(finalmente um defensor do aborto
atribui a si esse adjetivo)
Por Pe. Luiz Carlos Lodi
Em 16 de agosto de 2005, o
Pró-Vida de Anápolis foi condenado a pagar uma indenização por danos morais por
ter usado a palavra “abortista” para designar quem defende o direito ao
aborto. A decisão foi unânime, embora nenhum dos membros daquela Turma Julgadora
do Distrito Federal fosse capaz de dizer que outra palavra de nossa língua
poderia ter sido usada com o mesmo significado.
Quase dez anos depois, em 3
de maio de 2014, vejo o jornalista Hélio Schwartsman atribuir a si mesmo o
adjetivo outrora proibido:
Em
minha modesta opinião, enquanto nós, pró-abortistas, vemos o
embrião em seus estágios iniciais de desenvolvimento como um simples amontoado
de células, os antiabortistas, mais sensíveis ao essencialismo, neles
identificam uma vida humana[1].
Note-se que o autor usou
para designar os que, como ele, defendem o direito ao aborto, não apenas a
palavra “abortista”, mas até “pró-abortista”, sem qualquer intenção de ofender
a si mesmo nem os que partilham de suas ideias. Finalmente prevaleceu o bom senso
no uso da língua portuguesa.
A tese do embrião “como um
simples amontoado de células”, de Hélio Schwartsman, é, porém, obsoleta. Em 4
de julho de 2002 a revista Nature publicou o célebre artigo Seu
destino, desde o dia um (“Your destiny, from day one”) acerca de
pesquisas em regulação do desenvolvimento embrionário em seus primeiríssimos
estágios. A matéria, que faz alusão aos trabalhos de Richard Gardner e
Magdalena Zernicka-Goetz, começa dizendo:
Seu
mundo foi moldado nas 24 horas depois da concepção. Onde sua cabeça e seu pé
iriam brotar e que lado formaria suas costas e seu ventre foram sendo definidos
nos minutos e horas depois que espermatozoide e óvulo se uniram.
Até
cinco anos atrás essa afirmação teria sido heresia. Pensava-se que os embriões
de mamíferos passassem seus cinco primeiros dias como uma esfera de células sem
feições. Só depois, por volta do tempo da implantação na parede do útero,
pensava-se que essas células adquirissem ‘destinos’ distintos, determinando
suas posições no futuro corpo.
Mas por
meio da marcação de pontos específicos de ovos de mamíferos logo após a
fertilização, pesquisadores demonstraram que eles vêm situar-se em pontos
previsíveis do embrião. Em vez de ser uma esfera simples, parece que o ovo
recém-fertilizado tem um eixo bem definido de alto a baixo, que configura o
eixo equivalente no futuro embrião. Controversamente um grupo ainda afirma que
o ponto no ovo em que o espermatozoide entra determina onde a primeira divisão
ocorre – e que as duas células resultantes já têm uma tendência para diferentes
destinos[2].
O último parágrafo do artigo
citado apresenta a seguinte conclusão:
“O que
é claro é que os biólogos do desenvolvimento não admitirão mais que os
embriões precoces de mamíferos sejam amontoados de células”[3].
[1] SCHWARTSMAN,
Hélio. Essências e embriões. Folha de S. Paulo, São Paulo, p. A2, 3
maio 2014. Os destaques são meus.
[2] H. Pearson, “Your destiny, from day
one”, Nature 418 (2002), p. 14.
[3] Ibid., p. 15. O
destaque é meu.
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