se quer entrou em debate no Congresso nacional e nos próximos 4 anos deverá também não entrar em debate. Outros projetos de leis que protegem a vida humana, como, por exemplo, o projeto de lei que pune com a demissão funcionários públicos envolvidos com o crime do aborto e o projeto de lei que reorienta a profissão de médico pediatra e as pediatrias nos hospitais no Brasil, também devem fiar parados nos próximos 4 anos.

3)                 Os grupos e o movimento provida e pró-família precisam aprender a trabalhar, mesmo que parcialmente, com os partidos políticos de oposição. Não se trata de votar em partido “X” ou “Y”, mas de conversar, fazer lobby, com esses partidos, com o intuito de aprofundar uma crítica a hegemonia política do PT e de desenvolver políticas provida no Congresso nacional. Afinal, o Congresso ainda é o local privilegiado do debate político nacional. É preciso ter coragem para enfrentar a política de opinião única que o PT quer impor ao Brasil. O PT é um partido que pensa, mais ou menos assim: “Só quem está certo sou eu e o mundo está errado” e “Quem não pensa como eu, está errado”. É preciso quebrar essa opinião dominante e, para isso acontecer, é preciso que o movimento provida e pró-família se aproxime das oposições e, com isso, possa ajudar a construir uma alternativa, verdadeiramente democrática e que leve em conta as bases cristãs da sociedade, de poder para o Brasil.


Por fim, reafirma-se o valor único e maravilhoso da vida humana. É por causa desse valor que não se pode permitir que se legalize o aborto, o infanticídio e outros temas ligados a cultura da morte. 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A Igreja e o racismo.


Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Amanhã, dia 20 de novembro, comemora-se o dia nacional da consciência negra, cujo fim é o da superação do racismo, especialmente contra os de pele negra ou similar.

Antropologicamente, a palavra “raça”, referindo-se a seres humanos, está superada, pois biologicamente significa “subespécie” e conota um preconceito contra certos grupos humanos, o que vem a ser “racismo”. Às vezes se usa o termo “raça” para identificar um grupo cultural ou étnico-linguístico, mas seriam preferíveis os termos “população”, “etnia” ou “cultura”.

A Igreja já se pronunciou diversas vezes contra o preconceito baseado na cor da pele ou na etnia, proclamando, firmada na divina Revelação, a dignidade de toda a pessoa criada à imagem de Deus, a unidade do gênero humano no plano do Criador e a reconciliação com Deus de toda a humanidade pela Redenção de Cristo, que destruiu o muro de ódio que separava os mundos contrapostos, para que em Cristo se recapitulassem todos os seres humanos. Com essas premissas, a Igreja prega o respeito recíproco dos grupos étnicos e das chamadas “raças” e a sua convivência fraterna. A mensagem de Cristo foi para todos os povos e nações, sem distinção nem preferências. É o tema repetido por São Paulo: “Não há distinção entre judeu e grego, porque todos têm um mesmo Senhor...” (Rm 10,12); “já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre..., pois todos vós sois um em Cristo Jesus ” (Gal 3, 28).

Infelizmente, com a descoberta e colonização do Novo Mundo, no século XVI, começaram a surgir abusos e ideologias racistas. Os Papas não tardaram a reagir. Assim, em 1537, na Bula Sublimis Deus, o Papa Paulo II denunciava os que consideravam os indígenas como seres inferiores e solenemente afirmava: “No desejo de remediar o mal que foi causado, nós decidimos e declaramos que os chamados Indígenas, bem como todas as populações com que no futuro a cristandade entrará em relação, não deverão ser privados da sua liberdade e dos seus bens – não obstante as alegações contrárias – ainda que eles não sejam cristãos, e que, ao contrário, deverão ser deixados em pleno gozo da sua liberdade e dos seus bens”. Mais tarde, o Papa Urbano VIII teve até de excomungar aqueles que detinham escravos indígenas. É claro que essas normas da Igreja nem sempre foram obedecidas, mesmo por muitos dos seus membros. Quando começou o tráfico de Negros, vendidos pelos próprios africanos como escravos e trazidos para as novas terras, os Papas e os teólogos pronunciaram-se contra essa prática abominável. O Papa Leão XIII condenou-a com vigor na sua encíclica In Plurimis, de maio de 1888, ao felicitar o Brasil por ter abolido a escravidão. E o Papa São João Paulo II não hesitou, no seu discurso aos intelectuais africanos, em Yaoundé, em 13 de agosto de 1985, em deplorar que pessoas pertencentes a nações cristãs tenham contribuído para esse tráfico de Negros.


