Uma primeira aproximação da sua
Eclesiologia e Exegese
João Calvino. |
Um
dos “reformadores” mais famosos – João Calvino – certa feita proclamou: “Augustinus
totus noster est” [Agostinho é todo nosso]. Reivindicava assim – para a “Reforma”
– o pensamento do Santo Doutor. Calvino pensava, sobretudo, na doutrina da
graça segundo Agostinho. Não é o caso de adentrarmos aqui no contexto da obra
do reformador. Fato a se ressaltar é apenas que a ideia expressa nesta máxima ainda
perdura em algumas escolas do protestantismo. Entretanto, a máxima é falsa e
uma injúria à memória do Santo Bispo. Não há como desmascará-la ponto por ponto
na obra de Santo Agostinho, mas seguiremos de perto a via aberta pelo Pe.
Leonel Franca que – noutro contexto – deparou-se com a mesma dificuldade:
Não nos é
possível demonstrar aqui todo o dogma católico com trechos de S. Agostinho, mas
podemos esboçar as suas ideias sobre as questões fundamentais, dentro de cujos
limites restringiremos a nossa polêmica com o protestantismo.[1]
Não
faremos abundar no texto os originais latinos, porque a indicação bibliográfica
nos dispensará disso, uma vez que conduzirá o leitor interessado ao original.
De mais a mais, não seguiremos, ipsis
litteris, a tradução do invicto jesuíta, pois morto em 1948, suas
excelentes traduções “padecem”, de qualquer modo, dum português – infelizmente
– caído em desuso. Outrossim, como queremos chegar a todos os irmãos, também
não verteremos o texto latino de forma literal e demasiado técnica. Feitas
estas ponderações, prosseguiremos – sem mais – no trâmite que propusemos.
A
primeira questão que colocamos é: em Agostinho, qual é o caminho para se
chegar
a Cristo? Aos textos. Em seu primeiro livro escrito como sacerdote, De Utilitate Credendi [Da Utilidade de Crer, 391/392],
Agostinho já exorta o maniqueu Honorato: “Segue a via da disciplina católica
que, de Cristo mesmo, por meio dos Apóstolos, chegou até nós, e
que se estenderá à posteridade”[2].
Noutra obra, Contra Faustum Manichaeum [397/400, 33 livros], ele ensina:
“Por aí podes ver quanto vale a autoridade da Igreja Católica, fundada
sobre a solidíssima base dos Apóstolos, a qual se firma na sucessão
ininterrupta dos bispos e no consenso de tantos povos”[3].
Noutro passo, reconhecendo-se filho desta Igreja, o Santo Doutor, rechaçando
como sacrílega a opinião daqueles que pensam haver nela qualquer mácula em
matéria de fé, celebra: “Igreja Católica, verdadeira esposa do verdadeiro
Cristo [vera sponsa veri Christi Ecclesia
catholica]”[4]. É
dela – e somente dela – enquanto legítima esposa de Cristo, que são gerados os
verdadeiros filhos de Deus. A Igreja é o nosso vínculo com Cristo. Sua
fidelidade – expressa na sucessão ininterrupta dos bispos e na pureza da
doutrina – transmite o sagrado liame entre nós e Nosso Senhor.
Santo Agostinho. |
Mas
prossigamos. É a Bíblia a única fonte da nossa fé [Sola Scriptura]?
Podem as Escrituras ser interpretadas por livre exame, isto é,
independentemente do juízo da Igreja? Nem uma coisa nem outra. A Bíblia não é
passível de interpretação individual, porque o seu próprio cânon foi estabelecido
pela autoridade da Igreja. Desta feita, é a Igreja – e não qualquer – que pode
dar a legítima interpretação da Bíblia. Assim, a Fausto – maniqueu – que, além
de distorcer passagens das Escrituras, usava outras fontes – que não as
canônicas – para demonstrar suas teses espúrias, o nosso Doutor adverte: “[...]
mostre-[me], não mediante quaisquer escritos, mas com os eclesiásticos,
canônicos, católicos. Os outros escritos não possuem, para nós, nenhum peso
de autoridade nesta matéria”[5].
Noutra obra, também do começo de sua vida como presbítero, De Sermone Domini in Monte, ele afirma ao povo – turbado por uma
citação feita pelos hereges – “A esta escritura é-nos lícito não crer, porque
não está no cânon católico”[6].
