quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Feliz ano novo e paz!


Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Em sua mensagem para a celebração do 48º Dia Mundial da Paz, amanhã, o Papa Francisco, dirigindo-se ao mundo todo, com o lema “Já não escravos, mas irmãos”, formula os seus ardentes votos de paz e apela a todos para que, respondendo à vocação comum de colaborar com Deus e todas as pessoas de boa vontade, promovam a concórdia e paz no mundo.

Este tema, escolhido pelo Santo Padre, foi tirado da Carta de São Paulo a Filêmon, cuja leitura recomendo, onde o Apóstolo pede ao seu amigo Filêmon para acolher Onésimo, seu escravo, que tornou-se cristão, merecendo, por isso mesmo, ser considerado como um irmão. “Deste modo, a conversão a Cristo, o início duma vida de discipulado em Cristo constitui um novo nascimento (cf. 2 Cor 5, 17; 1 Ped 1, 3), que regenera a fraternidade como vínculo fundante da vida familiar e alicerce da vida social”.

filhos do mesmo Pai, “como irmãos e irmãs, todas as pessoas estão, por natureza, relacionadas umas com as outras, cada qual com a própria especificidade e todas partilhando a mesma origem, natureza e dignidade. Em virtude disso, a fraternidade constitui a rede de relações fundamentais para a construção da família humana criada por Deus”.

O Papa lamenta: “Infelizmente, o flagelo generalizado da exploração do homem pelo homem fere gravemente a vida de comunhão e a vocação a tecer relações interpessoais marcadas pelo respeito, a justiça e a caridade”, pois o pecado veio perturbar essa ordem criada por Deus: “Infelizmente, entre a primeira criação narrada no livro do Gênesis e o novo nascimento em Cristo – que torna, os crentes, irmãos e irmãs do ‘primogênito de muitos irmãos’ (Rom 8, 29) –, existe a realidade negativa do pecado, que interrompe tantas vezes a nossa fraternidade de criaturas e deforma continuamente a beleza e nobreza de sermos irmãos e irmãs da mesma família humana. Caim não só não suporta o seu irmão Abel, mas mata-o por inveja, cometendo o primeiro fratricídio”. Sendo assim, “os seres humanos não se tornam cristãos, filhos do Pai e irmãos em Cristo por imposição divina, isto é, sem o exercício da liberdade pessoal, sem se converterem livremente a Cristo. Ser filho de Deus requer que primeiro se abrace o imperativo da conversão”.

Hoje como ontem, na raiz da escravatura, está uma concepção da pessoa humana que admite a possibilidade de a tratar como um objeto. Quando o pecado corrompe o coração do homem e o afasta do seu Criador e dos seus semelhantes, estes deixam de ser sentidos como seres de igual dignidade, como irmãos e irmãs em humanidade, passando a ser vistos como objetos. Com a força, o engano, a coação física ou psicológica, a pessoa humana – criada à imagem e semelhança de Deus – é privada da liberdade, mercantilizada, reduzida a propriedade de alguém; é tratada como meio, e não como fim”.


Só assim, teremos um Ano Novo de paz, vivendo a nossa filiação com Deus e nossa fraternidade com os irmãos. Feliz Ano Novo de Paz, como irmãos, filhos do mesmo Pai.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

24/12/2014 - Solenidade do Natal. Papa Francisco.

SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
Quarta-feira, 24 de Dezembro de 2014


«O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; habitavam numa terra de sombras, mas uma luz brilhou sobre eles» (Is 9, 1). «Um anjo do Senhor apareceu [aos pastores], e a glória do Senhor refulgiu em volta deles» (Lc 2, 9). É assim que a Liturgia desta santa noite de Natal nos apresenta o nascimento do Salvador: como luz que penetra e dissolve a mais densa escuridão. A presença do Senhor no meio do seu povo cancela o peso da derrota e a tristeza da escravidão e restabelece o júbilo e a alegria.

Também nós, nesta noite abençoada, viemos à casa de Deus atravessando as trevas que envolvem a terra, mas guiados pela chama da fé que ilumina os nossos passos e animados pela esperança de encontrar a «grande luz». Abrindo o nosso coração, temos, também nós, a possibilidade de contemplar o milagre daquele menino-sol que, surgindo do alto, ilumina o horizonte.

A origem das trevas que envolvem o mundo perde-se na noite dos tempos. Pensemos no obscuro momento em que foi cometido o primeiro crime da humanidade, quando a mão de Caim, cego pela inveja, feriu de morte o irmão Abel (cf. Gn 4, 8). Assim, o curso dos séculos tem sido marcado por violências, guerras, ódio, prepotência. Mas Deus, que havia posto suas expectativas no homem feito à sua imagem e semelhança, esperava. Deus esperava. O tempo de espera fez-se tão longo que a certo momento, quiçá, deveria renunciar; mas Ele não podia renunciar, não podia negar-Se a Si mesmo (cf. 2 Tm 2, 13). Por isso, continuou a esperar pacientemente face à corrupção de homens e povos. A paciência de Deus... Como é difícil compreender isto: a paciência de Deus para conosco!

Ao longo do caminho da história, a luz que rasga a escuridão revela-nos que Deus é Pai e que a sua paciente fidelidade é mais forte do que as trevas e do que a corrupção. Nisto consiste o anúncio da noite de Natal. Deus não conhece a explosão de ira nem a impaciência; permanece lá, como o pai da parábola do filho pródigo, à espera de vislumbrar ao longe o regresso do filho perdido; e todos os dias, com paciência. A paciência de Deus!

A profecia de Isaías anuncia a aurora duma luz imensa que rasga a escuridão. Ela nasce em Belém e é acolhida pelas mãos amorosas de Maria, pelo afeto de José, pela maravilha dos pastores. Quando os anjos anunciaram aos pastores o nascimento do Redentor, fizeram-no com estas palavras: «Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura» (Lc 2, 12). O «sinal» é precisamente a humildade de Deus, a humildade de Deus levada ao extremo; é o amor com que Ele, naquela noite, assumiu a nossa fragilidade, o nosso sofrimento, as nossas angústias, os nossos desejos e as nossas limitações. A mensagem que todos esperavam, que todos procuravam nas profundezas da própria alma, mais não era que a ternura de Deus: Deus que nos fixa com olhos cheios de afeto, que aceita a nossa miséria, Deus enamorado da nossa pequenez.

