Por Carlos Ramalhete.
Explicação sobre
porque as famigeradas "dinâmicas" são a morte da Educação, com
análise de uma delas para mostrar o tamanho do buraco
Uma das mais
asquerosas manias pseudo-pedagógicas dos últimos tempos é o use de uma espécie
de truque de salão misturado com técnica de amestragem de macacos chamada
"dinâmica". Qual é o pressuposto fundamental destas pragas que
assolam os meios educativos? É a incapacidade de raciocinar do
"dinamizado".
Por funcionarem em
termos contra-lógicos, partindo do particular para o geral, da experiência
empírica como metáfora obrigatória da regra maior, as famigeradas
"dinâmicas" acostumam suas vítimas a não aprender, a não perceber a
realidade de modo coeso, a não usar o raciocínio lógico. O procedimento é
sempre o mesmo: faz-se uma gracinha qualquer, uma situação prática
extremamente forçada e antinatural que depois é usada em uma espécie
desvirtuada de comparação, tendo sua "conclusão" (na imensíssima
maioria dos casos completamente artificial) erigida em metáfora de uma regra
geral. A sensação de "profunda descoberta" que acomete os "dinamizados"
(ou, na novilínua dos pseudo-pedagogos, "dinamizandos") é facilmente
explicável pela artificialidade da relação impingida entre a besteira que foi
feita e a pretensamente profunda sabedoria que seria sinalizada (ou, na cabeça
das vítimas da dinamicomania, "provada empiricamente") pela besteira
feita.
Assim a vítima da
"dinâmica" aprende apenas que não há sentido na realidade, que as
regras, por serem "descobertas" indo do menor ao maior, em
generalização absurda a partir de um único exemplo pseudo-metafórico, na
verdade não existem senão como resultado forçado de um raciocínio que não se
submete a repetição não-guiada.
Dizem alguns
ativistas da dinâmica que ela nada mais é que um exemplo, uma forma de
preservação mnemônica da realidade que ela apresentaria como metáfora. Isso não
é verdade. Ainda que macaco velho não ponha a mão em cumbuca, a cumbuca não
leva à descoberta da cobiça como vício a ser evitado. Fazer alguém enfiar a mão
em uma cumuca para não conseguir retirar dela o que ela contém é partir do
presuposto que esta pessoa não é capaz de entender a noção de vícios e
virtudes, e sua compreensão é ainda mais rasteira que a de um provecto e
experiente macaco.
No caso da dinâmica
(especialmente pesadelosa, desenvolvida e escrita por um pedagogo
"católico") que recebi e me fez escrever este artigo, então, a coisa
é ainda pior que na média. Isto para nosso fito é bom, pois torn mais fácil
apontar um dedo gordo e peludo para os absurdos nela presentes.
Antes de mais nada,
qual é a associação feita entre uma experiência empírica e uma verdade supostamente
apresentada como metáfora? A conexão não chega a ser tênue; é simplesmente
inexistente, com o agravante de desviar da reta exegese do trecho bíblico
atirado qual boi de piranha na sala cheia de adolescentes com um cérebro
brilhante sendo lentamente transformado em creme de xuxu sem sal pela
"dinamização".
Vejamos então como
se processa este espantoso mecanismo de burrecimento, usando como exemplo de
trabalho a tal dinâmica. Mantenho a ortografia e gramática originais, com o
texto em negrito:
Mostrar ao grupo
o pé de sandália e dizer que em quem servir a peça terá direito a um prêmio.
Inicia-se assim o
procedimento incentivando a cobiça, apelando para vagos sentimentos de
Cinderela por parte das vítimas, que esperarão que a sandália caiba nelas..
A única maneira
de saber será calçando, para descobrir o felizardo. E todos deverão
experimentar a sandália.
Sabe-se de antemão
que normamente a sandália não caberá em ninguém; se couber foi por erro de
cálculo do "dinamizador". Mesmo assim, todos devem
experimentar. Ora, fazer com que uma menina que calça 34 experimente uma
sandália 44, que evidentemente não lhe serve, é na melhor das hipóteses
subestimar sua inteligência e seu sentido de proporção, ensinando-a a
submter-se a medidas arbitrárias e contrárias ao senso comum. Em um ambiente
catequético isso é anda mais grave, por levar a crer que é assim que a Igreja
age. Afinal, teoricamente esta ordem absurda de calçar "para ver se
serve" uma sandália absurdamente grande seria uma ordem da Igreja.
