quinta-feira, 12 de março de 2015

Retiro quaresmal - quarta-feira da III semana.


Dom Henrique Soares.

Hoje, gostaria de fazer com você uma meditação sobre o jejum, de modo especial, e a abstinência dos alimentos, de modo geral.

Recorde que uma das características do tempo da Quaresma, é a penitência, sobretudo no comer e no beber. Tal penitência pode consistir numa simples abstinência, que é renúncia a algum alimento, ou pode chegar ao jejum, que consiste no privar-se das refeições de modo total ou parcial.

É muito importante a prática de tal forma de penitência. Aliás, eram o jejum e a abstinência que, na Igreja Antiga, davam uma fisionomia própria ao tempo quaresmal.

Mas, por que jejuar? Por que se abster de alimentos?

É necessário compreender o sentido profundo que o cristianismo dá a essas práticas, para não ficarmos numa atitude superficial, às vezes até folclórica ou, por ignorância pura e simples, desprezarmos algo tão belo e precioso no caminho espiritual do cristão.

O jejum e a abstinência têm quatro sentidos muito específicos e claros:

(1) O jejum nos ensina que somos radicalmente dependentes de Deus.

Na Escritura, a palavra nephesh significa, ao mesmo tempo, vida e garganta. A ideia que isso exprime é que nossa vida não vem de nós mesmos, não a damos a nós próprios; nós a recebemos continuamente: ela entra pela nossa garganta com o alimento que comemos, a água que bebemos, o ar que respiramos. Jamais o homem pode pensar que se basta a si mesmo, que pode se fechar para Deus. Quando jejuamos, sentimos uma certa fraqueza e lerdeza, às vezes, nos vem mesmo um pouco de tontura.

Isso faz parte da “psicologia do jejum”: recorda-nos o que somos sem esta vida que vem de fora, que nos é dada por Deus continuamente. A prática do jejum, impede-nos, então, da ilusão de pensar que a nossa existência, uma vez recebida, é autônoma, fechada, independente. Nunca poderemos dizer: “A vida é minha; faço como eu quero!” A vida será, sempre e em todas as suas etapas, um dom de Deus, um presente gratuito, e nós seremos sempre dependentes dele.

Esta dependência nos amadurece, nos liberta de nossos estreitos e mesquinhos horizontes, nos livra da auto-suficiência e nos faz compreender “na carne” nossa própria verdade, recordando-nos que a vida é para ser vivida em diálogo de amor com Aquele que no-la deu.

Pergunte-se:

Vivo minha existência diante de Deus, sempre consciente de que Ele é meu rochedo, minha fonte, meu destino, meu fim, o sentido da minha existência?

Sentir-me e saber-me dependente de Deus é, para mim, humilhação ou paz, revolta soberba ou obediência amorosa?

Poderia eu repetir com toda a verdade as palavras de Santa Teresa de Jesus: "Vossa sou, para Vós nasci; que quereis fazer de mim?"

(2) O alimento é uma de nossas necessidades básicas, um de nossos instintos mais fundamentais, juntamente com a sexualidade.

A abstenção do alimento nos exercita na disciplina, fortalecendo nossa força de vontade, aguçando nossa capacidade de vigilância, dando-nos a capacidade para uma verdadeira disciplina. Nossa tendência é ir atrás de nossos instintos, de nossas tendências, de nossa vontade desequilibrada. Aliás, essa é a grande fraqueza e o grande engano do mundo atual. Dizemos: “não vou me reprimir; não vou me frustrar”, e vamos nos escravizando aos desejos mais banais e às paixões mais contrárias ao Evangelho e ao amor pelo próximo.

O próprio Jesus, de modo particular, e a Escritura, de modo geral, nos exortam à vigilância e à sobriedade. O jejum e a abstinência, portanto, são um treino para que sejamos senhores de nós mesmos, de nossas paixões, desejos e vontades. Assim, seremos realmente livres para Cristo, sendo livres para realizar aquilo que é reto e desejável aos olhos de Deus! O próprio Jesus afirmou que quem comete pecado é escravo do pecado! Não adianta: sem o exercício da abstinência, jamais seremos fortes. Não basta malhar o corpo; é preciso malhar o coração!

Reflita:

Como vai sua vida ascética, de disciplina espiritual? Você tem um tempo para rezar, para meditar nas Escrituras?

Você organiza seu tempo: divertimento, sono, internet, etc...

Você leva a vida ou a vida leva você?

Você procura se conhecer? Quais são seus principais vícios (maus hábitos)? Combate-os?

(3) O jejum tem também a função de nos unir a Cristo, no Seu período de quarenta dias no deserto.

Quaresma de Cristo, quaresma do cristão.

Faz-nos, assim, participantes da paixão do Senhor, completando em nós o que faltou à cruz de Jesus.
O cristão jejua por amor a Cristo e para unir-se a Ele, trazendo na sua carne as marcas da cruz do Senhor.

É uma união com o Senhor que não envolve somente a alma, com seus sentimentos e afetos, mas também o corpo. É o homem todo, a pessoa na sua totalidade que se une ao Cristo.

Nunca é demais recordar que o cristianismo não é uma religião simplesmente da alma, mas atinge o homem em sua totalidade. Pelo jejum, também o corpo reza, também o corpo luta para colocar-se no âmbito da vida nova de Cristo Jesus. Também o corpo necessita, como o coração, ser esvaziado do vinagre dos vícios para ser preenchido pelo mel, que é o Espírito Santo de Jesus.

Pergunte-se:

Quem é o Senhor do seu corpo, dos seus instintos, da sua afetividade, da sua vida sexual?

Quem inspira os eu alimentar-se e o seu modo de vestir?

(4) Finalmente, o jejum e a abstinência, fazem-nos recordar aqueles que passam privação, sobretudo a fome, abrindo-nos para os irmãos necessitados.

Há tantos que, à força, pela gritante injustiça social em nosso País, jejuam e se abstêm todos os dias, o ano todo!

O jejum nos faz sentir um pouco a sua dor, tão concreta, tão real, tão dolorosa!

Por isso mesmo, na tradição mística e ascética da Igreja, o jejum e a abstinência devem ser acompanhados sempre pela esmola: aquele alimento do qual me privo, já não é mais meu, mas deve ser destinado ao pobre. É por isso que os pobres, ainda hoje, nos dias de jejum, pedem nas portas o “meu jejum”.

Eis o jejum perfeito: ele me abre para Deus e para os irmãos. Neste ponto, é enorme a insistência seja da Sagrada Escritura, seja dos Padres da Igreja (os santos doutores dos primeiros séculos do cristianismo).

Resta-nos, agora, passar da teoria à prática. Seja esta nossa quaresma rica do jejum e da abstinência, enriquecidos com o bem da caridade fraterna, da esmola, que se efetiva na atenção e preocupação ativa e concreta pelos pobres de todas as pobretas.

Pergunte-se:

Como é minha relação com os pobres das várias pobrezas do mundo?

Sei ir ao encontro dos necessitados? Partilho o que tenho em abundância, seja material seja espiritualmente?

Vejo nos irmãos, sobretudo nos pobres e necessitados, a presença de Cristo? Honro-os, ajudo-os, amo-os por amor a Cristo?


Reze o Salmo 49/50

Nenhum comentário:

Postar um comentário