quinta-feira, 15 de maio de 2014

Uma nova forma de escravidão.


Por Ives Gandra Martins

Tive a oportunidade de ler o contrato firmado entre o governo cubano e os seus médicos enviados ao Brasil, cujo curso de medicina, segundo consta, é de apenas 3 anos de duração. O contrato é firmado com o governo cubano para que prestem serviços a cidadãos brasileiros, nos mesmos moldes de outros médicos estrangeiros, também contratados pelo governo brasileiro. Não há qualquer diferença entre o trabalho que prestam, no Brasil, para cidadãos brasileiros daqueles que outros estrangeiros também prestam. Idêntico trabalho, idêntica função, exercidos em nosso território contratados por nosso governo.

A diferença está em que os outros médicos estrangeiros recebem do governo 10.000 reais por mês e o governo paga estes 10.000 reais ao governo cubano, que repassa, em território brasileiro, apenas 1.000 reais para seu médico, aqui clinicando. Recebem, pois estes apenas 10% da remuneração dos outros médicos estrangeiros, nas mesmas circunstâncias, apropriando-se o governo cubano de, pelo menos, ¾ do dinheiro enviado pelo Brasil.

Ocorre que a Constituição Federal consagra, no artigo 7º, inciso XXX, entre os direitos dos trabalhadores que:

“XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de função e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.”

Repito, pois, que o programa “Mais Médicos”, do governo federal, oferece, para todos os médicos estrangeiros “não cubanos” que aderiram ao programa, um pagamento mensal de 10.000 reais.

Em relação aos médicos cubanos, todavia, estes 10.000 reais são pagos ao governo da ilha, que os contratou através de uma sociedade intitulada “Mercantil Cubana Comercializadora de Serviços Médicos Cubanos S/A”. Pela cláusula 2.1 “j” desse contrato, receberá cada profissional no Brasil, apenas 400 dólares por mês, depositando-se em Cuba outros 600 dólares.

Em face da cláusula 2.1 “n” deve o profissional cubano guardar estrita confidencialidade “sobre informações não públicas que lhe sejam dadas”. Pela cláusula 2.2 “e” deve abster-se de “prestar serviços e realizar outras atividades diferentes daquelas para que foi indicado”, a não ser que autorizado pela “máxima direção da missão cubana no Brasil”. Não poderá, por outro lado, “em nenhuma situação, receber, por prestação de serviços ou realização de alguma atividade, remuneração diferente da que está no contrato”. Há menção de vinculação do profissional cubano a um Regulamento Disciplinar (Resolução 168) de trabalhadores cubanos no exterior, “cujo conhecimento” só o terá quando da “preparação prévia de sua saída para o exterior”. Esta resolução não será entregue, mas apenas mostrada, talvez para que não possam aqueles que conseguirem fugir da ditadura mostrar a resolução, como já fizeram com o contrato que analisei. Na letra 2.2 “j”, lê-se que o casamento com um não cubano estará sujeito à legislação cubana, a não ser que haja “autorização prévia por escrito” da referida máxima Direção Cubana.

Pela letra 2.2 “g” só poderá receber visitas de amigos ou familiares no Brasil, mediante “comunicação prévia à Direção da Brigada Médica Cubana” aqui sediada. Pela letra “r”, deverão manter “estrita confidencialidade” sobre qualquer informação que receba em “Cuba” ou no “Brasil” até “um ano depois do término” de suas atividades em nosso país. Por fim, para não me alongar muito na reprodução do contrato, pela cláusula 3.5, o profissional será punido, se abandonar o trabalho, segundo “a legislação vigente na República de Cuba”.

A leitura do contrato demonstra, nitidamente, que consagra a escravidão laboral, não admitida no Brasil. Fere os seguintes artigos da Constituição Brasileira: 1º incisos III (dignidade da pessoa humana) e IV (valores sociais do trabalho); o inciso IV o art. 3º (eliminar qualquer tipo de discriminação); o art. 4º inciso II (prevalência de direitos humanos); o art. 5º inciso I (princípio da igualdade) e inciso III (submissão a tratamento degradante), inciso X (direito à privacidade e honra), inciso XIII (liberdade de exercício de qualquer trabalho), inciso XV (livre locomoção no território nacional), inciso XLI (punição de qualquer discriminação atentatório dos direitos e liberdades fundamentais), art. 7º inciso XXXIV (igualdade de direitos entre trabalhadores com vínculo laboral ou avulso) e muitos outros que não cabe aqui enunciar, à falta de espaço.

O governo federal, que diz defender os trabalhadores –o partido no poder tem este título-, não poderia aceitar a escravidão dos médicos cubanos contratados, que recebem no Brasil 10% do que recebem os demais médicos estrangeiros!!! O triste, entretanto, é que o governo brasileiro, em que sua presidente, desde que haja oportunidade, elogia abertamente a sangrenta ditadura cubana para atacar os EUA, sempre teve conhecimento deste tratamento indigno desde o início do acordo com o governo daquela Ilha. O que não se compreende é como as autoridades brasileiras tenham concordado com tal iníquo regime de escravidão e de proibições, em que o direito cubano vale --em matéria que nos é tão cara (dignidade humana)--, mais do que as leis brasileiras!


A fuga de uma médica cubana –e há outros que estão fazendo o mesmo— desventrou uma realidade, ou seja, que o programa do Mais Médicos esconde a mais dramática violação de direitos humanos de trabalhadores de que se tem notícia, praticada, infelizmente, em território nacional. Todos os juristas professores de Faculdade com quem conversei têm pela imprensa ou em palestras hospedado a mesma interpretação que mostro neste artigo. Que o Ministério Público do Trabalho tome as medidas necessárias para que estes médicos deixem de estar sujeitos a tal degradante tratamento. 

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