Entrevista de Dom Antônio Rossi Keller exclusiva para a Revista Eletrônica In Guardia publicada em 09/04/2012.
In Guardia: O Sr. pode
nos falar um pouco sobre como reconheceu sua vocação para o sacerdócio?
Minha vocação aconteceu por
caminhos normais. Percebi o chamado de Deus muito criança, já antes mesmo de
ter entrado para o Grupo de Coroinhas de minha Paróquia. Lá, aprendi a servir a
Santa Missa. Meu pai foi o primeiro fator preponderante em meu caminho de fé:
era um católico fervoroso, Congregado Mariano, piedoso no sentido autêntico
desta expressão, ou seja, piedade forjada na oração simples, no compromisso com
o trabalho bem feito, no amor e na dedicação à família. Depois do falecimento
dele, sua irmã, minha tia paterna, assumiu a responsabilidade pela educação
minha e de minha irmã. Estudamos em bons colégios religiosos, eu com os padres
agostinianos, minha irmã com as irmãs salesianas. Minha mãe, inicialmente, não
era assiduamente praticante. Mas com o tempo, aproximou-se da Igreja e dos
sacramentos. Assim viveu e assim morreu.
Portanto, minha vocação
manifestou-se, cresceu e consolidou-se neste ambiente de normalidade, sem
dramas, sem acontecimentos extraordinários. Desde que me lembre, sempre quis
ser padre...
In Guardia: Em 2008 o Sr. teve sua ordenação episcopal. Mudou alguma
coisa na espiritualidade quando o Padre Antônio Keller se tornou Dom Keller?
Costumo dizer que em minha vida,
depois deste fato, ou seja, depois de minha eleição e consagração episcopal,
“mudou tudo e não mudou nada”. Explico o paradoxo... A nomeação e ordenação
como Bispo representou um deixar tudo, especialmente os antecedentes 22 anos
como pároco em uma única paróquia, o encargo de diretor espiritual no Seminário
de Filosofia da Arquidiocese de São Paulo, as aulas de teologia, os apostolados
desenvolvidos através da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, pertencente ao
Opus Dei, da qual sou membro. Tive que deixar tudo isto em questão de dois
meses. Sem dizer, naturalmente, do convívio familiar... Fui viver há mais de 1.000 km da casa de minha
mãe, já anciã. Tudo isto custou-me muito. Tenho um caráter muito “caseiro”. As
viagens e movimentações decorrentes delas incomodam-me bastante. Em São Paulo,
nos finais de semana, percorria 2
a 3 km ...
Hoje, dificilmente passo um final de semana sem percorrer mais de 400 km .
Vim para cá sem conhecer a
ninguém, a não ser o Bispo Emérito, Dom Bruno Maldaner (conheci-o quando era
criança, em São Paulo). Uma nova realidade, mundo essencialmente rural, fora de
São Paulo (onde sempre vivi, excetuando os 5 anos que vivi em Roma e os 6 do
Seminário Menor...), enfim, uma realidade totalmente diversa.
Mas, por outro lado, a essência
de minha vida, o princípio norteador não mudou, continua o mesmo: servir a
Cristo, a Igreja e aos irmãos. Minha espiritualidade alimenta-se das mesmas
fontes, e enraíza-se no mesmo chão...
In Guardia: Ao se tornar
Bispos o Sr. se tornou membro da CNBB. Como o Sr. vê e como sua Diocese trata a
Campanha da Fraternidade encampada pelo CNBB todo ano no tempo da quaresma?
A Campanha da Fraternidade, a meu
ver é um bem em si, no sentido que pode ajudar os fiéis católicos a
concretizarem de forma organizada, na sociedade civil, a caridade fraterna que
marca este tempo santo. A CF pode servir, portanto, como um indicador, para
concentrar forças no exercício organizado da caridade fraterna. O que é
inaceitável é que, no contexto da CF, sejam utilizados métodos de análise,
orientações de reflexão para a tomada de consciência dos problemas, propostas
de soluções etc. não condizentes com o pensamento do Magistério da Igreja,
especialmente no que se refere à Doutrina Social. Infelizmente, muitas vezes,
na leitura de textos de fundamentação da CF, bem como em certas indicações de
ação, ainda é possível encontrar princípios ideológicos não condizentes com a
Doutrina Social da Igreja.
