Ivanaldo Santos (ivanaldosantos@yahoo.com.br)
Nos últimos dias do mês de junho de
2011 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão do governo
federal brasileiro responsável em fazer levantamentos estatísticos da vida
sociocultural do Brasil, revelou alguns dados do censo realizado em 2010. Entre
esses dados encontram-se os dados referentes à vida religiosa do brasileiro.
Vale salientar que as informações colhidas pelo IBGE referem-se apenas a
filiação religiosa e não se os cidadãos possuem, ou não, uma vida mística e se seguem
realmente alguma doutrina religiosa.
Apenar desse fato, alguns dados
fornecidos pelo IBGE são surpreendentes. Por exemplo, o número de cidadãos que
se dizem católicos caiu drasticamente. Há quarenta anos quase toda a população
brasileira era católica, agora um pouco mais 60%, ou seja, praticamente 50
milhões de pessoas deixaram a Igreja em menos de quatro décadas. É preciso
observar, por exemplo, que Portugal, dados fornecidos pelo governo português,
tinha, em 2000, uma população de um pouco mais de dez milhões de habitantes.
Fazendo uma comparação é como se a Igreja Católica tivesse perdido, em apenas
quatro décadas, o equivalente a cinco vezes a população de Portugal.
Além dos dados sobre o número de
católicos no Brasil, o IBGE demonstrou que houve, nos últimos dez anos, um
pequeno crescimento do número de protestantes e um significativo crescimento
dos cidadãos Sem Religião (SR) e de membros de Outras Religiões (OR), como, por
exemplo, muçulmanos, religiões orientais e coisas semelhantes.
Não se trata de ficar fazendo
questionamentos sobre as informações prestadas pelo IBGE serem verdadeiras ou
falsas. No entanto, é preciso, diante dos números apresentados, fazer três
reflexões.
Segundo IBGE crescem religiões orientais no Brasil. |
A primeira reflexão é que houve por
parte de membros da hierarquia católica no Brasil alguns questionamentos sobre
o censo do IBGE. Entre esses questionamentos citam-se, por exemplo, o fato de a
pergunta, feita pelo censo, sobre a filiação religiosa católica ser ambígua ou
duvidosa. A pergunta realizada pelo IBGE colocava várias opções para o cidadão,
como se existissem diversas “igrejas” católicas e não apenas uma. A pergunta
confundia filiação religiosa com algum rito litúrgico (rito latino, rito grego
melquita, rito de São Pio V etc.) ou então filiação com algum movimento pastoral
(movimento carismático, movimento de casais etc.). Muita gente pensa que essa
confusão, feita pelo IBGE, foi feita de propósito para “forçar” a diminuição do
número de católicos no Brasil. É público e notório que a Igreja Católica ainda
é uma das maiores forças políticas do país e se o número estatísticos dos
católicos diminuíssem, mesmo que fosse apenas por uma “erro” do IBGE, esse fato
agradaria a muitos segmentos políticos, como, por exemplo, grupos pró-aborto,
pró-casamento gay e semelhantes.
A segundo reflexão é que o Centro de
Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS), um órgão ligado a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), lançou no mês de junho, portanto, no
mesmo período da divulgação dos dados do IBGE, os dados oficiais do censo anual
da Igreja Católica no Brasil. Esses dados apresentam uma Igreja bem viva, com
grande crescimento da vida liturgia, da presença dos fiéis nos movimentos
pastorais e nas paróquias. Houve nos últimos anos um grande crescimento do
número de seminaristas, de ordenações de padres, da vida religiosa masculina e
feminina, da criação de paróquias e coisas semelhantes. Em certos aspectos, os
dados apresentados pelo CERIS entram em choque com os dados apresentados pelo
IBGE. O CERIS apresenta uma Igreja viva e em crescimento, já o IBGE apresenta,
a mesma Igreja, em decadência e com grande perda de fiéis. Quem está certo? O
CERIS ou o IBGE?