Nesta noite santa, ao mesmo tempo que contemplamos o Menino Jesus recém-nascido e reclinado numa manjedoura, somos convidados a refletir. Como acolhemos a ternura de Deus? Deixo-me alcançar por Ele, deixo-me abraçar, ou impeço-Lhe de aproximar-Se? «Oh não, eu procuro o Senhor!» – poderíamos replicar. Porém a coisa mais importante não é procurá-Lo, mas deixar que seja Ele a procurar-me, a encontrar-me e a cobrir-me amorosamente das suas carícias. Esta é a pergunta que o Menino nos coloca com a sua mera presença: permito a Deus que me queira bem?

E ainda: temos a coragem de acolher, com ternura, as situações difíceis e os problemas de quem vive ao nosso lado, ou preferimos as soluções impessoais, talvez eficientes mas desprovidas do calor do Evangelho? Quão grande é a necessidade que o mundo tem hoje de ternura! Paciência de Deus, proximidade de Deus, ternura de Deus.

A resposta do cristão não pode ser diferente da que Deus dá à nossa pequenez. A vida deve ser enfrentada com bondade, com mansidão. Quando nos damos conta de que Deus Se enamorou da nossa pequenez, de que Ele mesmo Se faz pequeno para melhor nos encontrar, não podemos deixar de Lhe abrir o nosso coração pedindo-Lhe: «Senhor, ajudai-me a ser como Vós, concedei-me a graça da ternura nas circunstâncias mais duras da vida, dai-me a graça de me aproximar ao ver qualquer necessidade, a graça da mansidão em qualquer conflito».


Queridos irmãos e irmãs, nesta noite santa, contemplamos o presépio: nele, «o povo que andava nas trevas viu uma grande luz» (Is 9, 1). Viram-na as pessoas simples, as pessoas dispostas a acolher o dom de Deus. Pelo contrário, não a viram os arrogantes, os soberbos, aqueles que estabelecem as leis segundo os próprios critérios pessoais, aqueles que assumem atitudes de fechamento. Contemplemos o presépio e façamos este pedido à Virgem Mãe: «Ó Maria, mostrai-nos Jesus!»

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Um natal feliz e alegre!


Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Em companhia de Maria e José e incentivados por São Paulo: “Alegrai-vos sempre no Senhor” (Fl 4,4), vamos celebrar nesta quinta-feira o Santo Natal, feliz e alegre, como foi o primeiro Natal. Nasceu Jesus, o Messias! Deus se fez homem! E os anjos anunciaram aos pastores essa felicidade. A reaparição da estrela misteriosa fez renascer a alegria e a felicidade no coração dos Magos que vieram do Oriente (Mt 2, 10).

Segundo a filosofia (Cícero e Boécio), felicidade é o estado constituído pelo acúmulo de todos os bens com a ausência de todos os males. Então, como poderemos chamar feliz um Natal onde houve desprezo, rejeição – Jesus nasceu numa estrebaria por falta de lugar para Ele nas casas e nas hospedarias -, lágrimas, gritos, morte, luto – Herodes, perseguindo Jesus, mandou matar as crianças de Belém – fuga, desterro, pobreza, sacrifícios? Realmente, felicidade perfeita, na definição filosófica, só se encontrará no Céu, na Jerusalém celeste, onde Deus “enxugará toda a lágrima dos seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque tudo isto passou” (Ap 21,4).

É a grande lição do Natal: é possível ser feliz na dor, no desprezo, no luto, aqui na terra. Aqui, a felicidade consiste em ter Jesus, em estar com Jesus, em amar Jesus de todo o coração, com a esperança de tê-lo perfeitamente um dia no Céu. Talvez tenha sido essa a felicidade que Assis Valente, autor de “Anoiteceu”, não conhecia quando a pediu ao Papai Noel. Talvez por isso tenha se matado, pois ele e ela, como ele imaginava, não vieram.

Não se vai à Igreja para parar de sofrer, já que o sofrimento é inseparável da vida humana, mas para aprender a sofrer. O cristão é otimista e feliz, por causa da esperança, mesmo que sofra. Por isso, o primeiro Natal foi cheio de felicidade. A pobre estrebaria de Belém era o Céu. Faltava tudo e não faltava nada. Ali estava a felicidade e a alegria: Jesus.

“A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria” (Papa Francisco, Evangelii gaudium, 1). O presépio de Belém é o princípio da pregação de Jesus, o resumo do seu Evangelho. Daquele pequeno púlpito, silenciosamente, ele nos ensina o desprezo da vanglória desse mundo, o valor da pobreza e do desprendimento, o nada das riquezas, a necessidade da humildade, o apreço das almas simples, a paciência, a mansidão, a caridade para com o próximo, a harmonia na convivência humana, o perdão das ofensas, a grandeza de coração, enfim, as virtudes cristãs que fariam o mundo muito melhor, se as praticasse.

É por isso que o Natal cristão é festa de paz e harmonia, de confraternização em família, de troca de presentes entre amigos, de gratidão e de perdão. Pois é a festa daquele que, sendo Deus, tornou-se nosso irmão aqui na terra, ensinando-nos o que é a felicidade.


É assim que desejo aos meus caros leitores um verdadeiro ALEGRE E FELIZ NATAL!

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

A glória da humanidade na glória de Deus


Por Ian Farias

Solenidade do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo

Nesta noite, marcada pela esperança novamente cintilante, o Senhor desce ao nosso encontro, se faz um de nós e, assumindo esta condição, abre à humanidade as portas da salvação e da vida nova. A antífona da Missa nesta noite santa inicia-se com as palavras do salmista: “Dominus dixit ad me: Filius meus es tu, ego hodie genui te – O Senhor me disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Sl 2, 7). Essa frase, que primariamente pertencia ao rito da coroação do rei de Israel que em seu chamamento era introduzido como “filho de Deus”, hoje é usada pela Igreja no reconhecimento da filiação divina de Cristo e da sua eterna geração no Pai.

O salmo 2º é uma leitura prefigurativa daquele menino frágil e indefeso que hoje desce à terra, repleto de majestade e poder, tendo como único sinal a humildade e o canto dos anjos, que ouvimos no Evangelho. Aquele que é gerado por Deus desde toda a eternidade aceita também ser gerado no ventre de Maria, submetendo-se à condição da temporalidade e da morte. Ele é verdadeiramente Deus conosco! Ainda hoje o Filho – professado no Credo como consubstancial ao Pai – continua a ser gerado em Deus. Hoje também Deus vem ao nosso encontro, fala ao nosso coração e quer ser acolhido por cada um de nós.