In Guardia: Alguns católicos entendem que a Campanha da Fraternidade
poderia ser muito conveniente se tratasse de temas mais ligados á salvação da
alma e fosse em um tempo diferente da quaresma. Qual sua opinião?
Discordo desta opinião. A meu
ver, a grande questão é a da excessiva marca que se dá aos temas da CF, em detrimento
daquilo que é o “normal” da Quaresma: a conversão, a penitência, o jejum, a
intensificação da oração, a caridade fraterna, o sacramento da Reconciliação e
da Penitência. Cabe aos pastores locais (Bispos, párocos etc.) a orientação da
comunidade católica em relação ao justo equilíbrio. A meu ver, a CF proporciona
a possibilidade de se efetuar um aspecto concreto da conversão quaresmal, sem
detrimento dos tradicionais “exercícios quaresmais”. Ou seja, o movimento
interno de conversão, fruto da ação da Graça e da resposta humana, deve
necessariamente concretizar-se em atos de conversão externos, expressões
“sociais” da conversão quaresmal. Portanto, vejo a possibilidade de uma
integração entre estes dois aspectos da conversão.
In Guardia: Conforme o
site "O Catequista", a presença do senhor na web destaca-se não
somente por "estar na rede", mas por interagir com ela. Comenta ainda
que o senhor foi o único Bispo a participar do twittaço contra o deputado Jean
Wyllys, no qual várias pessoas na internet
exigiam que o mesmo se retratasse por desqualificar o Santo Padre após afirmar
que a Igreja é contra o casamento homossexual. Em um dos seus twittes, o senhor
disse que "Se a CNBB fosse mais.... Católica... talvez a coisa
andasse" (vide http://ocatequista.com.br/?p=3824).
Partindo desta afirmação do senhor, pergunto: o que falta à CNBB para tornar-se
mais católica?
Minha participação nas redes
sociais tem um único e definitivo objetivo: o apostolado. Acredito que, através
desta presença atuante, possa ampliar os limites de minha ação apostólica. A
expressão que utilizei, em referência à CNBB, referia-se diretamente à omissão,
a meu ver injustificável, das lideranças da CNBB e de outros irmãos bispos,
naquele momento específico e em tantos outros, nos quais, de alguma forma, a
Igreja Católica, ou o Santo Padre, ou
outros legítimos pastores da Igreja, ou outras instituições eclesiais são
vilipendiados, ofendidos, atacados e não se faz ouvir nenhuma voz oficial da
Igreja Católica no Brasil. Não espero uma reação fundamentada em um espírito
corporativista, de simples defesa humana, mas sim, a defesa da verdade. A meu
ver, o silêncio de quem deveria fazer-se escutar, nestes momentos, é
injustificável.
In Guardia: No dia 08 de dezembro de 2011, o senhor convocou os
católicos a pressionarem o Congresso contra a lei de homofobia (vide http://www.rainhamaria.com.br/Pagina/11263/Dom-Antonio-Rossi-Keller-convoca-catolicos-a-pressionar-o-Congresso-Nacional).
Como bispo, o que o senhor acredita que possa vir a acontecer com os católicos
se esta lei for aprovada?
A questão, a meu ver, não está
nas consequências que eventualmente, nós católicos poderíamos sofrer, no caso
de aprovação deste e de outros projetos de lei. Já escrevi uma vez que os ossos
dos mártires de todos os tempos (dos mártires autênticos do cristianismo) se
revolveriam nos túmulos se nós, católicos de hoje, temêssemos a perseguição e a
incompreensão do mundo.
A questão é que, desprovidos de
qualquer espírito de clericalismo, temos, como cidadãos (somos católicos, e
pelo fato de sermos católicos não deixamos de ser cidadãos, com os mesmos
direitos e deveres daqueles que não são católicos) o direito de exigir que
escutem nossa voz e reflitam sobre nossos argumentos. Assim como os demais tem
o direito de expressar suas opiniões, nós também o temos.
E segundo o que cremos, temos o
direito, e dele não podemos fugir, de defender a vida, os princípios morais
elementares da humanidade, entre eles, aqueles que se referem à família, ao
casamento etc. Estas questões não interessam somente àqueles que têm a graça da
fé católica, mas a toda a sociedade, que, minando os pilares elementares de um
sadio humanismo, embarca pelos tortuosos meandros da barbárie.
