Dom Henrique
Soares.
Hoje, gostaria de
fazer com você uma meditação sobre o jejum, de modo especial, e a abstinência
dos alimentos, de modo geral.
Recorde que uma das
características do tempo da Quaresma, é a penitência, sobretudo no comer e no
beber. Tal penitência pode consistir numa simples abstinência, que é renúncia a
algum alimento, ou pode chegar ao jejum, que consiste no privar-se das
refeições de modo total ou parcial.
É muito importante a
prática de tal forma de penitência. Aliás, eram o jejum e a abstinência que, na
Igreja Antiga, davam uma fisionomia própria ao tempo quaresmal.
Mas, por que jejuar?
Por que se abster de alimentos?
É necessário
compreender o sentido profundo que o cristianismo dá a essas práticas, para não
ficarmos numa atitude superficial, às vezes até folclórica ou, por ignorância
pura e simples, desprezarmos algo tão belo e precioso no caminho espiritual do
cristão.
O jejum e a
abstinência têm quatro sentidos muito específicos e claros:
(1) O jejum nos
ensina que somos radicalmente dependentes de Deus.
Na Escritura, a
palavra nephesh significa, ao mesmo tempo, vida e garganta. A ideia que isso
exprime é que nossa vida não vem de nós mesmos, não a damos a nós próprios; nós
a recebemos continuamente: ela entra pela nossa garganta com o alimento que
comemos, a água que bebemos, o ar que respiramos. Jamais o homem pode pensar
que se basta a si mesmo, que pode se fechar para Deus. Quando jejuamos,
sentimos uma certa fraqueza e lerdeza, às vezes, nos vem mesmo um pouco de
tontura.
Isso faz parte da
“psicologia do jejum”: recorda-nos o que somos sem esta vida que vem de fora,
que nos é dada por Deus continuamente. A prática do jejum, impede-nos, então,
da ilusão de pensar que a nossa existência, uma vez recebida, é autônoma,
fechada, independente. Nunca poderemos dizer: “A vida é minha; faço como eu
quero!” A vida será, sempre e em todas as suas etapas, um dom de Deus, um
presente gratuito, e nós seremos sempre dependentes dele.
Esta dependência nos
amadurece, nos liberta de nossos estreitos e mesquinhos horizontes, nos livra
da auto-suficiência e nos faz compreender “na carne” nossa própria verdade,
recordando-nos que a vida é para ser vivida em diálogo de amor com Aquele que
no-la deu.
Pergunte-se:
Vivo minha
existência diante de Deus, sempre consciente de que Ele é meu rochedo, minha
fonte, meu destino, meu fim, o sentido da minha existência?
Sentir-me e saber-me
dependente de Deus é, para mim, humilhação ou paz, revolta soberba ou
obediência amorosa?
Poderia eu repetir
com toda a verdade as palavras de Santa Teresa de Jesus: "Vossa sou, para
Vós nasci; que quereis fazer de mim?"
(2) O alimento é uma
de nossas necessidades básicas, um de nossos instintos mais fundamentais,
juntamente com a sexualidade.
A abstenção do
alimento nos exercita na disciplina, fortalecendo nossa força de vontade,
aguçando nossa capacidade de vigilância, dando-nos a capacidade para uma
verdadeira disciplina. Nossa tendência é ir atrás de nossos instintos, de
nossas tendências, de nossa vontade desequilibrada. Aliás, essa é a grande
fraqueza e o grande engano do mundo atual. Dizemos: “não vou me reprimir; não
vou me frustrar”, e vamos nos escravizando aos desejos mais banais e às paixões
mais contrárias ao Evangelho e ao amor pelo próximo.
O próprio Jesus, de
modo particular, e a Escritura, de modo geral, nos exortam à vigilância e à
sobriedade. O jejum e a abstinência, portanto, são um treino para que sejamos
senhores de nós mesmos, de nossas paixões, desejos e vontades. Assim, seremos
realmente livres para Cristo, sendo livres para realizar aquilo que é reto e
desejável aos olhos de Deus! O próprio Jesus afirmou que quem comete pecado é
escravo do pecado! Não adianta: sem o exercício da abstinência, jamais seremos
fortes. Não basta malhar o corpo; é preciso malhar o coração!
Reflita:
Como vai sua vida
ascética, de disciplina espiritual? Você tem um tempo para rezar, para meditar
nas Escrituras?
Você organiza seu
tempo: divertimento, sono, internet, etc...
Você leva a vida ou
a vida leva você?
Você procura se
conhecer? Quais são seus principais vícios (maus hábitos)? Combate-os?
(3) O jejum tem
também a função de nos unir a Cristo, no Seu período de quarenta dias no
deserto.
Quaresma de Cristo,
quaresma do cristão.
Faz-nos, assim,
participantes da paixão do Senhor, completando em nós o que faltou à cruz de
Jesus.
O cristão jejua por
amor a Cristo e para unir-se a Ele, trazendo na sua carne as marcas da cruz do
Senhor.
É uma união com o
Senhor que não envolve somente a alma, com seus sentimentos e afetos, mas
também o corpo. É o homem todo, a pessoa na sua totalidade que se une ao
Cristo.
Nunca é demais
recordar que o cristianismo não é uma religião simplesmente da alma, mas atinge
o homem em sua totalidade. Pelo jejum, também o corpo reza, também o corpo luta
para colocar-se no âmbito da vida nova de Cristo Jesus. Também o corpo
necessita, como o coração, ser esvaziado do vinagre dos vícios para ser
preenchido pelo mel, que é o Espírito Santo de Jesus.
Pergunte-se:
Quem é o Senhor do
seu corpo, dos seus instintos, da sua afetividade, da sua vida sexual?
Quem inspira os eu
alimentar-se e o seu modo de vestir?
(4) Finalmente, o
jejum e a abstinência, fazem-nos recordar aqueles que passam privação,
sobretudo a fome, abrindo-nos para os irmãos necessitados.
Há tantos que, à
força, pela gritante injustiça social em nosso País, jejuam e se abstêm todos
os dias, o ano todo!
O jejum nos faz
sentir um pouco a sua dor, tão concreta, tão real, tão dolorosa!
Por isso mesmo, na
tradição mística e ascética da Igreja, o jejum e a abstinência devem ser
acompanhados sempre pela esmola: aquele alimento do qual me privo, já não é
mais meu, mas deve ser destinado ao pobre. É por isso que os pobres, ainda
hoje, nos dias de jejum, pedem nas portas o “meu jejum”.
Eis o jejum
perfeito: ele me abre para Deus e para os irmãos. Neste ponto, é enorme a
insistência seja da Sagrada Escritura, seja dos Padres da Igreja (os santos
doutores dos primeiros séculos do cristianismo).
Resta-nos, agora,
passar da teoria à prática. Seja esta nossa quaresma rica do jejum e da
abstinência, enriquecidos com o bem da caridade fraterna, da esmola, que se
efetiva na atenção e preocupação ativa e concreta pelos pobres de todas as
pobretas.
Pergunte-se:
Como é minha relação
com os pobres das várias pobrezas do mundo?
Sei ir ao encontro
dos necessitados? Partilho o que tenho em abundância, seja material seja
espiritualmente?
Vejo nos irmãos,
sobretudo nos pobres e necessitados, a presença de Cristo? Honro-os, ajudo-os,
amo-os por amor a Cristo?
Reze o Salmo 49/50
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