Por Denilson
Cardoso de Araújo
Saúdo a vocês, de
ambos os lados, que conseguiram emergir desta eleição – especialmente do
segundo turno - sem se emporcalhar. Porque difícil foi, ficar imune à abjeta
artilharia inaugurada pela campanha oficial e depois respondida, em monta menor,
mas também de grosso calibre, pela campanha da oposição. Se você conseguiu não
compartilhar, de viva voz ou pela internet, o ataque, a fofoca, a insanidade e
as mentiras; se conseguiu tolerar e compreender o amigo que estava em febre
eleitoral; se conseguiu se conter quando jovens fazendo um digamos, ébrio maio
de 1968, cuspiram sobre você impropérios, seja de comunista barato ou de
neoliberal nojento, você é um vitorioso.
A você, que perdeu a
eleição, mas que perdeu por tão pouco, trago um recado. Não desanime. Os
sensatos que olharam o mapa de resultados não desanimaram. Após o jogo sujo e
pesado que a candidatura oficial aplicou nos primeiros 10 dias da campanha do
2º turno - bisando o que fizera no 1º turno contra Marina - foi uma vitória
moral Aécio chegar em situação de empate. Um parêntese para quem quer,
indevidamente, igualar o jogo sujo no placar. Futebol. Numa disputa de bola,
incomodado com a marcação cerrada, mas leal, um atacante uruguaio mete um soco
na cara do zagueiro, que cai, surpreso e de nariz quebrado. O agredido se
levanta e empurra o agressor com as duas mãos no peito. Faz-se a confusão, tomo
mundo se mete, vem a turma do deixa disso, o juiz aparece e resolve. Os dois
pro chuveiro. Na justiça desportiva, não sei, mas se o caso fosse a julgamento
na justiça comum, com as câmeras demonstrando o agravo inicial, haveria
punições a ambos, é óbvio, mas o boxeador improvisado não teria o benefício da
atenuante que favoreceria o zagueiro, que apenas revidou e, em intensidade
menor. Assim se deu esta história. E ponto.
O recado foi alto e
nítido. Para quem, como o PT, que se acostumou a ganhar eleições presidenciais
por 15 a 20 milhões de votos, vencê-las por apenas 3 milhões de sufrágios é
recado retumbante. O país está, sim, dividido. Existe uma inescapável exaustão
com as práticas petistas que não mais poderá ser desconsiderada. O PT perdeu
certa carta branca, de que se valia abusadamente.
Lula sai muito
chamuscado deste pleito, pois para alcançar a vitória de Dilma, teve que,
pessoalmente, descer o nível como nunca antes fizera, assumindo - em boca
própria - tanto insultos pessoais como o jogo rasteiro. É claro que isso o
indispõe com parcela ainda maior do eleitorado que podia não votar em Dilma,
mas guardava reservas de admiração pela biografia do líder petista.
Mas também a você,
que ganhou por tão pouco, e essa vitória tão cara, preciso dizer. Seja comedido
na comemoração. Hoje presenciei provocações clubísticas, como se estivéssemos
num dia seguinte à final do campeonato. Menos. Os prudentes não ficaram
eufóricos. Veja porque.
Como óbitos precoces
e súbitos que, bestificando os vivos, por vezes, beatificam vidas tortas,
vitórias costumam enterrar as sujeiras da campanha debaixo dos tapetes da
celebração. Mas os gols de Dilma, ao final, foram de mão, em impedimento, e com
falta no goleiro. É uma vitória feia. Até hoje, 25 anos depois, lembramos de
como Collor de Mello foi inescrupuloso em sua vitória de 1989. Não tenham
dúvidas de que a inescrupulosa postura ditada pelo marqueteiro da campanha de
Dilma - mas acatada pela direção partidária - atravessará décadas na memória
dos eleitores. Não por acaso, petistas de bom calibre, como Arlindo Chinaglia
em entrevista na TV Bandeirantes, deixaram claro que discordaram desse violento
tom da campanha. Tendo presidido a Câmara, Chinaglia sabe como a memória
negativa da campanha dificulta as negociações, por contaminar as relações
partidárias e a percepção popular sobre qualquer ato governamental daqui para a
frente. Assim foi com Collor, assim com Dilma será. E isso é mais grave na
medida em que a vitória lhe concede, não outros quatro anos de mandato, mas sim
uma maratona de obstáculos dentro de um pesado espólio que é o cipoal de
equívocos, malfeitos e contradições de difícil administração acumulados.
