Por Paulo
Henrique Cremoneze
Sempre amei o
deserto, mesmo antes de conhecê-lo. Depois que estive algumas vezes na Terra
Santa (Israel) e na Turquia, vendo-o de perto, passei a ama-lo mais. No deserto
as paixões são serenadas, os afetos ordenados e o ego mortificado. No deserto,
a alma enamorada de Deus tem condições mais favoráveis para um encontro íntimo,
uma via mística de purificação. O deserto, em sua aridez, expõe a beleza bruta
da Criação, dá um novo sentido à vida. No silêncio do deserto, ouve-se a voz de
Deus no sibilar do vento e na força das particulas de areia. Quem ama o deserto
sente a constante nostalgia do vazio que em si mesmo tem tudo.
O deserto toca fundo
em minh´alma e me convida à contemplação.
Por isso, procuro
todos os dias estabelecer um momento de deserto, um lugar, alguns minutos em
que vivo, mesmo em meio ao caos urbano e as ocupações regulares cotidianas, o
espírito do deserto.
Ao deserto caminhou
Abrãao, quando chamado por Deus.
Pelo deserto vagou
Moisés e o povo escolhido, confiando sempre na providência Divina, depois da
fuga do Egito.
No cume do Monte em
meio ao deserto, Deus concedeu aos homens, por meio de Moisés, seus dez
mandamentos.
No deserto que a
Sagrada Família buscou refúgio quando em grave risco de morte.
Para as entranhas do
deserto, o Senhor Jesus foi preparar-se para a missão confiada por Deus e o
início de sua vida pública.
No deserto vivia o
precursor, o maior dos profetas, João Batista, quem batizou o Senhor,
exatamente nas águas de um rio que cortava a aridez na Terra Santa.
No deserto, Jesus,
verdadeiro homem e verdadeiro Deus, enfrentou e venceu o demônio.
E também no deserto,
provavelmente no monte Tabor, Jesus tranfigurou-se antecipando Sua Glória, a
glória da ressurreição.
O deserto tem mesmo
esse significado: transformação.
A força selvagem do
deserto, avassaladora, transfigura àqueles que a enfrentam com as armas da fé e
da coragem, do destemor e da esperança.
O deserto, mais do
que qualquer outro lugar, se faz metáfora perfeita do paradoxo vida e morte.
Na aparente capa da
morte, que marca o deserto como um signo indelével, tem-se a vida em plenitude,
testada, mortificada, potencializada, glorificada.
Há, sem o risco de
tangenciar eventual heresia, algo de Sacrário no Deserto, pois lá a fornalha
viva do amor de Deus pode ser encontrada.
Não à toa, a sarça
que ardia sem se consumir e pela qual Deus falou a Moisés se fez visível no
deserto.
Há um especial amor
de Deus pelo deserto.
O deserto é
pedagógico pois na solidão em meio a aridez, mais do que nunca, o homem
vivencia a experiência bendita de poder confiar única e exclusivamente em Deus.
É no deserto que as
palavras de Isaías ganham uma dimensão escatológica: "Eu sou o Senhor, teu
Deus, que te toma pela mão e te diz: não temas, eu te ajudarei".
Também é no
deserto que o homem melhor entende a força invulgar do Salmo que diz:
"Bendito é o Senhor, meu rochedo, que adestra minhas mãos para a guerra e
os meus dedos treina para a peleja".
Encarar e vencer o deserto,
seja o real, seja o metafórico, o deserto d´alma, requer atos de heroísmo e
espírito de guerreiro, firme e decidido.
Convém repetir: Deus
fala no deserto e cala fundo no coração de quem o busca com sinceridade.
A maior parte das
pessoas não pode fazer como os antigos "padres do deserto"
fizeram. Eles "fugiram" para as vastidões desérticas do norte da
África ou do Oriente Médio, a fim de viverem com pureza e radicalidade o amor
de Deus.
Isso, muito comum
nos primeiros tempos da Cristandade, não é mais a realidade concreta dos dias
correntes.
Mas os ensinamentos
daqueles santos homens até hoje incentivam a busca do chamadodeserto pessoal,
o momento de abençoada solidão e profundo desapego, em que o homem que crê olha
para o Céu e ao mesmo tempo para o seu interior, conhecendo a si mesmo para,
então, penetrar nos mistérios inefáveis de Deus.
Esta é a grande
lição do deserto, a essência da voz que nele clama e num brado de súplica e de
amor, grita por Deus.
No deserto, mais do
que em qualquer outro lugar que o homem, combatente espiritual, derrama aquilo
que os monges ortodoxos do médio oriente chamam de "lágrimas de
Penthós", lágrimas que fundem, em sucessivas e torrenciais particulas
d´água, amor, alegria, contrição, dor, penitência e sabedoria.
O choro perde razão
e flui como um dom, um ato de amor, em que a plenitude é alcançada. Lágrimas
que brotam do coração e apenas passam pelos olhos.
Lágrimas que regam o
solo árido, mas sobrenaturalmente fértil, do deserto d´alma, do deserto de
Deus.
Termino com um
comentário extramamente interessante feito pela amiga LUCIANA COSTA
FIGUEIRA a respeito do "deserto": Nunca estive fisicamente no
deserto. Creio que, em algumas situações, trazemos o deserto para perto de nós.
Nos momentos de tristeza, de sofrimento, de dúvidas e até mesmo de alegria.
Nesses momentos nos cercamos do silêncio e da calamaria do deserto para que
possamos ter a paz e tranquilidade que precisamos para continuar a jornada.
Ficamos assim, livres e desempedidos das intervenções que nos rodeiam para
agirmos de acordo com nossa mente e nosso coração.. (...)
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