Por Igson Mendes
Aurelius Augustos, mais conhecido como Santo Agostinho, nasceu no ano
354, em Tagaste, hoje Numídia, região da África. Seu pai, Patrício, era pagão e
veio a converter-se próximo do leito de morte. Sua mãe, Mônica, foi uma cristã
fervorosa e de grande piedade, quem deu a Agostinho os rudimentos da fé.
Durante a juventude, resolve afastar-se da fé Cristã, e viver de forma
dissoluta, entregue aos prazeres carnais. Só que após ler a obra de Cícero,
sentiu-se menos atraído por uma vida sensual e mais comprometido com a busca da
verdade. Busca essa que o fez percorrer muitos “ambientes”. Após um longo
esforço para encontrar a chave da inquietação que o devorava. Tornou-se
maniqueu, depois platônico, finalmente convertido, num célebre momento que ele
mesmo contou com um gênio inimitável, no abra Confissões.
Grande retórico, um grande filósofo e um grande santo da Igreja. Sua
obra, ao mesmo tempo vasta e profunda, exerceu e exerce muita influência em
toda a cultura ocidental. Citarei algumas delas. A mais famosa, Confissões (399),
foi redigida em treze livros, e trata da releitura da sua própria vida à luz da
sua conversão. A Trindade (399-419), composta em quinze livros, foi um
de seus registros mais significativo. No aspecto das controvérsias e combate as
heresias, os Tratados sobre a Graça mereceram-lhe da Igreja o
título de Doutor da Graça. Já na perspectiva apologética, destacamos
uma de suas grandes obras, A Cidade de Deus (416-427), consignada em
vinte e dois tomos. Quanto ao pensamento filosófico, a referência obrigatória
permanece sendo: O Livre- Arbítrio (388), em três tomos. Também A
Verdadeira Religião (389-390) é uma indicação neste campo.
Dentre as obras descritas, o objeto deste artigo
será ”A Cidade de Deus”. A referida obra representa o maior monumento da
antigüidade cristã e, certamente, a uma das obras primas do Bispo de Hipona.
Composta de vinte e dois livros, foi escrita num espaço de dez anos, limiar da
queda de Roma, após o saque dos visigodos, em 410. A temática da obra volta-se
a defesa do cristianismo diante das acusações dos romanos pela ruína do
Império. Segundo eles, o Deus de amor dos cristãos tinha-se mostrado incapaz de
proteger o império. Tinha-se em mente que a destruição de Roma era devida a um
castigo pelo fato de os romanos terem abandonado os deuses da sua religião por
causa do Deus dos cristãos. Então, Santo Agostinho, que neste tempo já era
Bispo de Hipona, faz uma longa defesa da fé cristã diante dos ataques vindos do
paganismo da época, compondo uma obra que será um elogio em defesa da religião
cristã. Foi assim que nasceu o De Civitate Dei.
Conteúdo da Obra
Tem com fundamento uma interpretação do mundo à luz da Fé Cristã.
Trata-se, principalmente, de uma teologia e uma filosofia da história em face
de uma apologética cristã. Visando refutar as acusações advindas dos romanos,
Agostinho se utiliza da história como conteúdo de argumentação. Para isso, o
Bispo de Hipona distingue em três grandes seções a história antes de Cristo.
A primeira concerne à história de duas cidades após o pecado original,
que ficaram confundidas em um único caos humano. Após a confusão causada, chega
até a Abraão, época na qual começou a separação das duas cidades. A segunda,
descreve a história da cidade de Deus, recolhida e configurada em Israel, de
Abraão até Cristo. Na terceira, retoma, em separado, a narrativa do ponto em
que começa cada cidade. Visando, assim, mostrar que a cidade dos homens culmina
no Império Romano. Esta história, onde parece que Satanás e o mal têm o seu
reino, só passa ter um sentido quando vista sob o olhar da fé que tudo
principia e tudo conduz, possuindo, portanto, uma ordem transcendente. Pode-se
dizer que existe uma teleologia metafísica fundante na montagem dos fatos
históricos, isto é, os fatos são organizados em um mecanismo de causalidade,
cuja finalidade última está no Sumo Bem, que é o Deus cristão, revelado na pessoa
de Jesus Cristo. Depois de Cristo, cessa a divisão política entre as duas
cidades, que se confundem como nos primeiros tempos da humanidade, com a
diferença de que já não é mais união caótica, mas configurada na unidade da
Igreja, que não é limitada por nenhuma divisão política, mas supera todas as
sociedades políticas na universal unidade dos homens e na unidade dos homens
com Deus. Esta concepção metafísica dos fatos produz uma absolutização do
Cristianismo que é transferida para a sociedade criando a visão teocêntrica do
Estado-Igreja – universitas - , que perpassará toda a Idade Média.
Conforme Agostinho, a origem das duas
cidades, remonta à queda dos anjos. Contudo, o que as funda, de fato,
são dois amores: o amor de si levado ao desprezo de Deus, que
funda a cidade terrena; e, o amor a Deus que leva ao desprezo de
si, que funda a cidade celestial. Hoje, estas duas cidades – a de Deus e
a do Demônio – encontram-se misturadas nas cidades terrenas, pois elas
só serão separadas, e seus habitantes distinguidos, no juízo
final. Assim, enquanto o cristão estiver nesta terra, a sua paz consistirá
em, pela graça e através da razão, dominar as paixões infames;
quando, porém, estiver na paz final, ou seja, na visão clara de
Deus, não será necessário a razão mandar nas paixões, pois já não existirão.