Sem falar do
desenrolar dos escândalos que, a experiência ensina, farão muito militante
aguerrido se arrepender de certas veemências, fiquemos, por exemplo, com a
economia. Se estabilização econômica não houvesse, inexistiria Bolsa Família.
Não é imaginável Bolsa Família em tempos de inflação de 900%. Porque, para que
tivesse valor, o programa precisaria de reajustes frequentes. E, por mais que
nos desconforte afirmar, a indexação, ficou provado, alimenta a inflação.
Assim, tendo que controlar a inflação e manter os programas sociais, ainda
tendo que fazê-lo sem indexação, não é de resolução fácil a equação que cai
estrondosamente sobre as pranchetas do governo que segue em palácio.
Não podemos nos
esquecer que o PT, quando venceu a primeira vez, após assinar a Carta aos
Brasileiros, foi governar com o projeto econômico do PSDB. Henrique Meirelles,
seu presidente de Banco Central lá foi colhido. Por isso, inclusive, quem
reclama da oposição meio frouxa que o PSDB teria feito em todos esses anos, se
esquece de que era difícil mesmo fazer oposição a um governo que rasgara seu
próprio programa para governar com as propostas alheias. Como fazer oposição a
si mesmo? Só faltavam trocar beijos os economistas do PSDB e o Ministro
Palocci.
Essa situação só
muda quando o PT extrapola, em campo muito caro ao seu eleitorado histórico. O
campo da moralidade pública, da ética na política, em que o PT fora campeão, em
campanhas históricas que impactaram o país. Flagrado no ilícito, acabou
cometendo mais ilícitos e insanidades para tentar justificar o injustificável.
É bíblico. Um abismo chama outro abismo. E então, os erros se sucederam, e a
oposição se fez. O próprio PSDB, com seu histórico pouco recomendável,
engrossou a voz. E daí desceu-se àquele nível de discurso em que a assertiva,
implícita e absurda, era: “nossos bandidos são melhores do que os de vocês”.
Porque são de esquerda, afinal.
Disse no
primeiro turno que uma derrota faria
muito bem à esquerda, para que se purgasse da arrogância e dos excessos, para
que se livrasse dessa triste opção de achar que o banditismo de esquerda é
perdoável porque é Robin-hood. Não é. Nem perdoável, nem Robin-hood. O modelo
atual tira de quem tem algo (a classe média) para dar a pobres sim, mas também,
e muito, a ricos. Afinal, a dívida externa foi integralmente paga - sem a
necessária auditoria prometida por décadas; as privatizações tão acusadas de ilegais
e imorais não foram revistas como prometido; os bancos seguem bem satisfeitos
com os seus vastos lucros e o latifúndio permanece intocado, sob a conivência
do MST. O discurso de esquerda foi reduzido - à margem a ressalva que sempre
faço ao essencial Prouni – a um programa assistencial. A derrota poderia
recolocar as coisas na perspectiva correta, mas como veio uma vitória tão
apertada, com gosto de derrota moral, que não sejam desperdiçadas suas lições.
À parte os
“episódios” Minas Gerais e Rio de Janeiro, o Nordeste foi decisivo. E é
compreensível. Quem mais depende de favores governamentais, mais refém se
torna. O Bolsa Família gritou alto. Ficou desenhado o mesmo arco de votos que,
saindo do trópico para se escarrapachar na linha do Equador, alimentava as
eleições da Arena da Ditadura. Vi ontem na Internet uma frase pesada, mas que
ilustra bem tudo o que vem acontecendo. Diz Orson Scott Card, escritor de
ficção científica americano: “Se os porcos pudessem votar, o homem com o balde
seria eleito sempre, não importa quantos porcos ele já tenha abatido no recinto
ao lado”.
