terça-feira, 13 de maio de 2014

A Ressurreição da Liturgia na Vigília Pascal.


Por Kairo Neves.

É sabido e muito comentado o solene declínio da liturgia na pré-páscoa, os degraus até a celebração da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Na forma ordinária, esses degraus iniciam-se na quarta-feira de cinzas e passa pelas várias semanas da quaresma, até chegar a semana “das dores”, entrando pelas portas da Semana Santa e do Tríduo Pascal e encontrando-se, por fim com a Paixão.

Septuagésima (em latim: Septuagesimus) é um tempo litúrgico
introduzido no calendário litúrgico tradicional da forma
extraordinária do rito romano que corresponde a um período
de quase 70 dias que precede a Pascoa (de fato, nove semanas,
ou seja, 63 dias). Sucede ao tempo litúrgico
de Natal, e precede a Quaresma. 
Na forma extraordinária, uma escada mais completa, complexa e estratificada: com septuagésima, sexagésima, quinquagésima, então o grande tempo da Quaresma. Continua no Tempo da Paixão; tempo verdadeiramente litúrgico e não apenas a piedosa memória “das Dores” e prefácios específicos. Tem em seu trecho final a Semana Santa e, dentro dela, o Tríduo.

Ao fim disto, temos nossas igrejas e nossas almas despojadas e prontas para celebrar a entrega do Cristo. Louvável caminho que merece oportunamente a cada ano estudo suficiente para que o rito seja mais e mais bem vivido. Mas existe outro caminho mais curto, não um caminho de “quarenta anos”, mas sim um caminho de “três dias”, o caminho até a Ressurreição.

É deste segundo que trataremos nesse artigo; lembrando, naturalmente, do primeiro. O caminho até a ressurreição não se faz ao longo de um longo tempo litúrgico ou de vários deles, mas sim em uma única celebração: Vigília Pascal, a mãe de todas as vigílias, nas palavras de Santo Agostinho. No início da qual a atmosfera é praticamente a da Sexta-feira Santa, assim como eram os espíritos do cair da tarde de Sexta que levava as mulheres à entrada do túmulo na manhã do Domingo.

As 3 Maria encontram o túmulo vazio.
Ao longo da celebração, o júbilo aumenta, ainda que de forma muito mais íngreme do que a como declinou, mas ainda assim paulatinamente. A alegria pascal preencheu as mulheres de imediato, mas só depois contaram aos apóstolos e mais depois aos outros discípulos. Assim na liturgia, ainda que o júbilo pareça explosivo, é importante lembrar que não atinge seu auge junto ao início da celebração.

Fixemo-nos agora, de maneira individual, nos degraus que a liturgia da Vigília Pascal nos apresenta:

Imagens cobertas na quaresma
1.     Imagens: As imagens cobrem-se desde o início da semana das dores ou mesmo desde o início da quaresma, conforme a tradição do lugar. As imagens, conforme diz a Carta “Paschalis Sollemnitatis”, elas devem permanecer cobertas até o início da vigília pascal, não dá a entender nenhum rito particular de descobrimento, podemos supor que elas simplesmente estão descobertas em seus lugares desde antes do início da vigília.

2.     Trevas: Ainda que seja um dos últimos elementos que se unem à simbologia da paixão, apenas no Tríduo, é o primeiro que desaparece. No início da vigília abençoamos o fogo e o Círio. Com esse fogo acendemos a grande coluna que representa do Cristo Ressuscitado. Depois disso, conforme a ocasião, fazemos uma pequena procissão com o círio pascal, ao entrar na igreja imersa em trevas, durante a apresentação do “Lumen Christi”, nossas velas são acesas. Também as luzes da igreja se acendem... e houve a luz.
Não se acendem nesse momento as velas do altar, essas serão acesas durante o canto do Gloria in excelsis.

Paramentos roxos na quaresma.
3.     O roxo: Um segundo aspecto a se considerar no início da celebração é o uso dos paramentos roxos. O roxo é a cor comum da pré-quaresma, da quaresma e também do tempo da paixão. Na forma extraordinária do Rito Romano, também se faz uso dessa cor no início da celebração. Esses paramentos só são trocados a certa altura da celebração. Um símbolo e tanto que mostra que não existe vitória sem Cruz, céu sem Penitência, salvação sem Provação. Infelizmente não é algo que pode estar presente na forma ordinária (por enquanto!).