Noutro opúsculo de 397, chamado Contra
epistolam quam vocant fundamenti – ainda litigando contra os maniqueus – o
Santo Doutor faz uma declaração surpreendente: “Eu, na
verdade, não creria no Evangelho se não me impulsionasse a isso a autoridade
da Igreja Católica”[7].
Santo Agostinho ensina que, assim como Cristo – quando do Seu ministério
terreno – ensinava o povo, da Barca, assim, hoje e pelos séculos, Ele ensina os
povos pela autoridade da Igreja, da qual não é lícito se afastar: “O Senhor
que, da barca, ensina as multidões, foi sinal para o nosso tempo, quando o
Senhor ensina os povos pela autoridade da Igreja”[8].
Valia-se
Agostinho do livre exame em suas obras exegéticas? Decerto que não. Numa de
suas obras exegéticas – De Genesi ad
litteram imperfectus – escrita pouco depois de ordenado sacerdote [393], ele
começa precisamente afastando a possibilidade de fazer – como os hereges – uma
interpretação individual do livro sagrado. Afirma:
E porque muitos
hereges têm o hábito de acomodar a explicação das divinas Escrituras à sua
opinião contrária à doutrina católica, é necessário explicar sucintamente a fé
católica antes de entrar no assunto deste Livro.[9]
Para
Agostinho, a Bíblia pode não ser útil; antes, pode ser mesmo nociva, se não for
compreendida corretamente. Por isso mesmo – como deixa claro numa Epístola – o livre exame das Sagradas
Escrituras, e o apego ao senso individual delas, são as causas das heresias:
(...) porque nem
mesmo as Sagradas Escrituras, que nos exortam a prestar fé a realidades tão grandes
antes que possamos entendê-las, poderão lhe ser úteis, se não as entenderem retamente.
Todos os hereges que recebem a autoridade das divinas Escrituras creem seguir a
elas, quando seguem a seus próprios erros; porém, são hereges não porque
desprezem às Sagradas Escrituras, mas porque não as entendem.[10]
Basta
amar à Bíblia? Não! Basta aceitá-la como Palavra de Deus? Não! Basta entendê-la
segundo o senso de cada um? Uma vez mais, não! É preciso aceitar a
interpretação que a Igreja docente no-la dá. Neste sentido, o grande Doutor,
recrimina a Juliano, não por não acolher à Bíblia, mas por não a ler como a
Igreja: “(...) não queres aceitar as palavras apostólicas [i.é., do Apóstolo]
como as aceita a Igreja Católica desde a sua fundação”[11].
Do
quanto dissemos, decorre que as Escrituras não são a única fonte da fé.
Agostinho reconhece isso, máxime naquelas questões em que os textos das
Escrituras não dirimem de todo as dúvidas, salvo quando interpretados à luz
duma tradição – proveniente dum magistério – constituído por uma sucessão
ininterrupta. De resto, Agostinho sente-se membro vivo desta sucessão, e
responsável por transmitir – de forma íntegra – aos pósteros, o que ele próprio
recebeu. Afirma ele num Sermão, já
como Bispo:
Nós, ou seja a
fé católica, que vem da doutrina dos apóstolos, e foi plantada em nós, e é
recebida através de idades sucessivas e deve ser transmitida aos vindouros
perfeitamente sã, nós, digo, sustentamos a verdade que se encontra entre as
duas correntes de hereges, entre um e outro erro.[12]
Sobre
o papel do Magistério eclesiástico voltaremos mais tarde; por agora, insistamos
na existência duma tradição apostólica distinta da Bíblia. Agostinho afirma-a. Mencionemos
apenas algumas. No tratado, De Baptismo
contra Donatistas Libri Septem [400/1], ele afirma que “Há muitas coisas que
a Igreja universal conserva e que, por isso, tem-se motivo para crer que foram
os apóstolos que as ordenaram, embora não se encontrem escritas”[13].