Espera-se que a
sandália não sirva, mas pode ocorrer que em alguém sirva, então separeo do
grupo e diga-lhe que ele é um feliz ganhador do prêmio, continue o exercício
até o final, se houver mais de um “ganhador” estabeleça um sorteio ou a
resposta correta de uma pergunta envolvendo sandália.
A coisa então
torna-se ainda mais surreal. Se o "prêmio" (uma Bíblia, ainda por
cima!!!) couber em mais de um, volta-se atrás e define-se quem será a vítima
frustrada da mentira inicial (Cinderela irá casar-se com o príncipe, oops,
ganhará uma Bíblia quem calçar 44) por meio de expediente ainda mais alucinado:
"uma pergunta envolvendo sandália". Que tal "Qual é a sandália
que não tem cheiro, não desbota e nem solta as tiras?" Assim reforça-se a
sensação de que não há lógica, não há regras, e todas as decisões são puramente
arbitrárias e sem referência alguma a algo maior (incluindo nisso a própria
realidade dos fatos e o testemunho dos sentidos, já que era evidente desde o
príncípio que a sandália gigante não caberia em ninguém, mas mesmo assim todos
foram forçados ao constrangimento de "experimentá-la").
O ganhador ou
ganhadores deverão ler para o grupo o texto de Jo 1, 19-34.
O pezudo deverá
então ser forçado a ler esta passagem. Note-se que - se a coisa houver sido
feita corretamente - não haverá pezudo que calce bem a sandália gigante, e
presumivelmente o "ganhador" terá sido escolhido por sorteio. Assim
foi criada uma falsa expectativa, que apesar de toda a evidência dos sentidos
("ninguém aqui tem um pé deste tamanho, de quer vale calçar esta
prancha?") foi mantida artificialmente ("todos deverão
experimentar") apenas para, no fim, ela ser substituída por outr forma
completamente arbitrária e frustrante de escolher a vítima (que não havia sido
informada que teria que ler em público, coisa que a muitos causa horror).
Aprende-se assim que:
1 - As decisões na
Igreja são arbitrárias e não levam em consideração a realidade (tamanho
evidente dos pés das vítimas em relação à sandália, etc.);
2 - As promessas
feitas neste ambiente não valem rigorosamente nada (quem calçar 44 casa com o
príncipe, oops, ganha a Bíblia);
3 - Quem entra para
um concurso (inicialmente o frustrante concurso de tamanho de pé, imediaamente
seguido pelo sorteio entre os pezudos ou entre todos. Note-se que no caso
de concurso apenas entre pezudos a arbtrariedade dos valores levados em
consideração salta aos olhos) em busca de uma coisa (a Bíblia) receberá um
castigo (ler alto para a maior parte das pessoas é um castigo) de que nada
havia sido dito.
Notem que - ao
contrário das inferências artificiais da "dinâmica" propriamnte
ditas, estas são reais. A experiência das pessoas que sofrem na mão dos
pseudo-pedagogos anti-catequéticos terá sido esta: frustração, submissão a
regras arbitrárias, surpresas desagradáveis, etc.
A passagem a ser
lida pelo pobre "ganhador", a esta altura provavelmente sendo
conduzido quase à força pela pressão de seus pares, satisfeitos em ver sua
humilhação (só quem nunca trabalhou com adolescentes não conhece o maligno
prazer que têm em ver sofrer alguém que ganhou algo que cobiçavam. Prefiro não
pensar nesta "dinâmica" sendo impingida a adultos) fas referência
apenas passageira a sandálias em geral. Aliás, na verdade não faz referência
algum a sandálias em geral, mas traz apenas uma vez esta palavra, quando S.
João Batita diz que não é digno de desatar as sandálias de Nosso Senhor.
