Por Sávio Laet
“Amicus Plato, sed magis amiga veritas.” “Platão é meu amigo; a verdade, porém, é minha maior amiga.”
“Amicus Plato, sed magis amiga veritas.” “Platão é meu amigo; a verdade, porém, é minha maior amiga.”
“As palavras soam apenas para que a coisa seja entendida.”[1]
O que mais nos instiga no ateísmo é que ele nasceu como um fenômeno
cultural, quase imperceptível. Quando Nietzsche “declara” a “morte de Deus”, o
que menos importa a ele é saber se Deus existe ou se Deus não existe. O que ele
quer frisar é que, após séculos de teísmo, a cultura do seu tempo mostrava um
homem “capaz” de viver privado de Deus. Com efeito, ἄ-θεος (á-theos),
com o α privativo, significa “privado de Deus”. Não significa – a falar com
máxima exação – negação de Deus, nem de alguém ou de uma época que seja
“anti-Deus” (ἀντὶ-θεός), contra Deus. Significa
apenas que uma pessoa ou uma época vive privada de Deus. O ateísmo não
significa sequer que a pessoa não precise de Deus ou que não “goste” dEle, mas
tão somente que ela vive, de fato, como se Deus não existisse. Neste sentido,
nossa época, e nós mesmos – crentes e não crentes – estamos inseridos numa
sociedade que “funciona” sem Deus.
Agora bem, no alvorecer do século XIX, houve uma reação contra o dado
cultural do ateísmo. De fato, o homem é um ser que pensa e não pode ficar
indiferente ao que o rodeia. Destarte os religiosos detectaram que a cultura –
arte, ciência, literatura, etc. – não era mais cristã. O Concílio Vaticano I foi apenas uma dessas reações. Ora, ante esta
reação, os que estavam não apenas vivendo, mas também construindo uma cultura
ateia, reagiram. O que temos daí por diante? De um lado, o aprofundamento da
apologética como um fenômeno religioso, isto é, diante da consciência de que
estavam dentro de uma cultura ateia e de que era preciso reagir, os religiosos
empenharam-se em provar a existência de Deus, ou seja, a afirmar – demonstrativamente
– que Deus existe[2]; de outro
lado, constatamos o nascimento de um ateísmo, desta sorte militante, ativista,
porque consciente de si. O ateísmo passa a ser assim pensado e defendido e, aos
poucos, vai-se transformando numa negação de Deus, ou seja, numa afirmação
articulada de que Deus não existe. No meio dessa “confusão”, está justamente o
protagonista da história: Deus. Eis O grande desconhecido, eis o único a quem poucas
vezes foi dada a palavra. Ante Ele, o mais das vezes, crentes e agnósticos são
igualmente pouco judiciosos. No meio de toda esta balbúrdia, é como se
pudéssemos ouvir a voz de Agostinho:
Como podem
odiar, se desconhecem? Se não conhecem o que ele é, mas têm a seu respeito
qualquer outro conceito, não o odeiam, mas odeiam o que lhes parece que ele é,
ou o que suspeitam erradamente.[3]
Se pensam ou
crêem a respeito de Deus, não o que ele é, mas qualquer outra coisa, e tem ódio
ao que pensam, não odeiam propriamente Deus, mas o que concebem de Deus na sua
mentirosa suspeita e vã credulidade.[4]
De fato, a princípio, sentimos repulsa pelos ídolos, repelimos várias
ideias acerca de Deus; repudiamos inumeráveis representações da divindade, mas
não nos damos de que, o mais das vezes, destruímos ídolos para construirmos
outros. E, quando se trata dos nossos ídolos, costumamos cometer um erro
gravíssimo: tratamo-los como se fossem Deus. O mesmo Agostinho já sinalizava
para este perigo em seu tempo. Ele costumava dizer que Deus não é o monossílabo
tônico – ou as duas sílabas em latim – que pronunciamos de forma vã, mas sim
uma realidade que de muito ultrapassa o sinal gráfico que a indica:
<Deus>
não é apenas as duas breves sílabas com que exprimimos o seu nome, nem nós
veneramos essas duas breves sílabas, nem as adoramos, nem é a elas que
pretendemos chegar.[5]
De Deus pode
dizer-se tudo, e tendo-se dito tudo, tudo fica longe de ser dito como deve ser.[6]
Não se nota
pobreza maior do que quando se trata de dizer o que Deus é. Se procurais um
nome conveniente, não o encontrais [...].[7]
Na verdade, não
O conhecemos pela vibração dessas duas sílabas: De-us.[8]
O que seria um agnosticismo teológico? |
É certo que Agostinho não quer fundar uma teologia negativa malsã, o que
só o conduziria para outro abismo, a saber, o “agnosticismo teológico”. O que
quer dizer é outra coisa. Antes de tudo, que devemos tomar cuidado com as
nossas ideias; elas dizem, sinalizam, significam, mas não esgotam a realidade
da qual são signos. Por isso, não devemos parar nelas. Elas indicam outra coisa,
a saber, a realidade mesma da qual nascem. De mais a mais, devemos ter cuidado
com a proveniência das nossas ideias. Em quais testemunhos estão fundadas? Como
chegamos a elas? Enfim, para o nosso tempo, Agostinho deixa um questionamento
muito eloquente: sabemos a quem estamos negando ou em quem estamos crendo?