E quando, fruto da ideologia racista do século XVIII, surgiu na Alemanha o partido totalitário nacional-socialista, o Papa Pio XI, na sua encíclica Mit Brennender Sorge, condenou com firmeza as doutrinas nazistas da superioridade da raça ariana sobre as demais.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Dilma reeleita. Mas como?

(“Eles não sabem o que nós seremos capazes de fazer”)


“A gente entra na rede da Justiça Eleitoral quando os resultados estão sendo transmitidos para a totalização e depois que 50% dos dados já foram transmitidos, atuamos. Modificamos resultados mesmo quando a totalização está prestes a ser fechada”. Essas palavras foram ditas há quase dois anos por umhacker no seminário “A urna eletrônica é confiável?” ocorrido em 10/12/2012 no auditório da Sociedade de Arquitetos e Engenheiros do Rio de Janeiro (SEAERJ). Para fraudar os resultados eleitorais, o hacker obteve acesso ilegal e privilegiado à intranet da Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro, sob a responsabilidade técnica da empresa Oi, interceptou os dados alimentadores do sistema de totalização e, após o retardo do envio desses dados aos computadores da Justiça Eleitoral, modificou resultados beneficiando candidatos em detrimento de outros – sem nada ser oficialmente detectado[1].

“Eles não sabem o que nós seremos capazes de fazer”

No início do segundo turno, as atenções (e, com elas, as intenções de voto) concentraram-se em Aécio Neves (PSDB). Ele já obtivera o apoio expresso de Marina Silva (PSB) e, com ela, de boa parte do seu eleitorado. A imagem de Dilma (PT) estava associada ao pífio crescimento econômico, à alta da inflação, ao escândalo do “mensalão” que resultara na condenação criminal de vários membros de seu partido e, como se não bastasse, ao esquema de corrupção da Petrobrás (“petrolão”) no qual se envolvera o seu governo. A construção de estádios e aeroportos para a Copa não conseguiu esconder a péssima situação em que se encontram a saúde e a educação brasileiras. O povo queria mudanças e a eleição de Aécio Neves se apresentava quase como inevitável.

Meses antes, porém, em 13/06/2014, quando Dilma fora vaiada no jogo de abertura da Copa, Lula fizera uma grave ameaça: “Olha, Dilma, eu vou lhe contar uma coisa. Se eles tentaram duas vezes me derrotar e não me derrotaram [...], se eles não evitaram a gente te eleger quando ninguém te conhecia, eu vou te contar uma coisa: eles não sabem, eles não sabem o que nós seremos capazes de fazer democraticamente para fazer com que você seja a nossa presidenta por mais quatro anos nesse país”[2].

Em uma situação de desespero eleitoral, o PT poderia basicamente fazer duas coisas: a) subornar os institutos de pesquisas para atribuir vantagem à candidata petista; b) fraudar os resultados do sistema eletrônico de votação. A julgar pelo contínuo envolvimento do PT com a corrupção, o partido não teria escrúpulos em fazer ambas as coisas. O fato é que os institutos de pesquisa, que inicialmente apontavam Aécio como favorito, por volta do dia 20 de outubro noticiaram um empate técnico entre os candidatos e, a partir daí, o favoritismo de Dilma[3]. Quanto às urnas eletrônicas, elas não haviam resistido a um teste de vulnerabilidade feito em 2012 por uma equipe da Universidade de Brasília (UnB) com a permissão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Lamentavelmente, neste ano, o TSE, cujo presidente é o antigo militante petista “companheiro” Ministro Dias Toffoli, negou o pedido de realização de testes públicos nas urnas antes das eleições[4].

