domingo, 11 de maio de 2014

O censo do IBGE e a Igreja Católica.


Ivanaldo Santos (ivanaldosantos@yahoo.com.br)

Nos últimos dias do mês de junho de 2011 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão do governo federal brasileiro responsável em fazer levantamentos estatísticos da vida sociocultural do Brasil, revelou alguns dados do censo realizado em 2010. Entre esses dados encontram-se os dados referentes à vida religiosa do brasileiro. Vale salientar que as informações colhidas pelo IBGE referem-se apenas a filiação religiosa e não se os cidadãos possuem, ou não, uma vida mística e se seguem realmente alguma doutrina religiosa.

Apenar desse fato, alguns dados fornecidos pelo IBGE são surpreendentes. Por exemplo, o número de cidadãos que se dizem católicos caiu drasticamente. Há quarenta anos quase toda a população brasileira era católica, agora um pouco mais 60%, ou seja, praticamente 50 milhões de pessoas deixaram a Igreja em menos de quatro décadas. É preciso observar, por exemplo, que Portugal, dados fornecidos pelo governo português, tinha, em 2000, uma população de um pouco mais de dez milhões de habitantes. Fazendo uma comparação é como se a Igreja Católica tivesse perdido, em apenas quatro décadas, o equivalente a cinco vezes a população de Portugal.

Além dos dados sobre o número de católicos no Brasil, o IBGE demonstrou que houve, nos últimos dez anos, um pequeno crescimento do número de protestantes e um significativo crescimento dos cidadãos Sem Religião (SR) e de membros de Outras Religiões (OR), como, por exemplo, muçulmanos, religiões orientais e coisas semelhantes.

Não se trata de ficar fazendo questionamentos sobre as informações prestadas pelo IBGE serem verdadeiras ou falsas. No entanto, é preciso, diante dos números apresentados, fazer três reflexões.

Segundo IBGE crescem religiões orientais no Brasil.
A primeira reflexão é que houve por parte de membros da hierarquia católica no Brasil alguns questionamentos sobre o censo do IBGE. Entre esses questionamentos citam-se, por exemplo, o fato de a pergunta, feita pelo censo, sobre a filiação religiosa católica ser ambígua ou duvidosa. A pergunta realizada pelo IBGE colocava várias opções para o cidadão, como se existissem diversas “igrejas” católicas e não apenas uma. A pergunta confundia filiação religiosa com algum rito litúrgico (rito latino, rito grego melquita, rito de São Pio V etc.) ou então filiação com algum movimento pastoral (movimento carismático, movimento de casais etc.). Muita gente pensa que essa confusão, feita pelo IBGE, foi feita de propósito para “forçar” a diminuição do número de católicos no Brasil. É público e notório que a Igreja Católica ainda é uma das maiores forças políticas do país e se o número estatísticos dos católicos diminuíssem, mesmo que fosse apenas por uma “erro” do IBGE, esse fato agradaria a muitos segmentos políticos, como, por exemplo, grupos pró-aborto, pró-casamento gay e semelhantes.

A segundo reflexão é que o Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS), um órgão ligado a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), lançou no mês de junho, portanto, no mesmo período da divulgação dos dados do IBGE, os dados oficiais do censo anual da Igreja Católica no Brasil. Esses dados apresentam uma Igreja bem viva, com grande crescimento da vida liturgia, da presença dos fiéis nos movimentos pastorais e nas paróquias. Houve nos últimos anos um grande crescimento do número de seminaristas, de ordenações de padres, da vida religiosa masculina e feminina, da criação de paróquias e coisas semelhantes. Em certos aspectos, os dados apresentados pelo CERIS entram em choque com os dados apresentados pelo IBGE. O CERIS apresenta uma Igreja viva e em crescimento, já o IBGE apresenta, a mesma Igreja, em decadência e com grande perda de fiéis. Quem está certo? O CERIS ou o IBGE?

Crescem a vida litúrgica e o movimento espiritual católico.
Esses questionamentos abrem espaço para a terceira e mais importante reflexão, ou seja, o papel evangelizador da Igreja no Brasil nas últimas quatro décadas. De um lado, não se pode negar o crescimento dos movimentos espirituais católicos. A consequência desse crescimento é o aumento das vocações sacerdotais, da vida religiosa, do aumento das novas comunidades e outras coisas. Todo esse amplo movimento é retratado no censo realizado pelos CERIS. Do outro lado, não se pode negar que milhões e milhões de brasileiros deixaram as fileiras do catolicismo nas últimas décadas. São cidadãos que ou eram católicos apenas por nominação, conhecidos justamente como “católicos do IBGE”, ou não tinham uma sólida formação doutrinária ou, pior ainda, não encontraram dentro da estrutura eclesial, onde estavam inseridos, uma sólida formação espiritual e doutrinal. Seja como for, a verdade é que a Igreja Católica no Brasil perdeu grande parte do seu rebanho e, entre outras coisas, o Brasil pode perder o “título” de maior país católico do mundo.

São muitos os fatores que conduzem a essa realidade. Entre esses fatores é possível citar, por exemplo, o secularismo, a programação neopagã apresentada pela grande mídia, o discurso antirreligioso presente nas universidades e a pregação fácil de muitas igrejas protestantes, conhecida como teologia da prosperidade, que fala abertamente que se o cidadão mudar de religião vai ganhar dinheiro, ter cartão de crédito, carro novo e muitos outros objetos de consumo.