Porque, se negamos uma ideia que não corresponde a Deus – pensando que estamos
negando a Deus – a nossa negação é vã. Outrossim, se cremos em algo que não é
Deus, imaginando que é Deus, o nosso crer também é vã credulidade. Neste
sentido, um crédulo pode ser um ateu sem o saber; igualmente, um ateu, que despedaça
um ídolo a que chama Deus, pode estar acusando a pessoa errada. Por isso, é
mister despedaçarmos os ídolos, a fim de descobrirmos – primeiramente – se
somos ateus ou crentes autênticos. Assevera Agostinho:
Não O imagineis
como se fosse um artesão que compõe, ordena, inventa, que modela e remodela;
nem, tampouco, como um imperador sentado no trono real, brilhante e cheio de
adornos e criando por decreto real. Despedaçai os ídolos de vossos corações.[9]
E a única maneira de nós nos colocarmos diante da questão de Deus e da
real questão da demonstração da Sua existência, é assumirmos uma postura de
transculturação. E o que é transculturação? De forma bem jocosa, é sair da “confusão”. Como fazer? Precisamos
começar de algum lugar.
Ora, sempre nos intrigou o fato de, na contemporaneidade, o nome “Deus”,
indiscriminadamente, ser grafado com “d” minúsculo em filosofia. Ao
pensarmos sobre isso, fomos espontaneamente conduzidos para trás e para trás e
cada vez mais para trás. Então, começamos a temer que, ao abordarmos a questão,
por termos que regressar a um tempo tão imemorável, pudéssemos chegar a lugar
nenhum. Daí surgiu-nos uma nova questão: como falar do pretérito sem sermos
preteridos? Como falar do “passado” sem sermos defasados? Ora, a única forma – pensamos – de escaparmos a este
perigo, seria demonstrarmos haver uma “linha imaginária” que perpassa toda a
história da filosofia e que enlaça o passado ao presente de forma
irrenunciável. Qual é esta linha imaginária? Deus em pessoa!
Deus é o cerne da questão, o centro supremo da vida. |
Entretanto, resta a indagação: por que ninguém percebe que Deus é o cerne
da questão? De súbito, podemos dizer: porque Ele é o “problema”. Mas reflitamos
um pouco mais. Digamos desde já que a simples colocação da palavra Deus não nos
insere apenas num tema religioso ou teológico – ou mesmo filosófico – mas
também moral, cultural e sociológico. E onde estamos – melhor – de onde viemos
quanto a estas valências? Viemos de dicotomias que não nos permitem mais sermos
pessoas que pensem de forma integrada. E sem esta integração, Deus só pode ser negado
ou olvidado, nunca encarado, sequer como uma possibilidade.
Mas tentemos entender melhor como isso se reflete em nossa época. Tomemos
alguns binômios que nos ajudarão a compreender: verdadeiro/falso, veracidade/mentira,
nesciência/ignorância e capacidade/competência. A verdade é a adequação do intelecto à coisa.
Assim sendo, quando afirmamos, o cavalo
de Napoleão é branco, não estamos a dizer que ele parece ser branco, mas que ele é
branco. Afirmamos o ser, o que a coisa é.
Nem podemos dizer – em estado de sanidade mental – que o Cavalo branco de Napoleão é preto. Ora, esta certeza de que estamos
diante de um juízo que não diz respeito somente às leis da mente, mas que está em conformidade com a realidade, é o que propriamente chamamos verdade. Já se o assentimento não é firme, temos a opinião, o que indica que o juízo em questão carece de evidência. Ora,
quando emitimos um juízo assim, geralmente dizemos: “eu acho”, “é provável”,
“não creio”, etc.
A propósito, o que é a evidência? A
evidência é aquilo que a inteligência não pode negar, nem deixar de admitir ser
como é, e que exclui, por conseguinte,
o contraditório como falso. Ela pode ser imediata ou mediata. Imediata é
aquela evidência que dispensa demonstração. Assim, ao ver o sol, dizemos – sem
precisar de ulterior raciocínio – é dia.
Ela é mediata, quando precisamos demonstrá-la. Por exemplo, quando alguém
afirma, depois de delongada demonstração, Deus
existe, estamos diante de uma evidência mediada por uma demonstração. A
evidência pode ser ainda espontânea
ou refletida. Assim, o lavrador que
diz, vai chover, mas não sabe dizer o
“porquê”, tem uma evidência espontânea;
já o meteorologista que diz, “vai chover”, e sabe dizer a razão, tem uma evidência refletida. Mas o fato que
precisamos reter aqui é o seguinte. Quando afirmamos com evidência: isto é branco e não pode ser não branco,
este juízo existe em nós como certeza da verdade, excluindo, portanto, o
contraditório. Acontece que, quando esta evidência não existe, e não há firmeza
no assentimento, encontramo-nos ante um juízo opinativo que não exclui o contraditório como falso. Assim,
dizemos: é provável ou possível que esta
moléstia não seja câncer, mas sem excluir, de todo, que possa ser. O médico
pode, inclusive, ser da opinião que não seja câncer, mas, para
“desencargo de consciência”, solicita o exame. Tomás já prevê este temor de que o contraditório possa ser verdadeiro:
“A opinião é um ato do intelecto que
se inclina para um dos termos da contradição, com o temor do outro”[10]. De
fato, faz-se necessária uma demonstração, sempre que precisarmos sair do âmbito
da opinião e da dúvida.