Entretanto, para os que não pertencem à Cidade de Deus, ao Juízo
Final sucederá a guerra final, isto é, uma batalha eterna entre
as paixões que se opõem à vontade e a vontade que se opõe às
paixões. A teologia da história agostiniana, desenvolvida na De
Civitate Dei, não é senão a tentativa de compreender, à luz da fé cristã
– máxime a partir do seu movimento escatológico – todos os momentos
da história humana.
Cabe salientar, ainda, uma última questão. As duas
cidades se distinguem também pela doutrina. Enquanto na cidade dos homens é
permitido que a verdade conviva com o erro, na Cidade de
Deus(neste ponto Agostinho parece identificá-la com a própria Igreja),
aqueles que pregam o erro devem ser corrigidos, e, caso persistam em
suas perversidades, tornam-se hereges e devem ser excluídos da comunhão
eclesial, passando a serem vistos como inimigos.
Divisão da Obra
A obra se divide em vinte e dois livros, composta de duas partes:
Parte I - Cidade de Deus: I – Em defesa da
religião cristã; II – Os deuses e a degradação de Roma; III – Os deuses e os males físicos em Roma;
IV – A grandeza de Roma como dom divino; V – O destino e a Providência;
VI – A teologia mítica segundo Varrão; VII – A teologia civil e seus deuses;
VIII – Teologia natural e filosofia; IX – Cristo, Mediador; X
– O culto ao verdadeiro Deus.
Parte II - A Cidade de Deus: Contra os pagãos: XI – Origem das duas cidades; XII – Os anjos e a criação do homem;
XIII – A morte como pena do pecado; XIV – O pecado e as paixões; XV – As
duas cidades da terra; XVI – De Noé aos profetas; XVII – Dos profetas a Cristo;
XVIII – Paralelismo entre as duas cidades; XIX – Fim das duas cidades; XX – O
juízo final; XXI – O inferno, fim da cidade terrena; XXII – O céu, fim da
cidade de Deus.
Na primeira parte, Agostinho tenta mostrar como o culto
aos deuses não proporciona nem a felicidade temporal, nem, tampouco,
a felicidade eterna. Mostra como as “funções” dos deuses são truncadas
sendo que um pode ser confundido facilmente com outro, concluindo que só podem
ser demônios. Trata dos males morais imposto pelos deuses e vivido pelos
pagãos, como os jogos cênicos, relata inúmeras guerras, lutas, violências,
barbaridades ocorridas em Roma desde Rômulo até César Augusto, sendo sob seu
império que Jesus nasceu; e conclui que se tais horrores tivessem acontecido no
tempo de Jesus, da religião cristã, atribuiriam a Ele tais males, sendo que não
faziam isso nem mesmo a seus deuses. No final, chama a atenção dos
cristãos para o dever de cultuar o verdadeiro e único Deus.
Na segunda parte da obra, que compreende todos
os livros restantes (XI- XXII), é que Agostinho desenvolve a sua chamada teoria
das duas cidades. Nela trata tanto da origem (XI-XIV) e desenvolvimento
(XV-XVIII) das duas cidades, quanto de seus respectivos fins (XIX-
XXII). Agostinho, trabalha com o Novo Testamento, mostrando os diversos
mistérios da vida humana baseado no juízo atual de Deus que é inescrutável e
incompreensível; Fala da existência do juízo final onde os mortos serão
ressuscitados segundo a carne; do destino dos maus e dos bons; Afirma que
a dor é algo privativo da alma, pois o corpo não sente dor sem ser animado; que
a primeira morte tira a alma do corpo contra a sua vontade, a segunda a mantém
no corpo contra a sua vontade, pois no inferno a pessoa, alma e corpo, sentirá
a dor que o fogo lhe causará por toda a eternidade; Trabalha sobre a eterna
felicidade da Cidade de Deus, baseado nas promessas divinas; Confessa que nem
os anjos sabem como será nossa vida nesta santa cidade, só se sabe que veremos
a Deus em tudo e em todos, que não haverá mais pecado, que haverá no céu
diferentes graus de glória, que se terá consciência de toda miséria passada e
as misérias dos condenados e que nós estaremos num sabatismo eterno.
Conclusão da Obra.
A obra é considerada um marco na literatura Cristã.
Nela qual Agostinho tenta convencer os cristãos e os pagãos que a destruição do
Império Romano fazia parte da vontade divina. Um verdadeiro discurso filosófico
que é encontrado em todo o desenrolar da obra Cidade de Deus. Através uma
leitura atenta, é possível enfocar o desfecho das duas cidades que se divergem
e se entrelaçam em si mesmas: a Babilônia, o lugar do Cativeiro, do presídio,
do afastamento de Deus, e a Jerusalém, o lugar da vida em abundância, da
libertação.
A “missão” de Agostinho ao escrever a Cidade de
Deus, tem a real intenção retórica para humanizar e salvar os homens.
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