sábado, 29 de março de 2014

Agostinho e a Cidade de Deus!

Por Igson Mendes

Aurelius Augustos, mais conhecido como Santo Agostinho, nasceu no ano 354, em Tagaste, hoje Numídia, região da África. Seu pai, Patrício, era pagão e veio a converter-se próximo do leito de morte. Sua mãe, Mônica, foi uma cristã fervorosa e de grande piedade, quem deu a Agostinho os rudimentos da fé. Durante a juventude, resolve afastar-se da fé Cristã, e viver de forma dissoluta, entregue aos prazeres carnais. Só que após ler a obra de Cícero, sentiu-se menos atraído por uma vida sensual e mais comprometido com a busca da verdade. Busca essa que o fez percorrer muitos “ambientes”. Após um longo esforço para encontrar a chave da inquietação que o devorava. Tornou-se maniqueu, depois platônico, finalmente convertido, num célebre momento que ele mesmo contou com um gênio inimitável, no abra Confissões.

Grande retórico, um grande filósofo e um grande santo da Igreja. Sua obra, ao mesmo tempo vasta e profunda, exerceu e exerce muita influência em toda a cultura ocidental. Citarei algumas delas. A mais famosa, Confissões (399), foi redigida em treze livros, e trata da releitura da sua própria vida à luz da sua conversão. A Trindade (399-419), composta em quinze livros, foi um de seus registros mais significativo. No aspecto das controvérsias e combate as heresias, os  Tratados sobre a Graça mereceram-lhe da Igreja o título de Doutor da Graça. Já na perspectiva apologética, destacamos uma de suas grandes obras, A Cidade de Deus (416-427), consignada em vinte e dois tomos. Quanto ao pensamento filosófico, a referência obrigatória permanece sendo: O Livre- Arbítrio (388), em três tomos. Também A Verdadeira Religião (389-390) é uma indicação neste campo.

Dentre as obras descritas, o objeto deste artigo será ”A Cidade de Deus”. A referida obra representa o maior monumento da antigüidade cristã e, certamente, a uma das obras primas do Bispo de Hipona. Composta de vinte e dois livros, foi escrita num espaço de dez anos, limiar da queda de Roma, após o saque dos visigodos, em 410. A temática da obra volta-se a defesa do cristianismo diante das acusações dos romanos pela ruína do Império. Segundo eles, o Deus de amor dos cristãos tinha-se mostrado incapaz de proteger o império. Tinha-se em mente que a destruição de Roma era devida a um castigo pelo fato de os romanos terem abandonado os deuses da sua religião por causa do Deus dos cristãos. Então, Santo Agostinho, que neste tempo já era Bispo de Hipona, faz uma longa defesa da fé cristã diante dos ataques vindos do paganismo da época, compondo uma obra que será um elogio em defesa da religião cristã. Foi assim que nasceu o De Civitate Dei.

Conteúdo da Obra

Tem com fundamento uma interpretação do mundo à luz da Fé Cristã. Trata-se, principalmente, de uma teologia e uma filosofia da história em face de uma apologética cristã. Visando refutar as acusações advindas dos romanos, Agostinho se utiliza da história como conteúdo de argumentação. Para isso, o Bispo de Hipona distingue em três grandes seções a história antes de Cristo.

A primeira concerne à história de duas cidades após o pecado original, que ficaram confundidas em um único caos humano. Após a confusão causada, chega até a Abraão, época na qual começou a separação das duas cidades. A segunda, descreve a história da cidade de Deus, recolhida e configurada em Israel, de Abraão até Cristo. Na terceira, retoma, em separado, a narrativa do ponto em que começa cada cidade. Visando, assim, mostrar que a cidade dos homens culmina no Império Romano. Esta história, onde parece que Satanás e o mal têm o seu reino, só passa ter um sentido quando vista sob o olhar da fé que tudo principia e tudo conduz, possuindo, portanto, uma ordem transcendente. Pode-se dizer que existe uma teleologia metafísica fundante na montagem dos fatos históricos, isto é, os fatos são organizados em um mecanismo de causalidade, cuja finalidade última está no Sumo Bem, que é o Deus cristão, revelado na pessoa de Jesus Cristo. Depois de Cristo, cessa a divisão política entre as duas cidades, que se confundem como nos primeiros tempos da humanidade, com a diferença de que já não é mais união caótica, mas configurada na unidade da Igreja, que não é limitada por nenhuma divisão política, mas supera todas as sociedades políticas na universal unidade dos homens e na unidade dos homens com Deus. Esta concepção metafísica dos fatos produz uma absolutização do Cristianismo que é transferida para a sociedade criando a visão teocêntrica do Estado-Igreja – universitas - , que perpassará toda a Idade Média.