In Guardia: No Brasil
existe um certo afastamento dos fiéis em geral e de muitos clérigos quanto a
realidade de martírio que os cristãos tem vivido em algumas partes do mundo,
incluindo China e alguns países do Oriente Médio. A que o Sr. responsabiliza
por esse desinteresse na divulgação dessas informações?
As razões do escasso interesse, a
meu ver, são diversas. Em primeiro lugar, não se pode negar a profunda crise
que o Ocidente cristão vive. Nossa civilização ocidental, que vive um processo
de desintegração, acabou por envergonhar-se de suas raízes cristãs. O reflexo
desta crise, que chamo de “crise de identidade original” (identidade das
próprias origens) esta no desinteresse em tudo o que se refere a questões da
fé. Ou seja, um espírito laicista, que não é o positivo espírito laico que deve
predominar em uma sociedade pluralista como a nossa, domina os meios de comunicação,
e consequentemente, a sociedade em geral. Falar da fé e, portanto, falar das
perseguições aos que tem fé, significa, na mentalidade de hoje, uma expressão
do chamado fundamentalismo. Por outro lado, um cristianismo amolecido, sem
desafios, acomodado, viciado pelo espírito do mundo (mundano) também penetrou
na própria Igreja. A ideia dominante entre a maioria dos católicos reflete a
absorção dos valores do mundo: busca do bem estar, consumismo desenfreado,
descomprometimento religioso, tudo isto ligado a uma profunda ignorância em
relação ao que é elementar na fé católica produz o devastador efeito do
desinteresse. Já entre os grupos protestantes, especialmente entre aqueles de
cunho pentecostal, o “cristão corrente” preocupa-se muito mais com a própria
prosperidade do que com as dificuldades dos demais... Ou seja, vivemos tempos
difíceis.
In Guardia: Há muitos grupos na Igreja e na internet que defendem o
pensamento de que os grandes males atuais da Igreja se deram graças ao Concílio
Vaticano II. O senhor concorda com eles? O que diria a eles sobre este assunto?
Não concordo em termos absolutos
em atribuir a culpabilidade dos males da Igreja de hoje ao Concílio Vaticano
II. Penso ser esta uma visão demasiadamente simplista em relação aos desafios
para a Igreja, inserida em uma realidade que sofreu profundas mudanças, bem
como uma visão excessivamente saudosista em relação a um passado considerado
ideal e que certamente não voltará. A meu ver, o Concílio Vaticano II aconteceu
em um momento emblemático de mudanças sociais, econômicas, culturais e
religiosas. Vejo também que, de certa forma, o Concílio expresse uma visão
eivada de um certo otimismo ingênuo, marca daqueles tempos dominados pela mentalidade de que o “progresso” traria
uma nova era para a humanidade, uma era de entendimento, de colaboração, de
superação dos graves problemas humanos, sociais etc. Os documentos do Concílio
Vaticano II, em alguns aspectos, retratam esta visão talvez otimista demais em
relação a mudanças no mundo.
A questão, em termos bem simples
é que o mundo mudou e, o ser humano inserido em um mundo em mudança, mudou
também. Passou-se de um quadro de princípios e valores para outro. E
naturalmente, a Igreja, realidade divina e humana, na sua humanidade, sofreu e
sofre com toda esta instabilidade. A responsabilidade absoluta foi do Concílio?
Foi o Concílio responsável pelo início da mudança de época, ou o Concílio, de
certa forma, reflete esta realidade?
Outra coisa, a meu ver, também é
necessário esclarecer: acostumada com palavras mais claras, mais precisas, mais
definidas, parece-me que a opção do Concílio Vaticano II foi a de uma linguagem
mais de indicações etc... Naturalmente, supunha-se uma leitura e uma
interpretação segundo um espírito até então fortemente presente na Igreja, um
“espírito bom” de leitura, afinado com a Igreja. O que se viu, no período pós
conciliar foi a introdução de um “espírito mau”, desvinculado da Tradição,
propondo uma quebra de continuidade, uma desvinculação com o passado, com a
verdade, com a disciplina etc..
In Guardia: Diametralmente
oposta a essa posição, temos aqueles que consideram que todas as bênçãos vieram
após o Concílio Vaticano II, que a Igreja não só ganha um novo Concílio, mas
praticamente se torna uma nova Igreja. Até que ponto esse tipo de pensamento
pode atrapalhar os trabalhos pastorais?