Na mesma obra, declara acerca do costume de não se repetir o batismo:
Este costume –
creio – vem da tradição apostólica, como muitas outras coisas que não se
encontram em seus escritos [i.é., dos apóstolos] nem nos concílios dos seus
posteriores, e, contudo, porque são conservadas pela Igreja universal, são
cridas como transmitidas e recomendadas por eles [i.é., pelos apóstolos].[14]
Noutro
opúsculo – De cura pro mortuis gerenda
– que data do ano de 421, para sanar qualquer dúvida acerca da licitude do
sufrágio pelos mortos, o Santo Doutor recorre à Tradição:
Entretanto,
ainda que não deparássemos em parte alguma do Antigo Testamento a mínima
referência a este respeito, não é de pouco peso a autoridade da Igreja
universal, na qual é manifesto este costume. Assim, nas preces em que o padre
dirige suas orações ao Senhor Deus junto do altar, é reservado espaço especial
para a encomendação dos mortos.[15]
A Sagrada Tradição na Igreja. |
Demos
um passo adiante. E quando, não digo as Escrituras, mas a própria Tradição
comporta interpretações diversas e contrastantes mesmo entre os bispos? Quando
isso ocorre – afirma Agostinho – se a dúvida realmente se presta a causar dano
à fé, importa ser sanada por meio dum concílio ecumênico, cuja decisão está
acima do magistério de um epíscopo em particular ou mesmo dum concílio de uma
só província: “Com quanta maior facilidade e força se devem preferir as
determinações estabelecidas pela Igreja universal [universae Ecclesiae statuta] à autoridade de um só bispo ou ao
concílio de uma só província?”[16]
Noutro passo da mesma obra contra os donatistas, ele próprio se reconhece sob o
consenso da Igreja universal: “Nem nós ousaríamos defender a tal tese, se não a
sustentasse a concordíssima autoridade da Igreja universal [universae Ecclesiae concordissima
auctoritate]”[17].
De fato, contra os donatistas, Agostinho replica que, se no tempo de São
Cipriano, a verdade acerca da questão do batismo já houvesse sido elucidada e
declarada por um concílio plenário, ele certamente declinaria e assentiria “(...)
à autoridade de todo o orbe [universi orbis
auctoritas]”[18].
Em
outro escrito – Contra Cresconium
grammaticum [406] – dirigido contra um donatista, Santo Agostinho afirma
que este caiu em heresia, exatamente porque não recorreu ao que reza o consenso
da Igreja universal, quando as próprias Escrituras – sujeita a interpretações
errôneas – afirmam, sem pestanejar, que a Igreja não falha em matéria de fé. Em
outras palavras, seguimos a Escritura, não quando a interpretamos segundo o
nosso juízo, mas quando nos submetemos ao senso da Igreja:
Assim, ainda que
sobre esta questão não seja proferido algum exemplo certo pelas Escrituras
canônicas, também sobre este assunto nos mantemos na verdade, ao praticarmos o
que pareceu bem à Igreja universal, que recomenda a autoridade das mesmas
Escrituras.[19]
Enfim,
a Igreja – na catolicidade dos seus Concílios dogmáticos – quando doutrina
acerca de fé e moral, é infalível: “[...] a mãe Igreja, perfeita, não comete
erros e se difundiu por todo o universo”[20].
Destarte – num sermão da maturidade – o Santo Bispo afirma que a Igreja
católica é a verdade. Pelo que, quem dela se apartar ou for separado, cai
fatalmente no erro:
Efetivamente, no
seio da Igreja, permanece a verdade. Quem se separar do seio da Igreja, necessariamente
falará falsidades; necessariamente, digo, falará falsidades, quem não quis ser
concebido, ou quem a mãe expeliu, depois de o conceber.[21]
De
sorte que quem a abandona ou é por ela abandonado – quem se volta contra ela – perde
a salvação. Por conseguinte, para Agostinho – ouçamos bem – não há pecado mais
grave do que o cisma, precisamente porque nada pode justifica-lo:
Nós expomos
estes textos das Santas Escrituras, a fim de que se torne evidente que não é
fácil encontrar algo mais grave do que o sacrilégio do cisma, porque não existe
necessidade alguma que possa justificar a ruptura da unidade.[22]
Entretanto,
noutras obras, o Santo Doutor pondera. Ele não tem o pensamento ingênuo de que,
quantos estejam atualmente fora da Igreja, seja massa danada. Numa de suas
epístolas, reconhece que nem todos os que caem no erro são heréticos, mas
somente aqueles que o defendem com contumácia. Nem devem ser tomados por hereges
aqueles que, inobstante nascidos na heresia, não a defendem com pertinácia.
