sexta-feira, 25 de julho de 2014

A propriedade privada como Direito Natural na Encíclica Rerum Novarum.


Por Emanuel Jr.

Conceber o direito a propriedade sem entender profundamente o que vem a ser direito natural, é como tentar entender o universo através de jornais televisivos, a confusão é total e inerente.

O início do número 5 da Encíclica Rerum Novarum aborda o tema com clareza, contudo é preciso que certos conceitos estejam muito bem delineados e suas fronteiras precisam estar em perfeita consonância com o que se fala e se entende, caso contrário vai ser como entender o mundo através do jornal televisivo.

Marx, em seus devaneios sobre a propriedade, gostava de dizer que se o direito natural sobre a terra existe é porque iniciou-se em algum momento e que esse momento foi o instante da conquista dessa terra. Se o direito natural pertence à humanidade, como de fato pertence, seria apenas uma questão de tempo para que os que ficaram sem esse direito natural reconquistassem esse direito. A forma de reconquista? A força.

Como humanitário que Marx era (se achava assim), obviamente que entendeu que a força não seria o melhor meio, portanto alguma outra forma deveria existir. A forma encontrada por ele é que ninguém deveria lutar por terra alguma, o direito natural de propriedade não existe e o Estado deve tomar conta de tudo para prover da melhor forma tudo e todos. Em rasas palavras é essa a bela tese de Karl Marx enfocando o direito natural à propriedade privada.

Parece ter ficado claro que Marx não entendeu absolutamente nada de direito natural ou deturpou seu aprendizado.

O direito natural não é conquistado como se conquista uma trincheira em uma guerra. O direito natural é como o nome diz: natural. Ele está fundado na natureza a que se dedica. Para que não só minhas palavras ressoem nesse sentido, vejamos o que é mencionado em outros livros, dicionários e autores:

“O conceito de direito natural traduz-se na existência de um direito fundado na natureza das coisas e, em último tempo, na vontade divina, no direito justo, denominando-se por concessão jusnaturalista (do jusnaturalismo).”

Obviamente que a natureza divina nesse contexto marxista não existe, o que faz confundir ainda mais a cabeça dos adeptos e coaduna ainda mais a posição da Igreja de que não é possível ser marxista e católico (religioso) ao mesmo tempo, são posições paradoxais.

Direito natural é a ideia abstrata do Direito, o ordenamento ideal, correspondente a uma justiça superior e anterior – a chamada norma jurídica hipotética e fundamental
(Teoria Geral do Estado - Hans Kelsen)

Os conceitos de direito natural sempre vão terminar se deparando com a origem divina. Tanto em Kelsen quanto em Aristóteles, Cícero ou qualquer pensador sério, o conceito se deparará com sua origem: Deus. Por esse fato é tão difícil ser entendido dentro de Estados socialistas ou com tendências a esse sistema. Deus não pode fazer parte do socialismo porque destruiria as bases do sistema. O sistema socialista/comunista, portanto, é fundado em conceitos contrários ao Direito Natural. Abaixo veremos mais um conceito assim delineado:

Direito natural é o que emana da própria natureza, independente da natureza do homem (Cicero). É invariável no espaço e no tempo, insuscetível de variação pelas opiniões individuais ou pela vontade do Estado (Aristóteles).Ele reflete a natureza como foi criada. É anterior e superior ao Estado , portanto, conceituado como de origem divina.
(TEORIA GERAL DO ESTADO- Maluf, Sahid. pag 23)

É por esses motivos que o Papa Leão XIII em sua encíclica Rerum Novarum, começa o número 5 da referida encíclica, afirmando que o remédio que o socialismo propões está em confronto com o direito natural:

5. (...) o remédio proposto está em oposição flagrante com a justiça, porque a propriedade particular e pessoal é, para o homem, de direito natural.

Não se trata de algo de altíssimo grau intelectual e, portanto, de difícil alcance, entender que devemos praticar o bem e evitar o mal. Nossos pais, muitas vezes sem entender isso, nos ensinaram assim. Os pais deles, nossos avós, já foram ensinados assim. Provavelmente a maioria deles sequer tem noção do que é direito natural, contudo a prática é comum justamente por ser natural. Ele é inerente ao ser humano que já nasce com essa lei natural inscrita em sua mente, em sua alma.

O direito de propriedade decorre dessa mesma lei natural que nos impulsiona a lutar pela própria vida e a não fazer aos demais o que não queremos que façam conosco (Tb 4, 16). Essa máxima é bíblica, contudo somente reflete o que está no homem desde que esse existe. A Bíblia apenas refletiu o que já existia.

A propriedade privada é de direito natural pelo simples fato de que é a expressão da pessoa humana. É fruto do seu trabalho ou do de seus antepassados. É o espelho do indivíduo, que precisa de um aconchego preservado pela privacidade, onde pode ser ele mesmo, cercado dos sinais que identificam o seu eu. Ela estimula o trabalho, sendo o homem atraído espontaneamente pela perspectiva da recompensa direta e pessoal de seus esforços. E isso de importância extrema.

Mais ainda que isso, a propriedade é a lógica de uma sociedade articulada e organizada, ao contrário da meramente coletiva que é pregada por socialistas de todas as correntes, que tem por consequência uma sociedade massificada, sem diversificação nem liberdade.

Defendendo a propriedade privada como faz a Igreja e como todo Católico Apostólico Romano deve fazer, estamos defendendo a liberdade individual em contraposição à massificação social pela cultura, costumes, atitudes e omissões, reações, palavras e dons pessoais.

“A propriedade faz parte da natureza do homem e da natureza das coisas. Como o trabalho, ela encerra um mistério – é a projeção da personalidade humana sobre as coisas. A pessoa tende à propriedade por um impulso instintivo, do mesmo modo que a nossa natureza animal tende ao alimento. O apetite da propriedade é tão natural à nossa espécie como a fome e a sede; apenas é de notar que estes são apetites da nossa natureza inferior, ao passo que aquele procede da nossa natureza superior. Todo o homem tem alma de proprietário, mesmo os que se julgam seus inimigos. É isto que se entende quando se afirma que a propriedade decorre do direito natural” (R.G. Renard, L’Église et la Question Sociale, p. 137 et seq.).

Em igual prisma, a propriedade faz parte da dignidade da pessoa humana e está intimamente ligada a essa dignidade. Senhor dos seus atos, para agir com toda a independência, o homem tem necessidade de poder apropriar-se exclusivamente de certos bens, para orientar sua atividade segundo suas aspirações e seus gostos e trabalhar, sem coação, no desenvolvimento de sua personalidade.


Enfim, entendendo a propriedade privada como algo inerente ao ser humano e não como algo que deve ser conquistado, como pensava Marx, temos a propriedade como direito natural e não como conquista pessoal que deve ser violenta ou intelectualmente retirado de outrem. Todos temos inclinação a proprietários e sob essa base é concebida a Encíclica Rerum Novarum.

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