quarta-feira, 25 de junho de 2014

A infalibilidade do papa nas canonizações dos santos.

Por Rodrigo Pedroso.


A infalibilidade do papa é um caso particular da infalibilidade da Igreja e, por sua vez, a infalibilidade da Igreja é, na verdade, uma participação na própria divina infalibilidade de Jesus Cristo. Em outros termos, o papa é infalível porque a Igreja é infalível e a Igreja é infalível porque infalível é Jesus Cristo, seu fundador. O papa não é infalível por seus dotes naturais, nem por suas virtudes ou qualidades pessoais – neste sentido, ele é um homem como outro qualquer. O papa é infalível porque Jesus Cristo prometeu a assistência infalível do Espírito Santo a quem quer que fosse que, no legítimo exercício do cargo de pontífice romano, proferisse sentença definitiva e irreformável em matéria de fé e moral. A infalibilidade do papa, portanto, pertence à ordem sobrenatural e sem referência a essa ordem sobrenatural não pode ser compreendida nem sequer aceita.

Efetivamente, a infalibilidade é exigida, por necessidade lógica, pelo próprio caráter e constituição sobrenatural da Igreja. Destinada a dirigir os homens na ordem sobrenatural para o elevado fim a que foram chamados, a Igreja não pode ter simplesmente o direito de errar por último. Suas sentenças definitivas e irreformáveis, no que tange à matéria de fé e moral, não podem conter erros, sob pena de inviabilizar o fim para o qual foi fundada.

Um caso particular de sentença definitiva e irreformável em matéria de fé e moral é a canonização de um santo. Com a canonização, o santo é proposto à veneração da Igreja universal, como estando junto de Deus na glória celeste, participando da vida da Santíssima Trindade e gozando da visão beatífica. Originalmente, a canonização era a inclusão do nome do santo no cânon (oração eucarística) da missa. Não é o ato de canonização que “santifica” o santo – tal ato apenas declara que determinada alma santificou-se em vida pela graça divina e encontra-se agora na glória de Deus. Em termos técnicos, a sentença de canonização é declaratória e não constitutiva.

Ensina Santo Afonso Maria de Ligório, doutor da Igreja, em seu breve, porém riquíssimo, opúsculo sobre a Oração: «Quanto aos santos, é certo que é utilíssimo recorrer à sua intercessão, falando dos santos já canonizados, que gozam da visão de Deus. Supor que neste ponto a Igreja é falível seria incidir em culpa ou heresia, como dizem São Boaventura, Belarmino e outros, ou ao menos está próximo de heresia, segundo Suárez, Azor, Gotti e outros. Porque o Sumo Pontífice, como diz Santo Tomás, no canonizar os santos, é de modo particular guiado pela inspiração infalível do Espírito Santo» (A Oração, 4ª ed., Aparecida, 1992. p. 35).

Tal ensinamento não é mera opinião de Santo Afonso. Se não somos adeptos do relativismo e entendemos que a teologia é uma verdadeira ciência, devemos considerar que estamos diante de uma conclusão teológica de um dos maiores estudiosos da matéria, ele mesmo homem de vida santa e proclamado doutor da Igreja. E ainda que fosse mera opinião, a opinião de um doutor da Igreja, em matéria teológica, tem muitíssimo mais peso que a sua ou a minha.

Alguém poderia dizer que, como não se trata da definição de um novo dogma, a sentença de canonização não poderia ser infalível. Entretanto, a Igreja não é infalível apenas ao definir explicitamente os dogmas contidos no depósito da Revelação Divina. Ela também é infalível ao definir os chamados “fatos dogmáticos”, isto é, fatos necessariamente conexos com a Revelação Divina por razões lógicas, históricas ou morais. Quem nega a infalibilidade da Igreja ao definir fatos dogmáticos, mesmo quando ocorridos depois de encerrada a Revelação pública, são os hereges jansenistas. O então cardeal Ratzinger, à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, na Nota Doutrinal Ilustrativa da Fórmula Conclusiva da Profissão de Fé Exigida ao Assumir um Ofício a Exercer em Nome da Igreja, enumerou entre os exemplos de fatos dogmáticos a canonização dos santos (n. 11).