Santo Irineu de Lyon escrevera de forma significativamente profunda: “O esplendor de Deus dá a vida. Consequentemente, os que veem a Deus recebem a vida. Por isso, aquele que é inacessível, incompreensível e invisível, torna-se compreensível e acessível para os homens, a fim de dar a vida aos que o alcançam e veem. Assim como viver sem a vida é impossível, sem a participação de Deus não há vida... Ao mesmo tempo [o Verbo], mostrou também, por diversos modos, que Deus é visível aos homens, para não acontecer que, privado totalmente de Deus, o homem chegasse a perder a própria existência. Pois a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus” (Lib. 4,20,5-7:Sch 100, 640-642.644-648).

Com o seu nascimento Jesus nos permite participar de Deus. Nós recebemos a verdadeira vida! Se em primeiro plano o pecado parecia ter vencido o homem decaído, em última instância há sempre a graça de Deus e aquele sinônimo que devemos atribuir-lhe: “amor”.

Onde há reconhecimento da glória de Deus, há de igual forma vida e esperança. Onde não se dá glória a Deus se dá glória às ideologias subjetivas e contrárias ao verdadeiro sentido da fé e da vida. Onde Ele não é adorado, mas antes, é desprezado e negado, prevalecem os obstáculos entre o divino e o humano: Ele não pode falar e tampouco ser escutado.

Irineu reafirma que Deus se compraz e é glorificado no “homem vivo”. Que coisa podemos entender destas palavras? Que sentido possui a vida nesta noite em que o seu Autor assume nossa condição? Poderíamos responder a estas perguntas com a mesma afirmação paulina escutada na segunda leitura: O homem vivo é aquele que abandona a impiedade e as paixões mundanas e vive neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade (cf. Tt 2,12). Quanta injustiça e impiedade imperam no mundo onde Deus deveria reinar! Quantos homens velhos que não se abriram ao Menino que vem, permanecendo, assim, na dramática situação narrada pelo Profeta Isaías: “Botas de tropa de assalto, trajes manchados de sangue...” (Is 9,4). A marca do exílio israelita na Assíria ultrapassa os limites históricos e assume uma dimensão espiritual e sempre atual. Ainda hoje podemos acompanhar a catastrófica situação dos prófugos e refugiados, de modo particular os cristãos do Oriente Médio, forçados a deixarem sua pátria pela realidade que se lhes sobreveio, ou, muitas vezes, rejeitados em outros lugares. Mas a profecia de Isaías estende-se com uma consoladora promessa: “... tudo será queimado e devorado pelas chamas”. Como não rezarmos nesta hora: Sim, Senhor, sabemos que onde não existem homens vivos não haverá vida digna. Fazei brilhar a vossa luz sobre aqueles que praticam a impiedade e a injustiça. Queimai os calçados ruidosos e os trajes manchados de sangue, sobretudo os daqueles que negam o direito à vida aos indefesos: que ainda não nasceram ou os que já estão acometidos pela fragilidade da idade avançada. Sejais Vós a verdadeira vida numa sociedade que se ampara na lógica da força e do poder e nega-se a abraçar a humildade e ser portadora da “grande alegria” comunicada pelos anjos aos pastores.

Voltemos ainda à afirmação de Irineu: “A vida do homem é a visão de Deus”. A leitura do profeta Isaías nos faz relato de um caos primígeno, já transcrito no início do livro dos Gênesis, quando ainda nada tivera sido criado. O caos é uma não-vida, portanto, uma realidade tenebrosa, obscura. Com este pressuposto, a frase de Irineu que atribui a visão de Deus, isto é, a sua ação, à vida do homem, entrelaça-se com a primeira leitura e podem ser postas lado a lado. O pecado quebra a harmonia da criação e restabelece a realidade primitiva: quando a mão de Deus nada tivera criado havia somente o caos, o prenúncio da morte. Desta forma, somente se permanece alimentado pela esperança e pela certeza da ação de Deus, o homem pode passar da morte à vida, pode ser visão de Deus e pode ser glória para Deus.

No fim, podemos pensar que o próprio Filho de Deus entra na História humana de forma visível, subjuga-se ao tempo (Chronos) e às condições físicas do homem. Poderíamos perguntar-nos: Como receberíamos Jesus hoje? O que faríamos se Maria e José batessem hoje à nossa porta? Quando Deus quis entrar no tempo dos homens, os homens quiseram sair do seu tempo (Chronos) e do tempo da Graça (Kairós). Criaram, por conseguinte, subterfúgios e, como Adão, esconderam Dele o seu rosto. É certo que a glória de Deus em sua totalidade só poderá ser contemplada quando estivermos purificados de todas as nossas faltas e participarmos do convívio dos eleitos. Mas Deus nos permite, pelo nascimento de Seu Filho, contemplarmos de antemão a prefiguração do Seu poder e da sua glória.

O Evangelho nos relata o cenário que Maria e José encontraram na fria noite em Belém. Mais do que hospedarias fechadas para um pobre casal, os corações encontravam-se cerrados no comodismo e no egocentrismo. Quem está fechado em si não se dá conta de que Deus mesmo está a bater à sua porta e que pede espaço e abrigo. Bateu outrora nas hospedarias em Belém e não encontrou lugar. Bate também hoje e não encontra espaço porque estamos atarefados com coisas pretensamente “importantes”. O tempo para Deus parece tornar-se cada vez mais escasso e disputado com o ativismo das tarefas diárias. A ausência de lugar para o Menino foi aprofundada e aludida na sua essência pelo evangelista João ao escrever: “Veio para o que era Seu, e os Seus não O acolheram” (Jo 1, 11).


Peçamos que o Senhor nos conceda um coração aberto a acolhê-Lo. Peçamos que o nome de Deus seja solevado e a salvação entre em nossos lares por meio d’Aquele que hoje pede o nosso amor, a nossa atenção e os nossos cuidados. Faze que reine a Paz como promessa do Teu Reino ao reconhecermos que sem Vós toda paz é utópica e toda ideologia é falha. Que a Tua Luz nos conduza à Belém para também nós adorarmos o mistério que ali se fez alcançar. Amém! 

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Canção pré-natal.


Por Denilson Cardoso de Araújo

Para você que perdeu alguém, o Natal vai doer. Eu sei. Você vai titubear frente à árvore. Incomodar-se com as calçadas entulhadas gritando abomináveis gravações natalinas, gente na febre das compras, engarrafamentos insanos, crianças hipnotizadas e a voz oscilante, ao fundo, dizendo compre tudo, compre ainda e compre mais. Você se movendo, lesma gélida num tronco, viscosa, arrastando cansaços de séculos.