Quanto a estes, devemos crer que possuem as disposições necessárias para que,
tão logo conheçam a verdade, convertam-se a ela:
Não devem ser
tidos por hereges os que não defendem com pertinaz animosidade sua sentença,
embora seja ela perversa e falsa; principalmente se eles não as criaram por
própria e audaz presunção, senão que foram seduzidos e induzidos a erro
enquanto a receberam de seus pais. De mais a mais, se buscam com cauta
solicitude a verdade, e estão dispostos a se corrigirem tão logo a encontrem,
[não devem ser contados entre os hereges].[23]
Num
escrito do ainda neófito Agostinho, o De
Vera Religione [389/90], ele admite que, mesmo os excomungados, não devem
desesperar da sua salvação. Não o despreocupa o fato de muitos deles terem sido
excomungados injustamente e vê em alguns deles, inclusive, membros sofredores
da Igreja que podem chegar à santificação. De fato, tantos são aqueles que, se
não excomungados oficialmente, não fazem parte da massa falante. Nosso Doutor
reconhece-lhes um direito de cidadania na Igreja:
Por vezes,
permite a própria Providência que homens justos sejam desterrados da Igreja
católica por causa de alguma violência partidária muito turbulenta da parte de
homens carnais. Se as vítimas dessas injustiças ou injúrias suportarem com
paciência, pela paz da Igreja, sem introduzir movimentos cismáticos ou
heréticos, ensinarão a todos, com que verdadeiro afeto e sincera caridade se
deve servir a Deus. A intenção de tais homens é o regresso, uma vez passada a
tempestade. Ou, se não lho permitirem – por não ter cessado o temporal ou por
haver ameaça de que se enfureça ainda mais com o seu retorno – mantenham-se na
firme vontade de prover o bem dos próprios agitadores a cuja sedição e
turbulência tiveram de ceder. Defendam até morrer e sem suscitar divisões,
ajudem com seu testemunho a manter aquela fé que sabem ser pregada pela Igreja
católica. A esses, o Pai que vê no secreto interior, coroará secretamente.
Parece ser rara essa categoria de homens, mas exemplos não faltam e são ainda
mais freqüentes do que se poderia crer.[24]
Observemos
que não se trata, aqui, de hereges ou suspeitos de heresia, nem daqueles que
possuem ânimo cismático. Trata-se, antes, de homens que nutrem grande amor pela
Igreja e grande zelo pela ortodoxia da sua doutrina; homens que, num dado
momento, se viram excluídos dela por partidos. Santo Agostinho, noutra obra – Ad Donatistas post Collationem [406] –
ainda a este propósito, admite, pois, haver na Igreja, bons e maus; e, ancorado
na parábola evangélica [Mt 13, 47 a 50], diz que assim será até o final dos
tempos. Pelo que – para ele – não é a simples presença exterior na Igreja,
senão a santificação pela graça, que nos faz membros vivos da Igreja e nos abre
as portas do Reino dos Céus. Destarte, os verdadeiros membros da Igreja,
conhecê-los-emos – com máxima certeza – apenas no juízo final. Por hora, eles
permanecem desconhecidos como as intenções dos corações:
Todavia, nesta
parábola do Evangelho que recordamos, na qual se diz que bons e maus peixes se
encontram unidos numa mesma rede até que sejam separados na praia, isto é, no
fim do mundo, os vossos bispos – vencidos pela evidência da verdade –
confessaram que os maus se encontram mesclados na Igreja até o fim do mundo;
porém, disseram que estavam ocultos, já que os ignoram os sacerdotes, do mesmo que
os pescadores não distinguem os peixes nas redes enquanto estão no mar.[25]
Demos
mais um passo. Se quando surgem dúvidas acerca das Escrituras, importa recorrer
à Tradição e, quando mesmo a tradição conhece interpretações contrastantes,
cumpre voltarmo-nos aos Concílios Ecumênicos, a fim de verificar o que, de
fato, é oriundo da Tradição apostólica, a verdade é que nem sempre é possível
convocar Concílios. Mas nem por isso devemos desesperar de encontrar à verdade,
haja vista que “[...] Deus colocou, na cátedra da unidade, a doutrina da
verdade”[26] [Dei, qui in cathedra unitatis doctrinam
posuit veritatis]. Ora, já durante o ministério de Cristo, este primado sempre
pertenceu a Pedro:
Assim, certas
expressões parecem aplicar-se propriamente ao apóstolo Pedro, no entanto não
oferecem sentido muito claro a não ser que se refiram à Igreja, que ele
figurava, devido ao primado de que gozava entre os discípulos.[27]
Igreja Romana a sé do Apóstolo Pedro |
Destarte,
sendo a Igreja Romana a sé do Apóstolo Pedro, “[...] a quem o Senhor confiou,
após
a ressurreição, o pastoreio das Suas ovelhas [Jo 21, 15 a 17]”[28],
é ela a Igreja “[...] na qual sempre vigorou a primazia da cátedra apostólica [...]”[29].
