segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Nem Charlie, nem Al Qaeda.


Por Denilson Cardoso de Araújo

Em 1998, vendo no que ia dar, me afastei do PT. Interessa aqui a minha frase de então. Não quero ser refém do Lula. Não sou. Ao contrário de tantos que seguem reféns, defendendo o indefensável, quando escrevo sobre a derrocada do sonho, é tranquilo que o faço. Ser refém é ruim. Conheço famílias reféns. De filhos pródigos, porque não agiram a tempo de evitar o desabamento no vício e na ilicitude. E reféns de abusadores de liberdades, pois permitiram o intolerável. Doutrinador da tolerância, Stuart Mill ensinou que só deve ser permitida publicamente a prática daquilo que pode ser incentivado a todos. Pode ser estimulado o abuso?

Pode um ocidental, frente à principal mesquita de um país islâmico, onde a mera reprodução pictórica de Maomé é vedada, fazer chacota com o fundador do Islã? E, na piada, exibir o profeta em cartum da Charlie Hebdo: nu, de quatro e com uma estrela no ânus sob jocosa inscrição “Nasce uma estrela”? A livre expressão pode tudo? Não.

Empresário em missão estrangeira sabe. Calará sobre costumes estranhos, sob pena de fracasso dos negócios. Missionários e antropólogos, em respeito aos valores dos povos que vão converter e estudar, nem sempre dirão o que pensam. Embaixadores, acatando a diversidade dos países em que atuam, deverão engolir sapos. Até o turista deverá silêncio quando discordar de tradições dos países que visita.

A globalização fez do planeta grande praça à frente de toda igreja, casa e mesquita. Discursos e caricaturas são conhecidos ao toque do instante. O que exige maior cuidado. Da imigração, países europeus são, hoje, também muçulmanos. A leviandade de se permitir agressões a símbolos cristãos, não obriga a que todo mundo leve na boa o achincalhe da fé que cultivam. Claro que não se pode justificar estuprador porque a moça usava short cavado. Mas prudente será que, em surtos de estupro, moças de shorts cavados evitem certos lugares. Cautela do bom senso.

Muitos, que não observam cautelas, são hoje reféns da frase oportunista: Je suis Charlie. Feita para condenar o terror, dá apoio à revista. Estou fora. Não sou Al Qaeda, não sou Charlie. Nem acho lícito que o esforço de todos sustente o abuso de alguns. Garantir, à custa do Erário, que sigam desenhando Deus Pai, Cristo e o Espírito Santo se sodomizando, em vilipendiosa brincadeira, me parece contrassenso. Custear policiais como guarda pessoal de tal minoria boêmia pode roubar dos miseráveis sem champanhe e sem direitos de expressão, mais dos serviços, saúde e educação que lhes faltam.

Em nome da livre manifestação, na passagem do Papa no Rio, militantes gays e abortistas reproduziram masturbação com o crucifixo. Que, vale lembrar, um dia foi cena da menina possuída pelo demônio, no filme O Exorcista. Algo não vai bem quando esse abuso ocorre onde já se estabeleceu que o direito de livre expressão não é absoluto. O Brasil proíbe a propaganda nazista e a divulgação de certos discursos a plateias infantis, impondo classificação etária de produtos culturais. O chute na santa é vedado porque o que para uns é só estátua pode ser o sagrado de outro. Para muitos, o crucifixo é símbolo sagrado.

A França está ficando tão refém do seu discurso de liberdade de expressão radical, quanto os Estados Unidos, de seu discurso de liberdade de portar armas. Quando massacres acontecem nas escolas de um e nas redações de outro, parece uma ingenuidade não revisar tais conceitos.


A liberdade de expressão é boa herança, mas seu abuso, absolutamente, não. O Charlie Hebdo opera uma pedagogia do escândalo e do bullying. Que não seja modelo. Quem conhece a guerra do dia a dia em nossas escolas sabe do que estou falando.

Nenhum comentário:

Postar um comentário