A frase é forte
porque, divulgada neste momento, pode fazer os mal intencionados e os obtusos
imaginarem que se compara o eleitorado de Dilma a porcos. Não é isso. Se
preferir, substitua porcos por suaves lebres, doces dálmatas ou diáfanas
andorinhas. A figura central dessa construção verbal é o concreto e dominante
“homem do balde”. O PT, hoje, para grande parte do seu eleitorado, é “o homem
do balde”.
A derradeira coisa a
comentar é que é uma grande pena que os maus modos dessa campanha tenham
acontecido. Porque essa eleição na qual eu sequer pretendia votar (vide minha
crônica de julho “Entra aí, qualquer um!”) acabou, com a morte de Eduardo
Campos e a entrada de Marina no jogo, ganhando a dramaticidade que me pôs (e a
tantos) de voto engatilhado. Isso o Brasil deve a Marina. A expectativa de sua
possível vitória, que pôs o PT em desespero e, infelizmente, no rumo da calúnia
e da agressão, deram o tempero capaz de trazer de volta alguma juventude às
ruas, pelos dois lados. Rejuvenesceram-se ambos os lados. O engraçado nisso
tudo é que nem sempre os jovens vieram pelos motivos corretos. Muitos se
engajaram porque achavam ser esquerda o PT e outros achavam ser, o Aécio, um
coroamento do carnaval cívico e confuso de junho 2013 que tinha uma “Mudança”
imprecisa como enredo. Não é verdade, nem uma coisa nem outra. Ou, quando
menos, são um décimo da verdade, porque nem o PT é toda essa esquerda
pretendida (não fosse assim, correntes internas não estariam clamando, desde
junho passado, para que o PT vire à esquerda, para trilhos que abandonou) e nem
Aécio seria mudança assim tão profunda.
Mas que bom seria
que os jovens abandonassem o clima rasteiro do discurso twitter para aprenderem
a arte do encontro e do debate que formam consciência efetiva. Chavão não é
discurso, e palavra de ordem não é fundamento. Muita gente foi às ruas, pobre
de armas. Quando se tentava entabular um diálogo, vinham coisas como. Votei no
Tarcisio porque ele foi bem no debate; no Eduardo Jorge, que chutava o balde;
na Luciana Genro que é mais combativa; no PT, que pelo menos dá comida os
pobres; não votei em ninguém porque todo mundo é ladrão.
Dizer, como disse a
Dilma, e como tantos repetiram, que o mensalão do PSDB mineiro não fez um
preso, para assim se defender do Mensalão petista que pôs gente na cadeia é,
por exemplo, um dos “argumentos” mais expostos e mais pobres, porque não
significa absolutamente nada. O que quis a Dilma dizer com o discurso do “todos
soltos”? Que foi ela quem prendeu Zé Dirceu? O que quis dizer quando
“argumenta” não haver presos no mensalão de Minas? Que cabia ao PSDB garrotear
seus meliantes? Ora, quem investiga, julga e prende não são os partidos, nem é
a Dilma ou o Aécio. A Polícia está aí, o Ministério Público, o Judiciário.
Quando se “argumenta” mensalão contra mensalão, para usar a liberdade de uns
(ainda não julgados) contra a condenação de outros (já julgados e presos), está
se querendo insinuar que existe o quê? Um complô institucional pró PSDB, e do
qual participam todos os policiais envolvidos, os promotores e os juízes. Ora,
convenhamos!
Bom, acho que é hora
de buscarmos a paz, a concórdia, a paciência. Porque tempos duros virão. Crises
esperam. Os que tiveram nessa eleição sua primeira luta, por favor, repensem
certos métodos, e poupem energias. Novas lutas virão. Aprendam que política não
é guerra de extermínio. A desqualificação do outro, a humilhação do adversário,
seu aniquilamento, não interessam ao bom combatente. Na Arte da Guerra, Sun Tzu
ensinava a deixar sempre na composição do cerco, uma bem calculada rota de fuga
para o inimigo. Porque a generosidade é estratégica. Nunca se sabe quando você
pode precisar do adversário de hoje. Mas uma coisa eu sei. Você vai precisar
daquela namorada com quem discutiu por causa da eleição. Daquele amigo. Do pai.
Do irmão. Do colega de trabalho. Vá lá. Faça as pazes. Respeite. Abrace.
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