Por Dom Henrique Soares.
Quantas vezes já
ouvimos falar de céu, inferno, juízo final, purgatório? Trata-se de realidades
sérias, partes essenciais da nossa fé católica, ligadas ao nosso destino mesmo.
E, no entanto, nossas ideias sobre elas são superficiais e infantis, na maioria
das vezes.
Hans Urs von Balthasar |
Um dos grandes teólogos do século XX, Hans Urs von
Balthasar, refletindo sobre as realidades finais, afirmava: “Deus é o Fim (=
Finalidade) último das criaturas: Ele é o céu para quem O alcança, o inferno
para quem O perde, o juízo para quem por Ele é examinado, o purgatório para
quem é por Ele purificado, e tudo isto no modo em que Ele dirigiu-se ao mundo,
isto é, no Seu Filho, Jesus Cristo, que é a possibilidade de revelação de Deus
e, portanto, a síntese das coisas últimas”.
O que significa tal afirmação? Que as realidades
últimas somente podem ser compreendidas e afirmadas a partir de Deus e Deus
como Se revelou em Jesus Cristo, único Caminho para o Mistério. Morte, juízo,
inferno, paraíso, não são realidades neutras, estranhas à nossa relação com o
Senhor. Elas não podem ser compreensíveis sem uma referência a Deus e ao Seu
Cristo.
O que é o céu? Para além de qualquer descrição (que
seria insuficiente e até errônea, pois descrevendo, estaríamos falando não da
realidade do Além, mas transformaríamos o céu num pobre aquém, num
prolongamento do nosso mundo e desta nossa vidinha – e o céu não é isso!)
Balthasar nos diz que o céu é Deus – e Deus como Se nos seu em Cristo! O Céu é
estar no banquete eterno no qual Deus nos sacia de vida, reclinando a nossa cabeça
de peregrinos sobre o seio de Cristo, como o Discípulo Amado na Última Ceia. O
céu é Deus: é estar Nele, participar da Sua vida, mergulhar no mar sem fim do
Seu coração! – Deus Amado, Escondido e Revelado, Desejado com ânsia, Tu és meu
céu, meu refúgio, meu remanso, minha vida, meu descanso e eterna felicidade!
Ganhar-Te é viver de verdade, é o gozo da plenitude sem fim e sem limites!
E o inferno? Não poderia jamais ser compreendido sem
Deus, sem o infinito amor que Ele nos revelou em Jesus morto e ressuscitado. Se
Deus é nossa saudade e nosso repouso, se Deus é nosso destino e nossa
plenitude, perdê-Lo é nosso tormento, nossa frustração radical, nossa depressão
sem cura, nosso absurdo visceral. Deus é nosso inferno, pois o aconchego do
qual temos saudade – aconchego no Seu coração – nós o perderíamos para sempre e
veríamos que nossa existência tornara-se absolutamente vazia, absurda, sem
sentido. Deus é meu inferno como amor perdido, distante, irremediavelmente
frustrado. Não há inferno maior – e não se pode imaginar o quanto tão grande
seja! – que ver o Amor e se perceber irremediavelmente excluído Dele; ver a
Plenitude e saber-se para sempre longe Dela, conhecer e reconhecer Aquele que é
mais íntimo de nós que nós mesmos e sabê-Lo eternamente perdido para nós! Como
não se pode imaginar a alegria do céu, tampouco se pode imaginar a frustração
danada do inferno...
Deus é também nosso juízo. No Seu Filho pleno do Santo
Espírito de Amor, fogo que ilumina, purifica e transfigura, nós veremos o que
fomos, o que somos. Por aqui, por este mundo, mais das vezes nos vemos na nossa
própria luz, segundo nossos próprios critérios. Mas, no Dia de Cristo,
ver-nos-emos na Sua luz (e esta luz é o Espírito Santo): “Na Tua luz veremos a
luz!” É Cristo morto e ressuscitado o critério da verdade e da mentira, do bem
e do mal, da vida e da morte. Veremos, então, como somos vistos por Deus,
ver-nos-emos na nossa verdade – e a nossa verdade é o modo como Deus nos vê!
E o purgatório? Balthasar insiste: é Deus! Deus é
nosso purgatório, pois no Fogo devorador, que é o Espírito do Seu Filho Jesus,
nos purifica, queimando amorosamente a escória dos nossos pecados no
abrasamento apaixonado da Sua caridade, libertando-nos daquelas pequenas
impurezas das quais não tivemos a coragem de nos libertar nos dias desta vida.
Deus é nosso purgatório, pois no Santo Espírito de Jesus arremata a obra
iniciada em nós nesta vida!
Pensemos, pois: Deus é nosso tudo, nossa Origem e
nosso Destino. E tudo isto Ele é em Jesus Cristo, o Filho amado, através de quem
e para quem o Pai tudo criou na potência do Espírito... É este o sentido
profundo da meditação cristã sobre as coisas últimas. Todas as imagens que
usamos e que o imaginário popular utiliza são para ilustrar esta realidade tão
profunda e tão consoladora...
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