Eu sei. Já fiquei invisível no Natal. Como encarar o campeonato de sorrisos, o amigo oculto, o culto, a cantata, a cantada? Como sobreviver em tempo dourado, com crateras lunares no coração? Alguém te foi arrancado. Por isso a ceia sem gosto, o cheiro de lágrima. A oca alegria à volta, essa espécie de afronta. Ou você vai e se torna iceberg encalhando a noite famosa, ou emigra dentro de si, canto da casa, apertamento de garganta, a ocultar sentimentos molhados que moerão os dezembros de todos os calendários. Como enfrentar, com tal incompletude, a estação anual de encontros?

Escuta. A pior ofensa ao ausente é dele ter só a dor. Isso dá estagnação, água de larva. Alguém precioso assim para você merece melhor invólucro. A memória de quem tivemos ao lado ou em colo, partilhando ombro, comemorando abraços de leme, cravejando no olho o sorriso de lume, essa memória tem mil quilates. Ouro de coroa, merece veludo vermelho, não estopa rasgada.

Eu sei. Terapia da recomposição do ser. Rejeite o irritante Natal de comprismo militante, felicidade crepom, Papai Noel que agrada crianças para expulsar o Menino. Tira de você esse joio, depressão natural de um tempo corrompido. Ponha no centro do drama que te veste o trigo que importa. A manjedoura. O Menino. Que, disse Isaías, nos guiará. Berço pobre, cocho de gado comer. José deu lá tratos de água e vassoura, buscou palha nova, mas ainda é estábulo e cocho, este palácio. Lamentos não há, no abrigo escasso. Sim alegria de glórias, sim cantos, anjos, pastores, reis magos, bezerros curiosos. Tal grandeza não tinha acatado até ver a vaca com a cabeça na janela num culto em pequena igreja mineira. Galáxias de ouro à disposição, e Deus nasce entre bezerros!

Traga a dor e ponha aqui, com o ouro. A saudade, ajeite no incenso. Cuidado com esse vazio, que é tão cristal. Vai bem com a mirra. Olhe em volta. Tantos, que aqui chegam, a cada Natal, evadidos de festas, ultrajados de dores, desabrigados de amores. Aqui estão, humilde comunidade. Os que nada têm. Perderam coisas, casas, tudo. Enterraram amados filhos, amorosas mães, irmãs queridas.

Beira de manjedoura. Lugar de fazer reviver quem se foi. Puxe da memória preciosa, a piada melhor sobre a pessoa amada, os lindos casos, um sorriso, e a lágrima, duas, muitas. Santa combinação, a lágrima que purifica o sorriso que ilumina. Metamorfose da dor de chumbo em alegria dourada aqui permitida. Diga. Senhor, aqui estou, nada tenho. Ele te dará tudo. Esse Menino, que vai ser morto. Antes de vir, Ele sabia. Agora, bebê, não sabe. Terá que aprender. Dura descoberta. Mas pela Graça, Ele vai até o fim, porque você vale a pena.


Manjedoura, cruz, ressurreição - a mensagem do Natal é essa inteireza. Por isso caminho. Por isso homenageio os mortos e curo minhas perdas usando a luz que me deixaram, para lembrar: há vivos que precisam de mim. Assim me segredou o Menino. Por isso caminho. Caminhe. Coragem! Vá preparar o Natal. Escolha boa toalha. Há tempo. Quem se foi, assim gostaria. Gostará.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Totalitarismo de gênero.

(no Brasil e no exterior, ideologia de gênero causa perseguição)

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis

Por ocasião da Jornada Mundial da Juventude Rio 2013, foi distribuída aos jovens uma cartilha intitulada “Keys to Bioethics” (Chaves para a Bioética). Produzida pela Fundação Jéròme Lejeune e traduzida em diversas línguas, ela pretendeu ser um manual de Bioética para jovens, respondendo a questões atuais de maneira direta, objetiva e repleta de ilustrações. Um apêndice de oito páginas foi dedicado a explicar e refutar a “teoria do gênero”. A cartilha explica que, segundo essa ideologia, “a identidade sexual do ser humano depende do ambiente sociocultural e não do sexo – menino ou menina – que caracteriza cada ser humano desde o instante da concepção. [...] A nossa identidade feminina ou masculina teria muito pouco a ver com a realidade do nosso corpo, e de fato nos seria imposta pela sociedade. Sem outra escolha, desde a mais tenra infância cada pessoa interiorizaria o papel que supostamente deve desempenhar na sociedade na condição de mulher ou de homem”. Após a explicação, vem a crítica: “A teoria de gênero subestima a realidade biológica do ser humano. Reducionista, supervaloriza a construção sociocultural da identidade sexual, opondo-a à natureza”.

Cena que causa revolta aos ideólogos de gênero.
Exemplares da cartilha que sobraram da JMJ 2013 foram distribuídos em março de 2014 aos professores que participaram do X Fórum de Ensino Religioso, promovido pela Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro. Ora, esse material incomodou o grupo de pesquisa “Ilè Obà Òyó”, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). A coordenadora do grupo, professora Maristela Gomes de Souza Guedes (autodenominada Stela Guedes Caputo) noticiou o fato ao Ministério Público do Rio de Janeiro, dizendo que as páginas da cartilha são “recheadas de conservadorismo, homofobia e discriminação contra a mulher, com ilustrações perversas e debochadas[1]. A promotora Renata Scharfstein, da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção à Educação da Capital, após a abertura de um inquérito civil, determinou que a Secretaria de Educação recolhesse as cartilhas distribuídas no Fórum por considerar seu conteúdo “discriminatório (homofóbico e machista)”, além de vinculado a religiões (!). Determinou ainda a realização de campanhas em toda a rede estadual sobre a necessidade do “respeito a todos os modelos familiares [sic] e orientações sexuais [sic] existentes na sociedade, bem como a fim de neutralizar qualquer conteúdo eminentemente religioso [sic] divulgado na (s) cartilha (s)”, em especial aquele que repudia “o conteúdo descrito como teoria do gênero[2]. A decisão da promotora surpreendeu a própria denunciante Stela Caputo, que a considerou “inédita e histórica”. Espantosa foi a subserviência da Secretaria de Educação, que, sem questionar o abuso de poder do Ministério Público, informou que já havia providenciado o recolhimento das cartilhas e comprometeu-se a não mais realizar fóruns de ensino religioso[3].