A inadequação do intelecto à realidade. |
Outra coisa é a falsidade. Ela é a
inadequação do intelecto à realidade. Por exemplo, quando dizemos que o cavalo de Napoleão é preto, isto é
falso, supondo que este seja branco. E quando chamamos de verdadeiro o que é
falso, acontece ainda outro fenômeno, a saber, o erro. O erro é, pois, a
afirmação do falso como verdadeiro. Quase sempre ocorre quando tomamos como
verdade o que temos apenas como opinião, e esta é falsa. Em outras palavras, o
erro ocorre quando tomamos por verdadeiro o que, na verdade, se nos apresenta
apenas como “provável”. Neste sentido, o erro é precedido por uma confusão do espírito, a qual consiste em
não se saber distinguir a flutuação da
opinião da firmeza da certeza. Destarte,
a raiz do erro reside nisto: em vez da sensatez da dúvida, que, neste caso, é positiva, posto que implica a suspensão do juízo em ordem à
demonstração, a fim de que – por meio da prova – se logre a evidência de que se
carece, o nosso espírito é levado, por uma economia intelectual temerária, a afirmar mais do que vê com
clareza. Outra razão do erro é confundir esta dúvida positiva da qual falamos, e que é a suspensão do juízo,
porquanto este se encontra oscilante em face de duas teses opostas, com a dúvida negativa ou dificuldade, procedente, não da coisa, mas da nossa ignorância ou
de um intelecto raptado por dogmatismos caprichosos. Quando estabelece a
Teologia como ciência, Tomás se refere a esta espécie de dúvida com estas
palavras:
A dúvida que
pode surgir em alguns a respeito dos artigos de fé não deve ser atribuída à
incerteza das coisas, mas à fraqueza do intelecto humano.[11]
Algo, porém, é certo: não podemos viver só de juízos opinativos ou na dúvida.
A nossa inteligência foi criada para a verdade e não repousa enquanto não a
encontra. Como atestamos isso? É muito simples. Pensemos numa consulta médica. Há
a suspeita de uma moléstia grave: em nós ou em um dos nossos. O especialista
diz-nos: é provável que não seja tão grave.
Porém, não nos dá a certeza. Ficamos
tranquilos? Pior, e se ele simplesmente duvida,
isto é, suspende o juízo, e nos diz
que só se pronunciará acerca da gravidade ou não da doença após o resultado dos
exames que solicitará? Ficamos satisfeitos? Conseguimos descansar antes que
saia o resultado de uma biópsia, por exemplo? É claro que não. E outros
exemplos poderiam ser arrolados. É fato: o homem não consegue viver somente
de juízos opinativos e na dúvida, máxime em assuntos graves e por
período prolongado.
É claro que nem sempre teremos a certeza
metafísica das demonstrações, mas quem disse que há só um tipo de certeza?
Há também a certeza moral, fundada na
idoneidade habitual de quem se pronuncia sobre o que lhe compete, e há, ainda,
a certeza física. Por exemplo, não
temos razão para duvidar que o sol vá nascer amanhã. É uma certeza física. Outrossim, não há um “porquê” para duvidarmos de um
médico de nossa confiança, cuja probidade é atestada pela experiência de longos
anos cuidando de nós e pelos muitos pacientes que possui. É uma certeza moral. Mas ratificamos: é certo
que não podemos viver sem a verdade, sem algum tipo de certeza. Por isso,
quando Tomás retoma Aristóteles para dizer que todos tendemos ao saber, não se
esquece de completar dizendo que tendemos naturalmente a saber a verdade:
Além disso, assim como o verdadeiro é o bem do
intelecto, o falso é o seu mal, segundo o Filósofo (VI Ética 2, 1139 a ,
Cmt 2, 1130), pois, naturalmente desejamos conhecer o verdadeiro, e fugimos de
ser enganados pelo falso.[12]
Como todos os
homens, por natureza, desejam saber a verdade, também neles é natural o desejo
de fugir dos erros e de os refutar quando têm essa faculdade.[13]
Outra coisa ainda é a veracidade. Ela
é a adequação da nossa palavra ao que pensamos. É, por assim dizer, a verdade da palavra. Desta sorte, pode-se
ser veraz, sendo falso. Assim, quando alguém diz que o Cavalo de Napoleão, que é branco, é preto, faz uma afirmação falaciosa. Contudo, se realmente pensa
isto, está sendo veraz. Tomás diz:
“Quando alguém enuncia uma coisa falsa acreditando que se trata de algo
verdadeiro [...]. Não se trata de uma mentira, no sentido exato do termo”[14].
Agostinho também comenta:
[...] o verbo
não é verdadeiro a não ser quando gerado da própria realidade conhecida. Nesse
sentido, pode ser falso nosso verbo, não porque mentimos, mas porque nos
enganamos.[15]
Mentira é a inadequação da palavra ao que pensamos. |
[...] neste caso, mesmo que seja verdade o que
se diz, este ato, considerado do ponto de vista da vontade e da moralidade,
contém em si mesmo a falsidade, e só por acidente a verdade.[17]
Se o leitor percebeu, o que
queremos colocar é o seguinte: a verdade
plena só existe quando, não apenas
dizemos algo conforme a realidade, senão também quando o dizemos com veracidade.
O que gostaríamos de mostrar é que a verdade é uma virtude moral. Com efeito,
conhecer a verdade é um ato do intelecto,
mas dizer a verdade é um ato moral.
Em outras palavras ainda, faltar com a verdade vai resultar sempre numa espécie
de deformidade, pois o erro não termina no intelecto, mas contamina a vontade que adere
ao que o intelecto concebe e, por consequência, vicia fatalmente os atos
humanos. De fato, se Tomás diz que “[...] o intelecto move a vontade, pois o
bem conhecido é o objeto da vontade, e a move enquanto fim”[18],
ele não deixa de ponderar:
[...] para que a vontade tenda para algo, não
é necessário que seja o bem da coisa, mas que seja apreendido na razão de bem.
Donde o Filósofo dizer no livro II da Física:
“O fim é o bem ou o que tenha aparência de bem.”[19]
Portanto, a inadequação do intelecto à coisa, isto é, a falsidade, irá inexoravelmente
redundar em atos desordenados, desintegrados. Assim, pode haver alguém que pensa
que está certo, porque veraz – coerente consigo mesmo – mas encontra-se
enganado, porque seu juízo não está adequado à realidade. Destarte, há pérfidos
que não sabem que o são. Existem pessoas malévolas que acreditam ser boas. Há,
por fim, os que até sabem o que é certo, conhecem a verdade, porém, não
acreditam nela, não vivem segundo ela; ao contrário, preferem a opinião e a dúvida à certeza da verdade.
