terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Nossos pais fracassaram.


Por Paul Medeiros Krause

Há exatos trinta e nove anos na Igreja Evangélica de Confissão Luterana da Rua Dona Salvadora, meus pais, Rosa e Paulo, em cerimônia ecumênica, prometiam um ao outro e a Deus amar-se mutuamente enquanto a morte não se atrevesse a meter-se de permeio. Causa-me pena não ter estado presente a tão relevante acontecimento familiar, e que tanto me dizia respeito, mas é que eu ainda não havia sido aquinhoado com o dom da existência.

Talvez naquele mesmo primeiro de fevereiro, ou poucos dias depois, minhas duas antigas metades microscópicas, que separadas ainda não eram eu, acabaram encontrando-se e fundindo-se como duas almas gêmeas. E eu comecei.

Não vou revelar à indiscrição do leitor os motivos pelos quais aquele juramento não surtiu todo o efeito que o cimento da indissolubilidade devia ter produzido (um padre católico concelebrou). Fato é, porém, que graças a um decreto de superior instância estou aqui, pois aquele acidental cruzamento de destinos resultou na feliz consequência, pelo menos para mim, do meu chamamento ao mundo. A inexistência, imagino, deve conter uma estranha monotonia...

Bendito erro, imprudência proverbial! Parece que sucessivos equívocos encaixaram-se e moveram algum tipo de engrenagem de causalidades. Foi a força de uma decisão mal tomada que me permitiu estar aqui hoje, leitor, dirigindo-lhe algumas palavras. Não gostaria que fossem apagados meus anos já vividos. Por isso, repito: abençoada sucessão de equívocos que me permitiu ter os próprios!

Mas, o meu ato de louvor à vida, de gratidão por ser, não me impede de reconhecer que nossos pais falharam. Sim, nossos pais, e não somente os meus. Olhemos juntos para as nossas famílias.

A Belo Horizonte de hoje não é a mesma de trinta anos atrás. Suponho que o mesmo se dê com quase todas as cidades brasileiras. Algum estranho vírus atingiu nossos pais e carcomeu nossos tios. Misturaram alguma coisa a nossos entes queridos (ou aos laços que os uniam). Até nossos avós aquela saborosa bebida de festa, o convívio familiar, era substanciosa, energética, tonificante, uma vitamina. Nossos avós derreteram, dissolveram-se nossos tios como papel exposto à chuva. Alguém misturou meus avós com água, e com ácido os do vizinho. Meus pais são meus avós diluídos.

Houve uma mutação cromossômica, uma alteração de moléculas na composição dos vínculos.

O meu maior temor é que este processo químico continue acontecendo. Que algum nefasto elemento continue sendo adicionado à fórmula das famílias. Temo que esta adulteração não se tenha interrompido nos responsáveis pelo nosso aparecimento. Não duvido que entre meus pais e eu mais água ou ácido tenham sido vertidos. Que será de meus netos? Que será de meus filhos?

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