Então, estar em comunhão plena com ela é estar em comunhão com os Apóstolos, é
estar em comunhão com a verdadeira Igreja. A bem da verdade, nem o hereges e
cismáticos o negam, pois nenhum deles – ao ser solicitado por um forasteiro
acerca da Igreja Católica – aponta outra basílica ou a sua casa, senão a Igreja
Romana:
Tem, finalmente,
o próprio nome “católico”, que, não sem causa, só esta Igreja [i.é. a Romana] obteve
entre tantas heresias. Assim, não obstante todos os hereges queiram se dizer
católicos, quando algum peregrino pergunta onde se reúne a [Igreja] Católica,
nenhum dos hereges ousa mostrar a sua basílica ou a sua casa.[30]
À
Igreja de Roma, a autoridade suprema da cristandade. Como não bastassem os
vaticínios dos profetas, a vida e a doutrina de Cristo, ela é reconhecida pelo
sangue dos mártires, pelas cruzes e pela vida invulgar dos santos. Constatam a
sua supremacia, não só a sucessão dos bispos ou a autoridade dos concílios ou
mesmo os milagres, mas também o gênero humano, pois o mais das vezes os hereges
foram condenados pelo juízo do próprio povo. Ora, ante tal nuvem de testemunhas,
o primado da Igreja de Roma apresenta-se também como um fato histórico: “De modo
que, não querer dar-lhe o primado é, deveras, ou um ato de suma impiedade ou de
precitada arrogância”[31].
À
decisão do Papa Inocêncio I [417] – acerca do pelagianismo – segue o anúncio da
mesma pelo Bispo de Hipona nestes termos:
De fato, a propósito
desta causa, já foram enviados – para a Sé Apostólica – dois concílios; de lá também
já vieram as respostas. A causa está terminada. Oxalá, enfim, seja acabado o
erro! [Causa finita est: utinam aliquando
finiatur error!].[32]
Aos
que se separaram da Igreja de Roma, a sorte lhes reserva a desdita de uma
ininterrupta divisão, sendo o ódio àquela da qual se desviaram o único elo
entre eles:
Portanto,
irmãos, os que se dividem, trazem em si a espada da divisão, e por sua espada
morrem e
de sua espada vivem (...). Vede-os – meus irmãos – os que se separaram da
unidade, como em vão são divididos [in
quo frustra precisi sunt].[33]
De
fato, a absurdidade dos cismáticos consiste nisto: “Discordam entre si,
concordam todos contra a unidade [Dissentiunt
inter se, contra unitatem omnes consentiunt]”[34].
Mas em nada isso poderá macular a unidade da Igreja, que – segundo a palavra do
Seu Senhor [Mt 16, 18] – prevalecerá até o fim dos séculos:
A Igreja não
será vencida [Non vencetur Ecclesia],
não será desarraigada, não cederá a tentação alguma, até que venha o fim deste
mundo, e aquela habitação eterna nos receba ao sairmos desta morada temporal,
aonde nos conduzirá aquele que se tornou a nossa esperança.[35]
Amemos,
pois, a Igreja, não como algo distinto de Cristo, mas como um prolongamento de
Cristo na história, como aquela que – pela virtude do Seu Esposo divino [Ef 5,
25 a32] – nos gera para a vida imperecível: “Amemos o Senhor nosso Deus, amemos
sua Igreja; a ele enquanto pai, a esta enquanto mãe”[36].