Por quê? Porque conhecem a verdade apenas materialmente, não a reconhecendo como
um bem maior. São pessoas perturbadas, desequilibradas, que pensam que o mundo
é a imagem das suas representações. Teatralizam a vida. Já dizia Fílon de
Alexandria, fazendo instigante alegoria:
Talvez seja justamente esse o sinal indicador de que
Caim não deveria ter sido morto: o fato de que ele nunca foi eliminado. Em todo
o livro da Lei, de fato, Moisés não informa a morte de Caim, aludindo
alegoricamente ao fato de que, como a Cila do mito, a estupidez é um mal
imortal, que não experimenta aquele fim completo que consiste em ser mortos,
mas que sofre por toda a eternidade o fim no sentido do continuar a morrer. Oh,
se acontecesse o contrário, e as coisas desprovidas de valor fossem descartadas
e sofressem uma completa destruição! Ao contrário, sempre excitadas, provocam,
nos que foram capturados por elas uma vez, a
doença que nunca morre.[20]
A diferença entre o ignorante e o néscio. |
No entanto, há um problema ainda mais grave. Não temos a obrigação de saber
tudo e nem sempre temos sequer condições e oportunidade para saber muitas
coisas. Ora, quando alguém não sabe algo que não tem a obrigação de saber ou
que não teve como saber, trata-se de um néscio.
Já alguém que não sabe o que tem a obrigação de saber e teve condições
razoáveis para saber, é um ignorante.
Assim, um geômetra não é ignorante se não souber explanar sobre teses
teológicas. No caso, ele seria um néscio. Com outras palavras, um geômetra não
é nem um bom nem um mau teólogo, ele simplesmente não é um teólogo, o que é completamente
diferente de ser um mau teólogo. Já se ele não souber demonstrar o teorema de
Pitágoras, é um ignorante, porque tinha a obrigação de saber, e supõe-se que,
apresentando-se como um geômetra, teve como saber. Em uma palavra, se não
souber geometria, pode ser considerado um mau geômetra. Nas palavras de Tomás:
A ignorância
difere da nesciência em que significa a simples negação da ciência. Por isso,
pode-se dizer daquele a quem falta a ciência de alguma coisa, que não a conhece.
[...] A ignorância implica uma privação de ciência a saber, quando a alguém
falta a ciência daquelas coisas que naturalmente deveria saber.[21]
Poderia alguém nos arguir: então, quando há culpa? Há certas coisas, como
os “[...] preceitos universais da lei [...]”[22], que
todos são obrigados a saber; e, quanto a uma pessoa em particular, “[...] o que
diz respeito ao seu estado e sua função [...]”[23], também
está obrigada a saber. Por isso, se se engana e engana os outros quanto a estas
coisas, é malévola por culpa própria. E quanto às demais coisas – surge a
questão – que não são de per si evidentes? Respondemos: para isto existe a educação, a saber, para nos instruir –
intelectual e moralmente – acerca delas. É o próprio Aquinate quem diz que a
razão de haver muitos que ignoram os princípios
segundos da lei é a falta ou a má
educação:
–– Quanto,
porém, aos seus outros princípios segundos, pode a lei natural ser destruída
dos corações dos homens, ou por causa das más persuasões, do mesmo modo como no
especulativo acontecem os erros a respeito das conclusões necessárias; ou
também em razão dos costumes depravados e hábitos corruptos [...].[24]
Na verdade, educação é coisa séria! Mas entendamos bem. Uma coisa é a capacidade e o poder; outra, a competência e a autoridade. Capacidade e domínio sobre um assunto
adquirimos estudando-o; competência,
hoje, é-nos conferida por meio de instituições. Mas o que temos diante dos
nossos olhos? Pessoas incapazes, ou que, em nome de ideologias, renunciaram à
grande capacidade que possuem, ao mesmo tempo em que adquiriram, por meio de um
certificado dado por alguma instituição, a “competência” e a “autoridade” para
falarem sobre determinados assuntos como se fossem portadoras da palavra final
sobre eles. Somente que, ao se porem a falar, não dizem a verdade acerca daquele
assunto sobre o qual teriam a obrigação de conhecer, mas dizem o que elas
pensam, embora o que elas pensem não seja a verdade e nem tenha a ver com o
assunto sobre o qual recai a sua responsabilidade. Trocando em miúdos, em nosso
mundo, a competência está dissociada da capacidade de dizer a verdade; a
veracidade está dissociada da verdade; temos, em nosso tempo, no pico das
virtudes, não a verdade que alguém tem a obrigação de saber e dizer, sob pena
de ser um ignorante e incompetente, mas a “coerência”, a “sinceridade”, a
“franqueza” de dizer o que pensa, ainda que o que pense seja uma falsidade.
Ora, estas pessoas não fazem mal somente a si mesmas, mas deformam a sociedade.
No entanto, é simplesmente um fato que é a estes inscientes que confiamos os
nossos filhos e a nossa própria sede de sabença: competentes, mas incapazes.
Qual a solução? Está no imperativo: γνῶθι σεαυτόν, transliterado: gnõthi seaytón, traduzido: “Conhece-te a ti mesmo”[25].
E o conhecimento de si mesmo começa pela constatação da própria ignorância,
isto é, da precariedade dos conhecimentos que cada um possui. A bem da verdade,
é um grande passo rumo à sabedoria, porém, muito difícil de ser dado,
reconhecer que não se sabe ou ao menos que não se sabe como se deveria saber. Entretanto,
ele é essencial. Daí a máxima socrática: Ἓν
οἶδα ὅτι οὐδὲν οἶδα", transliterado: hèn oĩda hóti oydèn oĩda, traduzido: Sei que nada sei[26].