Crescem a vida litúrgica e o movimento espiritual católico. |
Esses questionamentos abrem espaço
para a terceira e mais importante reflexão, ou seja, o papel evangelizador da Igreja
no Brasil nas últimas quatro décadas. De um lado, não se pode negar o
crescimento dos movimentos espirituais católicos. A consequência desse
crescimento é o aumento das vocações sacerdotais, da vida religiosa, do aumento
das novas comunidades e outras coisas. Todo esse amplo movimento é retratado no
censo realizado pelos CERIS. Do outro lado, não se pode negar que milhões e
milhões de brasileiros deixaram as fileiras do catolicismo nas últimas décadas.
São cidadãos que ou eram católicos apenas por nominação, conhecidos justamente como
“católicos do IBGE”, ou não tinham uma sólida formação doutrinária ou, pior ainda,
não encontraram dentro da estrutura eclesial, onde estavam inseridos, uma
sólida formação espiritual e doutrinal. Seja como for, a verdade é que a Igreja
Católica no Brasil perdeu grande parte do seu rebanho e, entre outras coisas, o
Brasil pode perder o “título” de maior país católico do mundo.
São muitos os fatores que conduzem a
essa realidade. Entre esses fatores é possível citar, por exemplo, o
secularismo, a programação neopagã apresentada pela grande mídia, o discurso
antirreligioso presente nas universidades e a pregação fácil de muitas igrejas
protestantes, conhecida como teologia da
prosperidade, que fala abertamente que se o cidadão mudar de religião vai
ganhar dinheiro, ter cartão de crédito, carro novo e muitos outros objetos de
consumo.
Todos esses fatores são parte da
verdade. No entanto, tem uma parte da verdade que não está sendo lembrada. Essa
parte é justamente a culpa da própria estrutura católica, no Brasil, ser
responsável pelo fenômeno da grande perda de fiéis vividos pela Igreja.
Não é nenhuma novidade que, no
Brasil, desde o final da década de 1960, passando pelo período da década de
1970 até meados da década de 1990, a Igreja deixou, um tanto quanto de lado, a
missão, dada pelo próprio Senhor Jesus Cristo, de Evangelizar. Essa missão é
sintetizada pelo mandado de Cristo: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho
a toda criatura” (Marcos 18, 15). Por causa dessa missão o Apóstolo Paulo afirma
que "porque, se anuncio o evangelho, não tenho
de que me gloriar, pois me é imposta essa obrigação; e ai de mim, se não
anunciar o evangelho!" (I Coríntios 9, 16) e, por isso, conclui que o "viver é Cristo, e o morrer é lucro." (Filipenses
1, 21).
O problema é que no
Brasil a Igreja, no último quarto do século XX, resolveu adotar uma postura
moderna, progressista e que chegou ao ponto de se autointitular de libertadora.
Era uma Igreja que não pregava o evangelho, que só falava em social, que
pregou e, até mesmo, engajou-se na luta política, especialmente na luta dos
partidos políticos de esquerda. Uma Igreja que dizia que o pecado era apenas
social, que, de certa forma, o Reino de Deus é comida e bebida e, com isso, quase
negou a pregação bíblia que afirma que o "reino
de Deus não é comida nem bebida" (Romanos 14, 17). Era uma Igreja que participava
de invasões de terras e de empresas públicas, de greves e de piquetes em frente
de fábricas. No entanto, essa mesma Igreja, tão moderna e libertadora, não
usava hábito religioso, não ouvia confissões, não orientava espiritualmente os
fiéis. Era, em síntese, uma Igreja que não cumpria sua missão, ou seja, de
evangelizar. Era uma Igreja próxima, até de mais, do mundo, do secularismo, das
reivindicações sociais. É claro que a Igreja deve dialogar com o mundo, com o
secularismo e com as lutas sociais. Muitas dessas lutas são justas e encontram
fundamento no Evangelho. Entretanto, a grande missão da igreja é a pregação do
Evangelho e, por conseguinte, a santificação das almas. Sem isso não existe
libertação política e social.
