Por Paul
Medeiros Krause
Certamente o leitor
já ouviu falar das sete maravilhas do mundo, que alguém classificou como
pertencentes ao “mundo antigo”. Nomearam também depois as sete maravilhas do
mundo moderno. Queria eu revelar-lhe que possuo de meu lado as minhas próprias
sete maravilhas. Creio que ao leitor seja igualmente permitido ter as suas.
Gostaria, pois, de falar de uma dessas belezas extraordinárias, descomunais,
que pelo menos a mim causa especial deslumbramento.
Em primeiro lugar,
trago reminiscências da juventude e algumas ligações afetivas: minha missa de
colação de grau em Direito coincidiu com o dia de Nossa Senhora do Carmo.
Recordo-me também agora de que a nossa missa em ação de graças pela conclusão
do segundo grau teve lugar na Igreja Nossa Senhora do Carmo, do Sion. Perto da
minha casa há um mosteiro de monjas carmelitas, das quais eu sempre tive inveja
– não sei se no bom ou no mau sentido –, em razão da sua heroica coragem de
deixar o mundo e generosidade para com Deus. (Na verdade, parece-me que
enclausurado, fora dos muros do Carmelo, encontra-se o mundo. Livres são as
irmãs). Santa Teresa foi uma das leituras favoritas da minha adolescência e
juventude. E ainda hoje o é.
Quando menino eu não
gostava de cidades históricas. Achava-as tristonhas. Os passeios em Ouro Preto
sempre me pareciam enfadonhos. Chegado, porém, à idade adulta, elas passaram a
atrair-me irresistivelmente. E, nessas idas e vindas, conheci Tiradentes, já
com vinte e seis anos.
Gostei tanto da
cidade que passei a ir até lá várias vezes ao ano, dedicando-lhe pelo menos
alguma parcela das minhas férias. Muitas vezes, a parcela única, total. E foi
assim que descobri uma das maravilhas escondidas do mundo: a novena de Nossa
Senhora do Carmo em São João del-Rei (que é bem próxima a Tiradentes). É tal o
esplendor da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, são tão solenes os dias de
preparação e os festejos da Rainha do Monte Carmelo, tão extraordinárias as
execuções barrocas da bicentenária Orquestra Ribeiro Bastos, que eu me arrisco
a afirmar isto: a festa de Nossa Senhora do Carmo em São João del-Rei, com sua
novena preparatória, é uma das sete maravilhas escondidas do mundo. Não se
trata de uma apoteose, de uma epifania, apenas para mim. Trata-se de um colosso
maravilhosamente escondido, um tesouro encravado entre as serras de Minas.
Que há nessa novena,
que há nessa festa? Beleza, tradição e devoção. É possível sentir a fé de
nossos avós em sua pureza genuína, simples e profunda, cercada, adornada de
grande dignidade, de uma suntuosidade real. Ali se tem a impressão de que a
Rainha dos Anjos recebe homenagens mais condignas. De que a misteriosa realeza de
Deus deixa-se entrever, deixa escapar algumas faíscas. Há uma pompa real na
igreja, na música, nas imagens, na procissão e na própria cidade que a
procissão percorre.
Após as missas às
18h30, há a magnífica novena, enriquecida pela execução de obras antigas e
belíssimas por parte da orquestra, entremeada de esplêndidas pregações de
aproximadamente meia hora. Costumam ser três os pregadores, que se substituem a
cada três dias. Não raro um dos pregadores é um bispo. Um detalhe que a meu ver
enriquece o ato é o uso do púlpito antigo, localizado no meio da Igreja, no
alto.
A procissão com as
belíssimas imagens barrocas de Nossa Senhora do Carmo e São Simão Stock merece
uma especial menção. É tocante a parada da imagem de Nossa Senhora diante do
cemitério da Ordem Terceira do Carmo, como que a significar a visita da Mãe de
Deus às almas do purgatório, para trazer-lhes alívio e levá-las definitivamente
ao paraíso. Na missa das três horas, no dia da Virgem do Carmo, há a imposição
do escapulário para aqueles que se inscreveram previamente na Confraria do
Escapulário. Vale lembrar que o uso do escapulário, mediante o necessário rito
de imposição pelo sacerdote, é enriquecido com abundantes graças espirituais
que testemunham o favor de Nossa Senhora pelos carmelitas.
Ainda se destaca nos
dias da novena a disponibilidade de inúmeros sacerdotes para o atendimento de
confissões individuais, artigo raro em dioceses devastadas pela teologia da
libertação, mas abundante na bela e conservadora São João. A São João del-Rei
dos sinos, referência nos artefatos litúrgicos, efervescente na música, de Dom
Lucas Moreira Neves, de Nhá Chica resiste valentemente à crise de identidade
católica que destroça vários lugares do Brasil.
Quero eu persuadir a
tantos quantos eu possa, a tantos quantos têm sede de água viva, têm fome de
Deus e do belo, que pelo menos uma vez na vida se permitam desfrutar da sétima
maravilha escondida do mundo, participando da novena (ainda que por alguns
dias) e da festa de Nossa Senhora do Carmo em São João del-Rei.
O relato deu água na boca! Nem sabia que essas coisas ainda acontecem no Brasil... Tem certeza que você não viu isso lá no interior da França?
ResponderExcluirObrigado, Silêncio e Solidão, pelo comentário! Vá lá e confira. Creio que você não se arrependerá. Talvez eu ainda não tenha feito jus a essa maravilha! Um abraço, Paul.
Excluir