Mas há outro momento não menos importante à integração pessoal, vale lembrar,
saber o instante em que se pode dizer a si mesmo: “eu sei que sei”. De fato, saber
que sabe é também parte integrante da sabedoria, visto que só assim o conhecimento
que adquirimos torna-se totalmente nosso e passa a estar integralmente à nossa
disposição. Neste sentido, já dizia Agostinho: “[...] tudo o que entendo, sei
que entendo, e sei que quero o que quero, e recordo tudo o que sei”[27].
E ainda: “Segue-se também que, no que conheço que me conheço, não me engano.
Como conheço que existo, assim conheço que conheço”[28]. Com
efeito, quando percorridos estes dois momentos, estamos muito próximos da posse
de nós mesmos.
Mas o que isso implica? Implica que podemos passar a dar o melhor de nós mesmos para os outros, ou seja, encontramo-nos
então em condições de alcançar aquela excelência no exercício mais excelente
que possuímos, a saber, a posse de nós mesmos pelo intelecto e pela vontade. Nisto
consiste justamente a areté (aretḗ).
Aretḗ, que vem de ἄριστον
(áriston), que quer dizer excelência, posto que superlativo de ἀγαθόν (agathón), que é bem. De fato, ninguém pode ser feliz (εὐδαίμων), se não consegue dar o melhor de si, se não consegue ser bom (εὖ,
eỹ), mas ninguém pode dar o melhor de
si e nem ser bom se não se conhece e se unifica. Daí que vício, em grego κακία,
significar, antes de tudo, ação disforme (κακός é mal, ruim, daí cacofonia).
Donde do mesmo termo proceder κάκιστος, que é malvado,
isto é, aquele que vive de modo disforme.
Aplicado aos dias de hoje, um homem integrado é um homem que descobriu
quem é e vive conforme é. É um homem cuja competência vem aliada à capacidade e
cuja veracidade coincide com a verdade. É alguém que não exorbita da sua competência,
pois a conhece. Se ensina gramática, não é leviano para querer ensinar química.
Para Aristóteles, só este homem integrado é capaz do ἔργον (érgon), isto é, de uma obra própria, porque provinda de dentro, porque
ordenada, porque consoante o fim do homem.
E onde Deus entra nisso? Embora tenhamos aberto o texto com a questão de
Deus, ela permanece uma incógnita em todo espírito que não procure, antes,
integrar-se. Não fugimos da questão, nem desviamos o assunto, senão que o
conduzimos para o que pensamos ser o seu centro: por incrível que pareça – na
questão de Deus – Deus não é o “x do problema”, mas sim a moral, melhor, a
existência de quem procura conhecê-lO.[29]
Amor ao saber. |
Platão é o pai da filosofia. Este termo, Φιλοσοφία, ao que tudo indica, de origem pitagórica, é em Platão que
ganhou o sentido que hoje lhe damos: amor
à sapiência. Foi Platão também um dos maiores escritores de todos os
tempos. Mas o mais impressionante está no fato de que, foi num período de pestes,
mortes, carestias e guerras de toda sorte; foi em meio a prisões e segregações,
bem como sem nenhum conforto e com pouquíssimos recursos, que o filósofo
ateniense escreveu, quantitativa e qualitativamente, melhor do que todos os
homens da história que tiveram as benesses de que ele que carecia. Entretanto,
ele não “idolatrava” a escrita e isto por uma razão muito simples: na sua
concepção, a escrita não tem alma. Para
Platão, as coisas mais importantes devem ser ditas oralmente, não escrevendo.
Por quê? Primeiro, porque a fala precede naturalmente à escrita. Destarte, a
palavra escrita é apenas cópia e imitação da oral e, como tal, é imperfeita.
Ademais, a sapiência (σοφία) não é só algo abstrato; antes,
é um estilo de vida, um jeito de viver. E a vida não se transcreve, não se
grafa, ao menos propriamente (Perdoem-nos os biógrafos). O filósofo não é, pois,
essencialmente, um bom escritor, um erudito ou um culto (o que não significa,
está claro, que ele tenha que ser um mau escritor, rude e inculto!), mas um
homem que pensa e sabe defender o que pensa. O dialético é aquele que sabe
defender o que pensa porque sabe o que conhece e sabe o que não conhece; é
senhor de si, consegue nominar as coisas, sabe o que sente e vive o que pensa e
pensa o que vive e está disposto a morrer pela verdade. O filósofo é, antes de
tudo, um homem da palavra (λόγος), que vive da palavra que
concebe. No Fedro, Platão delineia
isto clareza:
Sócrates ––
Já nos divertimos bastante com o que se refere aos discursos. Mas tu deves procurar
Lísias e dizer-lhe que nós dois, tendo descido à fonte e ao santuário das
Ninfas, ouvimos discursos que nos ordenavam dizer a Lísias e a quem quer que
componha discursos, a Homero e a qualquer outro que tenha composto poesia com
música ou sem música, a Sólon e a quem quer que haja composto discursos
políticos denominando-os leis: “Se compôs essas obras conhecendo a verdade e está em condição de socorrê-las (βοηθεῖν)
quando defende as coisas que escreveu
e, ao falar, possa demonstrar (Φαῦλα)
a debilidade
do texto escrito, então, um homem assim deve ser chamado não com o nome que
têm aqueles que citamos, mas com um nome derivado do objeto ao qual se aplicou
seriamente”.
Fedro –– E
que nome é esse que lhe dás?
Sócrates ––
Chamá-lo sábio, Fedro, parece-me exagero, pois tal nome convém somente a um
deus; mas chamá-lo filósofo, ou seja,
amante da sabedoria, ou algum outro nome desse tipo, seria
mais próprio e mais conveniente para ele.
