Por Carlos Ramalhete.
Continua-se a negar o reconhecimento de direitos
reais a quem não defina sexualmente sua relação não matrimonial com um
companheiro
A constituição de uma família sempre foi protegida
pelo Estado por facilitar que as próximas gerações fossem ter, de modo geral –
leis são sempre generalizações, por valerem para todos –, uma célula familiar
estável nos anos de sua formação. Para falar de maneira mais vulgar, um papel
social importantíssimo da instituição do matrimônio é evitar que o marido
troque a mulher de 40 por duas de 20, garantindo a sua presença na casa e
evitando que a mulher tenha que criar os filhos sozinha. O matrimônio garante o
futuro.
O reconhecimento do matrimônio pelo Estado não é,
portanto, o reconhecimento de um afeto presente, sim de uma instituição natural
que prepara a ordem social futura. Ao contrário, até: um papel importante do
matrimônio é garantir que não seja o afeto a formar e desfazer as relações de
acordo com os ventos, exigindo que se mantenha o compromisso assumido de estar
ao lado do cônjuge nos bons e nos maus momentos. Nos bons é fácil; nos maus só
se permanece por senso de responsabilidade, e para isso é bom que haja ajuda.
O objetivo da proteção estatal do matrimônio é
protegê-lo contra os afetos que vão e vêm, contra o desejo sexual que muda de
alvo, para que a criança não chegue à idade adulta tendo passado por vários
padrastos e sem conhecer um pai. Mais vale proteger o matrimônio agora que
construir cadeias no futuro.
Um objetivo secundário, que sempre poderia – se o
Estado deixasse – ser obtido de outras maneiras, é garantir que o patrimônio
comum construído em comum não seja arrancado do cônjuge que sobrevive à morte
do outro. Ou seja: a proteção do passado.
A ideia que parece ter orientado os votos do STF é,
contudo, completamente diferente. O que se tem é uma celebração do afeto e da
sexualidade presentes, que são premiados com o reconhecimento de direitos
patrimoniais (que não têm nada a ver com sexo ou afeto) sem que seja assumido
qualquer compromisso com o futuro.
Não se garante, contudo, o patrimônio construído em
comum por pessoas que não tenham relações sexuais (duas irmãs solteironas que
morem juntas, uma comunidade hippie ou religiosa, dois amigos etc.). É o sexo
que se torna gerador de direitos.
Legisla-se sobre “uniões homoafetivas”, ou seja,
uniões afetivas entre pessoas do mesmo sexo, e dá-se a essas uniões os mesmos
direitos da chamada “união estável”. É a celebração do sexo e do afeto no
presente, sem cuidado com o futuro.
Ao equiparar a “união homoafetiva” ao matrimônio
light já existente na “união estável”, mostra-se, definitivamente, que o Estado
não está interessado em garantir o futuro, sim em meter o bedelho em afetos e
relações sexuais existentes, que não são nem poderiam ser da alçada dele.
Não sei, caro leitor, se lhe interessa ter
ministros do STF, juízes, deputados e burocratas em geral no seu quarto. A mim
não interessa; a minha vida sexual e afetiva não é da alçada do Estado.
É uma ingerência totalitária querer legislar o sexo
e o afeto. É uma injustiça e uma perversão criar por lei paródias sexocêntricas
da célula familiar, orientadas para o presente e não – como o matrimônio – para
o futuro, concebidas e definidas em torno de emoções passageiras e da vida
sexual. Para piorar, continua-se a negar o reconhecimento de direitos reais a
quem não defina sexualmente sua relação não matrimonial com um companheiro.
Se o patrimônio construído em comum sem sexo
continua sem proteção e ao mesmo tempo não há mais proteção da instituição
matrimonial, mais valeria eliminar todo o direito de família, acabar com o
casamento civil, a união estável e o que mais inventem, e tratar tudo como
sociedades contratuais. Assim, pelo menos, o Estado não teria desculpas para se
meter na cama das pessoas.
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