(é preciso começar pela
destruição da família)
Por Pe. Luiz Carlos Lodi da
Cruz
A célula
Os biólogos costumam definir
a célula como a unidade morfológica e fisiológica dos entes vivos. Ela é a
menor porção de um ente vivo que ainda é capaz de realizar as atividades
básicas de um vivente: nutrição, crescimento, reprodução. Se dividirmos uma célula,
encontraremos um núcleo e um citoplasma com vários organoides, mas nenhum deles
é capaz de exercer todas aquelas atividades vitais. Ao chegarmos à célula,
chegamos ao limite. Ela é a unidade que compõe os tecidos, os
quais compõem os órgãos, os quais compõem os aparelhos e sistemas, os quais
compõem o organismo.
Analogamente, se dividirmos
a sociedade, antes de chegarmos às pessoas, chegaremos à família.
Uma pessoa já não é uma sociedade. A família ainda é sociedade. É a menor
porção em que se pode dividir uma sociedade, de modo a conservar as
propriedades sociais. Na família existe a autoridade, a obediência, a ordem, a
justiça, o amor paterno e fraterno, o cuidado de uns pelos outros, enfim, tudo
o que existe (ou deve existir) nas sociedades maiores, como o Estado. A família
é uma sociedade em miniatura. E como sociedade, ela tem o poder de crescer.
Dela saem os filhos que irão constituir novas famílias. Com razão, ela é a
célula da sociedade (nossa Constituição Federal, no art. 226, caput,
diz “base da sociedade”).
A necrose social
Uma maneira eficiente de
destruir um organismo é destruir suas células. Causar uma necrose no tecido
social é mais grave do que golpear a cabeça. Vejamos.
Se um grupo de
revolucionários derruba as autoridades constituídas, toma o poder e passa a
impor à sociedade o ateísmo, o confinamento de crianças em creches, o trabalho
obrigatório da mulher fora do lar, a limitação do número de filhos... tudo isso
pode fazer a sociedade sofrer muito. Mas esse golpe “de cima para baixo” nem
sempre é suficiente para corrompê-la. Pode haver uma reação silenciosa mas
eficaz das famílias às ordens injustas do novo governo. A religião pode
proliferar às escondidas. A moral pode subsistir contra a vontade dos
revolucionários.
Um câncer moral se alastra. Necrosa e apodrece o tecido social |
Algo muito pior ocorre
quando se pretende corromper a sociedade em sua base, em sua célula vital: a
família. Seduzida e inebriada pela corrupção, a família não se vê em condições
de reagir. Um câncer moral vai-se alastrando e o tecido social sofre uma
necrose. É o que estamos, infelizmente, presenciando hoje em dia.
Os esposos são seduzidos
pela propaganda divorcista a obterem a felicidade a qualquer preço: mesmo que
seja à custa do repúdio daquele ou daquela a quem se prometeu fidelidade; mesmo
que seja à custa do abandono dos filhos gerados.
A mulher é convidada, não a
cooperar com o homem, mas a competir com ele. É arremessada ao mercado de
trabalho, uma vez que “descobriu” que só o emprego fora do lar pode trazer
“realização pessoal”. Para trabalhar fora, é preciso não ter filhos, ou
gerá-los em pequeno número e deixá-los em uma creche durante o expediente.
Surge daí a anticoncepção e a esterilização como
bandeiras feministas: o “direito” de dissociar o significado unitivo do significado
procriador do ato conjugal; o “direito” de privar esse ato de sua
natural abertura à vida; o “direito” de converter um ato de amor em um ato de
egoísmo a dois, totalmente fechado a um terceiro. Se a anticoncepção falhar,
procura-se o aborto, como tentativa de destruir o intruso que veio
perturbar o casal.
Aos jovens ensina-se que
tudo é permitido, com a condição de se tomar cuidado para não contrair as
doenças sexualmente transmissíveis. O preservativo de látex é exaltado como a
salvação para a juventude. Usá-lo significa evitar a gravidez, ficar livre de
doenças e poder gozar de toda a lascívia que o mundo oferece. Libertinagem sem
riscos, orgias sem ônus, pecado seguro.
Se dois “parceiros” (não se
fala “namorados”, nem “noivos”, nem “cônjuges”) acostumam-se a praticar o ato
sexual apenas entre si, surge a figura da “união estável”, que a Constituição
Federal reconhece como “entidade familiar” (art. 226, §3°, CF). Melhor seria
chamá-la de “união instável”, pois ela surge sem qualquer compromisso e se
desfaz do mesmo modo como surge.
