Por Ian
Farias.
“Que
Deus nos dê a sua graça e a sua bênção, e sua face resplandeça sobre nós”. Assim aclamamos com as palavras
do Salmo 66 à primeira leitura que contém a narrativa da antiga bênção
sacerdotal sobre o povo da aliança. Celebramos
neste primeiro dia do ano a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus. É bom
iniciarmos um ano louvando a Deus pelos benefícios que realizou em Maria, e ao
mesmo tempo louvá-Lo pelo mistério do Natal que completa hoje o ciclo das suas
oitavas. Com este desejo é que expresso minhas saudações de um cordial feliz e
santo ano novo aos nossos leitores e amigos.
Ao celebrarmos a
Festa da Theotokos, queremos render graças a Deus
porque em Maria nós aprendemos a contemplar a divindade e a humildade d’Aquele
que veio ao nosso encontro e falou ao nosso coração, nos convidando a uma
abertura sincera e comprometedora, deixando-nos moldar pela sua graça que
perpassa o tempo e nos alcança desde a sua plenitude (cf. Gl 4,4). No limiar
de um novo ano queremos celebrar o Dia Mundial da Paz. Já na primeira leitura,
tirada do livro dos Números, podemos destacar
a tripla menção do nome de Deus evocada na bênção que os sacerdotes
pronunciavam sobre o povo israelita nas grandes festas religiosas. Esta vem como promessa de vigor, felicidade
e dom de Deus: "Que o Senhor... te conceda a paz!" (6, 26); e
o que pedimos hoje é isto: Que o Senhor conceda a cada um de vós, às vossas
famílias, aos lugares frequentemente associados a conflitos armados, e ao mundo
inteiro, a paz.
No
decorrer da história, de fato, entre os trágicos acontecimentos, sentimos o
peso das guerras que não foram superadas e continuam a marcar a vida da
sociedade. O homem contemporâneo, não menos que os de outrora, vê seu país e a
sua própria realidade sendo dilacerada pelos conflitos que se predispõem a um
domínio passageiro e que finda no termo da vida desses que agora suspiram
ameaças de morte.
Iniciamos
este ano pondo-nos no caminho da paz e da reta consciência de dignidade, com a
qual entendemos que nenhum homem pode violar o direito da liberdade de outrem,
como nos recorda o Papa Francisco na Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste
ano: “Já não escravos, mas irmãos”.
Em Cristo, Deus nos irmanou, nos fez dignos de sermos chamados filhos seus,
como nos recorda São Paulo na segunda leitura (cf. Gl 4,6-7).
Mas há
muitos que colaboram para a ausência da verdadeira paz quando se omitem a cumprir
fielmente o dever que lhes fora confiado e a verdade que não defendem. Penso –
como nos recorda ainda o Papa Francisco – naqueles que “para enriquecer, estão
dispostos a tudo” (Mens. Dia Mundial da
Paz 2015, nº 4) e se apoiam nos esquemas de corrupção, fechando-se ao
clamor dos que estão desfavorecidos, quer pelo sistema, quer pelas condições
sociais ou religiosas. Que o Senhor conceda
a estes que tem a sua dignidade deformada e a imagem de filhos de Deus manchada
a graça de colocarem a mão na consciência para que, conclamados ao perdão,
abram-se à misericórdia divina e sejam solícitos para com os irmãos que são,
como eles, imagem e semelhança de Deus.
Hoje nós rezamos a
fim de que a paz, anunciada pelo anjo aos pastores na noite santa, firme-se em
lugar da violência: «Super terram pax in hominibus
bonae voluntatis» (Lc 2, 14).
Que o Senhor aparte de nós a violência e a injustiça: Cede lugar para que reine
a alegria, o amor e a esperança. Abrace os homens secos pela falta de amor.
Quem não ama, esse sim, está desprevenido, torna-se vulnerável aos seus
instintos; usa da junção de corpo e alma para tramar o mal e passa a ser apenas
um ser instintivo que maquina ardilosas e pérfidas ideologias. Se o amor pode
tornar o mau, bom; o infeliz, feliz; o individualista, fraterno; o velho, novo;
a falta de amor pode gerar homens findados em si, velhos interiormente,
infelizes por nada conseguirem a seu modo. Abramo-nos ao amor! Deixemo-nos
cativar pelo brilho que vence as lágrimas da tristeza. Que Vós, Rei da Paz, façais
da morte, vida; do medo, coragem; da descrença, esperança.
