terça-feira, 10 de março de 2015

Retiro quaresmal - terça-feira da III semana.


Por Dom Henrique Soares

Pensemos hoje naquela tremenda perícope do Gênesis 22, na qual Deus pede a Abraão tudo quanto ele tinha: “teu filho único, Isaac, a quem tanto amas”.

Isaac era tudo para Abraão: por ele, tinha deixado Ur na Caldeia, por ele, tinha esperado mais de trinta anos, por ele, tinha suportado todas as provas...

E, agora, já idoso, sem nenhuma possibilidade de ter mais filhos, agora que o menino já está crescidinho e Abraão pensava poder descansar, Deus o pede a Abraão. Que prova! A fé de Abraão, aqui, chega quase que ao absurdo! Mas, ele foi em frente e “estendeu a mão, empunhando a faca para sacrificar o filho”.

Pensemos um pouco:

Deus tinha o direito de pedir isso a Abraão?

Deus tem o direito de nos provar, de tantas vezes nos pedir coisas que não compreendemos bem?

Tem o direito de pedir fé e confiança diante dos percalços da vida?

Poderíamos responder dizendo simplesmente que “sim”, porque Ele é Deus; deu-nos tudo e pode pedir-nos o que desejar.

Mas, não é essa a resposta que a Palavra de Deus nos indica Escritura.

Ele nos pode pedir, certamente, e nós devemos dar, com certeza, porque Ele mesmo, o nosso Deus, nos deu tudo! Ele, que pede que Abraão Lhe sacrifique o filho único e amado, é o mesmo Deus que, como diz São Paulo, na Epístola aos Romanos, “não poupou Seu próprio Filho, mas O entregou por todos nós!”

Eis o grande mistério: Deus, no Seu amor por nós – primeiro pelo povo de Israel, descendência de Abraão, e, depois, por toda a humanidade, com a qual Ele deseja formar o novo povo, que é a Igreja – Deus, no Seu amor por nós, entregou à morte o Seu Filho único, o Amado, o Justo e Santo, aquele no qual ele coloca todo o Seu bem-querer.

Não é assim que Ele no-Lo apresentou no II Domingo quaresmal no Monte Tabor? “Este é o Meu Filho amado. Escutai o que Ele diz!” É este Filho que será entregue à morte.

O Evangelho de São Lucas nos diz que, precisamente nesta ocasião, Jesus transfigurado falava com Moisés e Elias “sobre a Sua partida, isto é, a Sua morte, que iria se consumar em Jerusalém” (Lc 9,31). E no Evangelho de São Marcos, hoje proclamado, o próprio Jesus, ao descer da montanha, “ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos”.

Eis a mensagem: sobre o Monte Tabor, com o Transfigurado envolto em glória, paira a sombra da paixão, da morte do Filho amado e único, que o Deus de Abraão entregará por nós até o fim. Ao filho de Abraão, a Isaac, Deus poupou no último momento; não poupará, contudo, o Seu próprio Filho!

Isso nos revela a dimensão do amor de Deus, da sua paixão pela humanidade, do Seu compromisso salvífico em nosso favor! Ele pode nos pedir tudo e nós deveríamos dar-Lhe tudo, porque, ainda que não compreendamos, ele deseja somente o nosso bem, a nossa vida, a nossa salvação. Somos preciosos a Seus olhos! Eis o que afirma o Apóstolo: "Se Deus é por nós, quem será contra nós? Deus que não poupou Seu próprio Filho, mas O entregou por todos nós, como não nos daria tudo juntamente com Ele? Quem acusará os escolhidos de Deus? Deus, que os declara justos? Quem condenará? Jesus Cristo, que morreu, mais ainda, que ressuscitou, e está à direita de Deus, intercedendo por nós?” Eis, pois, a dimensão e a profundidade, a largura e a altura do amor de Deus por nós!

Deixemo-nos, portanto, tocar no nosso coração; convertamo-nos! Abramo-nos para o Senhor! Arrependamo-nos de nossas indiferenças, de nossa frieza, de nosso fechamento! Tenhamos vergonha de tanta incredulidade e desconfiança de Deus, simplesmente porque não entendemos seu modo de agir! Aliás, perguntemo-nos: qual o Isaac que o Senhor me pede para oferecer-Lhe? Isaac é meu apego, Isaac é oque me é caro e amável... Pense... Coragem!

Que Santo Abraão, nosso pai na fé, e a Santíssima Virgem Maria, nossa Mãe na fé, intercedam por nós para uma verdadeira conversão quaresmal. E que, realizando com generosidade a amor, as práticas quaresmais, cheguemos às alegrias da Páscoa e contemplemos nos santos mistérios da Liturgia, a face do Cristo glorificado!


Reze o Salmo 114-115/116

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