Fedro –– E
de nenhuma maneira seria fora de propósito.
Sócrates ––
Ao contrário, aquele que não possui nada
de mais valor (Τιμιώτεπα) do que aquelas coisas que compôs ou escreveu, passando muito tempo
em girá-las de um lado e de outro, colocando ou separando uma parte da outra,
não o chamarás com razão poeta, fazedor de discursos ou redator de leis?
Fedro –– Sem
dúvida.[30]
Como conhecer o filósofo e suas filosofias. |
Destarte, podemos dizer que não é o fato de alguém ter lido todas as obras de Platão, Aristóteles,
Agostinho, Tomás de Aquino, que faz dele um platônico, um aristotélico, um
agostiniano, um tomasiano. Isso é erudição. De mais a mais, escrever bem sobre
os filósofos, no máximo, tornará alguém um bom escritor ou historiador. Com
efeito, o que nos torna platônicos, aristotélicos, agostinianos ou tomasianos é
habituarmo-nos a pensar e viver conforme eles. Já dizia Agostinho: “[...] a
filosofia é nosso verdadeiro e inabalável lugar de habitação”[31]. Desta
sorte, ninguém que simplesmente leia a biblioteca inteira de um filósofo
tornar-se-á filósofo por isso, ou mesmo conhecerá o que o filósofo conheceu, ao
menos não conhecerá como ele conheceu. De fato, há um coeficiente de singularidade em todo processo de conhecimento; o como conhecemos é só nosso e não se
repete. Assim, ainda que digamos as mesmas verdades que um filósofo disse,
jamais as diremos com o mesmo empenho vital que ele disse, porque também não as
conquistamos com o mesmo esforço pessoal que ele as conquistou.
O que queremos dizer é o seguinte: embora a verdade seja objetiva e
inegociável, o modo como a alcançamos tem um “quê” de individual. E essa
particularidade se manifesta na oralidade,
já que quando falamos estamos todo ali, somos todo expressão. Não somente a nossa
boca, mas todo o nosso corpo se exprime. Na oralidade, há um empenho nervoso,
uma sinergia “psíquico-somática” que nos torna imediata e inteiramente
expressivos. Quando falamos, não é só a nossa palavra que fala, mas somos nós
que falamos. Só na fala a verdade torna-se “ossos dos nossos ossos, carne da
nossa carne” (Carlo Sini). Somente na oralidade a verdade se concretiza, se
torna não somente audível, mas também
palpável, visível. Na fala, a verdade começa a ser vivida; na oralidade, a
verdade “se faz carne”. Tomás de Aquino já aludia a este fato, quando dizia com
toda clareza que a verdade não se diz apenas com a palavra audível, mas com toda sorte de gesticulações, ou seja, com um engajamento vital e moral de todo o
indivíduo. Para o Aquinate, só quem está comprometido por inteiro com aquilo que
faz é capaz de, com a sua fala, não profanar o silêncio, e com os seus gestos,
não o prevaricar. Nós devemos ser, por assim dizer, “cartas vivas” a falar, inclusive
com o nosso corpo, a verdade. Só diz plenamente a verdade quem é verdadeiro,
quem vive na e da verdade:
Deve-se
dizer que aquele que diz a verdade emprega certos sinais que são conformes à
realidade das coisas, sinais que podem ser palavras,
gestos ou outras coisas exteriores. Ora, são somente as virtudes morais que
regulam estas coisas, e que regulam também o uso de nossos membros externos, na
medida em que dependem do império da vontade. De onde se conclui que a verdade
não é nem virtude teologal, nem virtude intelectual, mas uma virtude moral.[32]
Ora,
constitui um tipo de ordem especial o fato de nossas palavras e atos externos estarem
em conformidade com a realidade como o sinal em relação à coisa significada.
E a virtude da verdade tem esta função de aperfeiçoar o homem no que diz
respeito a isto.[33]
Obviamente que não se trata apenas de falar com a boca. O homem, como se
deduz das palavras acima, fala com o seu corpo, com os seus atos, enfim, com
toda sorte de empenhos nervosos e musculares. Ora, o filósofo não é senão
aquele que diz – com a sua própria vida – a verdade; ele é o lugar, por assim
dizer, onde a verdade se materializa “em carne e osso” (Husserl). Qualquer
coisa diferente disso – para Tomás – não leva a nada. Diz ele:
Logo, quando
observamos que as palavras de uma pessoa não se coadunam com suas ações, ela
perde credibilidade no que diz, e suas afirmações anulam-se. [...] Portanto, as
verdadeiras palavras não devem somente ser úteis ao conhecimento, mas têm de
fundar a vida [boa e honesta], porque só podemos acreditar nas palavras que se
harmonizam com os atos. As palavras verdadeiras, portanto, provocam as pessoas
que as compreendem, fazendo-as adquirir a verdade delas e incitando-as a viver
[segundo seus exemplos].[34]
O próprio Tomás, num dos raros autotestemunhos – fazendo suas as palavras
de Santo Hilário – confessa que não quer senão confessar com todo o seu ser –
corpo e alma – a Deus. Ele desejava ser uma vida que fala:
Por
isso, sirvo-me aqui das palavras de Hilário: ‘Estou consciente de que o
principal ofício da minha vida (praecipuum
vitae meae officium) é referente a Deus, de modo que toda palavra minha
e todos os meus sentidos dele falem (omnis
sermo meus et sensos loquatur)’ (I Sobre
a Trindade 37. PL 10, 48 D).[35]
Platão também acreditava nisso. Por isso, para ele, o filósofo é aquele
que, antes de tudo, fala a verdade e a defende com a sua própria vida. Em
outras palavras, o filósofo não é somente o mestre do bem pensar, mas um mestre de
vida. Só nos tornamos filósofos quando, integrados pelo conhecimento de nós
mesmos, “incorporamos” a verdade que pensamos, falando e fazendo da nossa vida
um sinal adequado à realidade. Neste sentido, o escrito é só para nos ajudar a recordar,
mas mesmo este recordar (ἀνάμνησις, anámnēsis) não é um
recordar simplesmente com a mente; antes, é um reviver em nós o processo
“psíquico-somático” que nos conduziu àquele saber:
Sócrates ––
Por conseguinte, quem julgasse poder transmitir uma arte com a escritura e quem
a recebesse convencido de que poderá extrair daqueles sinais escritos alguma
coisa de claro e sólido, deveria ser grandemente ingênuo e ignorar, na verdade, o
vaticínio de Amon, se considera que os discursos consignados por escrito são
alguma coisa mais do que um meio para
trazer à memória (ύπομνῆσαι) de quem já sabe as coisas das quais trata o
escrito.