Ora, o Ministério Público deve agir como fiscal da lei, e não como partidário de uma ideologia. Muito menos de uma ideologia que, desprezando a base biológica da natureza humana, pretende legitimar os mais aberrantes comportamentos sexuais, desde o homossexualismo até o incesto e a pedofilia.

Ao agir desse modo, o Ministério Público abriu um perigoso precedente. Se a cartilha sobre Bioética foi condenada por opor-se à ideologia de gênero, de modo análogo poderia ser condenado o uso da Bíblia, que usa palavras muito duras para qualificar o homossexualismo: “abominação” (Lv 18,22; 20,13), “paixões aviltantes”, “relações contra a natureza”, “torpezas”, “aberração” (cf. Rm 1,26-27).

Note-se que essa arbitrariedade do Ministério Público foi cometida sem que esteja em vigor qualquer lei federal que considere crime a oposição ao homossexualismo. Imagine-se qual será a intensidade da perseguição da ideologia de gênero se uma lei “anti-homofobia” for aprovada, como tanto deseja nosso governo do PT.

Enquanto isso, na Alemanha...

[matéria do jornalista Leone Grotti transcrita da revista italiana on line Tempi.it de 13/11/2014][4]

Em 24 de outubro [de 2014], um oficial da polícia apresentou-se à porta da família Martens em Eslohe, pequeno município da Renânia Setentrional, Vestfalia, na Alemanha. Enquanto abria a porta, Eugen já sabia a finalidade daquela visita: a prisão da esposa e mãe dos seus nove filhos Luise. Sabia tudo de antemão porque pelo mesmo motivo ele próprio já tinha sido preso em 8 de agosto de 2013.

Ideologia de gênero tenta impor à criança
que seu gênero é escolha pessoal e não uma definição natural.
O que fizeram de tão grave os dois cônjuges de 37 anos de modo a merecerem a prisão? Não mataram, não roubaram nem causaram dano a ninguém. Sua única culpa é a de serem pai e mãe de uma menina que se recusou a participar duas vezes das aulas de educação sexual previstas pelas escolas primárias. No ano passado Luise não foi levada à prisão com o marido porque estava grávida. Neste ano, o oficial da polícia não a “levou à força como deveria” porque está ainda amamentando o último filho. “Infelizmente, porém, não termina aqui. A procuradoria fará aplicar a decisão do juiz”, afirma o policial...

“Muitíssimas famílias estão nessa mesma situação do casal Martens na Alemanha, declara a tempi.it Matias Ebert, casado, com quatro filhos, que depois de tomar conhecimento da história dos Martens, decidiu fundar em Colônia a associação “Besorgte Eltern” (“Pais preocupados”). O movimento já organizou diversas manifestações na Alemanha com milhares de participantes a fim de que “se discuta publicamente esse escândalo gigantesco e se impeça a corrupção de nossos filhos”, que a partir de seis anos devem participar de cursos de educação sexual onde se propugna a ideologia de gênero.

Por que se uma menina falta a duas oras de aula os pais são colocados na prisão?

Na Alemanha a escola é obrigatória e se uma criança falta às lições, a escola tem a faculdade de denunciar os pais e o tribunal pode multar a família. Os cônjuges Martens por isso receberam uma multa de cerca de 30 euros. Isso é absurdo porque a filha abandonou a aula por sua própria iniciativa.

A família não podia pagar e pronto?

Não, porque é uma questão de princípio. O que irrita é que o tribunal use dois pesos e duas medidas. Algumas crianças não vão à escola por meses e nada acontece com os pais. Mas quando uma menina falta duas horas de educação sexual, a família é prontamente denunciada. [...]

Por que a menina não queria participar dos cursos de educação sexual?

Porque o conteúdo das lições é perverso. Não só se mostra às crianças como funciona o sexo dos homens e das mulheres, mas se lhes põe diante de uma “variedade” de práticas sexuais: sexo oral, sexo anal e muitos outros.

Diz-se também às crianças, desde a escola primária, que o seu gênero não é determinado e que não podem saber se são meninos ou meninas, que devem refletir sobre isso. Isso para mim se chama manipulação dos pequeninos.

Há outros casos além do da família Martens?

Certamente. Não conheço o número exato dos pais presos, mas só o pequeno grupo de pais da cidade de Paderborn (150 mil habitantes) passou ao todo nos últimos anos 210 dias na prisão. É um escândalo gigantesco também porque são as próprias crianças que querem sair da aula. Na cidade de Borken, por exemplo, em uma classe a lição perturbou tanto as crianças que seis delas desmaiaram.

[fim da transcrição]

Anápolis, 12 de dezembro de 2014.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis




sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

A extrema-unção.


Por Paul Medeiros Krause

Uma simpática amiga, cujo esposo também é meu amigo, pediu-me certa vez que eu escrevesse sobre a unção dos enfermos, este sacramento terrível outrora chamado de extrema-unção. (Foi o Concílio Vaticano II, nos números 73-75 da Constituição 'Sacrosanctum Concilium', que ordenou a troca do nome). Parece-me que o momento é oportuno para falar dele, pois o mês de novembro, o último do ano litúrgico, além de mês dos mortos, dos finados, é dedicado à meditação dos novíssimos, isto é, dos últimos acontecimentos da vida do homem: morte, juízo, céu, inferno e purgatório. Comecei a redigir este texto em novembro.

Toda vez que eu saibo de alguém das minhas relações que fica gravemente enfermo, a primeira coisa que me ocorre é indagar se tal pessoa recebeu a unção dos enfermos. Pode ser que às vezes eu cometa uma indiscrição. Em algumas ocasiões, os parentes próximos do enfermo assustam-se, como se tal indagação equivalesse a uma sentença de morte para o doente. É como se eu dissesse: “Coitado, esse aí vai vestir o paletó de madeira!”, “Esse aí já era!”, “Vai bater a cachuleta!”, “Finou-se!”.

Ainda não fui capaz de vencer a falta de habilidade com as palavras e com as pessoas, mas tenho pelo menos dois argumentos em minha defesa, que, se não me absolvem, pelo menos me atenuam a culpa: o primeiro é que a unção dos enfermos não se destina apenas aos que vão morrer, mas tem finalidade curativa, destina-se a curar, ainda que precipuamente a alma. Diz São Tiago no final da sua epístola (Tg 5,14-15): “Alguém dentre vós está doente? Mande chamar os presbíteros da Igreja, para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o aliviará; e, se tiver cometido pecados, estes lhe serão perdoados.” (Pois bem. Embora o católico não viva apenas da Bíblia, mas da Bíblia, da Tradição e do Magistério, o sacramento de que nos ocupamos tem base bíblica, embora não exclusivamente. A Tradição e o Magistério também o consagram). O segundo é este: com a salvação eterna não se brinca; não podemos deixar que uma pessoa se perca por respeito humano.