Presumo que seja
neste ponto lida a "Frase Motivacional" ("motivacional"...
Em uma civilização digna deste nome a criação ou uso desta palavra mereceria
pena de algumas centenas de chibatadas):
FRASE
MOTIVACIONAL:
Calçar as
sandálias em alguém é um sinal de serviço.
Ah... então a
promessa (vã, como era evidente pelo tamanho das sandálias e foi depois
comprovado pelo sorteio de uma Bíblia ter virado sapo, digo, ter virado a
humilhação de ser forçado a ler em público) de dar uma Bíbia de presente
escondia na verdade a exigência de um serviço desagradável e gratuito, para não
dizer humilhante. Bom saber.
Na cultura
judaica representava um sinal de acolhida, (mesmo hoje em alguns lugares do
interior ainda se oferece uma bacia de água para a visita lavar os pés, tirar a
poeira da longa caminhada) quando alguém ia até a casa do outro o dono da casa
desatava-lhe as sandálias e lhe lavava os pés,
O que não tem
absolutamente nada a ver nem com a artimanha de prometer uma Bíblia para forçar
os incautos a ler em público, nem com a passagem em questão. A coisa é tornada
ainda pior no contexto, pois a conclusão a ser tirada desta afirmação é
bastante evidente caso alguma das vítimas (que evidentemente não deve ter
conhecimento algum de Teologia da Graça por ter sido exposto a
"dinâmicas" no lugar de sua catequese) não tenha sido suficientemente
exposta a dinâmicas e ainda preserve resquícios de sua capacidade lógica:
Desatar sandálias é
sinal de serviço;
Ora, São João
Batista não se considerava digno de desatar a sandália de Noso Senhor;
Logo, São João
Batista não era digno de servir o Senhor.
Ora, eu sou menor
que São João Batista;
Logo, eu tampouco
sou digno de servir o Senhor.
Ora, não sou digno
de servir o Senhor;
Logo, vamos para o
Baile do Havaí, que o Carnaval está chegando!
Vamos deixar esse
papo de ser Santo para outros!!!
João Batista ao
dizer que não é digno de desatar as sandálias de Jesus tentar mostrar que nem
na condição de servo ele se encontra, Jesus é muito maior, João fala de sua
pequenês. João dá testemunho do messias, identifica-o para seus seguidores:
“Eis o cordeiro de Deus”.
Calçar as
sandálias é aceitar o projeto de Deus, ir onde ele nos mandar. Diz nossa
tradição que o Papa calça as sandálias do pescador, numa alusão a São Pedro,
nosso primeiro papa.
Começa então
novamente o samba do crioulo doido. As sandálias que eram calçadas e
descalçadas em outrem como sinal de serviço viram sandálias a calçar em nós
mesmos. Presume-se então que São João Batista - por indigno - teria deixado
Nosso Senhor descalçar Suas próprias sandálias, para depois sair correndo com elas
para calçá-las em si mesmo (correndo o risco de levar um raio na cabeça), pois
assim ele estria aceitando "o projeto de Deus". A prova disso seria o
Papa calçando as sandálias de São Pedro.
Associar para o
grupo que estas sandálias é do Cristo que nos convida para o seu grupo.
Ah, as sandálias
"é" do Cristo. Pensava que fossem - desculpe, "era" - da
Carla Perez. Fora o atentado à gramática, resta-nos o atentado à lógica. Se
estas sandálias "é" do Cristo, ou bem o Cristo ganha a Bíblia ou bem
o calçador-de-sandálias/"dinamizador" é superior a São João Batista.
Agora que sabemos
teremos a disposição para calça-las? O prêmio prometido para quem o faz é o
Reino de Deus. No entanto para sermos dignos dele, muitas estradas tem-se que
caminhar, por isso que Cristo nos “empresta” sua sandália, para termos força e
vigor nos pés, pois o Evangelho, a boa nova do reino precisa ainda ser levada a
muitos lugares, esta é nossa missão primeira, o testemunho maior: “Ide pelo
mundo e anunciai o Evangelho (Boa nova / Reino de Deus).”