Fedro ––
Certamente.[36]
Agostinho também não era alheio a esta forma de proceder. Numa de suas
obras – De catechizandis rudibus – escrita
por volta do ano 400, a pedido de um catequista de Cartago chamado Deogratias, que
se encontrava enfastiado por achar que não conseguia narrar os mistérios da fé
de forma compreensível, Agostinho responde que, a única maneira de
transmitirmos a verdade de modo que todos possam entendê-la, é dizendo-a “na
carne”. Para aproveitarmos um exemplo muito simples do próprio Agostinho,
trata-se do seguinte: se dissermos, “estou com raiva”, em português, um
americano que não conhece a nossa língua, certamente não entenderá. Mas se
dissermos, “estou com raiva”, não só com palavras, mas com gestos, isto é, com
um empenho nervoso facial e corporal, não somente o nosso amigo americano, mas
provavelmente todos os que nos virem – de uma maneira ou de outra – entenderão
que estamos com raiva. Ora, isso vale para qualquer verdade. Assim, para
Agostinho, a verdade só se torna universal – e maximamente acessível – quando
se concretiza naquele que a diz, isto é, quando aquele que a diz a vive:
Assim, “raiva”,
se diz de um modo na língua latina, de outro na grega, de diversas maneiras nas
diversas línguas: mas a fisionomia raivosa não é nem latina nem grega. É por
isso que, quando alguém diz “iratus sum” (“estou com raiva”), nem todos o
entendem, mas somente os latinos; mas se o sentimento de efervescência da raiva
se manifestar no rosto e moldar a fisionomia da pessoa todos os que a veem
percebem que ela está com raiva. A palavra não consegue fazer chegar e como que
suscitar na mente dos ouvintes aquelas marcas de pensamento que a inteligência
imprimiu na memória, como o consegue o rosto aberto e a fisionomia: aquelas são
marcas interiores, estão na mente; o rosto, ao invés, está fora, no corpo.[37]
Podemos dar vida aos nossos textos. Existem recursos para isso. Podemos
estar em nosso texto, entrar nele, habitar nele. Desta sorte, podemos levar a quem
nos leia a não somente nos ler, mas, sobretudo, a nos ouvir; escutar o que
estamos dizendo. Como alcançamos isso? Através de certa habilidade erótica (ἐρωτιχή
[erōtikhḗ]). De fato, um (érōs, ἔρως) deve
perpassar o nosso texto e, a serviço da verdade, torná-lo aberto, atraente e
vivo para quem o lê (Umberto Galimberti). Já Tomás reconhece que provocar o amor
dos ouvintes pelo tema é o melhor modo de excitá-los à pesquisa e tocá-los. Em
suma, ensino e aprendizagem devem ser prazerosos, porque o prazer coloca o que
foi assimilado no mundo da vida:
Cada pessoa age
maximamente e investe seus esforços naquilo que mais ama: o músico
vigorosamente atenta-se para a audição das melodias; o amante da sabedoria
esforça-se ao máximo para compreender os teoremas por suas próprias
considerações. Então, como o prazer aperfeiçoa a operação, como acima foi dito,
por consequência, aperfeiçoa o próprio ato de viver e, por isso, todos o
desejam e o escolhem.[38]
Também Agostinho já reconhecia que amar o que se faz e fazer o que se ama
e, portanto, fazer tudo com alegria, torna o nosso trabalho mais prazeroso,
atrativo, interessante e, por conseguinte, entendível para quem o frequenta:
Uma coisa é
verdade: os outros nos ouvem com muito mais prazer quando nós mesmos estamos
contentes com o que fazemos. Pois a nossa alegria afeta a própria qualidade da
nossa fala, que sai mais fácil e aceitável. [...]. Quando é melhor uma
narrativa mais breve e quando uma mais longa? O mais importante é que a pessoa
catequize com alegria, seja qual for a maneira que usar (de fato, quanto mais
alegre ela for, mais será agradável). O máximo empenho deve ser colocado nisso.[39]
E o contrário também é verdadeiro. Quando fazemos algo de forma tensa,
angustiante; quando vamos realizar um trabalho inseguros e encontramo-nos
desgostosos por acharmos que não nos fazemos entender, fatalmente não
agradaremos aos ouvintes e seremos menos comunicativos:
De nossa parte,
desejando ardentemente o bem do ouvinte, queremos dizer-lhe tudo como o
compreendemos. (...) e porque não conseguimos, nos angustiamos, nos sentimos
frustrados no trabalho, nos acabrunhamos de aborrecimento e, por causa desse
tédio, a nossa palavra se torna ainda mais frouxa e desanimada do que antes.[40]
Urge que saibamos dizer uma palavra encarnada. Quem aspira à filosofia
deve encarnar a verdade em sua vida.
[1]
AGOSTINHO. A instrução dos catecúmenos.
