Por Dom Henrique Soares
Pensemos hoje naquela
tremenda perícope do Gênesis 22, na qual Deus pede a Abraão tudo quanto ele
tinha: “teu filho único, Isaac, a quem tanto amas”.
Isaac era tudo para
Abraão: por ele, tinha deixado Ur na Caldeia, por ele, tinha esperado mais de
trinta anos, por ele, tinha suportado todas as provas...
E, agora, já idoso,
sem nenhuma possibilidade de ter mais filhos, agora que o menino já está
crescidinho e Abraão pensava poder descansar, Deus o pede a Abraão. Que prova!
A fé de Abraão, aqui, chega quase que ao absurdo! Mas, ele foi em frente e
“estendeu a mão, empunhando a faca para sacrificar o filho”.
Pensemos um pouco:
Deus tinha o direito
de pedir isso a Abraão?
Deus tem o direito de
nos provar, de tantas vezes nos pedir coisas que não compreendemos bem?
Tem o direito de pedir
fé e confiança diante dos percalços da vida?
Poderíamos responder
dizendo simplesmente que “sim”, porque Ele é Deus; deu-nos tudo e pode
pedir-nos o que desejar.
Mas, não é essa a
resposta que a Palavra de Deus nos indica Escritura.
Ele nos pode pedir,
certamente, e nós devemos dar, com certeza, porque Ele mesmo, o nosso Deus, nos
deu tudo! Ele, que pede que Abraão Lhe sacrifique o filho único e amado, é o
mesmo Deus que, como diz São Paulo, na Epístola aos Romanos, “não poupou Seu
próprio Filho, mas O entregou por todos nós!”
Eis o grande mistério:
Deus, no Seu amor por nós – primeiro pelo povo de Israel, descendência de
Abraão, e, depois, por toda a humanidade, com a qual Ele deseja formar o novo
povo, que é a Igreja – Deus, no Seu amor por nós, entregou à morte o Seu Filho
único, o Amado, o Justo e Santo, aquele no qual ele coloca todo o Seu
bem-querer.
Não é assim que Ele
no-Lo apresentou no II Domingo quaresmal no Monte Tabor? “Este é o Meu Filho
amado. Escutai o que Ele diz!” É este Filho que será entregue à morte.
O Evangelho de São
Lucas nos diz que, precisamente nesta ocasião, Jesus transfigurado falava com
Moisés e Elias “sobre a Sua partida, isto é, a Sua morte, que iria se consumar
em Jerusalém” (Lc 9,31). E no Evangelho de São Marcos, hoje proclamado, o
próprio Jesus, ao descer da montanha, “ordenou que não contassem a ninguém o
que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos”.
Eis a mensagem: sobre
o Monte Tabor, com o Transfigurado envolto em glória, paira a sombra da paixão,
da morte do Filho amado e único, que o Deus de Abraão entregará por nós até o
fim. Ao filho de Abraão, a Isaac, Deus poupou no último momento; não poupará,
contudo, o Seu próprio Filho!
Isso nos revela a
dimensão do amor de Deus, da sua paixão pela humanidade, do Seu compromisso
salvífico em nosso favor! Ele pode nos pedir tudo e nós deveríamos dar-Lhe
tudo, porque, ainda que não compreendamos, ele deseja somente o nosso bem, a
nossa vida, a nossa salvação. Somos preciosos a Seus olhos! Eis o que afirma o
Apóstolo: "Se Deus é por nós, quem será contra nós? Deus que não poupou
Seu próprio Filho, mas O entregou por todos nós, como não nos daria tudo
juntamente com Ele? Quem acusará os escolhidos de Deus? Deus, que os declara
justos? Quem condenará? Jesus Cristo, que morreu, mais ainda, que ressuscitou,
e está à direita de Deus, intercedendo por nós?” Eis, pois, a dimensão e a
profundidade, a largura e a altura do amor de Deus por nós!
Deixemo-nos, portanto,
tocar no nosso coração; convertamo-nos! Abramo-nos para o Senhor!
Arrependamo-nos de nossas indiferenças, de nossa frieza, de nosso fechamento!
Tenhamos vergonha de tanta incredulidade e desconfiança de Deus, simplesmente
porque não entendemos seu modo de agir! Aliás, perguntemo-nos: qual o Isaac que
o Senhor me pede para oferecer-Lhe? Isaac é meu apego, Isaac é oque me é caro e
amável... Pense... Coragem!
Que Santo Abraão,
nosso pai na fé, e a Santíssima Virgem Maria, nossa Mãe na fé, intercedam por
nós para uma verdadeira conversão quaresmal. E que, realizando com generosidade
a amor, as práticas quaresmais, cheguemos às alegrias da Páscoa e contemplemos
nos santos mistérios da Liturgia, a face do Cristo glorificado!
Reze o Salmo
114-115/116
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