No domingo do segundo turno das eleições, 26 de outubro de 2014, o resultado saiu tão rápido quanto inseguro: Dilma Rousseff (PT) venceu com 54.501.118 votos válidos (51,64%), enquanto o candidato Aécio Neves (PSDB) recebeu 51.041.155 votos válidos (48,36%). Uma vitória estranha, sem festa, sem aplausos... Algo bem diferente teria ocorrido se Dilma perdesse. Não faltariam pessoas chorando de alegria, exultando pelo tão esperado fim da era petista, louvando e agradecendo a Deus.

No dia 30 de outubro, o PSDB protocolou junto ao TSE um pedido de auditoria de todo o processo eleitoral, desde a votação até a totalização final dos votos. O pedido era feito para “tranquilizar os eleitores quanto à não intervenção de terceiros nos sistemas informatizados”[5]. A violência com que o PT reagiu a este pedido faz pensar que a desconfiança pública tinha fundamento. Afinal, que mal poderia haver em uma simples auditoria?

Para tristeza dos petistas, o TSE acolheu o pedido do PSDB. Durante a sessão, o Ministro Gilmar Mendes criticou duramente as palavras de Lula “eles não sabem o que nós somos capazes de fazer etc.”, que podem ser entendidas pelo povo como “eu sou capaz de fraudar a eleição”. Referindo-se ao ex-presidente, o Ministro disse: “As pessoas que ocuparam cargos públicos têm que se comportar com alguma dignidade!”[6].

Seja como for, que eu saiba o Brasil é o único país do mundo que ainda usa uma urna eletrônica de primeira geração (tipo DRE), em que o voto do eleitor desaparece no teclado sem deixar nenhum vestígio impresso. Os outros países que adotam a votação eletrônica utilizam urnas que registram o voto em duas vias: uma eletrônica e outra impressa, possibilitando uma auditoria do resultado independentemente do programa utilizado pelo computador.

Deputados derrubam decreto pró-totalitarismo

Dois dias após a sua reeleição, em 28 de outubro de 2014, Dilma sofreu uma duríssima derrota no Congresso Nacional. Os deputados aprovaram por votação simbólica o Projeto de Decreto Legislativo 1491, de 2014 (PDC 1491/2014), que susta a aplicação do Decreto 8243/2014, que institui a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social – SNPS. O decreto derrubado é aquele com o qual Dilma pretendia criar uma infinidade de “conselhos” (“soviet” em russo) aparelhados por movimentos sociais aliados do governo (como o MST), tornando dispensável o Legislativo. Apenas o PT, o PCdoB, o PSOL e parte do PROS ficaram ao lado do governo; todos os demais partidos se uniram à oposição. A derrota foi muito humilhante para quem pensava que poderia instituir por decreto um regime totalitário.

Mais abortos

O ano ainda não acabou, Dilma ainda não tomou posse do seu segundo mandato, mas o aborto não pode faltar. No dia 10 de novembro de 2014, o governo publicou no Diário Oficial da União uma portaria que inclui na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses/Próteses e Materiais Especiais do SUS um novo “procedimento” chamado: “Atendimento Multiprofissional para Atenção Integral às Pessoas em Situação de Violência Sexual e todos os seus atributos”[7]. Segundo a própria portaria, o procedimento “consiste em atendimento por equipe multiprofissional em serviço de referência para atenção integral às pessoas em situação de violência sexual, conforme disposições das Normas Técnicas e Linhas de cuidado do Ministério da Saúde”.


A referência às Normas Técnicas do Ministério da Saúde dissipa qualquer dúvida, uma vez que, ao falarem da violência sexual, elas concentram toda a sua atenção na prática do aborto. Eis novamente o PT usando as verbas públicas para a difusão da cultura da morte.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Interestelar.


Por André Brandalise

Interestelar “Nós sempre nos definimos pela capacidade de superar o impossível.” (Cooper)

Sinopse: A Terra está à beira do colapso. Boa parte de suas reservas naturais acabaram e um grupo de astronautas recebe a missão de encontrar um planeta para receber a população mundial, possibilitando a continuação da espécie. Cooper (Matthew McConaughey) é chamado para liderar o grupo e aceita a missão sabendo que pode nunca mais ver os filhos. Ao lado de Brand (Anne Hathaway), Jenkins (Marlon Sanders) e Doyle (Wes Bentley), ele seguirá em busca de uma nova casa.

