Por Dom
Henrique Soares
Tomemos hoje, para o
nosso retiro, Hb 2,9-11. Trata-se de um texto rico e de grande intensidade:
“Vemos a Jesus, que foi feito, por um pouco, menor que
os anjos, por causa dos sofrimentos da morte, coroado de honra e de glória. É
que pela graça de Deus Ele provou a morte em favor de todos os homens. Convinha
que Aquele por Quem e para Quem todas as coisas existem, querendo conduzir
muitos filhos à glória, levasse à perfeição, por meio dos sofrimentos, o Autor
da salvação deles. Pois tanto o Santificador quanto os santificados, todos,
descendem de um só; razão por que não Se envergonha de os chamar irmãos”.
Que nosso coração e
nosso olhar se dirijam a Jesus, neste tempo santíssimo de preparação para a
Páscoa Sagrada!
1. “Vemos a Jesus,
que foi feito, por um pouco, menor que os anjos, por causa dos sofrimentos da
morte, coroado de honra e de glória”. Eis, que visão impressionante: o Filho
eterno, esplendor da glória do Pai e expressão do Seu ser, que sustenta o
universo com o poder de Sua palavra (cf. Hb 1,3), o Filho que é Deus bendito,
eterno, santo, imortal, onipotente, vemo-Lo feito pouco menor que os anjos. É o
mistério da Encarnação, esvaziamento do nosso Salvador que, fazendo-Se homem,
humilhou-Se, murchou na Sua glória para nos salvar. Ele Se fez verdadeiramente
homem, tomando sobre Si tudo quanto é realmente humano: nossa limitação, nossa
angústia, nosso sonho, nossa carência, nossa pobreza, nossa morte... E por
isso, porque humilhou-Se em amorosa obediência ao Pai, está agora, na Sua
humanidade igual à nossa, coroado de honra e de glória.
2. “É que pela graça
de Deus Ele provou a morte em favor de todos os homens”.
Eis o motivo dessa
humilhação: o Pai, na Sua graça inesgotável, entregou o próprio Filho pela
descendência de Abraão e pela humanidade toda. E O entregou até a morte! Poupou
o filho de Abraão, mas não poupou o Seu próprio Filho: Ele, de fato,
experimentou a terrível realidade da morte.
Morreu como nós, com
tudo que a morte tem de amedrontador, de triste, de violento, para que nós não
morramos sozinhos, mas morramos Nele e com Ele!
Cada um de nós, a
Ele unido no Batismo e na Eucaristia, da Sua vida participando pelos demais
sacramentos, pode dizer, na hora da morte: “Já não sou eu quem morre, é Cristo
que morre em mim!”
3. “Convinha que
Aquele por Quem e para Quem todas as coisas existem, querendo conduzir muitos
filhos à glória, levasse à perfeição, por meio dos sofrimentos, o Autor da
salvação deles”.
Coisas misteriosas
nos são ditas aqui! O Pai, por Quem e para Quem tudo existe, quis nos salvar,
quis nos dar a plenitude de Sua Vida divina, levando-nos à perfeição, através
do Seu Filho. Mas, de que modo?
Primeiro, o Filho
fez-Se homem, assumindo nossa pobre condição de criaturas limitadas.
Humanamente, o Filho limitou-Se, tornando-Se mesmo menor que os anjos e
esvaziando-Se totalmente durante toda a Sua existência humana, até o
esvaziamento total na cruz.
Assim, esse Filho
bendito e santo, na Sua natureza humana igual à nossa, seria preenchido da vida
divina do Pai; então, pleno de divindade na sua pobre humanidade, poderia
derramar essa divindade (que é o próprio Espírito Santo) sobre nós, pobres e
limitados humanos, levando-nos à plenitude criatural, aquela plenitude que
desde o princípio Deus sonhou em nos dar.
E qual o caminho
para o Filho chegar a essa plenitude? Eis a surpreendente reposta: o
esvaziamento até a morte numa cruz! Esvaziando-Se totalmente de Si até a morte
de cruz, o Filho, na Sua humanidade, Ele foi totalmente preenchido pelo Pai,
foi transfigurado em glória divina e pode, então, derramar sobre nós essa
glória, que é o próprio Espírito Santo.
Mas, nunca
esqueçamos: o caminho para isso foi a terrível experiência do sofrimento
físico, moral, psicológico e espiritual – foi isso todo o mistério da vida do
Senhor, até a sepultura!
Foi assim que Jesus
se tornou o Autor da nossa salvação: Ele Se fez um de nós, desposou a nossa
humana aventura, partilhou o nosso sofrimento até a morte, numa misteriosíssima
solidariedade entre Santificador e santificados! Por isso mesmo Ele é nosso
modelo, é Autor e Consumador da nossa fé (cf. Hb 12,2) e “levado à perfeição,
Se tornou para todos os que Lhe obedecem princípio de salvação eterna” (Hb
5,9). Obedecer aqui significa Nele crer, em Seu nome ser batizado, participar
do Seu Corpo e Sangue e viver na Sua palavra.
4. “Pois tanto o
Santificador quanto os santificados, todos, descendem de um só; razão por que
não se envergonha de os chamar irmãos”.
Eis: fazendo-Se um
de nós, Jesus tornou-Se verdadeiramente Cabeça de toda a humanidade. Pela Sua
morte e ressurreição e o dom do Espírito, Ele Se uniu a nós para sempre, de
modo que Suas dores tornam-se nossas e Seu triunfo é penhor do nosso. Também
nossas dores tornam-se Dele, de modo que podemos “completar na nossa carne o
que faltou da Sua paixão” (Cl 1,24), enquanto esperamos a graça de participar
plenamente da Sua vitória. Trata-se aqui de uma profunda e real comunhão nossa
com o Senhor Jesus; comunhão que se dá no Espírito Santo recebido no Batismo e
demais sacramentos.
Que consolo estarmos
unidos ao Salvador, seja no sofrimento seja na alegria, seja na morte seja na
vida! E isso é uma real e consoladora realidade!
Reze o Salmo 39/40
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