A
consequência dessa postura pastoral da Igreja no Brasil, muitas vezes chamada
de “opção preferencial”, é o que o teólogo Clodovis Boff (irmão de Leonardo Boff) classifica, no artigo Teologia da Libertação e a volta aos
fundamentos, publicado na Revista
Eclesiástica Brasileira, um dos porta-vozes, no Brasil, da Igreja
progressista, moderna e libertadora. Segundo ele, isso aconteceu porque no
Brasil se tentou transformar a Igreja em uma simples organização de caridade
social, um braço instrumentalizado do movimento social. Esse grave equívoco conduziu
a Igreja a ficar destituída de suas funções missionárias e do anúncio da
Verdade Salvadora. Por sua vez, os fiéis ficaram perdidos, sem direção e
orientação espiritual, muitas vezes sendo obrigados a recorrem a ajuda das
seitas protestantes e de religiões neopagãs, a sociedade e principalmente os
pobres deixam de ser assistidos pelos organismos da Igreja ligados a doutrina
social católica.
Diante de um quadro tão problemático
e tão desestimulador, apresentado por Clodovis Boff, não admira que milhões e
milhões de brasileiros tenham deixado as fileiras do catolicismo e entrado em
diversos outros segmentos religiosos, como, por exemplo, as igrejas
protestantes, o espiritismo, as religiões neopagãs e até mesmo no
indiferentismo religioso e em alguma forma de ateísmo.
Para usar um ditado popular é como
se, no Brasil, a Igreja Católica não tivesse “feito o dever de casa”. Nas
últimas décadas a Igreja fez um nobre trabalho social, o qual deve ser
reconhecido e até mesmo elogiado. No entanto, quase não cumpriu sua missão
específica, para a qual foi instituída pelo próprio Jesus Cristo, ou seja,
pregar o Evangelho e santificar as almas.
Se a Igreja tivesse feito a denúncia social e, com isso, transformado as
estruturas injustas da sociedade e, ao mesmo tempo, pregado o Evangelho e
santificado as almas, é possível que ela tivesse até perdido alguns fiéis.
Afinal até mesmo Cristo foi abandonado e renegado. No entanto, a perda de
fiéis, a grande sangria, seria bem
menor. Faltou a Igreja no Brasil ser autenticamente católica.
Por fim, é preciso observar que a
grande missão da Igreja é o anúncio do Evangelho. Justamente o Evangelho que
está acima de todas as ideologias e doutrinas políticas e sociais. O Evangelho
que santifica, que obriga a mudança de vida, que une o fiel a Cristo, o
Salvador, que transforma o mundo e a sociedade. A opção preferencial da Igreja tem que ser sempre por Jesus Cristo e
pelo Evangelho. Foi essa opção que fez a Igreja completar 2.000 anos de
existência. É por essa opção que temos que viver e morrer.
Bibliografia
Consultada:
BOFF, Clodovis. Teologia da
Libertação e a volta aos fundamentos. In: Revista
Eclesiástica Brasileira, v. 67, n. 28, outubro de 2007, p. 1001-1022.
PAPA
BENTO XVI. Discurso do Papa Bento XVI aos prelados da Conferência Episcopal dos
Bispos do Brasil dos Regionais Sul 3 e Sul 4
em visita «Ad Limina Apostolorum» em 05 de dezembro de 2009, n. 3. In: Repórter de Cristo. Disponível em http://reporterdecristo.com/papa-condena-outra-vez-a-teologia-da-libertacao. Acessado em 26/03/2012.
em visita «Ad Limina Apostolorum» em 05 de dezembro de 2009, n. 3. In: Repórter de Cristo. Disponível em http://reporterdecristo.com/papa-condena-outra-vez-a-teologia-da-libertacao. Acessado em 26/03/2012.
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