Christopher Nolan “brinca” com ficção científica há algum tempo, em bons filmes como “Amnésia” (2000), “O Grande Truque” (2006) e “A Origem” (2010), mas em Interestelar supera e muito seus limites. Ao contrário do que possa parecer, não se trata de uma discussão sobre se estamos sozinhos no universo ou não (como já vimos no filme Contato - que já foi analisado e recomendado por nós), mas todo o enredo é sobre a sobrevivência da espécie humana e até que ponto estamos dispostos a arriscar ou lutar por ela.

Durante todo o filme são exploradas várias teorias da física, como o buraco negro, buraco de minhoca e relatividade, tudo com apoio e embasamento trazido pelo físico teórico Kip Thorne. Buscou-se uma “fidelidade científica” em todas as teorias físicas apresentadas, o que traz maior mérito à produção, mas alguns questionamentos sociais e morais feitos são o grande motor do filme: o quanto você estaria disposto a arriscar ou sacrificar pela humanidade ou pelos que lhe são próximos?

Em um mundo já condenado, com a comida escassa e as mínimas chances de sobrevivência, aparece uma chance de salvar a humanidade. Se você … sim, meu caro leitor, VOCÊ … pudesse fazer algo neste projeto, até onde iria? Arriscaria a sua vida?

Vale lembrar as palavras do Papa Francisco em sua homilia na Missa de Ramos de 2013:

“E não devemos ter medo do sacrifício. Pensai numa mãe ou num pai: quantos sacrifícios! Mas porque os fazem? Por amor! E como os enfrentam? Com alegria, porque são feitos pelas pessoas que amam. Abraçada com amor, a cruz de Cristo não leva à tristeza, mas à alegria.”


Claro que não é a melhor produção de ficção científica já feita, mas não pode ser desconsiderada e muito menos seus questionamentos. Vale ser visto de preferência no cinema (IMAX ou XD – não precisa ser 3D) e depois se questionar sobre até onde vai a sua capacidade de “superar o impossível”.

sábado, 15 de novembro de 2014

O que é ser religioso?


Por Emanuel Jr.

Esse dias, lendo alguma coisa sobre o assunto, me vi em uma encruzilhada. Como toda encruzilhada foi preciso tomar uma decisão. Direita ou esquerda, frente ou verso, certo ou errado! Essas decisões nos colocam em situação difícil, porque difícil é ter que decidir, ter que tomar partido e, às vezes, magoar alguém.

O religioso é aquele que toma partido pela verdade. Não importa se a verdade está em cima ou embaixo. Se está contra tudo e contra todos. Não busca uma verdade relativa, isto é, uma verdade que muda a cada minuto e a cada mente. A verdade não é uma metamorfose ambulante. A verdade é a verdade, simplesmente. A verdade é a mesma desde sempre e sempre continuará sendo, independente do que pensa a sociedade ou do grau de evolução em que ela se encontra.

O religioso é isso. Alguém que busca a verdade e sabe que ela existe. Não é, ao contrário do que a maioria pensa, coisa de santos e bonzinhos. Não importa se você é bonzinho ou mauzinho. O que importa é a sua busca por essa verdade. Aliás, a religião é o contrário de coisa de bonzinho. Devia ser vista como coisa de mauzinho.

Vamos a explicações. Nossa vida de cristão católico não é um contínuo conflitar de erros e acertos? Não se trata de viver reconhecendo nossa mediocridade humana frente a Deus, arrependendo-se e pedindo perdão por nossas falhas? Quem falha, quem erra, quem peca não é o bonzinho da história. Pelo contrário! Não foi a toa que Jesus afirma que veio para os doentes e não para os sãos.

Eterna luta para alcançar a santidade.
Se você já se considera santo e com seu lugar reservado ao lado de Deus, então não precisa mais estar aqui, não precisa mais da religião, não precisa mais da Igreja. Qual o objetivo principal da Igreja? Nada mais que salvar as almas. Não se trata de fazer desse mundo o paraíso divino, muito menos eliminar com as cruzes de todos para que o paraíso se antecipe por aqui mesmo. A Igreja não tem essa obrigação. Não foi instituída por Cristo para isso.

