Por Ian Farias.
A
Igreja convida-nos hoje à celebração da Solenidade da Epifania do Senhor, isto
é, a sua manifestação, aparição, ao mundo. A Epifania (Ἐπιφάνει) é antes de tudo o proeminente convite à
contemplação do mistério da fragilidade de Belém, mas ainda mais que isto: é
ver Deus glorioso, adorá-lo em sua fragilidade, contemplá-lo em sua fortaleza.
Ele tendo vindo deitou-se na manjedoura, fez-se um de nós, compartilhou da
nossa fraqueza. É esta a glória de Deus para o mundo! Esta é a mensagem da
salvação que perpassa dois milênios com renovado vigor: Deus é simples, é terno
e humilde. Ainda em nossa sociedade temos contemplado uma potencialização
negativa da figura de Deus, ou mesmo uma assumida ignorância do seu mistério.
Quando o homem deseja colocar-se no lugar de Deus, quando põe Deus à parte como
Autor da sua história, cria um ambiente de arrogância, de distanciamento, de
morte.
A Luz que brilhou em toda a noite do Natal hoje
manifesta-se ao mundo. O profeta afirma na primeira leitura: “Levanta-te,
acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória
do Senhor” (Is 60,1). Muito atual e
sugestiva esta leitura como uma continuação da liturgia natalina. A glória do
Senhor resplandece sobre a Cidade santa e torna-se um norte para os seus filhos
deportados e dispersos, que sofriam arduamente com o exílio. Mas é ao mesmo
tempo um convite às nações pagãs, que todas venham à Jerusalém para serem
tomados pelo mistério da luz. Na verdade, a manifestação do Senhor e o Seu
nascimento estão intrinsecamente unidos. No Oriente hoje celebra-se o Natal do
Senhor, como uma certeza de que Aquele que nasce em Belém também já se
manifestara ali para o mundo. Para nós, porém, esta festa ganha um sentido
ulterior ao nascimento: a vinda dos Magos do Oriente para adorar o Menino é a
manifestação de Deus aos povos distantes, que procuravam uma resposta para as
suas indagações e que a encontraram deitada no lugar da pastagem dos animais.
“Levanta-te!”
é esta a palavra que deve mover os que desejam nortear a sua vida nos caminhos
da salvação e da esperança que se acende para o homem. O cristão não pode
permanecer inerte mediante as dificuldades que assolam o tempo presente. O
profeta evidencia a palavra de ordem: Levantar.
Quem entra no mistério da manifestação do Cristo não sai de lá como outrora
fora. Isto se dá porque a Epifania assume também um sentido singular para cada
um: a conversão, a adesão ao Senhor e ao seu Amor. Só o amor dá as respostas
necessárias para a solidão do homem. Quem não silenciar o coração não será apto
a ouvir, é impossibilitado de travar um diálogo com o divino e permanece
deitado, na comodidade denunciada por Isaias na primeira leitura.
O profeta
ainda acrescenta: “Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras
cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta
sobre ti” (Is 60,2). Também hoje a
realidade não se difere da antiguidade. Quantos permanecem envoltos na
escuridão? Não é uma cenário adverso se pensarmos nos que excluem Deus do
âmbito social, familiar e até mesmo religioso, ao promoverem as suas
capacidades e ideologias e esquecerem daquele no qual a religião e o mundo se
fundamentam. A luz se apresenta, mas ainda assim muitos optam por atarem-se aos
ardis semblantes das trevas. E que luz é esta? Não é uma luz metafórica,
tampouco um simples fenômeno fisiológico, mas assume um rosto, assenta o seu
Reino entre nós e a sua glória resplende: “Deus é luz e n'Ele não há
trevas" (1 Jo 1, 5). Ele é a luz verdadeira, o Verbo Encarnado,
Aquele que é, como professamos em nossa fé, “Luz da Luz”.
Mas,
haveríamos ainda de intuir uma pergunta: Qual
é a glória de Deus? Como ela se
manifesta em nossos dias? Santo Irineu respondeu a esta indagação com uma
frase belissimamente teológica, mas sobretudo como um plano de fundo que deve
levar todo homem e o homem em seu todo a avaliar-se: “Gloria enim Dei vivens homo, vita autem hominis visio Dei – A
glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus” (Tratado Contra as Heresias, Lib.