Todos esses fatores são parte da verdade. No entanto, tem uma parte da verdade que não está sendo lembrada. Essa parte é justamente a culpa da própria estrutura católica, no Brasil, ser responsável pelo fenômeno da grande perda de fiéis vividos pela Igreja.

Não é nenhuma novidade que, no Brasil, desde o final da década de 1960, passando pelo período da década de 1970 até meados da década de 1990, a Igreja deixou, um tanto quanto de lado, a missão, dada pelo próprio Senhor Jesus Cristo, de Evangelizar. Essa missão é sintetizada pelo mandado de Cristo: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Marcos 18, 15). Por causa dessa missão o Apóstolo Paulo afirma que "porque, se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois me é imposta essa obrigação; e ai de mim, se não anunciar o evangelho!" (I Coríntios 9, 16) e, por isso, conclui que o "viver é Cristo, e o morrer é lucro." (Filipenses 1, 21).

O problema é que no Brasil a Igreja, no último quarto do século XX, resolveu adotar uma postura moderna, progressista e que chegou ao ponto de se autointitular de libertadora. Era uma Igreja que não pregava o evangelho, que só falava em social, que pregou e, até mesmo, engajou-se na luta política, especialmente na luta dos partidos políticos de esquerda. Uma Igreja que dizia que o pecado era apenas social, que, de certa forma, o Reino de Deus é comida e bebida e, com isso, quase negou a pregação bíblia que afirma que o "reino de Deus não é comida nem bebida" (Romanos 14, 17). Era uma Igreja que participava de invasões de terras e de empresas públicas, de greves e de piquetes em frente de fábricas. No entanto, essa mesma Igreja, tão moderna e libertadora, não usava hábito religioso, não ouvia confissões, não orientava espiritualmente os fiéis. Era, em síntese, uma Igreja que não cumpria sua missão, ou seja, de evangelizar. Era uma Igreja próxima, até de mais, do mundo, do secularismo, das reivindicações sociais. É claro que a Igreja deve dialogar com o mundo, com o secularismo e com as lutas sociais. Muitas dessas lutas são justas e encontram fundamento no Evangelho. Entretanto, a grande missão da igreja é a pregação do Evangelho e, por conseguinte, a santificação das almas. Sem isso não existe libertação política e social.

A consequência dessa postura pastoral da Igreja no Brasil, muitas vezes chamada de “opção preferencial”, é o que o teólogo Clodovis Boff (irmão de Leonardo Boff) classifica, no artigo Teologia da Libertação e a volta aos fundamentos, publicado na Revista Eclesiástica Brasileira, um dos porta-vozes, no Brasil, da Igreja progressista, moderna e libertadora. Segundo ele, isso aconteceu porque no Brasil se tentou transformar a Igreja em uma simples organização de caridade social, um braço instrumentalizado do movimento social. Esse grave equívoco conduziu a Igreja a ficar destituída de suas funções missionárias e do anúncio da Verdade Salvadora. Por sua vez, os fiéis ficaram perdidos, sem direção e orientação espiritual, muitas vezes sendo obrigados a recorrem a ajuda das seitas protestantes e de religiões neopagãs, a sociedade e principalmente os pobres deixam de ser assistidos pelos organismos da Igreja ligados a doutrina social católica.

Diante de um quadro tão problemático e tão desestimulador, apresentado por Clodovis Boff, não admira que milhões e milhões de brasileiros tenham deixado as fileiras do catolicismo e entrado em diversos outros segmentos religiosos, como, por exemplo, as igrejas protestantes, o espiritismo, as religiões neopagãs e até mesmo no indiferentismo religioso e em alguma forma de ateísmo.

Para usar um ditado popular é como se, no Brasil, a Igreja Católica não tivesse “feito o dever de casa”. Nas últimas décadas a Igreja fez um nobre trabalho social, o qual deve ser reconhecido e até mesmo elogiado. No entanto, quase não cumpriu sua missão específica, para a qual foi instituída pelo próprio Jesus Cristo, ou seja, pregar o Evangelho e santificar as almas.  Se a Igreja tivesse feito a denúncia social e, com isso, transformado as estruturas injustas da sociedade e, ao mesmo tempo, pregado o Evangelho e santificado as almas, é possível que ela tivesse até perdido alguns fiéis. Afinal até mesmo Cristo foi abandonado e renegado. No entanto, a perda de fiéis, a grande sangria, seria bem menor. Faltou a Igreja no Brasil ser autenticamente católica.

Por fim, é preciso observar que a grande missão da Igreja é o anúncio do Evangelho. Justamente o Evangelho que está acima de todas as ideologias e doutrinas políticas e sociais. O Evangelho que santifica, que obriga a mudança de vida, que une o fiel a Cristo, o Salvador, que transforma o mundo e a sociedade. A opção preferencial da Igreja tem que ser sempre por Jesus Cristo e pelo Evangelho. Foi essa opção que fez a Igreja completar 2.000 anos de existência. É por essa opção que temos que viver e morrer.

Bibliografia Consultada:

BOFF, Clodovis. Teologia da Libertação e a volta aos fundamentos. In: Revista Eclesiástica Brasileira, v. 67, n. 28, outubro de 2007, p. 1001-1022.

PAPA BENTO XVI. Discurso do Papa Bento XVI aos prelados da Conferência Episcopal dos Bispos do Brasil dos Regionais Sul 3 e Sul 4
em visita «Ad Limina Apostolorum» em 05 de dezembro de 2009, n. 3. In: Repórter de Cristo. Disponível em http://reporterdecristo.com/papa-condena-outra-vez-a-teologia-da-libertacao. Acessado em 26/03/2012.

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