2ª ed. Trad. Maria da Glória Novak. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. XI, 16. p. 64.
[2] Queremos dizer, com meridiana clareza, que as
provas tradicionais da existência de Deus de Tomás de Aquino – para nós – são
válidas e verdadeiras.
[3] AGOSTINHO.
Comentário ao Evangelho de São João: A
Ceia do Senhor. Trad. José Augusto Amado. Coimbra: Gráfica de Coimbra,
1952. v. IV. LXXXIX, 5.
[4] Idem. Ibidem. XC, 1.
[5] AGOSTINHO.
Comentário ao Evangelho de São João:
Médico e Alimento. 2ª ed. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra:
Gráfica de Coimbra, 1954. v. II. XXIX, 4.
[6] AGOSTINHO.
Comentário ao Evangelho de João: O Verbo
de Deus. 2ª ed. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra: Gráfica de
Coimbra, 1954. v. I. XIII, 5.
[7] Idem. Ibidem.
[8] AGOSTINHO.
A Doutrina Cristã. Trad. Nair de
Assis Oliveira. Rev. Paulo Bazaglia e Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus,
2002. I, 6, 6
[9]
AGOSTINHO. Sermo 223 A. 5.
Disponível em <
http://www.augustinus.it/latino/discorsi/discorso_284_testo.htm>. Acesso em:
14/12/2013. [A tradução é nossa].
[10] TOMÁS
DE AQUINO. Suma Teológica. Trad. Aimom - Marie Roguet et al. São
Paulo: Loyola, 2001. I, 79, 9, ad 4.
[11] Idem. Ibidem. I, 1, 5, ad 1.
[12] TOMÁS DE AQUINO. Suma Contra os Gentios.
Trad. D. Odilão Moura e Ludgero Jaspers. Rev Luis A. De Boni. Porto Alegre:
EDPUCRS, 1996. 2 v. I, LXI, 7 [513].
[13] TOMÁS
DE AQUINO. A Unidade do Intelecto Contra os Averroístas. Trad. Mário Santiago de Carvalho. Lisboa:
Edições 70, 1999. I, 1.
[14] Idem. Suma Teológica. II-II, 110, 1, C.
[15]
AGOSTINHO. A Trindade. 2ª ed. Trad.
Agustino Belmonte. Rev. Nair de Assis Oliveira e Honório Dalbosco. São Paulo:
Paulus, 2005. XV, 15, 24.
[16] TOMÁS
DE AQUINO. Suma Teológica. II-II,
110, 1, C.
[17] Idem. Ibidem.
[18] Idem.
Ibidem. I, 82, 4, C.
[19] Idem. Ibidem. I-II, 8, 1, C.
[20]
FÍLON DE ALEXANDRIA. Il malvagio tende a sopraffare il buono. Cap. XLVIII. Trad. C. Mazzarelli. Milão:
Rusconi, 1994. p. 321. In: REALE, Giovanni. O Saber dos
Antigos: terapia para os tempos atuais. 3ª ed. Trad. Silvana Cobucci Leite.
Rev. Joseli Nunes Brito et al. São Paulo: Edições Loyola, 2011. p. 116.
[21] Idem. Ibidem. I-II, 76, 2, C.
[22] Idem. Ibidem.
[23] Idem. Ibidem.
[24] Idem. Ibidem. I-II, 94, 6, C.
[25] PLATÃO.
Alcebíades maior, 130 e.
[26] PLATÃO.
Apologia a Sócrates. 23 d.
[27] AGOSTINHO.
A Trindade. X, 11, 18.
[28] AGOSTINHO.
A Cidade de Deus. 4ª ed. Trad. Oscar
Paes Lemes. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2001. Parte II. XI, XXVI.
[29] Não que quem
não acredite em Deus não seja ético. Isso seria baratear a questão, apoucá-la.
O que afirmamos é que lidar com a possibilidade de Deus não implica somente
problemas gnosiológicos, mas implica um estilo de vida.
[30] PLATÃO. Fedro. 278 b-c In: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: II Platão e Aristóteles. Trad.
Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1994. pp. 16 e
1. Vide, ainda, os autotestemunhos da celebérrima Carta VII, 340 b- 345 c.
[31]
AGOSTINHO. A Ordem. Trad. Agustinho
Belmonte. Rev. Joaquim Pereira Figueiredo.
São Paulo: Paulus, 2008. I, III,
9.
[32] TOMÁS
DE AQUINO. Suma Teológica. II-II,
109, 1, ad 3). (O itálico é nosso).
[33] Idem. Ibidem. II-II, 109, 2, C. (O itálico é nosso).
[34]
TOMÁS DE AQUINO. Sobre os Prazeres:
Comentário ao Décimo Livro da Ética de Aristóteles. Trad. Tiago Tondinelli.
São Paulo: Ecclesiae, 2013. X, I. pp. 18-19.
[35] Idem. Suma Contra os Gentios. v. I. I, II, 2
[9].
[36]
PLATÃO. Fedro. 275 c-d. In: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga:
II Platão e Aristóteles. Trad. Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo
Perine. São Paulo: Loyola, 1994. p. 16.
[37]
AGOSTINHO. Primeira catequese aos não cristãos.
Trad. Paulo Antonio Mascarenhas Roxo. Rev. Tiago José Risi Leme e Iranildo
Bezerra Lopes. São Paulo: Paulus, 2013. II, 3. p. 71.
[38] TOMÁS
DE AQUINO. Sobre os Prazeres: Comentário
ao Décimo Livro da Ética de Aristóteles. X, VI. p. 55.
[39]
AGOSTINHO. Primeira Catequese Aos Não
Cristãos. II, 4. p. 73.
[40] Idem. Ibidem. II, 3. p. 72.
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