4,20,5-7:Sch 100, 640-642.644-648). Irineu formula o homem como ser necessitado
do seu Criador, da beleza majestática de Deus, mas também da sua glória. Esta
necessidade não é uma dependência escravizadora, que subjuga o homem a um poder
celestial e que o faz desprover-se da sensatez e da razão; ao contrário, o
poder de Deus liberta e salva, estimula o homem a fazer uso da razão e o faz
conhecer os motivos da sua fé e o sentido pelo qual pôs-se a serviço do
Evangelho. Hoje diríamos, até com certa ousadia, que a glória de Deus é o
homem: Ele é o ser que ressai em toda a obra da criação e para o qual os anjos
põem-se a serviço; é o único criado à imagem e semelhança do seu Criador (cf. Gn 1,26). Contudo, na vicissitude
dos tempos, temos podido presenciar a deflagradora forma com que a mentalidade
do homem tem se tornado restrita e adversa aos princípios de sua moral e da fé
cristã.
Onde o
homem se fecha à ação libertadora de Deus e a sua manifestação gloriosa, sempre
tende a recair no isolamento, no fechamento em si e de si para os demais. A
Epifania é a manifestação da glória e da salvação de Deus ao homem. Próximo a
Deus o homem vive, encontra sentido e deixa-se guiar pela estrela que ilumina e
irradia o brilho da salvação, a mesma que outrora orientara os desconhecidos,
que de terras distantes vieram para curvar-se diante da fragilidade do Menino.
Mas longe de Deus vem a ruína, a miséria, a desolação e o desencontro, seja com
o Eterno, seja com os irmãos.
Peçamos
ao Senhor que nos ilumine com a luz da sua salvação e da sabedoria para que nos
abramos à sua graça e à sua ação salvadora. Ajude-nos a reconhecer como brilho
verdadeiro aquele que emana de Belém, da humildade que redime o homem e o faz
sempre mais estreitar-se ao querer de Deus.
Ecce Magi ab oriente venerunt (cf. Mt 2,1). Os magos
que vieram do Oriente são provas marcantes de que Deus age em todos os lugares,
ainda naqueles desconhecidos. Provenientes de países distantes, são eles os
modelos daquele anúncio paulino que posteriormente seria feito: “os pagãos são
admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma
promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho” (Ef 3,6).
Todos em
Cristo congregam um só corpo, manifestam uma glória e participam de um único batismo.
Certamente eram os magos pessoas instruídas e de uma sabedoria aguçada, sabiam
da profecia de Miqueias com relação ao menino que viria e disto foi-lhes dado o
sinal por meio da estrela de Belém. Seguem-na com grande curiosidade e
esperança de encontraram o Messias, uma inquietação benévola instigava-os a
buscarem o Salvador. Mesmo se modesta ao aparecer sobre a terra, projetava-se a
estrela para a vertente divina, no céu.
Balaão,
chamado a anunciar a maldição sobre a nação eleita de Israel, ao ouvir do
próprio Deus que aquele era o povo abençoado (Nm 22,12), anuncia a profecia: "Uma estrela sai de Jacó, e um
cetro flamejante surge do seio de Israel" (Nm 24, 17). Cromácio de
Aquiléia, no seu Comentário ao Evangelho de Mateus, cria uma relação entre Balaão
e os Magos. Escreve ele: "Aquele profetizou que Cristo teria vindo; estes
viram-no com os olhos da fé". E acrescenta uma atenta observação: "A
estrela era vista por todos, mas nem todos a receberam" (ibid., 4,
1-2).
O
evangelista não nos diz quantos são os magos que vieram seguindo a estrela de
Belém, mas fala apenas de “alguns magos do Oriente” (Mt 2,1). E quem eram tais homens? Não sabemos! Apenas a tradição medieval
tardia afirma serem três, mas sem qualquer veracidade. O que podemos intuir é
que eram homens do estudo, do conhecimento das causas naturais, descobridores
dos astros.
Mas
um detalhe interessante a notarmos é o que um dos versículos da Palavra
proclamada nos diz: “E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante
deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino” (Mt 2,9). Antecedebat – Adiante. Esta palavra faz-nos pensar na posição da estrela com
relação aos magos. Não ia atrás, como também não ia acima, mas ia adiante. São Pedro Crisólogo faz-nos
pensar com relação a esse texto ao escrever: “Quando os Magos andavam, andava a estrela;
quando se assentavam, parava; quando dormiam, velava, mas dava um passo mais que eles”.
Cristo é
a luz que brilha na dianteira da humanidade, Ele é o caminho que os homens
devem percorrer sinalizados pelas estrelas que ainda hoje brilham, mesmo que
ofuscadas por outros brilhos fugazes dos prazeres efêmeros e aparentemente
atraentes e belos. A verdadeira beleza, no entanto, não se dá pela aparência,
mas pela verdade que ela porta consigo. A verdadeira beleza é a verdade,
irradiada aos povos distantes que agora congregam-se na única esperança: aquela
manifestada pela Luz.
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