Os doentes, ou seja, os antagonistas da história, é que são o alvo da Igreja. Eles, nós, precisamos da Igreja para a salvação.


Esse é o espírito do religioso. A busca pela verdade, verdade que só pode estar em uma instituição bimilenar, criada pelo próprio Jesus Cristo, que tem em seu “chefe” maior o poder de ligar e desligar.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Balanço de um recado alto e nítido.


Por Denilson Cardoso de Araújo

Saúdo a vocês, de ambos os lados, que conseguiram emergir desta eleição – especialmente do segundo turno - sem se emporcalhar. Porque difícil foi, ficar imune à abjeta artilharia inaugurada pela campanha oficial e depois respondida, em monta menor, mas também de grosso calibre, pela campanha da oposição. Se você conseguiu não compartilhar, de viva voz ou pela internet, o ataque, a fofoca, a insanidade e as mentiras; se conseguiu tolerar e compreender o amigo que estava em febre eleitoral; se conseguiu se conter quando jovens fazendo um digamos, ébrio maio de 1968, cuspiram sobre você impropérios, seja de comunista barato ou de neoliberal nojento, você é um vitorioso.

A você, que perdeu a eleição, mas que perdeu por tão pouco, trago um recado. Não desanime. Os sensatos que olharam o mapa de resultados não desanimaram. Após o jogo sujo e pesado que a candidatura oficial aplicou nos primeiros 10 dias da campanha do 2º turno - bisando o que fizera no 1º turno contra Marina - foi uma vitória moral Aécio chegar em situação de empate. Um parêntese para quem quer, indevidamente, igualar o jogo sujo no placar. Futebol. Numa disputa de bola, incomodado com a marcação cerrada, mas leal, um atacante uruguaio mete um soco na cara do zagueiro, que cai, surpreso e de nariz quebrado. O agredido se levanta e empurra o agressor com as duas mãos no peito. Faz-se a confusão, tomo mundo se mete, vem a turma do deixa disso, o juiz aparece e resolve. Os dois pro chuveiro. Na justiça desportiva, não sei, mas se o caso fosse a julgamento na justiça comum, com as câmeras demonstrando o agravo inicial, haveria punições a ambos, é óbvio, mas o boxeador improvisado não teria o benefício da atenuante que favoreceria o zagueiro, que apenas revidou e, em intensidade menor. Assim se deu esta história. E ponto.

O recado foi alto e nítido. Para quem, como o PT, que se acostumou a ganhar eleições presidenciais por 15 a 20 milhões de votos, vencê-las por apenas 3 milhões de sufrágios é recado retumbante. O país está, sim, dividido. Existe uma inescapável exaustão com as práticas petistas que não mais poderá ser desconsiderada. O PT perdeu certa carta branca, de que se valia abusadamente.

Lula sai muito chamuscado deste pleito, pois para alcançar a vitória de Dilma, teve que, pessoalmente, descer o nível como nunca antes fizera, assumindo - em boca própria - tanto insultos pessoais como o jogo rasteiro. É claro que isso o indispõe com parcela ainda maior do eleitorado que podia não votar em Dilma, mas guardava reservas de admiração pela biografia do líder petista.

Mas também a você, que ganhou por tão pouco, e essa vitória tão cara, preciso dizer. Seja comedido na comemoração. Hoje presenciei provocações clubísticas, como se estivéssemos num dia seguinte à final do campeonato. Menos. Os prudentes não ficaram eufóricos. Veja porque.

Como óbitos precoces e súbitos que, bestificando os vivos, por vezes, beatificam vidas tortas, vitórias costumam enterrar as sujeiras da campanha debaixo dos tapetes da celebração. Mas os gols de Dilma, ao final, foram de mão, em impedimento, e com falta no goleiro. É uma vitória feia. Até hoje, 25 anos depois, lembramos de como Collor de Mello foi inescrupuloso em sua vitória de 1989. Não tenham dúvidas de que a inescrupulosa postura ditada pelo marqueteiro da campanha de Dilma - mas acatada pela direção partidária - atravessará décadas na memória dos eleitores. Não por acaso, petistas de bom calibre, como Arlindo Chinaglia em entrevista na TV Bandeirantes, deixaram claro que discordaram desse violento tom da campanha. Tendo presidido a Câmara, Chinaglia sabe como a memória negativa da campanha dificulta as negociações, por contaminar as relações partidárias e a percepção popular sobre qualquer ato governamental daqui para a frente. Assim foi com Collor, assim com Dilma será. E isso é mais grave na medida em que a vitória lhe concede, não outros quatro anos de mandato, mas sim uma maratona de obstáculos dentro de um pesado espólio que é o cipoal de equívocos, malfeitos e contradições de difícil administração acumulados.

