Por Kairo Neves.
É sabido e muito comentado o solene
declínio da liturgia na pré-páscoa, os degraus até a celebração da Paixão de
Nosso Senhor Jesus Cristo. Na forma ordinária, esses degraus iniciam-se na
quarta-feira de cinzas e passa pelas várias semanas da quaresma, até chegar a
semana “das dores”, entrando pelas portas da Semana Santa e do Tríduo Pascal e
encontrando-se, por fim com a Paixão.
Na forma extraordinária, uma escada
mais completa, complexa e estratificada: com septuagésima, sexagésima,
quinquagésima, então o grande tempo da Quaresma. Continua no Tempo da Paixão;
tempo verdadeiramente litúrgico e não apenas a piedosa memória “das Dores” e
prefácios específicos. Tem em seu trecho final a Semana Santa e, dentro dela, o
Tríduo.
Ao fim disto, temos nossas igrejas e
nossas almas despojadas e prontas para celebrar a entrega do Cristo. Louvável
caminho que merece oportunamente a cada ano estudo suficiente para que o rito
seja mais e mais bem vivido. Mas existe outro caminho mais curto, não um
caminho de “quarenta anos”, mas sim um caminho de “três dias”, o caminho até a
Ressurreição.
É deste segundo que trataremos nesse
artigo; lembrando, naturalmente, do primeiro. O caminho até a ressurreição não
se faz ao longo de um longo tempo litúrgico ou de vários deles, mas sim em uma
única celebração: Vigília Pascal, a mãe de todas as vigílias, nas palavras de
Santo Agostinho. No início da qual a atmosfera é praticamente a da Sexta-feira
Santa, assim como eram os espíritos do cair da tarde de Sexta que levava as
mulheres à entrada do túmulo na manhã do Domingo.
As 3 Maria encontram o túmulo vazio. |
Ao longo da celebração, o júbilo
aumenta, ainda que de forma muito mais íngreme do que a como declinou, mas
ainda assim paulatinamente. A alegria pascal preencheu as mulheres de imediato,
mas só depois contaram aos apóstolos e mais depois aos outros discípulos. Assim
na liturgia, ainda que o júbilo pareça explosivo, é importante lembrar que não
atinge seu auge junto ao início da celebração.
Fixemo-nos agora, de maneira
individual, nos degraus que a liturgia da Vigília Pascal nos apresenta:
Imagens cobertas na quaresma |
1. Imagens: As imagens cobrem-se desde o início da semana das dores ou
mesmo desde o início da quaresma, conforme a tradição do lugar. As imagens,
conforme diz a Carta “Paschalis Sollemnitatis”, elas devem permanecer cobertas
até o início da vigília pascal, não dá a entender nenhum rito particular de
descobrimento, podemos supor que elas simplesmente estão descobertas em seus
lugares desde antes do início da vigília.
2. Trevas: Ainda que seja um dos últimos elementos que se unem à
simbologia da paixão, apenas no Tríduo, é o primeiro que desaparece. No início
da vigília abençoamos o fogo e o Círio. Com esse fogo acendemos a grande coluna
que representa do Cristo Ressuscitado. Depois disso, conforme a ocasião,
fazemos uma pequena procissão com o círio pascal, ao entrar na igreja imersa em
trevas, durante a apresentação do “Lumen Christi”, nossas velas são acesas.
Também as luzes da igreja se acendem... e houve a luz.
Não se acendem
nesse momento as velas do altar, essas serão acesas durante o canto do Gloria in excelsis.
Paramentos roxos na quaresma. |
3. O roxo: Um segundo aspecto a se considerar no início da celebração
é o uso dos paramentos roxos. O roxo é a cor comum da pré-quaresma, da quaresma
e também do tempo da paixão. Na forma extraordinária do Rito Romano, também se
faz uso dessa cor no início da celebração. Esses paramentos só são trocados a
certa altura da celebração. Um símbolo e tanto que mostra que não existe
vitória sem Cruz, céu sem Penitência, salvação sem Provação. Infelizmente não é
algo que pode estar presente na forma ordinária (por enquanto!).
4. O canto: Além do tom naturalmente mais austero
durante o tempo que antecede a Páscoa, é pedido que o órgão seja usado apenas
para sustentar o canto, sem que os acordes se estendam além da melodia. Num primeiro momento da vigília o
órgão fica calado, como ficou depois da comunhão de Sexta-feira. Durante a
Proclamação da Páscoa o órgão soa, mas ainda “incrédulo”, pequeno, apenas para
suporte do canto. Apenas no Aleluia que o órgão volta à sua potência, à sua
“fé”. A partir daí, durante toda a celebração, deve ser tocado de maneira
gloriosa, para indicar quão alegre é esta ocasião.
