Por Rodrigo Pedroso.
Uma das mais frequentes acusações que nós, católicos, sofremos de
nossos irmãos protestantes, é a de praticar a "idolatria", porque,
segundo eles, "adoramos" imagens. Trata-se de uma acusação
absolutamente sem fundamento, que somente se explica pelo desconhecimento da
Palavra de Deus. Com efeito, os protestantes falam esse tipo de coisa dos
católicos, muitas vezes com violência e de modo agressivo, simplesmente porque não sabem o que é idolatria.
Idolatria não é o uso de imagens no culto divino, mas prestar a uma criatura o culto de adoração que
devemos exclusivamente a Deus. É por isso que São Paulo
Apóstolo nos adverte que a avareza é uma idolatria (cf.
Col 3,5), uma vez que o avarento coloca o dinheiro no lugar de Deus, como o
valor supremo de sua vida.
Todo o comportamento humano depende de valores: é em vista de um
determinado valor que escolhemos agir de um modo ou de outro. Se, por exemplo,
preferimos gastar nosso tempo dando catequese para crianças, é porque essa
opção nos pareceu mais valiosa do que outras.
Assim sendo, a forma como ordenamos as nossas ações vai depender
de como hierarquizamos os valores que
adotamos para reger nossas vidas. Se colocamos como valor supremo o prazer da
vida corporal, certamente não poderemos levar uma vida de pureza e abnegação.
Todavia, a forma como hierarquizamos esses valores, em nossa subjetividade,
deve coincidir com a hierarquia objetiva dos
valores presente no universo. Se isto não se der, haverá uma distorção entre a forma com que
vemos o mundo e o próprio mundo.
Repetindo: a nossa hierarquia subjetiva de valores deve coincidir
com a ordem objetiva de valores presente no cosmos. Se não for assim, estaremos
dando a certas coisas mais importância do que elas merecem, enquanto a outras
não prestamos o devido valor. Isto é introduzir a desordem em nossa alma, é
quebrar a harmonia que deve existir em
nosso interior.
Ora, o que há de mais importante no universo é Deus, pois é Ele
quem o criou e sustenta no ser. Todo o cosmos depende de Deus para existir. Logo,
também em nossa hierarquia de valores, Deus deve ocupar o primeiro lugar, como
valor supremo. Todos os demais valores e ideais devem submeter-se a ele. Quando
colocamos outro bem, valor ou ideal no lugar que é exclusivo de Deus, destoamos
da ordem do cosmos e caímos na idolatria. Afinal
de contas, todo o universo canta a glória de Deus (cf.
Sl 18,2). Diz o salmista: "Louve a Deus tudo o que vive e que respira, /
tudo cante os louvores do Senhor!" (Sl 150,5).
Deus como bem supremo da vida. |
Quem, portanto, não coloca a Deus como valor supremo de sua vida,
não apenas nega a adoração exclusivamente a Ele devida, como também prejudica a
si próprio. Por isso Deus ordenou no primeiro mandamento de sua Lei: "Eu
sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da escravidão. Não
terás outros deuses diante de mim" (Ex 20,2-3). Do mesmo modo o Senhor
Jesus, quando repeliu o demônio que o tentava, repetiu o preceito:
"Adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás" (Mt 4,10).
Todavia, se devemos adorar somente a Deus, isso não significa que
não devemos honrar e invocar seus santos e anjos. O mesmo Deus que ordenou que
adorássemos só a Deus, também mandou honrar os pais (cf. Ex 20,12), as autoridades
públicas (cf. Rm 13) os nossos superiores e
as pessoas mais idosas. Prestar honra a essas pessoas, simples criaturas, em
nada prejudica a adoração devida exclusivamente ao Criador.
Se devemos honrar os governantes deste mundo, quanto mais os
anjos, de cujo ministério Deus se serve para governar não só a Igreja, como
também todas as coisas criadas. Foi por isso que Abraão prostrou-se diante dos
três anjos que lhe apareceram em forma humana, para anunciar o nascimento de
seu filho Isaac (cf. Gn 18,2).
Ensina a Igreja e a Sagrada Escritura que desde o início até a
morte a vida humana é cercada pela proteção e intercessão do anjo da guarda:
"Eis que eu enviarei o meu anjo, que vá adiante de ti, e te guarde pelo
caminho" (Ex 23,20). Pela invisível assistência dos anjos, somos
quotidianamente preservados dos maiores perigos, tanto da alma como do corpo.
Com a maior boa vontade, patrocinam a nossa salvação e oferecem a Deus as
nossas orações e nossas lágrimas. O Senhor Jesus advertiu que não se devia dar
escândalo aos pequeninos, porque "seus anjos nos céus vêem incessantemente
a face de seu Pai, que está nos céus" (cf. Mt 18,10). Se os anjos
contemplam a Deus sem cessar, por que não seriam merecedores de grande honra?
