Por Ives Gandra.
Numa
real democracia, o respeito às opiniões divergentes é um direito fundamental,
pois, no dizer de John Rawls, "teorias não abrangentes" podem
conviver, apesar de suas diferenças, o que não ocorre com as "teorias
abrangentes" próprias das ditaduras, em que se impõe uma única visão
política a ser seguida por todos. Não no seu mais conhecido livro (Uma Teoria
da Justiça), mas na obra Direito e Democracia, desenvolveu o tema de que todas
as teorias impositivas que não permitem diálogo conformam ideologias
totalitárias, não são democráticas.
Respeito,
como eleitor e cidadão, as posições da presidente, que na juventude foi
guerrilheira na companhia de muitos outros, alguns treinados em Cuba, e mesmo
terroristas, pois lançaram bombas em shoppings, matando inocentes. Um de seus
amigos mais íntimos e meu amigo, apesar de nossas inconciliáveis divergências,
José Dirceu declarou certa vez que se sentia mais cubano que brasileiro. Seu
apoio permanente à ditadura cubana é, portanto, coerente com seu passado de
lutas políticas, como o fez com relação às semiditaduras da Venezuela e da
Bolívia.
O
caso de Cuba, todavia, tem conotações extremamente preocupantes, na medida em
que o governo brasileiro financia, por meio da campanha Mais Médicos - que
poderia também ser intitulada "Mais Médicos Cubanos" -, uma ditadura
longeva, que se alicerçou num rio de sangue quando Fidel Castro assassinou, sem
julgamento e sem defesa, em seus paredóns, milhares de cidadãos da ilha para
instalar sua ditadura. Chegou a ser chamado por estudantes da Faculdade de
Direito da USP de "Fidel Paredón Castro". Até hoje seus habitantes
não têm direito a circular livremente pelo país e quando conseguem autorização
para viajar ao exterior seus familiares permanecem como "reféns" para
garantia de seu retorno. E a pretendida abertura econômica para comprar carros
comuns por US$ 250 mil é risível para um povo que ganha - mesmo os
profissionais habilitados - em média de US$ 20 a US$ 50 por mês. É o país mais
atrasado economicamente das Américas.
O
Estado de S. Paulo (11/1, A3) noticiou que o referido programa prevê a
"importação" de 10 mil médicos de Cuba - ante pouco mais de 500 de
outros países -, os quais ganharão menos que os demais estrangeiros, pois o
governo brasileiro paga seu salários diretamente a Cuba, que lhes devolve
"alguns tostões", apropriando-se do resto. Impressiona-me que o
Ministério Público do Trabalho não tenha tomado, junto aos tribunais
superiores, medida para equiparar o pagamento, no Brasil, desses cidadãos
cubanos, que atuam rigorosamente da mesma forma que seus colegas de outros
países, ganhando incomensuravelmente menos. Causa-me também espanto que uma
pequena ilha possa enviar médicos em profusão. Talvez aí esteja a razão para
que o governo brasileiro não aceite o Revalida para tais profissionais,
deixando fundadas suspeitas de que tema sua reprovação, por não serem tão
competentes quanto os médicos brasileiros obrigados a se submeter a esse exame
para a avaliação de sua competência.
O
que mais me preocupa, contudo, é que, enquanto, para meros efeitos eleitorais,
o governo brande a bandeira de "Mais Médicos cubanos" financiadores
da ditadura do Caribe, o SUS não é reatualizado há mais de 15 anos. Os médicos
brasileiros que atendem a população nesse sistema recebem uma miséria como
pagamento por consultas e cirurgias, assim como os hospitais conveniados. A não
atualização dos valores pagos pelo SUS, em nível de inflação, por tão longo
período tem descompensado as finanças de inúmeras instituições hospitalares
privadas vinculadas a seu atendimento.
De
tudo, porém, o que me parece mais absurdo é que o financiamento à ditadura
cubana, calculado pelo Estado, supera US$ 500 milhões, estando a fortalecer um
regime que há muito deveria ter sido combatido por todos os países da América,
para que lá se implantasse a democracia. Tal amor à ditadura caribenha
demonstra a monumental hipocrisia dos ataques ao Paraguai e a Honduras por
terem, constitucional e democraticamente, afastado presidentes incompetentes ou
violadores da ordem jurídica dominante. Assim é que o artigo 225 da
Constituição paraguaia permite o impeachment por mau desempenho, como nos
governos parlamentares, e o artigo 239 da Constituição hondurenha determina a
cassação do presidente que pretender defender a reeleição. É que a forma como
foram afastados estava prevista no texto constitucional aprovado, nessas
nações, democraticamente.
Como
presidente do País, Dilma Rousseff merece respeito. Dela divirjo, entretanto,
desde sua luta guerrilheira, que atrasou a redemocratização do Brasil, obtida,
por nós, advogados, com a melhor das armas, que é a palavra. E considero que
seu permanente fascínio pelas ditaduras ou semiditaduras, como as de Cuba,
Venezuela e Bolívia, é perigoso para o Brasil, principalmente quando leva à
adoção de medidas como a "operação de mais médicos cubanos", pois
fora de nossas tradições democráticas.
Valeria
a pena a presidente refletir se tais medidas, de nítido objetivo eleitoreiro,
não poderão transformar-se ao longo da campanha em arma contra o próprio
governo, mormente se os candidatos de oposição se dedicarem a explorar o fato
de que o que se objetiva mesmo é financiar aquele regime totalitário. A
campanha Mais Médicos poderá tornar-se o mote "mais dinheiro para a
ditadura cubana", pondo em evidência não o interesse público do povo
brasileiro, mas a coerência da presidente com seu passado guerrilheiro, gerando
dúvidas sobre seu apreço aos ideais democráticos.
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