Na carta aos Gálatas,
que hoje escutamos, Paulo nos apresenta a adoção filial como um resumo da obra
salvífica de Cristo na humanidade. Como parte resguardada nesta ação de
salvação encontra-se a figura da maternidade divina de Maria, a Theotokos. Escreve ele: "Mas, ao chegar a
plenitude dos tempos Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher, sujeito à
Lei" (4, 4). Maria é a Mulher por excelência! N’Ela Deus operou o início
do seu mistério redentor permitindo que concebesse o Verbo encarnando. Oito
dias depois do Natal, portanto, essa festa encontra-se justamente colocada. De
fato, antes do Concílio Vaticano II, a Maternidade Divina tinha lugar no dia 11
de outubro e a 1 de janeiro era celebrada a memória da Circuncisão do Senhor.
Essa mudança, entretanto, não evidencia uma atenção menor ao Cristo. Pelo
contrário, diríamos que antes de contemplar-se a figura de Maria, Cristo é
imprescindivelmente o primeiro contemplado, uma vez que é por meio d’Ele que
todas as coisas acontecem e se voltam.
O
sentido do termo “plenitude” não só faz o cumprimento das profecias messiânicas
como também assume o momento central da humanidade, um sentido absoluto de Deus
que dá a sua Palavra – Verbo – definitivamente na história humana. Como
recorda-nos o Santo Padre Bento XVI: “na perspectiva cristã, todo o tempo é
habitado por Deus, não há futuro que não seja em direção a Cristo e não existe
plenitude fora de Cristo” (Homilia, 1
de janeiro de 2011).
O
Evangelho nos faz alusão do silêncio e da discrição que marcam a feminilidade
da figura da Mãe: “Maria, conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu
coração" (Lc 2, 19). Conservar os mistérios de Deus
é virtude e atitude de sabedoria diante de tantas propostas adversas ao querer
divino. A palavrar olhar em italiano se traduz como “guardare”. Em português poderíamos dizer que essa assume um sentido
ulterior: Não basta olharmos o Menino deitado na manjedoura; não basta olharmos
Jesus se não o guardamos em nosso coração e não fazemos d’Ele o nosso guia e a
centelha de esperança num mundo marcado pelo desprezo e pela falta de fé.
Podemos observar na história que todas as buscas que foram obstinadamente
direcionadas ao próprio homem, e não a Cristo, deram lugar aos conflitos
armados e à escravidão.
Para conservar os mistérios de Deus devemos manter o silêncio, a
sobriedade e o respeito. Numa sociedade de tantos barulhos, São Francisco de
Sales já advertira: “O bem não faz barulho, e o barulho não faz bem”. Que a
singeleza de Maria seja também a nossa singeleza no trato com as coisas de
Deus. O verdadeiro bem não é aquele que é explicitado ou aquele que fazemos
questão de divulgar, mas sim aquele que oculta-se sob a humildade de Deus.
Cristo desce numa noite de silêncio, segundo a liturgia belamente nos faz
cantar: “Quando um profundo silêncio envolvia todas
as coisas e a noite estava no meio do seu curso, a vossa Palavra omnipotente,
Senhor, desceu do seu trono real” (Ant.
ao Magn. 26 de Dezembro).
Na escola de Maria queremos pedir que o Senhor nos
conceda a graça do discernimento e da escuta atenta à Palavra. “Podemos ter a certeza: se não nos
cansarmos de procurar o seu rosto, se não cedermos à tentação do
desencorajamento e da dúvida, se mesmo entre as muitas dificuldades que
encontramos permanecermos sempre ancorados a Ele, experimentaremos o poder do
seu amor e da sua misericórdia. O frágil Menino que a Virgem mostra hoje ao
mundo, nos torne artífices de paz, testemunhas d'Ele, Príncipe da paz” (Papa
Bento XVI, Homilia, 1 de janeiro de 2008).
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