Também o culto aos santos, longe de diminuir a glória de Deus, lhe
dá o maior incremento possível. Canta a Virgem Maria no Magníficat que "o
Poderoso fez em mim maravilhas" (Lc 1,49). Quando honramos retamente um
santo, proclamamos as maravilhas que a graça de Deus operou na vida dele. Como
se diz no Prefácio dos Santos, "na assembléia dos
santos vós sois glorificado e, coroando seus méritos, exaltai vossos próprios
dons". A santidade que veneramos nos homens santos é dom do
único Santo. Honrando os santos, glorificamos a Deus que os santificou.
Deus é um Pai amoroso, a quem muito agrada ver seus filhos
intercedendo uns pelos outros. Ademais, quis associar suas criaturas na
obtenção e distribuição de suas graças. Muitas coisas Deus não as concede, se
não houver a intervenção de um intercessor. Para que os amigos de Jó fossem
perdoados, por exemplo, foi necessária a sua intercessão: "O meu servo Jó
orará por vós; admitirei propício a sua intercessão
para que se não vos impute esta estultícia, porque vós não falastes de mim o
que era reto" (Jó 42,8). Também não é sinal de falta de fé em Deus,
recorrermos à intercessão dos santos em nossas orações. O centurião, por
exemplo, recorreu à intercessão dos anciãos dos judeus (cf. Lc 7,3) para que Jesus curasse
seu servo, mas nem por isso o Senhor deixou de enaltecer sua fé com os maiores
elogios: "Em verdade vos digo que não encontrei tanta fé em Israel"
(Lc 7,9).
É verdade que temos um único Mediador na pessoa de Jesus Cristo
Nosso Senhor. Só Ele nos reconciliou com o Pai pelo oferecimento de seu
precioso sangue, entrando uma só vez no Santo dos Santos, consumou uma Redenção
eterna (cf. Heb 9,11-12) e não cessa de
interceder por nós (cf. Heb 7,25).
Todavia, o fato de termos um único Mediador de Redenção,
não significa que não podemos ter junto dele outros mediadores de intercessão. Se
recorrer à intercessão dos santos prejudicasse a glória devida unicamente a
Cristo Mediador, o Apóstolo Paulo não pediria, com tanta insistência, que seus
irmãos rezassem por ele: "Rogo-vos, pois, irmãos, por Nosso Senhor Jesus
Cristo e pela caridade do Espírito Santo, que
me ajudeis com as vossas orações por mim a Deus" (Rm
15,30). "Se vós nos ajudardes também, orando por nós..." (2Cor 1,11).
Se as orações dos que vivem nesta terra são úteis e eficazes para que sejamos
ouvidos por Deus, quem dirá as orações daqueles que já estão em glória, contemplando
a Deus face a face.
No livro dos Atos dos Apóstolos, conta-se que "Deus fazia
milagres não vulgares por mão de Paulo, de tal modo que até, sendo aplicados
aos enfermos os lenços e aventais que tinham tocado no seu corpo, não só saiam
deles as doenças, mas também os espíritos malignos se retiravam" (At
19,11-12). E também que "traziam os doentes para as ruas e punham-nos em
leitos e enxergões, a fim de que, ao passar Pedro, cobrisse ao menos a sua
sombra algum deles" (At 5,15). Se as vestes, os lenços e a sombra dos
santos, já antes de sua morte, removiam doenças e expulsavam demônios, quem
será louco de dizer que Deus não possa fazer os mesmos milagres por intermédio
deles, depois de mortos? E também disso as Sagradas Escrituras dão testemunho,
quando se narra o episódio do cadáver lançado na sepultura do profeta Eliseu:
"Logo que o cadáver tocou os ossos de Eliseu, o homem ressuscitou e
levantou-se sobre os seus pés" (2Rs 13,21).
Todavia, se devemos honrar e venerar os santos e anjos como fiéis
servidores do Senhor, é gravíssimo pecado
colocá-los no lugar de Deus, prestando-lhes culto de adoração. Este abuso é
estranho a verdadeira doutrina católica.
Quanto às imagens, é verdade que o Antigo Testamento proibia que
fossem feitas: "Não farás para ti imagem alguma do que há em cima no céu,
e do que há embaixo na terra, nem do que há nas águas debaixo da terra"
(Ex 20,4). Todavia, precisamos compreender a razão desta proibição.
Os hebreus viviam no meio de povos idólatras, cujos deuses eram
concebidos como tendo formas visíveis, muitas vezes com figura de animais. Para
ressaltar a transcendência e a espiritualidade do Deus verdadeiro, este
preceito proibia que os israelitas representassem a divindade com imagens. Com
efeito, Deus em si mesmo não está ao alcance da nossa vista: é um ser puramente
espiritual, não tem corpo, não cabe nos limites do espaço, nem pode ser
representado por nenhuma figura. "Não vistes figura alguma no dia em que o
Senhor vos falou sobre o Horeb do meio do fogo" (Dt 4,15).