Este tipo de pensamento, que
infelizmente predominou e ainda predomina em muitos ambientes eclesiais trouxe
um grande mal à Igreja: uma Igreja que de certa forma, “renega” seu passado,
sua História, sua Doutrina Sagrada, sua Liturgia etc. Pretende-se uma Igreja
sem raízes, ainda pior, híbrida, ou seja, amálgama de tradições estranhas à fé
cristã, eivada de gnosticismo, de mundanismo...: uma monstruosidade, portanto.
Uma Igreja assim, não teria nada a dizer ao mundo, não tem verdade a ser
pregada: é uma Igreja de profetismo e ideais simplesmente humanos. Ou seja, já
não é mais a Igreja de Cristo, a Una, Santa, Católica e Apostólica... Pode-se,
portanto, avaliar o mal que isto produziu e ainda produz na Igreja.
Infelizmente, ainda temos muito fortemente, em alguns ambientes, a presença
desta visão de uma Igreja imanentista, do simples “estar junto” e sem nada a
dizer de Cristo e de seu Evangelho, mas dominada por correntes ideológicas,
muitas delas, materialistas.
In Guardia: Como definir
a Teologia da Libertação, então?
A meu ver, existem duas
“teologias da libertação”. A primeira é aquela que a Igreja sempre anunciou: a
libertação do pecado, através da ação fundamental e purificadora da Graça,
unida ao sempre insuficiente esforço humano. Esta libertação que nasce da
iniciativa divina de salvar, se efetiva na realidade de um coração que se
converte a Deus, ao irmão, a si mesmo e ao mundo. Esta TL pura, limpa, reta tem
sua expressão bíblica alicerçada, principalmente, nas bem aventuranças do
Evangelho, entre tantos outros textos da Sagrada Escritura. Para se entender
esta Teologia da Libertação que antes de tudo, exprime o primado do
sobrenatural na vida e na ação pastoral da Igreja, penso que exista uma “chave
de compreensão”. Há um “documento base” para a leitura e a compreensão desta
autêntica TL: o Discurso do bem aventurado Papa João Paulo II, pronunciado no
Morro do Vidigal, durante sua primeira visita ao Brasil, em 1980. Aí está expressa, com clareza meridiana, a
prioridade da doutrina da Graça, das virtudes e dos dons. Pinço uma única frase
do Bem aventurado João Paulo II: “Os
pobres em espírito são aqueles que são mais abertos a Deus e às maravilhas de
Deus (Atos 2,11). Pobre em espírito não significa exatamente o homem aberto aos
outros, isto é, a Deus e ao próximo? Pobres em espírito – aqueles que vivem na
consciência de ter recebido tudo das mãos de Deus como um dom gratuito e que
dão valor a cada bem recebido. Constantemente agradecidos, repetem sem cessar:
“Tudo é Graça!”, “Demos graças ao Senhor nosso Deus”. Vale a pena
“desenterrar” este Discurso do bem aventurado João Paulo II... A meu ver, foi
este o discurso programático de toda a Visita ao Brasil. As palavras do Papa
revelam a autêntica TL, aquela verdadeira.
A segunda TL é aquela falsa,
mentirosa, ideologizada, fundada nas palavras de Leonardo Boff, em um artigo no
Jornal do Brasil, também em 1980, alguns meses antes da visita do Papa João
Paulo II: “O que propomos (com a TL) não é a teologia dentro do marxismo, mas o
marxismo dentro da teologia”. Esta TL falsa, indigna da tradição teológica
milenar da Igreja, prega não as bem aventuranças, mas a mudança das estruturas
econômicas, sociais, políticas e eclesiais. Propugna, por exemplo, em relação à
Igreja, a chamada “eclesiogênese”, termo proposto pelo já citado Leonardo Boff.
As palavras de seu criador manifestam a ideia de que a Igreja deve fazer-se a
partir do “lugar social” ocupado pelo povo: “Precisamos fazer a Igreja que nasce do povo... Essa é a grande virada
da Igreja hoje. Igreja que parte de baixo, do povo, e não a Igreja
Institucional, que venha de cima. É a eclesiogênese.”
Ou seja, a falsa TL pretende que
o homem, que na visão de Marx tem estrutura antropológica imanente,
materialista e ateia, possa ser ao mesmo tempo, cristão. E que, como cristão (o
que é impossível...), mude o mundo, a sociedade, as estruturas e a própria
Igreja...