O Código de Direito Canônico também vem em meu socorro. No cânon 1001 ele diz:

"Cân. 1001. Cuidem os pastores de almas e os parentes dos enfermos que estes sejam confortados em tempo oportuno com esse sacramento".

Já falei disso uma outra vez: a estranha capacidade do homem de nossos dias de esquecer o mais importante, de relegar o essencial ao segundo plano, deixa-me perplexo. A hora da morte não é para brincadeiras. Ninguém vai se preocupar com sujar ou estragar um terno, atrapalhar o penteado, perder a pose ou a compostura, se o que estiver em jogo for uma vida humana, se uma pessoa estiver morrendo na sua frente e um ato seu puder salvá-la. Ocorre que aqui estamos diante de algo muito mais grave do que a mera morte física ou biológica: a morte espiritual, o inferno eterno, sofrimentos insuportáveis a que nenhuma outra morte porá fim.

A ideia que faço do inferno é a seguinte: é a de um desespero insuportável, de uma dor talvez até mais moral, espiritual, do que física, pior que a de um suicida, com o agravante de que não há morte que possa interrompê-la, não há remédio para esse mal. Digo isso porque o desespero de um suicida é o pior sofrimento que eu consigo imaginar sobre a face da terra.

Um padre sábio uma vez me disse ter notícia de muitos casos de moribundos que parecem estar justamente esperando a unção dos enfermos para morrer. Eles sobrevivem miraculosamente, ou quase isso, até a chegada do sacerdote. Recebida a unção, eles entregam a alma a Deus. Observemos que a unção dos enfermos, como atesta São Tiago, perdoa os pecados. Além disso, conforta e revigora a alma, fortalece-a no combate da doença e das tentações. Talvez esses moribundos não se salvassem se não tivessem recebido o sacramento.

Santa Faustina, em seu "Diário", demonstra-nos que a hora da agonia é uma hora tremenda, é uma hora grave e decisiva, em que os demônios tentam-nos com especial força. Não deve ser por qualquer motivo ocioso que nas Ave-Marias pedimos a intercessão de Nossa Senhora para a hora da nossa morte. Santa Faustina tinha muita compaixão pelos agonizantes.

Estabelece, a respeito da unção, o Código de Direito Canônico:

"Cân. 1004 - § 1. A unção dos enfermos pode ser administrada ao fiel que, tendo atingido o uso da razão, começa a estar em perigo por motivo de doença ou velhice.

§ 2. Pode-se repetir este sacramento se o doente, depois de ter convalescido, recair em doença grave, ou durante a mesma enfermidade, se o perigo se agravar.

Cân. 1005 - Na dúvida se o doente já atingiu o uso da razão [normalmente se considera a idade de sete anos], se está perigosamente doente, ou se já está morto, administre-se o sacramento.

Cân. 1006 - Administre-se este sacramento aos doentes que ao menos implicitamente o pediram quando estavam no uso de suas faculdades.

Cân. 1007 - Não se administre a unção dos enfermos aos que perseverarem obstinadamente em pecado grave manifesto."

O Papa Paulo VI, na sua Constituição Apostólica sobre o Sacramento da Unção dos Enfermos, de 30 de novembro de 1972, esclarece que a referida unção é atestada na tradição da Igreja, sobretudo em sua liturgia, pelos mais antigos testemunhos, tanto no Oriente como no Ocidente.

O mesmo Paulo VI aprovou o Rito da Unção dos Enfermos e sua Assistência Pastoral, promulgado por Decreto da Sagrada Congregação para o Culto Divino de 7 de dezembro de 1972.

El niño enfermo de Arturo Michelena
É importante frisar que antes de uma operação cirúrgica pode ser dada ao enfermo a unção sagrada sempre que uma doença grave seja a causa da intervenção. A velhice também, desde que comece a oferecer perigo de morte, é motivo para a unção dos enfermos. O tempo oportuno do sacramento, pois, é o momento em que começa o perigo de morte. Não é necessário que esta seja iminente, que o enfermo esteja à beira da morte. Basta a probabilidade, não se exigindo que seja mais provável que morra do que sobreviva.

Do referido ritual de 7 de dezembro de 1972, extrai-se:

"Para atender mais facilmente aos casos particulares, em que os fiéis, por doença repentina ou qualquer outro motivo, se vejam de repente em perigo de morte, recorra-se ao Rito Contínuo, pelo qual o enfermo recebe sucessivamente os sacramentos da Penitência, da Unção e da Eucaristia sob forma de viático.

Porém, se há perigo de morte iminente e não houver tempo para ministrar todos os sacramentos do modo que foi estabelecido, dê-se primeiro ao doente a oportunidade de uma confissão sacramental, ainda que realizada genericamente em caso de necessidade; em seguida seja-lhe dado o viático, que todos os fiéis em perigo de morte têm a obrigação de receber. Finalmente, se ainda houver tempo, seja-lhe ministrada a Sagrada Unção.

Se, por motivo de enfermidade, não puder receber a sagrada comunhão, seja-lhe conferida a Unção dos Enfermos."

Recorde-se que a unção dos enfermos perdoa os pecados, se o enfermo não estiver em condições de obter tal perdão pelo sacramento da Penitência, como esclarece o Catecismo da Igreja Católica. Se o enfermo estiver lúcido e em condições de confessar-se, deve fazê-lo, dispondo-se bem para receber a unção, sobretudo se estiver em pecado mortal. Como esclarece o Padre Paulo Ricardo, o perdão dos pecados na unção dos enfermos é efeito secundário. Ele é efeito primário de outro sacramento: a confissão.

Acrescente-se, ainda, que o sacerdote, ao administrar os sacramentos ao fiel em perigo de morte (se possível, a confissão, a unção e a Eucaristia ou "viático"), pode conceder-lhe a bênção apostólica com a indulgência plenária (em artigo de morte), mesmo que tal fiel já tenha recebido outra indulgência plenária no mesmo dia. Trata-se de uma exceção.

