Por Dom
Henrique Soares.
De
modo geral, a nossa sociedade, que idolatra a técnica, confunde o que é
possível para a ciência com aquilo que é moralmente admissível. Ora, nem tudo
que é tecnicamente realizável é também moralmente aceitável. Começo por esta
afirmação, porque o fato de a técnica da medicina ter a capacidade de realizar
o aborto com relativa facilidade, além do elevado número de abortos, têm
induzido nossa sociedade a ser tolerante com o assassinato intra-uterino. É bom
recordar também que uma situação ou ação não passam a ser morais e aceitáveis
do ponto de vista ético simplesmente porque tornaram-se aprovadas pela lei.
Pense-se, por exemplo, na discriminação racial na África do Sul: era
absolutamente legal, mas totalmente imoral!
Defende-se
o aborto em nome da emancipação da mulher, que deve ter direito sobre o domínio
do próprio corpo e deve ser livre para rejeitar tudo quanto possa atrapalhar
seu projeto de felicidade. Então, dificuldades conjugais, despreparo para ser
mãe, sentimento de cansaço, idade avançada, necessidade de continuar os
estudos, exigências profissionais... tudo isso justificaria o aborto... Além do
argumento da emancipação, tem-se o do aumento demográfico – o aborto seria um
meio de evitar a explosão populacional. Finalmente, defende-se o aborto
seletivo, para evitar o nascimento de seres que sofreriam graves
deficiências... Numa sociedade que cultua a vida plena, a beleza física e a
saúde, tais seres humanos, “sem beleza nem formosura”, não são bem-vindos...
Note-se que tudo isso externa um profundo desprezo pela vida humana, sintoma de
uma sociedade egoísta, centrada pura e simplesmente na realização do indivíduo,
constituído em medida de todas as coisas, sem nenhuma outra norma moral que não
o seu bem-estar e seu prazer individual. São sintomas de uma sociedade
profundamente doente e leviana...
Alguns
teólogos moralistas cristãos procuram justificativas para o aborto em casos que
tivessem uma séria motivação. Segundo alguns, o aborto somente seria inaceitável
até o sexto ou sétimo dia após a fecundação, quando o óvulo penetra o
revestimento interno do útero. Isto porque, antes deste período, é grande o
número de abortos espontâneos e, além, do mais, não está ainda claro se esse
óvulo fecundado (zigoto) será um ou mais indivíduos... Como não há ainda uma
definição quanto à individualidade, não teríamos um ser humano e o aborto, por
razões sérias, não seria imoral. Outros falam ainda na possibilidade do aborto
antes da formação do córtex cerebral, já que o que especifica o ser humano é a
racionalidade: como o cérebro não estaria formado ainda, não poderíamos falar
num ser humano. Há ainda um grupo que parte da definição da pessoa como
capacidade de entrar em relação com os outros e o mundo. O ser humano não seria
simplesmente uma realidade biológica, mas pessoal, social. Seria preciso,
então, distinguir entre vida humana (biológica) e vida humanizada (social).
Neste aspecto, um feto seria humano, mas não humanizado. Portanto, haveria
possibilidade moral para o aborto.
Observe-se
que todas estas abordagens são interessantes, mas todas são
arbitrárias, pois
não se pode determinar o início da vida humana de modo seguro, a não ser com um
critério: a vida de um ser humano começa no momento da sua fecundação. Desde
este momento já se tem uma vida irrepetível e única. O zigoto e, depois, o feto
não são um órgão da mãe, não pertencem à mãe nem fazem parte dela! Esta nova
vidazinha é realmente uma realidade viva, biologicamente distinta do útero
materno, geneticamente nova e original, biologicamente humana e
individualizada. Este feto ou já é humano desde o início ou não o será nunca:
desde o momento em que o óvulo é fecundado, inaugura-se uma vida que não é a do
pai nem a da mãe, mas a de um novo ser humano, que começa a desenvolver-se por
conta de seu próprio dinamismo. Repito: ele não se tornaria nunca humano se já
não o fosse desde o primeiro instante. Irá desenvolver-se, correrá riscos de
vida, irá humanizando-se... não só na fase intra-uterina, mas por toda a sua
existência humana, até o fim da sua vida. Só seremos plenamente nós mesmos no
momento final, no instante da nossa morte, quando tivermos vivido todas as
nossas chances e possibilidades!
Quanto
à Sagrada Escritura, ela não contempla diretamente a questão do aborto, mas
afirma que Deus conhece e ama o ser humano desde o ventre materno (Jó 10,11;
2Mc 7,22s). Basta pensar no Salmo 138/139,14-16a: “Conhecias até o fundo do meu
ser: meus ossos não te foram escondidos quando eu era feito, em segredo, tecido
na terra mais profunda. Teus olhos viam o meu embrião”. Nunca se deve esquecer
que toda a Escritura é um “sim” decidido de Deus em favor da vida humana e de
toda criatura. Também a Tradição da Igreja foi pelo mesmo caminho. Fiel à
atitude de Cristo em favor dos mais indefesos, a Igreja sempre foi contra a
prática abortiva. A Didaqué,do final do século I ou início do II, já exortava:
“Tu não matarás com o aborto o fruto do ventre” e Tertuliano, no século II,
escrevia: O aborto é um homicídio por antecipação”. Ainda hoje, o Magistério da
Igreja, no ensinamento constante e repetido dos Papas e no consenso do
Episcopado, mantém firmíssima esta posição!
Diante
de tudo isto, um católico não pode militar em prol do aborto sem que esteja em
gravíssimo dissenso com a moral católica. Recordemos que a Igreja goza de
especial assistência do Espírito de Cristo sobretudo nas questões de fé e
moral. É temerário e sinal de falta de fé a teimosia em dissentir do Magistério
quando este repetidamente insiste num ponto tão importante e grave! É sempre a
mesma tendência humana de decidir, como se fosse Deus, o que é bem e o que é
mal... Triste que, em geral, aqueles que mais defendem o aborto são os que mais
lutam em defesa das árvores e dos animais... esquecendo que o ser humano é a única
criatura que traz em si a imagem de Deus em Cristo Jesus...
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