5. Cortina: Desde o início da quaresma não se usam flores no altar,
exceção feita à Quinta-feira Santa, quando se orna o altar. Ao final desta
celebração, entretanto, não apenas as flores saem, como também as velas e até a
toalha. O altar fica nu, despido de suas vestes como o Cristo, antes da
crucifixão. Na grande vigília, não seria exatamente prático enfeitar o altar na
hora, tampouco cobrir-lhe com uma toalha maior e mais enfeitada, assim, o altar
é preparado antes da celebração e coberto com uma cortina roxa. Símbolo muito
antigo, comum a ambas as formas do rito, mas que por vezes fica esquecido. O
altar, assim permanece até certo ponto da celebração. Ao som dos primeiros
acordes do Glória, entretanto, a cortina cai e vemos o altar vestido de glória.
Assim como os discípulos viram Nosso Senhor em seu corpo glorioso após sua
ressurreição. Havendo ou não cortina, durante o Gloria, se acende as velas do
altar a partir do fogo do círio na ordem costumeira, isto é, primeiro a central
(se houver), então as da esquerda a partir da mais próxima do centro e depois
as da direita, também do centro para a periferia.
6. Sinos: Esses que se calam após o Gloria in excelsis da Quinta-feira santa, não se tocando nem
durante a consagração nessa mesma missa, nem durante a transladação. Assim como
têm sua última aparição durante este hino na quinta-feira, retornam durante ele
durante a vigília pascal.
7. Aleluia: O Aleluia desaparece assim que iniciamos o tempo da
Septuagésima, na forma extraordinária; ou a quaresma na forma ordinária. Não é
dito nem em solenidades que aconteçam nesses tempos como São José ou a
Anunciação, tampouco em qualquer uma das missas da Quinta-feira Santa. Este é
um símbolo ligado mais diretamente à ressurreição; o Gloria, ainda que apresente júbilo, é um hino de origem natalina
que não expressa de maneira tão intensa quanto o aleluia a alegria pelo retorno
de Nosso Senhor da mansão dos mortos.
O aleluia volta
imediatamente antes do Evangelho que narra a ressurreição do Senhor, a ele se
dá total atenção. É louvável o rito de o diácono “anunciar” a aleluia ao bispo,
como as mulheres foram encarregadas de anunciar a grande alegria aos apóstolos.
Em relação ao canto do aleluia, é o sacerdote que celebra a missa que o anuncia
em primeiro lugar por três vezes, elevando a voz a cada uma delas. Só então, o
coro passa ao canto propriamente dito, junto com os versículos do salmo 177.
8. Água Benta: Ao menos na sexta-feira santa é
costume que as pias de água benta sejam esvaziadas. A igreja fica desprovida da
água abençoada que nos recorda o batismo. Essa água é abençoada novamente
durante a vigília pascal, durante o rito batismal. É usada não apenas para
batizar os catecúmenos nessa data e também durante todo o tempo pascal, mas
também para aspergir o povo e para ser colocada novamente nas pias junto à
portas da igreja, a fim de que o povo a use para traçar o sinal da cruz ao
entrar na igreja. A água assim como o fogo é um grande símbolo da liturgia, em
particular da pascal. Não forma com este um grupo de “elementos da natureza” um
dueto pagão de antagonismos, mas ambos são criaturas de Deus usadas para
simbolizar a purificação necessária à ressurreição da carne.
9. Reposição do Santíssimo: O Santíssimo Sacramento que
geralmente se encontra no presbiterio se retira antes da missa In coena domini, assim o sacrário está
vazio ao início da missa. Ao final dessa missa, omitindo-se a bênção, passa-se
logo à transladação da Eucaristia, que não é posta no sacrário costumeiro, mas
em uma capela lateral que tenha sido preparada para guardar as sagradas
espécies para a comunhão do dia seguinte. Assim, o presbitério durante a
Sexta-feira e o Sábado Santo, fica desprovido de presença real. Essa só vai
retornar ao seu local de honra ao final da Vigília Pascal; este é o último
degrau a subir até o máximo do Júbilo Pascal. Mas que qualquer um dos outros
seis símbolos, este é a grande coroa dessa celebração, pois não se trata apenas
de um símbolo, é algo real: Cristo vive,
venceu a morte e habita entre nós!
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