A coisa então
complica. Presume-se que o mundo deverá então prestar-nos o serviço de
descalçar-nos as sandálias. Presume-se ainda que - como no caso da Bíblia que
virou humilhação de ser em público - possamos dizer que essa história de Reino
de Deus deva ter alguma treta escondida. Não, não vou falar da pontuação do
texto. Chega.
Vem então outro
exercício em negação do raciocínio:
02 Após leitura
dividir o grupo em subgrupos para reflexão sobre o texto lido e o exercício
realizado. Qual reflexão se tira de um e de outro? (pode-se criar algumas
perguntas temáticas). Realiza-se a apresentação dos subgrupos.
Então o grupo é
dividido em "subgrupos". Muito prático: assim é impedido
completamente o rciocínio. Cada "subgrupo" vai evidentemente procurar
as obviedades açucaradas que pareçam mais adequadas para obter a aprovação do
Mestre-de-Insensatez/"dinamizador". Se não tiverem nenhuma idéia
brilhante (panos brancos nas jaelas, sandálias gigantes infláveis, sei lá)
"pode-se criar algumas perguntas temáticas" para guiá-los no
exercício de conformidade irracional.
Em seguida cad
subgrupo submete os outros a ouvir suas obviedades açucaradas. Brilhante.
03 Comentário
sobre as participações no exercício e dos subgrupos.
O que seria este
comentário? Pela minha experiência, ele seria normalmente dividido em duas
partes: os "oohs" e "aahs" de êxtase diante da
"profundidade" paulocoelhiana das obviedades açucaradas dos outros
subgrupos (tudo é "grupo" e "subgrupo", para evitar que -
horror do horrores - alguém tenha alguma idéia original) e alguma recriminações
àqueles que não entraram no espírito da coisa por não term deixado, como
aparentemente deveriam ter feito, o cérebro na chapelaria ao entrar. Essas
recriminações, claro, serão matizadas e politicamente corretas para não
parecerem "julgamentos". Talvez no fim haja alguma sessão de abraços
ou coisa parecida para os monguinhos, oops, os "dinamizandos"
"ficarem de bem".
Vem então:
04 Feedback
O fidibéque é a hora
de todo mundo fazer "ooh!"e "aah!" para as paulocoelhices
mais açucaradas, normalmente escolhidas pelo chefe da sessão de
irracionalização.
05 Insights
É a hora do
"isso!" e do "ah, isso quer dizer que [insira aqui uma
paulocoelhice que ainda não havia sido mencionada]". Pelos nomes em
inglês, deviam ser "that's it!", mas já seria querer demais.
06 conclusão
A conclusão é
bastante evidente: se o tempo usado para esta tentativa de transformação de
seres humanos em macacos novos que metem a mão em cubuca tivesse sido usado
para uma aula de catecismo bem dada, mostrando sempre a conexão do que é
ensinado com os dilemas morais que as vítimas da "dinâmica"
atravessam em suas vidas, ele não teria sido jogado fora. Com um exercício de
não-pensamento (mais conhecido como "dinâmica"), o tempo passa como
se a pesoa estivesse assistindo TV, ou seja, sem que ela pense um
silogismozinho de segunda que seja. Nada de bom é aprendido, e forçosamente são
feitas inferências que reforçam todo os preconceitos e falsos juízos que a
sociedade já prega sobre a Igreja (irracionalidade, arbitrariedade, falta de
percepção da realidade, etc.).
Já cansei de ver
isso acontecer. Sempre que dou um curso ou uma palestra para um grupo
relativamente pequeno de adolescentes (pequeno o suficiente para permitir que
sejam submetidos a esta "dinâmica" sem gastar nisso um dia inteiro)
vejo como estão todos sedentos por conhecimento, procurando desesperadamente
perceber o sentido do mundo, o sentido do que prega a Igreja, as linhas-mestras
que os guiarão em seus dilemas morais (não há dilemas morais mais fortes que os
que acometem os adolescentes!)... Quando finalmente conseguem escapar destas
"dinâmicas" dos Infernos e ter uma aula em que possam perguntar e ter
respostas, debater, discutir, aprender, é então que eles mostram todo o seu
potencial.
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