Por Carlos
Ramalhete
Um americano viajou
à Irlanda, e lá ficou surpreso com a quantidade de pessoas com o que
antigamente se chamava mongolismo e hoje é chamado “Síndrome de Down”.
Raríssimas na sociedade americana, estas pessoas a quem Morris West se referiu
como “aqueles a quem Deus deu a graça da eterna inocência” são muito mais
comuns na Irlanda.
A razão da diferença
proporcional é simples: nos EUA, eles são mortos. Mortos em condições
controladas e assépticas, em clínicas esterilizadas, assim que o pré-natal faz
com que os pais saibam que o filho é assim. Já na Irlanda, onde o aborto é
proibido, a pena de morte não é aplicada de modo tão automático.
Aqui no Brasil
estamos no meio-termo: muitos – não todos – são mortos; ilegalmente, mas não
menos fatalmente. Mas ressurge a ideia, já proposta pelo nazismo, de que o
Estado pode declarar que há vidas humanas sem valor. Vários juízes já deram
autorização para que fossem abortados bebês com má-formação do crânio ou do
cérebro, considerando que a condição deles seria “incompatível com a vida”, e
por isso a vida que eles têm pode ser exterminada. Agora, ao que se diz, a
questão vai para o Supremo Tribunal.
Eu poderia citar
casos, como o do funcionário francês que vive, trabalha e criou dois filhos
apesar de ter uma má-formação cerebral que lhe valeria a pena de morte se seu
caso houvesse sido julgado por um desses juízes, ou o da menininha Vitória, que
nasceu sem crânio e vive, ri e alegra seus pais em São Paulo desde que nasceu,
há um ano e meio. Mas não interessa.
O que apavora é que
a possibilidade de problemas, ou mesmo de morte precoce, possa valer uma
autorização automática para matar.
Ora, todos nós
morreremos. O mais saudável dos seres humanos pode morrer amanhã, e pessoas com
doenças graves podem viver longos anos, muitas vezes criando coisas que
perduram para sempre. Matar agora por ser provável que se morra amanhã é um
passo gigantesco e apavorante: é considerar que se pode matar, que se pode
julgar que uma vida presente não tem valor. Hoje podem ser crianças doentes. Amanhã
podem ser idosos, como já ocorre na Holanda. Depois de amanhã, podem ser as
crianças com o sexo “errado”, como já ocorre na China, podem ser os
homossexuais, podem ser quaisquer pessoas que se julgue não serem “produtivas o
bastante”. O céu, ou melhor, o inferno é o limite.
O perigoso é passar
por esta primeira porta, é achar que se pode declarar que uma vida não tem
valor. Se existe a permissão para matar, quem é a vítima é apenas um detalhe.
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