Outros poderiam negar a infalibilidade das sentenças de canonização por suposto defeito no processo que as antecedeu. Ocorre que a canonização não é infalível por conta do processo que a antecede, mas porque se trata de ato definitivo e irreformável do pontífice romano, a quem Jesus Cristo prometeu a assistência infalível do Espírito Santo. O papa não precisa de processo para ser infalível. O processo canônico é um meio humano como outro qualquer e serve apenas para fornecer ao papa elementos para formar o seu juízo – e é prerrogativa do papa considerar se os elementos fornecidos são suficientes ou não. Aliás, os processos de canonização não existiam antes do século XII. Não é o processo que canoniza o santo, porque a Igreja é a primeira a admitir que esses processos são faliveis, como o de qualquer tribunal humano. É o que ensina o pe. Joseph Mors, na tese 17 de seu Institutiones Theologiae Fundamentalis (Petrópolis, 1943, tomus II, n. 222, p. 155): «Ecclesia infallibilis est in canonizatione sanctorum. Canonizatio est ultima et definitiva sententia R. Pontificis qua aliquis homo aeterna gloria frui declaratur ejusque cultus omnibus fidelibus permittitur et praescribitur (saltem eo sensu, quod omnes fideles teneantur eum habere sanctum et cultu publico dignum). (…) Infallibilitatem vindicamus Ecclesiae saltem pro canonizatione, et quidem quoad id quod in recto affirmatur, nimirum canonizatum gloriae caelestis esse participem et cultu sanctorum dignum. De historicis virtutis heroicae testimoniis vel miraculis Ecclesia non vult authentice judicare; haec sunt condicio et occasio, non objectum definitionis.» [“A Igreja é infalível na canonização dos santos. Canonização é a última e definitiva sentença do romano pontífice pela qual algum homem é declarado gozar da eterna glória e seu culto é permitido e preceituado a todos os fiéis (ao menos no sentido de que todos os fiéis sejam obrigados a tê-lo por santo e digno de culto público). Reclamamos a infalibilidade da Igreja ao menos para a canonização, e com certeza na medida em que isso é afirmado estritamente, que sem dúvida o canonizado é partícipe da glória celeste e digno do culto dos santos. Sobre os testemunhos históricos da virtude heróica ou os milagres não quer a Igreja autenticamente julgar; esses são condição e ocasião, não o objeto da definição”. Ou seja, mesmo que os testemunhos ou milagres apresentados no processo não sejam autênticos, o papa não erra na sentença de canonização.

Ao canonizar um santo, o papa é infalível, não por conta dos rigores do processo, mas apenas por ser o papa, porque ao papa foi prometida a assistência infalível do Espírito Santo. Processo algum do mundo, por mais rigoroso que seja, é de per si suficiente para provar que alguém esteja na glória de Deus. Admitir o contrário seria entender que se pode atingir a ordem sobrenatural por meios puramente naturais, o que é heresia pelagiana.


Descontado o jansenismo dos que negam a infalibilidade da Igreja ao definir fatos dogmáticos e o pelagianismo dos que afirmam que o papa é infalível por causa do processo e não por ser o papa, os que negam a infalibilidade das canonizações estão próximos da heresia também por outra razão: afirmar que o papa tenha errado ao canonizar um único santo é colocar a santidade de todos os outros sob suspeita. Pois se a Igreja errou ao canonizar determinado santo, que garantia temos de haver ela acertado ao canonizar os outros? E chega-se, assim, ao seguinte paradoxo: sustenta-se o dogma católico da intercessão e da veneração dos santos em teoria, mas por outro lado nega-se que haja na prática santo algum. Por isso o papa Bento XIV, grande canonista, chamou os que negam a infalibilidade do papa ao canonizar os santos de «temerários, causadores de escândalos, injuriadores dos santos e favorecedores dos hereges que negam a veneração dos santos».

Nenhum comentário:

Postar um comentário