Conforme Agostinho, a origem das duas cidades, remonta à queda dos anjos. Contudo, o que as funda, de fato, são dois amores: o amor de si levado ao desprezo de Deus, que funda a cidade terrena; e, o amor a Deus que leva ao desprezo de si, que funda a cidade celestial. Hoje, estas duas cidades – a de Deus e a do Demônio – encontram-se misturadas nas cidades terrenas, pois elas só serão separadas, e seus habitantes distinguidos, no juízo final. Assim, enquanto o cristão estiver nesta terra, a sua paz consistirá em, pela graça e através da razão, dominar as paixões infames; quando, porém, estiver na paz final, ou seja, na visão clara de Deus, não será necessário a razão mandar nas paixões, pois já não existirão. Entretanto, para os que não pertencem à Cidade de Deus, ao Juízo Final sucederá a guerra final, isto é, uma batalha eterna entre as paixões que se opõem à vontade e a vontade que se opõe às paixões. A teologia da história agostiniana, desenvolvida na De Civitate Dei, não é senão a tentativa de compreender, à luz da fé cristã – máxime a partir do seu movimento escatológico – todos os momentos da história humana.

Cabe salientar, ainda, uma última questão. As duas cidades se distinguem também pela doutrina. Enquanto na cidade dos homens é permitido que a verdade conviva com o erro, na Cidade de Deus(neste ponto Agostinho parece identificá-la com a própria Igreja), aqueles que pregam o erro devem ser corrigidos, e, caso persistam em suas perversidades, tornam-se hereges e devem ser excluídos da comunhão eclesial, passando a serem vistos como inimigos.

Divisão da Obra

A obra se divide em vinte e dois livros, composta de duas partes:

 Parte I  - Cidade de Deus:  I – Em defesa da religião cristã; II – Os deuses e a degradação de Roma; III – Os deuses e os males físicos em Roma;  IV – A grandeza de Roma como dom divino; V – O destino e a Providência; VI – A teologia mítica segundo Varrão; VII – A teologia civil e seus deuses; VIII – Teologia natural e filosofia;   IX – Cristo, Mediador;  X – O culto ao verdadeiro Deus.

 Parte II - A Cidade de Deus: Contra os pagãos: XI – Origem das duas cidades;  XII – Os anjos e a criação do homem; XIII – A morte como pena do pecado; XIV – O pecado e as paixões;  XV – As duas cidades da terra; XVI – De Noé aos profetas; XVII – Dos profetas a Cristo; XVIII – Paralelismo entre as duas cidades; XIX – Fim das duas cidades; XX – O juízo final; XXI – O inferno, fim da cidade terrena; XXII – O céu, fim da cidade de Deus.

Na primeira parte, Agostinho tenta mostrar como o culto aos deuses não proporciona nem a felicidade temporal, nem, tampouco, a felicidade eterna. Mostra como as “funções” dos deuses são truncadas sendo que um pode ser confundido facilmente com outro, concluindo que só podem ser demônios. Trata dos males morais imposto pelos deuses e vivido pelos pagãos, como os jogos cênicos, relata inúmeras guerras, lutas, violências, barbaridades ocorridas em Roma desde Rômulo até César Augusto, sendo sob seu império que Jesus nasceu; e conclui que se tais horrores tivessem acontecido no tempo de Jesus, da religião cristã, atribuiriam a Ele tais males, sendo que não faziam isso nem mesmo a seus deuses.  No final, chama a atenção dos cristãos para o dever de cultuar o verdadeiro e único Deus.

Na segunda parte da obra, que compreende todos os livros restantes (XI- XXII), é que Agostinho desenvolve a sua chamada teoria das duas cidades. Nela trata tanto da origem (XI-XIV) e desenvolvimento (XV-XVIII) das duas cidades, quanto de seus respectivos fins (XIX- XXII).  Agostinho, trabalha com o Novo Testamento, mostrando os diversos mistérios da vida humana baseado no juízo atual de Deus que é inescrutável e incompreensível; Fala da existência do juízo final onde os mortos serão ressuscitados segundo a carne;  do destino dos maus e dos bons; Afirma que a dor é algo privativo da alma, pois o corpo não sente dor sem ser animado; que a primeira morte tira a alma do corpo contra a sua vontade, a segunda a mantém no corpo contra a sua vontade, pois no inferno a pessoa, alma e corpo, sentirá a dor que o fogo lhe causará por toda a eternidade; Trabalha sobre a eterna felicidade da Cidade de Deus, baseado nas promessas divinas; Confessa que nem os anjos sabem como será nossa vida nesta santa cidade, só se sabe que veremos a Deus em tudo e em todos, que não haverá mais pecado, que haverá no céu diferentes graus de glória, que se terá consciência de toda miséria passada e as misérias dos condenados e que nós estaremos num sabatismo eterno.

Conclusão da Obra.

A obra é considerada um marco na literatura Cristã. Nela qual Agostinho tenta convencer os cristãos e os pagãos que a destruição do Império Romano fazia parte da vontade divina. Um verdadeiro discurso filosófico que é encontrado em todo o desenrolar da obra Cidade de Deus. Através uma leitura atenta, é possível enfocar o desfecho das duas cidades que se divergem e se entrelaçam em si mesmas: a Babilônia, o lugar do Cativeiro, do presídio, do afastamento de Deus, e a Jerusalém, o lugar da vida em abundância, da libertação.


A “missão” de Agostinho ao escrever a Cidade de Deus, tem a real intenção retórica para humanizar e salvar os homens.

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