terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Entrevista. Dom Antônio Keller para a Revista In Guardia.

Entrevista de Dom Antônio Rossi Keller exclusiva para a Revista Eletrônica In Guardia publicada em 09/04/2012.


In Guardia: O Sr. pode nos falar um pouco sobre como reconheceu sua vocação para o sacerdócio?
Minha vocação aconteceu por caminhos normais. Percebi o chamado de Deus muito criança, já antes mesmo de ter entrado para o Grupo de Coroinhas de minha Paróquia. Lá, aprendi a servir a Santa Missa. Meu pai foi o primeiro fator preponderante em meu caminho de fé: era um católico fervoroso, Congregado Mariano, piedoso no sentido autêntico desta expressão, ou seja, piedade forjada na oração simples, no compromisso com o trabalho bem feito, no amor e na dedicação à família. Depois do falecimento dele, sua irmã, minha tia paterna, assumiu a responsabilidade pela educação minha e de minha irmã. Estudamos em bons colégios religiosos, eu com os padres agostinianos, minha irmã com as irmãs salesianas. Minha mãe, inicialmente, não era assiduamente praticante. Mas com o tempo, aproximou-se da Igreja e dos sacramentos. Assim viveu e assim morreu.
Portanto, minha vocação manifestou-se, cresceu e consolidou-se neste ambiente de normalidade, sem dramas, sem acontecimentos extraordinários. Desde que me lembre, sempre quis ser padre...

In Guardia: Em 2008 o Sr. teve sua ordenação episcopal. Mudou alguma coisa na espiritualidade quando o Padre Antônio Keller se tornou Dom Keller?
Costumo dizer que em minha vida, depois deste fato, ou seja, depois de minha eleição e consagração episcopal, “mudou tudo e não mudou nada”. Explico o paradoxo... A nomeação e ordenação como Bispo representou um deixar tudo, especialmente os antecedentes 22 anos como pároco em uma única paróquia, o encargo de diretor espiritual no Seminário de Filosofia da Arquidiocese de São Paulo, as aulas de teologia, os apostolados desenvolvidos através da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, pertencente ao Opus Dei, da qual sou membro. Tive que deixar tudo isto em questão de dois meses. Sem dizer, naturalmente, do convívio familiar... Fui viver há mais de 1.000 km da casa de minha mãe, já anciã. Tudo isto custou-me muito. Tenho um caráter muito “caseiro”. As viagens e movimentações decorrentes delas incomodam-me bastante. Em São Paulo, nos finais de semana, percorria 2 a 3 km... Hoje, dificilmente passo um final de semana sem percorrer mais de 400 km.
Vim para cá sem conhecer a ninguém, a não ser o Bispo Emérito, Dom Bruno Maldaner (conheci-o quando era criança, em São Paulo). Uma nova realidade, mundo essencialmente rural, fora de São Paulo (onde sempre vivi, excetuando os 5 anos que vivi em Roma e os 6 do Seminário Menor...), enfim, uma realidade totalmente diversa.
Mas, por outro lado, a essência de minha vida, o princípio norteador não mudou, continua o mesmo: servir a Cristo, a Igreja e aos irmãos. Minha espiritualidade alimenta-se das mesmas fontes, e enraíza-se no mesmo chão...

In Guardia: Ao se tornar Bispos o Sr. se tornou membro da CNBB. Como o Sr. vê e como sua Diocese trata a Campanha da Fraternidade encampada pelo CNBB todo ano no tempo da quaresma?
A Campanha da Fraternidade, a meu ver é um bem em si, no sentido que pode ajudar os fiéis católicos a concretizarem de forma organizada, na sociedade civil, a caridade fraterna que marca este tempo santo. A CF pode servir, portanto, como um indicador, para concentrar forças no exercício organizado da caridade fraterna. O que é inaceitável é que, no contexto da CF, sejam utilizados métodos de análise, orientações de reflexão para a tomada de consciência dos problemas, propostas de soluções etc. não condizentes com o pensamento do Magistério da Igreja, especialmente no que se refere à Doutrina Social. Infelizmente, muitas vezes, na leitura de textos de fundamentação da CF, bem como em certas indicações de ação, ainda é possível encontrar princípios ideológicos não condizentes com a Doutrina Social da Igreja.