Sobre isso, a norma 18 da Constituição Apostólica sobre a Doutrina das Indulgências do Papa Paulo VI, de 1.º de janeiro de 1967, complementa:

"N. 18. No caso da impossibilidade de haver um padre para administrar a um fiel em perigo de morte os sacramentos e a bênção apostólica com a indulgência plenária a ela ligada, de que se trata no cân. 468, parágrafo 2, do CDC [trata-se do Código de Direito Canônico anterior], concede benignamente nossa piedosa Mãe Igreja a esse fiel bem disposto a indulgência plenária a lucrar em artigo de morte, com a condição de ter ele durante a vida habitualmente recitado algumas orações. Para aquisição dessa indulgência é louvável empregar um crucifixo ou uma cruz. Essa mesma indulgência plenária em artigo de morte pode ser ganha por um fiel, ainda que ele já tenha no mesmo dia ganho outra indulgência plenária."


Por tudo isso, meus amigos, não negligenciemos o tesouro espiritual que a Igreja, Mãe solícita e mestra, põe em nossas mãos.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Nossa Senhora do Ó.


Por Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

N. Senhora do Ó
Ontem começamos a Novena de preparação para o Santo Natal. Nas Vésperas dos dias que antecedem a grande festa natalina, cantam-se as belíssimas antífonas latinas que começam com a exclamação de desejo “Ó!”: Ó Sabedoria, Ó Adonai, Ó Raiz de Jessé, Ó Chave de Davi, Ó Oriente, Ó Rei das Nações, Ó Emanuel, palavras das antigas profecias bíblicas, referentes ao Salvador cujo nascimento celebraremos no Natal.

O modelo para nós de expectativa do Messias é a sua Mãe, Maria Santíssima. Por causa dessas antífonas da expectação, o povo deu a ela o título de Nossa Senhora do Ó. É uma devoção muito antiga, surgida na Espanha e em Portugal. Aqui no Brasil, em São Paulo, temos a “Freguesia (paróquia) do Ó”, bairro, onde se encontra a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Expectação do Ó, cuja construção começou em 1610.

A devoção a Nossa Senhora é inata no povo católico. Enquanto os teólogos, durante séculos, discutiam a base teológica da Imaculada Conceição da Virgem Maria – o dogma de fé só foi proclamado por Pio IX no dia 8 de dezembro de 1864 -, o povo católico já a cultuava por toda a parte. Desde os primeiros séculos, os cristãos já honravam essa prerrogativa de Maria. No século VIII, o culto foi autorizado nas igrejas. A partir do século XII, espalhou-se a celebração dessa festa. Clemente XI, em 1708, a elevou a festa de preceito. A imagem de Nossa Senhora da Conceição da Praia, na Basílica do mesmo nome em Salvador BA, foi trazida por Tomé de Souza e a primeira capela em seu louvor, foi construída a mando do então governador.

N. Sra de Guadalupe
Celebramos dia 12 Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira da América Latina. Sob diversos nomes, Maria Santíssima é patrona de muitos países do Novo Mundo, e sua devoção está no coração de todos. O Documento de Aparecida exalta “o papel tão nobre e orientador que a religiosidade popular desempenha, especialmente a devoção mariana, que contribuiu para nos tornar mais conscientes de nossa comum condição de filhos de Deus” (37). Mas, reconhece que “no entanto, devemos admitir que essa preciosa tradição começa a diluir-se... Nossas tradições culturais já não se transmitem de uma geração à outra...” (39). “Observamos que o crescimento percentual da Igreja não segue o mesmo ritmo que o crescimento populacional... Verificamos, deste modo, uma mentalidade relativista no ético e no religioso.... Nas últimas décadas vemos com preocupação, que numerosas pessoas perdem o sentido transcendental de suas vidas e abandonam as práticas religiosas...”. “Tal como manifestou o Santo Padre no Discurso Inaugural de nossa Conferência: ‘Percebe-se certo enfraquecimento da vida cristã no conjunto da sociedade e da própria pertença à Igreja Católica’.” (100).


Rezemos mais, pois estamos em “um novo período da história, caracterizado pela desordem generalizada..., pela difusão de uma cultura distante e hostil à tradição cristã e pela emergência de variadas ofertas religiosas que tratam de responder, à sua maneira, muitas vezes errônea, à sede de Deus que nossos povos manifestam” (DocAp 10).

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A perfeição cristã a partir da vida espiritual. (Parte 1)


Autor Ivanildo Oliveira
Revisor Igson Mendes da Silva

Estarei repassando de forma dinâmica (Perguntas e Respostas) uma síntese a respeito da obra de Santiago Judermans que nos mostra a respeito do tema proposto de modo simples e objetivo, contribuindo em alguns momentos oportunos para o melhor entendimento do leitor de maneira que, cada um possa tomar tais conhecimentos para si e posteriormente ao seu exercícios também multiplicá-los.

O que é Ascética?

É a ciência da vida espiritual que ensina a chegar ao pleno desenvolvimento da vida espiritual, é a ciência que trata da vida cristã. É eminentemente a prática que ensina o exercício e a prática das virtudes.

O que é Vida Espiritual?

Significa vida sobrenatural, distinta da vida natural e superior a ela. É infundida na alma pelo Batismo.

Desta forma o batismo também ganha o âmbito de renascimento, ou seja, infundi no ser humano uma participação na vida divina da Trindade.

Não basta a vida natural?

Para santifica-se e, consequentemente, salvar-se não basta a vida natural, porque a salvação e santificação são obras superiores às forças naturais dos homens. A vida sobrenatural é chamada de vida da graça, alcança o completo e o definitivo desenvolvimento na glória do céu.

Fazendo uma analogia podemos dizer que a vida da graça tem para salvação eterna a mesma função das sementes para as plantas.

Que é Graça Santificante?

É um dom sobrenatural e gratuito que o Espírito Santo Infunde nas Almas, para fazer-nos justos e santos, filhos de Deus e herdeiros da glória celeste. É um dom divino que compenetra e santifica a alma, apagando a mancha do pecado e comunicando uma dignidade sobre-humana.

Como se reconhece a vida da Graça na Alma?

Por meio das virtudes infusas, especialmente a fé, a esperança e a caridade. A graça santificante eleva as virtudes naturais, fazendo que se tornem sobrenaturais e meritórias para vida eterna.

Em que consiste a Perfeição Cristã?

Consiste no pleno desenvolvimento da vida espiritual, isto é no desenvolvimento das virtudes infusas, e em sua prática constante e fervorosa.

Por que devemos buscar a Perfeição?