Sem falar do desenrolar dos escândalos que, a experiência ensina, farão muito militante aguerrido se arrepender de certas veemências, fiquemos, por exemplo, com a economia. Se estabilização econômica não houvesse, inexistiria Bolsa Família. Não é imaginável Bolsa Família em tempos de inflação de 900%. Porque, para que tivesse valor, o programa precisaria de reajustes frequentes. E, por mais que nos desconforte afirmar, a indexação, ficou provado, alimenta a inflação. Assim, tendo que controlar a inflação e manter os programas sociais, ainda tendo que fazê-lo sem indexação, não é de resolução fácil a equação que cai estrondosamente sobre as pranchetas do governo que segue em palácio.

Não podemos nos esquecer que o PT, quando venceu a primeira vez, após assinar a Carta aos Brasileiros, foi governar com o projeto econômico do PSDB. Henrique Meirelles, seu presidente de Banco Central lá foi colhido. Por isso, inclusive, quem reclama da oposição meio frouxa que o PSDB teria feito em todos esses anos, se esquece de que era difícil mesmo fazer oposição a um governo que rasgara seu próprio programa para governar com as propostas alheias. Como fazer oposição a si mesmo? Só faltavam trocar beijos os economistas do PSDB e o Ministro Palocci.

Essa situação só muda quando o PT extrapola, em campo muito caro ao seu eleitorado histórico. O campo da moralidade pública, da ética na política, em que o PT fora campeão, em campanhas históricas que impactaram o país. Flagrado no ilícito, acabou cometendo mais ilícitos e insanidades para tentar justificar o injustificável. É bíblico. Um abismo chama outro abismo. E então, os erros se sucederam, e a oposição se fez. O próprio PSDB, com seu histórico pouco recomendável, engrossou a voz. E daí desceu-se àquele nível de discurso em que a assertiva, implícita e absurda, era: “nossos bandidos são melhores do que os de vocês”. Porque são de esquerda, afinal.

Disse no primeiro  turno que uma derrota faria muito bem à esquerda, para que se purgasse da arrogância e dos excessos, para que se livrasse dessa triste opção de achar que o banditismo de esquerda é perdoável porque é Robin-hood. Não é. Nem perdoável, nem Robin-hood. O modelo atual tira de quem tem algo (a classe média) para dar a pobres sim, mas também, e muito, a ricos. Afinal, a dívida externa foi integralmente paga - sem a necessária auditoria prometida por décadas; as privatizações tão acusadas de ilegais e imorais não foram revistas como prometido; os bancos seguem bem satisfeitos com os seus vastos lucros e o latifúndio permanece intocado, sob a conivência do MST. O discurso de esquerda foi reduzido - à margem a ressalva que sempre faço ao essencial Prouni – a um programa assistencial. A derrota poderia recolocar as coisas na perspectiva correta, mas como veio uma vitória tão apertada, com gosto de derrota moral, que não sejam desperdiçadas suas lições.


À parte os “episódios” Minas Gerais e Rio de Janeiro, o Nordeste foi decisivo. E é compreensível. Quem mais depende de favores governamentais, mais refém se torna. O Bolsa Família gritou alto. Ficou desenhado o mesmo arco de votos que, saindo do trópico para se escarrapachar na linha do Equador, alimentava as eleições da Arena da Ditadura. Vi ontem na Internet uma frase pesada, mas que ilustra bem tudo o que vem acontecendo. Diz Orson Scott Card, escritor de ficção científica americano: “Se os porcos pudessem votar, o homem com o balde seria eleito sempre, não importa quantos porcos ele já tenha abatido no recinto ao lado”.