Quantos aos desgarrados, resta-nos apenas orarmos para que se convertam, e,
convertendo-se, aceitem a chamar a Deus de pai e a Igreja de mãe:
Orai também
pelas ovelhas dispersas, que elas mesmas também venham, que elas mesmas também
reconheçam, que elas mesmas também amem; para que seja um só rebanho e um só
pastor [Jo 10, 16].[37]
Fazemos
nosso o convite do Santo Bispo. De toda forma, o vosso protestante, ei-lo!
[1] FRANCA, Leonel. Catolicismo e Protestantismo. Rio de
Janeiro: Schmidt-Editor, 1933. p. 94.
[2] AGOSTINHO. De utilitate credendi ad Honoratum liber unus. 8, 20. Disponível
em: < http://www.augustinus.it/latino/utilita_credere/utilita_credere.htm>. Acesso em: 05/003/2014. (A
tradução e os sublinhados são nossos).
[3] AGOSTINHO. Contra Faustum Manichaeum. XI, 2. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/contro_fausto/libro_11_testo.htm>. Acesso em: 05/3/2014. (A
tradução e os sublinhados são nossos).
[4] Idem. Ibidem. XV, 3.
Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/contro_fausto/libro_15_testo.htm> Acesso: 05/03/2014. (A
tradução é nossa).
[5]
Idem. Ibidem. XXIII, 9. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/contro_fausto/libro_23_testo.htm>. Acesso em: 06/003/2014. (A
tradução e o sublinhado são nossos).
[6] AGOSTINHO. De Sermone Domini in Monte. I, 20, 65. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/montagna/montagna_1.htm>. Acesso em: 06/03/2014. (A
tradução é o sublinhado são nossos).
[7] AGOSTINHO. Contra epistolam manichaei quam vocant fundamenti liber unus. 5, 6.
Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/contro_lettera_mani/contro_lettera_mani.htm>. Acesso em: 06/03/2014.
[8] AGOSTINHO. Quaestionum Evangeliorum libri duo. II, 2. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/questioni_vangeli/questioni_vangeli_2.htm>. Acesso em: 06/03/2014. (A tradução e sublinhado são nossos).
[9] AGOSTINHO. Comentário Literal ao Gênesis, inacabado. Trad. Agustinho Belmonte.
Rev. J. Figueiredo. São Paulo: Paulus, 2005. I, 1.
[10] AGOSTINHO. Epistola 120. 3, 13. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/lettere/lettera_121_testo.htm>. Acesso em: 07/03/2014. (A
tradução é nossa).
[11] AGOSTINHO. Contra Secundam Iuliani Responsionem Imperfectum Opus. II, 87.
Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/incompiuta_giuliano/incompiuta_giuliano_2.htm>
. Acesso em: 07/03/2014. (A tradução e os colchetes são nossos).
[12] AGOSTINHO. Comentário ao Evangelho de São João: Luz, Pastor e Vida. 2ª ed. Trad. José Augusto Rodrigues
Amado. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1960. v. III. XXXVII, 6.
[13] AGOSTINHO. De Baptismo contra Donatistas Libri Septem. V, 23, 31. Disponível
em: < http://www.augustinus.it/latino/sul_battesimo/sul_battesimo_5.htm>. Acesso em 07/03/2014. (A
tradução é nossa).
[14] Idem. Ibidem. II, 3, 13.
Disponível em: <
http://www.augustinus.it/latino/sul_battesimo/sul_battesimo_5.htm>. Acesso
em 07/03/2014. (A tradução e os colchetes são nossos).
[15] AGOSTINHO. O cuidado devido aos mortos. Trad. Nair de Assis Oliveira. Rev.
Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 2002. 1, 3. p. 156.
[16] AGOSTINHO. De Baptismo contra Donatistas Libri Septem. II, 1, 2. Disponível
em: < http://www.augustinus.it/latino/sul_battesimo/sul_battesimo_2.htm>.
Acesso em 08/03/2014. (A tradução é nossa).
[17] Idem. Ibidem. II, 4, 5.
Disponível em: <
http://www.augustinus.it/latino/sul_battesimo/sul_battesimo_2.htm>. Acesso
em 08/03/2014. (A tradução é nossa).
[18] Idem. Ibidem. (A tradução
é nossa).
[19] AGOSTINHO. Contra Cresconium Grammaticum Donatistam Libri Quartuor. I, 33, 39.
Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/contro_cresconio/contro_cresconio_1.htm>. Acesso em: 08/03/2014. (A
tradução é nossa).
[20]
Idem. Comentário Literal ao Gênesis, inacabado.
I, 4.
[21] AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. Trad.
Monjas Beneditinas. Rev. H. Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1997. v. II.
57, 6. p. 145.
[22] AGOSTINHO. Contra Epistulam Parmeniani Libri Tres. II, 11, 25. Disponível em:
< http://www.augustinus.it/latino/contro_parmeniano/contro_parmeniano_2.htm>. Acesso em: 08/03/2014. (A
tradução e os colchetes são nossos).
[23] AGOSTINHO. Epistola 43. 1, 1. Disponível em <http://www.augustinus.it/latino/lettere/lettera_043_testo.htm>. Acesso em: 09/03/2014.
[24] AGOSTINHO. A Verdadeira Religião. Trad. Nair de Assis Oliveira. Rev. Honório
Dalbosco. São Paulo: Paulus, 2002. 6, 11. pp. 36-37.
[25] AGOSTINHO. Ad Donatistas post Collationem. 8, 11. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/donatisti_dopo_conf/donatisti_dopo_conf.htm>. Acesso em: 09/03/2014. (A
tradução é nossa).
[26] AGOSTINHO. Epistola 105. 5, 16. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/lettere/lettera_106_testo.htm>. Acesso em: 10/03/2014. (A
tradução é nossa).
[27] AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. Trad. Monjas Beneditinas. Rev. H. Dalbosco.
São Paulo: Paulus, 2008. v. III. 108, 1.
p. 246.
[28] AGOSTINHO. Contra epistolam manichaei quam vocant fundamenti liber unus. 4, 5.
Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/contro_lettera_mani/contro_lettera_mani.htm>. Acesso em: 10/03/2014. (A
tradução é nossa).
[29] AGOSTINHO. Epistola 43. 3, 7. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/lettere/lettera_043_testo.htm>. Acesso em: 10/03/2014.
[30] AGOSTINHO. Contra epistolam manichaei quam vocant fundamenti liber unus. 4, 5.
Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/contro_lettera_mani/contro_lettera_mani.htm>. Acesso em: 10/03/2014. (A
tradução e os colchetes são nossos).
[31] AGOSTINHO. De utilitate credendi ad Honoratum liber unus. 17, 35. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/utilita_credere/utilita_credere.htm>. Acesso em: 10/03/2014. (A
tradução é nossa).
[32] AGOSTINHO. Sermo 131. 10. Disponível
em: < http://www.augustinus.it/latino/discorsi/discorso_167_testo.htm>. Acesso em: 11/03/2014. (A
tradução é nossa).
[33] AGOSTINHO. Sermo 4. 34. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/discorsi/discorso_004_testo.htm>. Acesso em: 11/03/2014. (A
tradução é nossa).
[34] AGOSTINHO. Sermo 47. 27. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/discorsi/discorso_058_testo.htm>. Acesso em: 11/03/2014. (A
tradução é nossa).
[35] AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. 60, 6. p. 229.
[36] Idem. Ibidem. 88, 2, 14.
p. 943.
[37] AGOSTINHO. Sermo 138. 10, 10.
Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/discorsi/discorso_178_testo.htm>. Acesso em: 11/03/2014. (A
tradução é nossa).
Confirmada a impressão que tive (a respeito dos católicos) já a algum tempo: Eles acreditam na Igreja e não nas escrituras. Interessante que nunca tinha lido nada a esse respeito e, muito menos, ninguém me falara desse fato antes. Mas, o mais indigesto de tudo isto é que, mesmo que os elementos doutrinários, vindo de tradição, forem contrários aos transmitidos pelas escrituras são válidos e prevalentes no meio católico. Os argumentos de defesa são pautados nos valores doutrinários das tradições apostólicas, e, incrivelmente, isso é feito ignorando completamente os registros - desses "mesmos apóstolos" -, deixados nas Escrituras (e escrituras são documentos estáticos, digno de muito mais confiança do que "documentos boca a boca" - as tradições), que são mais que contrárias - condenáveis até -, à muitos elementos doutrinários da igreja de hoje. Sinceramente, isso tudo chega a ser muito cômico.
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