Pela grandeza e beleza desta missão, que é a maior e mais excelsa de todas que o homem pode realizar; Também por causa da consoladora segurança da salvação; E principalmente por causa do amor a Deus.

Quais os principais meios de Perfeição?

Segundo os grandes mestres espirituais: vontade e decisão, direção espiritual, oração, meditação, leitura espiritual, exercício da presença de Deus, exame de consciência, frequência dos sacramentos.

Quais são os graus de Perfeição?

Santo Tomás de Aquino compara a vida espiritual com na vida natural, como na vida natural há três idades: infância juventude e maturidade, assim também há três idades na vida espiritual: via purgativa, via iluminativa e via unitiva.

No primeiro Grau, via Purgativa, a alma ainda se encontra dividida entre Deus e os falsos atrativos; as paixões são vivas e impetuosas; a prática da virtude é penosa. A principal tarefa neste estágio é remover os obstáculos da caridade, que são as paixões desordenadas. Mortificando as paixões, se purifica o coração.

No segundo grau, via iluminativa, as paixões já estão mais acalmadas e submetidas ao império da razão, as virtudes são praticadas com mais facilidade, o perigo de cair em pecado mortal é menor e mesmo o pecado venial é evitado com mais frequência. A alma se encontra mais iluminada a respeito de Deus e dos deveres cristãos.

No terceiro graus, via unitiva, é o estágio dos perfeitos, as paixões estão dominadas deixando de ser obstáculo para prática da caridade. Praticam-se as virtudes todas com facilidade notável. Os pecados são evitados e busca-se eliminar-se as menores imperfeições. A união com Deus se torna cada vez mais intensa e contínua.

Estaremos trabalhando para lançar o próximo volume o mais breve possível, dando continuidade a esta obra magnífica que contrasta com nossas necessidades espirituais de forma tão simples e objetiva.


Fonte: JUDERMANS, Santiago. Catecismo da Perfeição Cristã. Editora: Ecclesiae, Campinas 2010

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Universidade para quem?


Por Carlos Ramalhete

Em 1919 meu avô fez vestibular, com exames orais e escritos. Dentre outras, havia prova oral de latim. Em 2001, um analfabeto passou em nono lugar no vestibular. No princípio do século passado, havia faculdades de Filosofia, Direito, Medicina e Engenharia. Ano passado, vi cartazes anunciando uma faculdade de “visagismo e estética capilar” (sim, senhoras e senhores, faculdade de cabeleireiro!).

Alguma coisa está errada. Não adianta tentar tapar o sol com uma peneira: algo está muito errado. Perdeu-se, na verdade, o sentido da expressão “ensino superior”. O ensino superior, como o nome indica, deveria ser de nível mais elevado. Em termos de ensino, um nível mais elevado significa algo mais árduo, mais complexo, mais aprofundado. Peço perdão aos cabeleireiros, visagistas e esteticistas capilares, mas dificilmente se poderia argumentar que “escova japonesa” é matéria para curso superior.

Por mais que doa ao igualitarismo feroz que hoje domina a sociedade, é necessário reconhecer que o ensino superior deve forçosamente ser restrito para que continue sendo superior. Não falo de restrições financeiras, mas de uma restrição natural: a intelectual. Há quem tenha capacidade intelectual para estudos superiores, e há quem não a tenha. Pessoas péssimas podem tê-la, e pessoas maravilhosas podem não a ter; não há nisso nenhum mérito próprio.

Quando, contudo, um contra-senso tão absoluto quanto “universidade para todos” se torna projeto de governo, vale temer que o próximo projeto seja engravidar todos os homens ou fazer salada de todas as plantas. É tão possível ter-se uma universidade que realmente seja um local de ensino superior e ao mesmo tempo tenha “todos” como alunos quanto prometer a gravidez ou a palatabilidade universais.

Há pessoas que têm fortíssimos talentos naturais, sem que tenham a capacidade intelectual ou o interesse necessários para passar por um verdadeiro ensino superior. Conheço vendedores que ficariam ricos com uma loja de cortadores de grama no deserto do Saara, mas penaram enormemente enquanto confinados aos bancos escolares e simplesmente não têm interesse algum pela leitura. Eu, por outro lado, iria à falência vendendo cerveja gelada e água mineral no mesmo deserto, mas preciso me conter para não gastar todo o meu parco salário em livros. Isso não me faz melhor nem pior que o bom vendedor; seria contudo impossível ignorar que somos diferentes.

Para que uma sociedade seja saudável,
é preciso que haja pessoas diferentes
Para que uma sociedade seja saudável, é necessário que haja pessoas diferentes: bons vendedores, bons carpinteiros, bons pedreiros, bons agricultores e bons estudiosos. Uma política educacional sensata não pode nem querer fazer universitários de todos nem, como se tentou fazer no Camboja, transformar toda a população em agricultores. O que se pode obter com este tipo de política é simplesmente o fim do ensino superior ou da agricultura. No Camboja houve fome generalizada; no Brasil temos a mais triste indigência intelectual.

Como parte do mesmo projeto de massificação da faculdade, foram para escanteio os cursos técnicos, da escola normal aos cursos de metalurgia, química e outras disciplinas, que levaram ao crescimento do país na segunda metade do século passado. Hoje não vale mais a pena fazer um curso técnico: às disciplinas especificamente técnicas tornou-se obrigatório somar todas as disciplinas do Ensino Médio, fazendo com que os cursos técnicos demorem um tempo enorme, valendo mais a pena – justamente! – fazer um curso dito superior.

O resultado é que pessoas talentosas, que seriam excelentes técnicos, artesãos, pedreiros, professoras do ensino fundamental ou vendedores, são mantidos afastados do mercado de trabalho por anos, ocupando vagas do ensino superior. Ao mesmo tempo, as disciplinas do ensino superior são empobrecidas e niveladas por baixo, para que a imensa multidão de pessoas que não deveriam estar lá tenha capacidade de entendê-las. As faculdades de Direito formam hoje técnicos em legislação positiva, que sabem direitinho qual é o artigo do Código que se aplica a tal situação sem que sejam capazes de dizer o que é o Direito, de dissertar sobre o conceito de justiça ou, sequer, de passar na prova da OAB. Ao mesmo tempo, o diploma do IME, do ITA ou de outras instituições que ainda se podem dizer de ensino superior não é mais nem menos “diploma universitário” que o obtido pelo graduado em moda, dança, “visagismo e estética capilar” ou reforma de móveis.


Se quiserem que eu engravide, ao menos já sou barrigudinho. Só tenho medo da salada de comigo-ninguém-pode.