A frase é forte porque, divulgada neste momento, pode fazer os mal intencionados e os obtusos imaginarem que se compara o eleitorado de Dilma a porcos. Não é isso. Se preferir, substitua porcos por suaves lebres, doces dálmatas ou diáfanas andorinhas. A figura central dessa construção verbal é o concreto e dominante “homem do balde”. O PT, hoje, para grande parte do seu eleitorado, é “o homem do balde”.

A derradeira coisa a comentar é que é uma grande pena que os maus modos dessa campanha tenham acontecido. Porque essa eleição na qual eu sequer pretendia votar (vide minha crônica de julho “Entra aí, qualquer um!”) acabou, com a morte de Eduardo Campos e a entrada de Marina no jogo, ganhando a dramaticidade que me pôs (e a tantos) de voto engatilhado. Isso o Brasil deve a Marina. A expectativa de sua possível vitória, que pôs o PT em desespero e, infelizmente, no rumo da calúnia e da agressão, deram o tempero capaz de trazer de volta alguma juventude às ruas, pelos dois lados. Rejuvenesceram-se ambos os lados. O engraçado nisso tudo é que nem sempre os jovens vieram pelos motivos corretos. Muitos se engajaram porque achavam ser esquerda o PT e outros achavam ser, o Aécio, um coroamento do carnaval cívico e confuso de junho 2013 que tinha uma “Mudança” imprecisa como enredo. Não é verdade, nem uma coisa nem outra. Ou, quando menos, são um décimo da verdade, porque nem o PT é toda essa esquerda pretendida (não fosse assim, correntes internas não estariam clamando, desde junho passado, para que o PT vire à esquerda, para trilhos que abandonou) e nem Aécio seria mudança assim tão profunda.

Mas que bom seria que os jovens abandonassem o clima rasteiro do discurso twitter para aprenderem a arte do encontro e do debate que formam consciência efetiva. Chavão não é discurso, e palavra de ordem não é fundamento. Muita gente foi às ruas, pobre de armas. Quando se tentava entabular um diálogo, vinham coisas como. Votei no Tarcisio porque ele foi bem no debate; no Eduardo Jorge, que chutava o balde; na Luciana Genro que é mais combativa; no PT, que pelo menos dá comida os pobres; não votei em ninguém porque todo mundo é ladrão.

Dizer, como disse a Dilma, e como tantos repetiram, que o mensalão do PSDB mineiro não fez um preso, para assim se defender do Mensalão petista que pôs gente na cadeia é, por exemplo, um dos “argumentos” mais expostos e mais pobres, porque não significa absolutamente nada. O que quis a Dilma dizer com o discurso do “todos soltos”? Que foi ela quem prendeu Zé Dirceu? O que quis dizer quando “argumenta” não haver presos no mensalão de Minas? Que cabia ao PSDB garrotear seus meliantes? Ora, quem investiga, julga e prende não são os partidos, nem é a Dilma ou o Aécio. A Polícia está aí, o Ministério Público, o Judiciário. Quando se “argumenta” mensalão contra mensalão, para usar a liberdade de uns (ainda não julgados) contra a condenação de outros (já julgados e presos), está se querendo insinuar que existe o quê? Um complô institucional pró PSDB, e do qual participam todos os policiais envolvidos, os promotores e os juízes. Ora, convenhamos!


Bom, acho que é hora de buscarmos a paz, a concórdia, a paciência. Porque tempos duros virão. Crises esperam. Os que tiveram nessa eleição sua primeira luta, por favor, repensem certos métodos, e poupem energias. Novas lutas virão. Aprendam que política não é guerra de extermínio. A desqualificação do outro, a humilhação do adversário, seu aniquilamento, não interessam ao bom combatente. Na Arte da Guerra, Sun Tzu ensinava a deixar sempre na composição do cerco, uma bem calculada rota de fuga para o inimigo. Porque a generosidade é estratégica. Nunca se sabe quando você pode precisar do adversário de hoje. Mas uma coisa eu sei. Você vai precisar daquela namorada com quem discutiu por causa da eleição. Daquele amigo. Do pai. Do irmão. Do colega de trabalho. Vá lá. Faça as pazes. Respeite. Abrace.