In Guardia: Alguns católicos entendem que a Campanha da Fraternidade poderia ser muito conveniente se tratasse de temas mais ligados á salvação da alma e fosse em um tempo diferente da quaresma. Qual sua opinião?
Discordo desta opinião. A meu ver, a grande questão é a da excessiva marca que se dá aos temas da CF, em detrimento daquilo que é o “normal” da Quaresma: a conversão, a penitência, o jejum, a intensificação da oração, a caridade fraterna, o sacramento da Reconciliação e da Penitência. Cabe aos pastores locais (Bispos, párocos etc.) a orientação da comunidade católica em relação ao justo equilíbrio. A meu ver, a CF proporciona a possibilidade de se efetuar um aspecto concreto da conversão quaresmal, sem detrimento dos tradicionais “exercícios quaresmais”. Ou seja, o movimento interno de conversão, fruto da ação da Graça e da resposta humana, deve necessariamente concretizar-se em atos de conversão externos, expressões “sociais” da conversão quaresmal. Portanto, vejo a possibilidade de uma integração entre estes dois aspectos da conversão. 

In Guardia: Conforme o site "O Catequista", a presença do senhor na web destaca-se não somente por "estar na rede", mas por interagir com ela. Comenta ainda que o senhor foi o único Bispo a participar do twittaço contra o deputado Jean Wyllys, no qual várias pessoas na internet exigiam que o mesmo se retratasse por desqualificar o Santo Padre após afirmar que a Igreja é contra o casamento homossexual. Em um dos seus twittes, o senhor disse que "Se a CNBB fosse mais.... Católica... talvez a coisa andasse" (vide http://ocatequista.com.br/?p=3824). Partindo desta afirmação do senhor, pergunto: o que falta à CNBB para tornar-se mais católica?
Minha participação nas redes sociais tem um único e definitivo objetivo: o apostolado. Acredito que, através desta presença atuante, possa ampliar os limites de minha ação apostólica. A expressão que utilizei, em referência à CNBB, referia-se diretamente à omissão, a meu ver injustificável, das lideranças da CNBB e de outros irmãos bispos, naquele momento específico e em tantos outros, nos quais, de alguma forma, a Igreja Católica, ou o Santo Padre,  ou outros legítimos pastores da Igreja, ou outras instituições eclesiais são vilipendiados, ofendidos, atacados e não se faz ouvir nenhuma voz oficial da Igreja Católica no Brasil. Não espero uma reação fundamentada em um espírito corporativista, de simples defesa humana, mas sim, a defesa da verdade. A meu ver, o silêncio de quem deveria fazer-se escutar, nestes momentos, é injustificável.

In Guardia: No dia 08 de dezembro de 2011, o senhor convocou os católicos a pressionarem o Congresso contra a lei de homofobia (vide http://www.rainhamaria.com.br/Pagina/11263/Dom-Antonio-Rossi-Keller-convoca-catolicos-a-pressionar-o-Congresso-Nacional). Como bispo, o que o senhor acredita que possa vir a acontecer com os católicos se esta lei for aprovada?
A questão, a meu ver, não está nas consequências que eventualmente, nós católicos poderíamos sofrer, no caso de aprovação deste e de outros projetos de lei. Já escrevi uma vez que os ossos dos mártires de todos os tempos (dos mártires autênticos do cristianismo) se revolveriam nos túmulos se nós, católicos de hoje, temêssemos a perseguição e a incompreensão do mundo.
A questão é que, desprovidos de qualquer espírito de clericalismo, temos, como cidadãos (somos católicos, e pelo fato de sermos católicos não deixamos de ser cidadãos, com os mesmos direitos e deveres daqueles que não são católicos) o direito de exigir que escutem nossa voz e reflitam sobre nossos argumentos. Assim como os demais tem o direito de expressar suas opiniões, nós também o temos.
E segundo o que cremos, temos o direito, e dele não podemos fugir, de defender a vida, os princípios morais elementares da humanidade, entre eles, aqueles que se referem à família, ao casamento etc. Estas questões não interessam somente àqueles que têm a graça da fé católica, mas a toda a sociedade, que, minando os pilares elementares de um sadio humanismo, embarca pelos tortuosos meandros da barbárie.