Todavia, a encarnação do Filho de Deus superou a proibição de se
fazer imagens. Isso porque, quando "o Verbo se fez carne, / e habitou
entre nós" (Jo 1,14), Ele se tornou visível a nós como homem. Invisível em
sua divindade, Deus se tornou visível na humanidade de nossa carne. Como diz o
Prefácio do Natal do Senhor, "reconhecendo a Jesus
como Deus visível a nossos olhos, aprendemos a amar nele a divindade que não
vemos".
O nosso Deus se fez homem. Essa é a grande diferença do cristianismo para as demais religiões. |
A diferença do cristianismo com todas as outras
as religiões é que o nosso Deus se fez homem. O centro da Fé cristã é o mistério de Jesus Cristo, Deus e homem
verdadeiro. Perfeitamente homem, sem deixar de ser Deus. Mesmo depois
da Ressurreição, o Cristo manteve a sua natureza humana na sua integridade e
perfeição, como fez questão de sublinhar aos Apóstolos: "Olhai para as
minhas mãos e pés, porque sou eu mesmo; apalpai, e vede, porque um espírito não
tem carne, nem ossos, como vós vedes que eu tenho" (Lc 24,39). Até hoje,
no Céu, dentro do peito de Jesus bate incessantemente um coração de carne, em
suas veias corre sangue verdadeiramente humano.
Jesus Cristo é "a imagem visível de Deus invisível" (cf. Cl 1,15). Se antes eu não podia
fazer imagens de Deus, pois enquanto tal Ele é invisível; após a Encarnação do
Verbo eu não apenas posso como devo fazer imagens, para atestar que Deus se fez
visível aos olhos dos homens. Ensina São João Damasceno: "Quando virmos aquele que não tem corpo
tornar-se homem por nossa causa, então poderemos executar a representação de
seu aspecto humano. Quando o Invisível, revestido de carne, torna-se visível,
então representa a imagem daquele que apareceu..."
Assim sendo, toda vez que honramos uma imagem sagrada, damos
testemunho da nossa Fé no mistério da Encarnação do Filho de Deus. Portanto,
quem renega as imagens, de certo modo atenta contra a fé nesse mistério. Este
foi o critério que São João propôs para discernir o anticristo: "Todo
espírito que confessa que Jesus Cristo veio na carne,
é de Deus; todo espírito que divide Jesus, não é de Deus, mas é um anticristo, do
qual vós ouvistes que vem, e agora está já no mundo" (1Jo 4,2-3).
Rejeitar as imagens sagradas é voltar à Antiga Lei, quando Deus
ainda não tinha se feito homem. Quem defende isso, para ser coerente, deve
também praticar a circuncisão e guardar o sábado, como é prescrito na Lei de
Moisés. Para essas pessoas, o Cristo não veio ainda.
Portanto, beijar uma imagem ou acender diante dela uma vela não
são práticas idolátricas, mas atos de piedade. Somente pessoas ignorantes, que
não compreendem os dogmas da Fé em seu verdadeiro sentido, podem ter a audácia
de chamar de idolatria essas práticas.
Quem venera uma imagem, venera a pessoa que nela está
representada. Aquilo que a Bíblia nos ensina com palavras, as imagens nos
anunciam com figuras visíveis. A imagem re+presenta, ou seja, torna presente a
pessoa simbolizada. Por isso podemos rezar diante das imagens como se
estivéssemos diante das personagens que elas representam. Todavia, não podemos
confundir essa presença, que é meramente uma presença
simbólica, com a presença real
de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Na imagem Jesus está
presente como em um símbolo, na
Eucaristia como realidade substancial.
Por isso, diante do Santíssimo Sacramento fazemos genuflexão, diante de uma
imagem fazemos o sinal-da-cruz
ou uma simples reverência de
cabeça.
Prefácio dos Santos, I
(Missal Romano)
Na verdade, é justo e
necessário,
é nosso dever e salvação dar-vos graças,
sempre e em todo lugar,
Senhor, Pai santo,
Deus eterno e todo-poderoso.
Na assembléia dos santos vós
sois glorificado
e, coroando seus méritos,
exaltai vossos próprios dons.
Nos vossos santos ofereceis
um exemplo para a nossa vida
a comunhão que nos une,
a intercessão que nos ajuda.
Assistidos por tão grandes
testemunhas,
possamos correr, com
perseverança,
no certame que nos é proposto
e receber com eles a coroa
imperecível,
por Cristo, Senhor Nosso.
Enquanto esperamos a glória
eterna,
com os anjos e todos os
santos,
nós vos aclamamos,
cantando a uma só voz:
Santo, Santo, Santo, Senhor
Deus do universo.
O céu e a terra proclamam a
vossa glória.
Hosana nas alturas!
Bendito o que vem em nome do
Senhor.
Hosana nas alturas!
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