Assim, a TL mentirosa, não conta
com a Graça, com a ação transformadora interna e sobrenatural de Deus em nós.
Para a TL falsa, Deus é... ninguém. Deus é só uma ideia, um mito que serve como
ponto de referência para animar a “praxis” do oprimido, a luta contra o
explorador. Deus é a justificativa racional para a luta pela libertação,
reduzida à simples questão material. Lê-se, por exemplo, a História da Salvação
tão somente sob a ótica da necessidade da luta do oprimido contra o opressor,
do fraco contra o forte, do dominado contra o dominador. E o Deus da Bíblia, na
visão da falsa TL, é aquele que justifica a violência.
Ou seja, não há o que definir, em
termos de teologia, a falsa TL...
In Guardia: Com relação à Liturgia da Santa Missa, como o Sr. vê a
formação dentro dos seminários brasileiros para que os seminaristas tenham uma
boa instrução sobre o que é a missa e como celebrá-la com dignidade?
Em geral, a formação é
deficiente. Estuda-se a teologia litúrgica, muitas vezes a partir de autores
que não tem uma visão da liturgia suficientemente católica. Nos estudos sobre a
liturgia, predomina a opinião pessoal de determinado liturgista, muitas vezes,
opinião que contradiz aquilo que a Igreja ensina e determina, especialmente nos
últimos Documentos que são normativos, em relação à Sagrada Liturgia. Além
disso, falta nos estudos litúrgicos, a meu ver, a “alma” da Liturgia. Uma
liturgia sem espiritualidade, sem a consciência de que, antes de tudo, liturgia
é oração, acaba caindo no mesmo ritualismo que tantos modernos liturgistas
criticam do passado: só que é o ritualismo do inventar, da novidade, que também
não tem alma. A meu ver, a formação litúrgica dos seminaristas e também aquela
dos padres, deve centrar-se nestes dois eixos: a fidelidade às Normas
litúrgicas vigentes e a preocupação constante de fazer da liturgia oração.
In Guardia: Como o Sr. vê as reformas litúrgicas promovidas pelo
Papa Bento XVI?
Não diria que o Santo Padre, o
Papa Bento XVI esteja promovendo propriamente uma “reforma litúrgica”. A meu
ver, a grande lição do Santo Padre é aquela de nos ensinar a celebrar no rito
ordinário, explorando todas as possibilidades que o rito permite, sem
invencionices estéreis, mas na fidelidade às Normas estabelecidas. Vejo no
Santo Padre um profundo amor à liturgia da Igreja, sempre acompanhando a
retidão de obediência às Normas com uma atitude de oração, de interiorização
dos Sagrados Mistérios.
In Guardia: Com relação ao documento intitulado Summorum Pontificum, qual o caminho para colocá-lo em prática da
melhor forma?
Em minha Igreja Diocesana, a
grande questão é, antes de tudo, prática. Meus padres não tem a menor noção do
latim. Esta é a realidade. Somos tão somente dois os que celebramos em latim,
semanalmente, na Forma Ordinária. Estamos preparando nossos seminaristas também
no estudo fundamental da língua latina. Penso que seja necessário, antes de
tudo, uma boa formação litúrgica, incluindo o estudo do latim, para que o Motu
Proprio Summorum Pontificum possa ser
aplicado de forma mais generosa e abrangente.
In Guardia: Muitos fiéis
se assustam e até se armam contra a celebração no rito Extraordinário
atacando-o por vários meios: língua latina, afastamento entre o sacerdote e o
povo, desanimação e tantos outros. O que o Sr. diria a esses fiéis?
Diria que a Forma Extraordinária
é um patrimônio sagrado da Igreja. Durante séculos a Igreja utilizou esta
maneira de celebrar a Santa Missa. Multidões de santos alimentaram seu amor a
Deus e sua vida cristã através deste Rito santo. Ninguém tem o direito de
desprezá-lo. A meu ver, o segredo para bem celebrar e participar da Santa
Missa, na Forma Ordinária, está em conhecer em profundidade a Forma
Extraordinária.
In Guardia: Tendo em vista seu empenho em ter uma liturgia
dignamente celebrada, bem como em atender aos fiéis que pretendem a celebração
no rito litúrgico extraordinário, chegou-nos a informação de que o Bispo da
diocese de Chur, Suíça, Dom Vitus Huonder, criou duas paróquias para celebração
exclusiva da missa no rito extraordinário. O que o Sr. acha dessa
possibilidade?