In Guardia: No Brasil existe um certo afastamento dos fiéis em geral e de muitos clérigos quanto a realidade de martírio que os cristãos tem vivido em algumas partes do mundo, incluindo China e alguns países do Oriente Médio. A que o Sr. responsabiliza por esse desinteresse na divulgação dessas informações?
As razões do escasso interesse, a meu ver, são diversas. Em primeiro lugar, não se pode negar a profunda crise que o Ocidente cristão vive. Nossa civilização ocidental, que vive um processo de desintegração, acabou por envergonhar-se de suas raízes cristãs. O reflexo desta crise, que chamo de “crise de identidade original” (identidade das próprias origens) esta no desinteresse em tudo o que se refere a questões da fé. Ou seja, um espírito laicista, que não é o positivo espírito laico que deve predominar em uma sociedade pluralista como a nossa, domina os meios de comunicação, e consequentemente, a sociedade em geral. Falar da fé e, portanto, falar das perseguições aos que tem fé, significa, na mentalidade de hoje, uma expressão do chamado fundamentalismo. Por outro lado, um cristianismo amolecido, sem desafios, acomodado, viciado pelo espírito do mundo (mundano) também penetrou na própria Igreja. A ideia dominante entre a maioria dos católicos reflete a absorção dos valores do mundo: busca do bem estar, consumismo desenfreado, descomprometimento religioso, tudo isto ligado a uma profunda ignorância em relação ao que é elementar na fé católica produz o devastador efeito do desinteresse. Já entre os grupos protestantes, especialmente entre aqueles de cunho pentecostal, o “cristão corrente” preocupa-se muito mais com a própria prosperidade do que com as dificuldades dos demais... Ou seja, vivemos tempos difíceis.


In Guardia: Há muitos grupos na Igreja e na internet que defendem o pensamento de que os grandes males atuais da Igreja se deram graças ao Concílio Vaticano II. O senhor concorda com eles? O que diria a eles sobre este assunto?
Não concordo em termos absolutos em atribuir a culpabilidade dos males da Igreja de hoje ao Concílio Vaticano II. Penso ser esta uma visão demasiadamente simplista em relação aos desafios para a Igreja, inserida em uma realidade que sofreu profundas mudanças, bem como uma visão excessivamente saudosista em relação a um passado considerado ideal e que certamente não voltará. A meu ver, o Concílio Vaticano II aconteceu em um momento emblemático de mudanças sociais, econômicas, culturais e religiosas. Vejo também que, de certa forma, o Concílio expresse uma visão eivada de um certo otimismo ingênuo, marca daqueles tempos dominados  pela mentalidade de que o “progresso” traria uma nova era para a humanidade, uma era de entendimento, de colaboração, de superação dos graves problemas humanos, sociais etc. Os documentos do Concílio Vaticano II, em alguns aspectos, retratam esta visão talvez otimista demais em relação a mudanças no mundo.
A questão, em termos bem simples é que o mundo mudou e, o ser humano inserido em um mundo em mudança, mudou também. Passou-se de um quadro de princípios e valores para outro. E naturalmente, a Igreja, realidade divina e humana, na sua humanidade, sofreu e sofre com toda esta instabilidade. A responsabilidade absoluta foi do Concílio? Foi o Concílio responsável pelo início da mudança de época, ou o Concílio, de certa forma, reflete esta realidade?
Outra coisa, a meu ver, também é necessário esclarecer: acostumada com palavras mais claras, mais precisas, mais definidas, parece-me que a opção do Concílio Vaticano II foi a de uma linguagem mais de indicações etc... Naturalmente, supunha-se uma leitura e uma interpretação segundo um espírito até então fortemente presente na Igreja, um “espírito bom” de leitura, afinado com a Igreja. O que se viu, no período pós conciliar foi a introdução de um “espírito mau”, desvinculado da Tradição, propondo uma quebra de continuidade, uma desvinculação com o passado, com a verdade, com a disciplina etc..