4.     O canto: Além do tom naturalmente mais austero durante o tempo que antecede a Páscoa, é pedido que o órgão seja usado apenas para sustentar o canto, sem que os acordes se estendam além  da melodia. Num primeiro momento da vigília o órgão fica calado, como ficou depois da comunhão de Sexta-feira. Durante a Proclamação da Páscoa o órgão soa, mas ainda “incrédulo”, pequeno, apenas para suporte do canto. Apenas no Aleluia que o órgão volta à sua potência, à sua “fé”. A partir daí, durante toda a celebração, deve ser tocado de maneira gloriosa, para indicar quão alegre é esta ocasião.

5.     Cortina: Desde o início da quaresma não se usam flores no altar, exceção feita à Quinta-feira Santa, quando se orna o altar. Ao final desta celebração, entretanto, não apenas as flores saem, como também as velas e até a toalha. O altar fica nu, despido de suas vestes como o Cristo, antes da crucifixão. Na grande vigília, não seria exatamente prático enfeitar o altar na hora, tampouco cobrir-lhe com uma toalha maior e mais enfeitada, assim, o altar é preparado antes da celebração e coberto com uma cortina roxa. Símbolo muito antigo, comum a ambas as formas do rito, mas que por vezes fica esquecido. O altar, assim permanece até certo ponto da celebração. Ao som dos primeiros acordes do Glória, entretanto, a cortina cai e vemos o altar vestido de glória. Assim como os discípulos viram Nosso Senhor em seu corpo glorioso após sua ressurreição. Havendo ou não cortina, durante o Gloria, se acende as velas do altar a partir do fogo do círio na ordem costumeira, isto é, primeiro a central (se houver), então as da esquerda a partir da mais próxima do centro e depois as da direita, também do centro para a periferia.

6.     Sinos: Esses que se calam após o Gloria in excelsis da Quinta-feira santa, não se tocando nem durante a consagração nessa mesma missa, nem durante a transladação. Assim como têm sua última aparição durante este hino na quinta-feira, retornam durante ele durante a vigília pascal.

7.     Aleluia: O Aleluia desaparece assim que iniciamos o tempo da Septuagésima, na forma extraordinária; ou a quaresma na forma ordinária. Não é dito nem em solenidades que aconteçam nesses tempos como São José ou a Anunciação, tampouco em qualquer uma das missas da Quinta-feira Santa. Este é um símbolo ligado mais diretamente à ressurreição; o Gloria, ainda que apresente júbilo, é um hino de origem natalina que não expressa de maneira tão intensa quanto o aleluia a alegria pelo retorno de Nosso Senhor da mansão dos mortos.
O aleluia volta imediatamente antes do Evangelho que narra a ressurreição do Senhor, a ele se dá total atenção. É louvável o rito de o diácono “anunciar” a aleluia ao bispo, como as mulheres foram encarregadas de anunciar a grande alegria aos apóstolos. Em relação ao canto do aleluia, é o sacerdote que celebra a missa que o anuncia em primeiro lugar por três vezes, elevando a voz a cada uma delas. Só então, o coro passa ao canto propriamente dito, junto com os versículos do salmo 177.

8.     Água Benta: Ao menos na sexta-feira santa é costume que as pias de água benta sejam esvaziadas. A igreja fica desprovida da água abençoada que nos recorda o batismo. Essa água é abençoada novamente durante a vigília pascal, durante o rito batismal. É usada não apenas para batizar os catecúmenos nessa data e também durante todo o tempo pascal, mas também para aspergir o povo e para ser colocada novamente nas pias junto à portas da igreja, a fim de que o povo a use para traçar o sinal da cruz ao entrar na igreja. A água assim como o fogo é um grande símbolo da liturgia, em particular da pascal. Não forma com este um grupo de “elementos da natureza” um dueto pagão de antagonismos, mas ambos são criaturas de Deus usadas para simbolizar a purificação necessária à ressurreição da carne.


9.     Reposição do Santíssimo: O Santíssimo Sacramento que geralmente se encontra no presbiterio se retira antes da missa In coena domini, assim o sacrário está vazio ao início da missa. Ao final dessa missa, omitindo-se a bênção, passa-se logo à transladação da Eucaristia, que não é posta no sacrário costumeiro, mas em uma capela lateral que tenha sido preparada para guardar as sagradas espécies para a comunhão do dia seguinte. Assim, o presbitério durante a Sexta-feira e o Sábado Santo, fica desprovido de presença real. Essa só vai retornar ao seu local de honra ao final da Vigília Pascal; este é o último degrau a subir até o máximo do Júbilo Pascal. Mas que qualquer um dos outros seis símbolos, este é a grande coroa dessa celebração, pois não se trata apenas de um símbolo, é algo real: Cristo vive, venceu a morte e habita entre nós!

Nenhum comentário:

Postar um comentário