Necessidades pastorais devem ser
respondidas com ações efetivas e não com palavreado... Sua Excelência, D.
Huonder agiu, em primeiro lugar respeitando um direito dos fiéis daquela
Diocese, que pediam uma atenção pastoral especial. E em segundo lugar, agiu
também com sabedoria pastoral, oferecendo esta possibilidade a um grupo de
específico, sensível à Forma Extraordinária. Ou seja, na Diocese de Chur, todos
os fiéis católicos são atendidos...
In Guardia: Pessoalmente considero que a formação doutrinária é o
melhor caminho para qualquer católico, afinal: só se ama aquilo que se conhece.
De toda a sorte, como o Sr. vê a falta de formação dos féis e clérigos da
Igreja no Brasil quanto a espiritualidade individual?
A Formação doutrinal é uma
questão vital para o “ser cristão” hoje. A meu ver, a Igreja e os cristãos
serão, cada vez mais, Igreja e cristãos do testemunho. Ora, como testemunhar a
fé se não se tem um conhecimento profundo da sua riqueza e profundidade, de
suas implicações no dia a dia? Como responder aos desafios da fidelidade a
Deus, sem as noções elementares da Doutrina, da Moral, da Disciplina etc.? Como
guiar e orientar, no caso dos pastores da Igreja, os fiéis se não se tem a Luz
da fé iluminando, com clareza, os próprios olhos?
A ignorância em questões vitais
da fé cristã é a razão da falta de qualidade espiritual de tantos católicos de
hoje, sem dúvida.
In Guardia: Sob o mesmo contexto, como o Sr. vê a falta de formação
dos féis e clérigos da Igreja no Brasil quanto a temas ligados à Doutrina
Social da Igreja - DSI?
A falta de compreensão dos
princípios e da abrangência da DSI levou e continua levando hoje muitos
clérigos a apoiarem-se, em suas intervenções teóricas e em sua ação pastoral
social em ideologias, algumas das quais já claramente condenadas pela Igreja.
Infelizmente, para muita gente, a palavra de qualquer filósofo ou sociólogo tem
mais valor do que a sabedoria da Igreja...
In Guardia: Sua Diocese está territorialmente localizada em um
Estado da Federação governado pelo PT. O Sr. considera isso bom ou ruim para o
desenvolvimento e melhor aplicação da DSI?
Penso que a Igreja tem uma missão
em relação à Doutrina Social, que pode ser aplicada em qualquer situação
política. Desde que exista retidão de objetivos por parte das instâncias
políticas, no sentido de buscar o autêntico bem social da população, aí teremos
um patamar de possibilidade de diálogo, compreensão e ajuda. Cabe à Igreja
iluminar, com a riqueza de sua Doutrina Social, a realidade social. Até o
momento não tenho encontrado nenhum tipo de dificuldade em relação a esta
questão. Pelo contrário, em nosso Estado, a DSI é bem vista e bem acolhida.
Temos uma longa tradição de presença da Igreja na realidade da transformação
social que visa o bem da população. Muitas iniciativas sociais, entre elas o
cooperativismo, tem as suas origens em ambientes da Igreja.
In Guardia: Falando em DSI, como o Sr. vê o equilíbrio partidário e
as atuais posturas dos partidos brasileiros?
Vejo com muita preocupação a
atual conjuntura partidária brasileira. No sentido de que, a grande maioria dos
atuais partidos não tem fundamentos ideológicos claros e nem propostas programáticas
concretas para a solução dos problemas gravíssimos que afetam a população deste
país. A meu ver, os partidos presentes no universo político do Brasil são
simplesmente “hotéis” de hospedagem política (em determinados casos, hotéis de
curta permanência...). Ou seja, os partidos, em geral abrigam aqueles que, na
verdade, só e tão somente pretendem ingressar na “carreira política”, ou seja,
profissionalizarem-se na política, tendo isto como objetivo primário.
Posteriormente, bem posteriormente, poderá acontecer uma preocupação com os
problemas da sociedade etc. Infelizmente, não sou muito otimista em relação à
atual conjuntura política brasileira. O que existe mesmo de ideário político
hoje, defendido com unhas e dentes, em geral é aquele marxista. O resto é puro
fisiologismo e oportunismo...
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