Ora, chamar a fornicação habitual
de “entidade familiar” é um insulto à família. Mas pior insulto ainda é
reconhecer juridicamente as uniões homossexuais, como fez o Supremo
Tribunal Federal, e dar aos cúmplices do vício contra a natureza os mesmos
direitos que teriam dois cônjuges, inclusive o de adotar crianças.
Se os governantes
convidassem os adúlteros a fazerem marchas e passeatas públicas, a fim de
mostrarem que se orgulham de terem traído suas mulheres ou seus maridos, sem
dúvida essa apologia do adultério seria gravíssima.
No entanto, algo de muito
pior está sendo feito: o governo tem investido maciçamente a fim de convencer a
população — a começar pelas crianças e jovens em idade escolar — de que o
homossexualismo é uma simples “opção” sexual, tão válida e aceitável quanto a
de se casar com alguém do sexo oposto. E aquilo que é um vício contra a
natureza passa a ser objeto de orgulho. Com o dinheiro público
patrocinam-se marchas de “orgulho” homossexual. E os insatisfeitos com isso (apelidados
de “homofóbicos”) são ameaçados de serem punidos como criminosos.
Que é tudo isso? É um ataque
maciço à célula da sociedade, à família. É um bombardeamento incessante a fim
de que ela não se forme; se está formada, que não procrie; se procriar, que os
filhos não cheguem a nascer; se nascerem, que sejam corrompidos antes da idade
adulta, de modo que nunca possam constituir uma nova autêntica família.
A Igreja doméstica
Não é apenas do Estado que a
família é célula. Ela é célula da Igreja, a sociedade dos cristãos. Com razão,
a família é chamada “Igreja doméstica”. De fato, ela conserva (ou deveria
conservar) todas as notas pelas quais se reconhece a Igreja: a unidade,
a santidade, a catolicidade e a apostolicidade.
A família cristã é una,
pois os cônjuges, unidos até à morte pelo sacramento do matrimônio, formam uma
só carne. Essa união é santa e fecunda. Os esposos
santificam-se um ao outro e santificam os filhos por ambos gerados. Os pais são
os primeiros catequistas dos filhos. Cabe a eles encaminhar seus filhos para os
sacramentos, a começar pelo Batismo, a fim de que a graça possa
aperfeiçoar a obra da natureza.
A família cristã é católica no
sentido de que está aberta à universalidade. Seus filhos hão de sair dela, seja
para constituírem novas famílias, seja para ingressarem na vida sacerdotal ou
religiosa.
Por fim, a família cristã é apostólica em
dois sentidos: por transmitir, já no ambiente doméstico, a doutrina dos
Apóstolos; por ser “enviada” (sentido de “apóstolo”) ao mundo a fim de
conservá-lo (como o sal), de iluminá-lo (como uma lâmpada) e de fazê-lo crescer
(como o fermento).
Concluo transcrevendo as
palavras de Dom Manoel Pestana Filho, saudoso Bispo de Anápolis, escritas na
capa da pasta do VIII Congresso Teológico 2004 “A Família Cristã: célula-mãe de
uma sociedade melhor”.[1]
Santificar a família é renovar a Igreja e o mundo.
A família é hoje o grande
campo de batalha entre a vida e a morte, a verdade e a mentira, o bem e o mal.
Salvar a família é assegurar o futuro. Santificá-la é renovar a Igreja e o
mundo.
Porque é a família que constrói
os homens, os cristãos e os santos. Tudo o que se faz pela família, ainda é
muito pouco; tudo o que se fizer sem a família é quase nada.
***
Antes do princípio era a
FAMÍLIA divina: Pai, Filho e Espírito Santo.
No momento da criação, a
FAMÍLIA humana: Adão e Eva, uma só carne, fonte da vida.
No tempo da Redenção, a
FAMÍLIA humano-divina: Jesus, Maria, José, santidade e graça.
***
[1] O Congresso
ocorreu nos dias 31 de julho e 1° de agosto de 2004, no Salão da Catedral do
Bom Jesus, Centro, Anápolis, GO. Na época, Dom Manoel já era Administrador
Apostólico, e esperava a posse do novo Bispo Dom João Wilk.
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