In Guardia: Diametralmente oposta a essa posição, temos aqueles que consideram que todas as bênçãos vieram após o Concílio Vaticano II, que a Igreja não só ganha um novo Concílio, mas praticamente se torna uma nova Igreja. Até que ponto esse tipo de pensamento pode atrapalhar os trabalhos pastorais?
Este tipo de pensamento, que infelizmente predominou e ainda predomina em muitos ambientes eclesiais trouxe um grande mal à Igreja: uma Igreja que de certa forma, “renega” seu passado, sua História, sua Doutrina Sagrada, sua Liturgia etc. Pretende-se uma Igreja sem raízes, ainda pior, híbrida, ou seja, amálgama de tradições estranhas à fé cristã, eivada de gnosticismo, de mundanismo...: uma monstruosidade, portanto. Uma Igreja assim, não teria nada a dizer ao mundo, não tem verdade a ser pregada: é uma Igreja de profetismo e ideais simplesmente humanos. Ou seja, já não é mais a Igreja de Cristo, a Una, Santa, Católica e Apostólica... Pode-se, portanto, avaliar o mal que isto produziu e ainda produz na Igreja. Infelizmente, ainda temos muito fortemente, em alguns ambientes, a presença desta visão de uma Igreja imanentista, do simples “estar junto” e sem nada a dizer de Cristo e de seu Evangelho, mas dominada por correntes ideológicas, muitas delas, materialistas.

In Guardia: Como definir a Teologia da Libertação, então?
A meu ver, existem duas “teologias da libertação”. A primeira é aquela que a Igreja sempre anunciou: a libertação do pecado, através da ação fundamental e purificadora da Graça, unida ao sempre insuficiente esforço humano. Esta libertação que nasce da iniciativa divina de salvar, se efetiva na realidade de um coração que se converte a Deus, ao irmão, a si mesmo e ao mundo. Esta TL pura, limpa, reta tem sua expressão bíblica alicerçada, principalmente, nas bem aventuranças do Evangelho, entre tantos outros textos da Sagrada Escritura. Para se entender esta Teologia da Libertação que antes de tudo, exprime o primado do sobrenatural na vida e na ação pastoral da Igreja, penso que exista uma “chave de compreensão”. Há um “documento base” para a leitura e a compreensão desta autêntica TL: o Discurso do bem aventurado Papa João Paulo II, pronunciado no Morro do Vidigal, durante sua primeira visita ao Brasil, em 1980.  Aí está expressa, com clareza meridiana, a prioridade da doutrina da Graça, das virtudes e dos dons. Pinço uma única frase do Bem aventurado João Paulo II: “Os pobres em espírito são aqueles que são mais abertos a Deus e às maravilhas de Deus (Atos 2,11). Pobre em espírito não significa exatamente o homem aberto aos outros, isto é, a Deus e ao próximo? Pobres em espírito – aqueles que vivem na consciência de ter recebido tudo das mãos de Deus como um dom gratuito e que dão valor a cada bem recebido. Constantemente agradecidos, repetem sem cessar: “Tudo é Graça!”, “Demos graças ao Senhor nosso Deus”. Vale a pena “desenterrar” este Discurso do bem aventurado João Paulo II... A meu ver, foi este o discurso programático de toda a Visita ao Brasil. As palavras do Papa revelam a autêntica TL, aquela verdadeira.
A segunda TL é aquela falsa, mentirosa, ideologizada, fundada nas palavras de Leonardo Boff, em um artigo no Jornal do Brasil, também em 1980, alguns meses antes da visita do Papa João Paulo II: “O que propomos (com a TL) não é a teologia dentro do marxismo, mas o marxismo dentro da teologia”. Esta TL falsa, indigna da tradição teológica milenar da Igreja, prega não as bem aventuranças, mas a mudança das estruturas econômicas, sociais, políticas e eclesiais. Propugna, por exemplo, em relação à Igreja, a chamada “eclesiogênese”, termo proposto pelo já citado Leonardo Boff. As palavras de seu criador manifestam a ideia de que a Igreja deve fazer-se a partir do “lugar social” ocupado pelo povo: “Precisamos fazer a Igreja que nasce do povo... Essa é a grande virada da Igreja hoje. Igreja que parte de baixo, do povo, e não a Igreja Institucional, que venha de cima. É a eclesiogênese.”
Ou seja, a falsa TL pretende que o homem, que na visão de Marx tem estrutura antropológica imanente, materialista e ateia, possa ser ao mesmo tempo, cristão. E que, como cristão (o que é impossível...), mude o mundo, a sociedade, as estruturas e a própria Igreja...
Assim, a TL mentirosa, não conta com a Graça, com a ação transformadora interna e sobrenatural de Deus em nós. Para a TL falsa, Deus é... ninguém. Deus é só uma ideia, um mito que serve como ponto de referência para animar a “praxis” do oprimido, a luta contra o explorador. Deus é a justificativa racional para a luta pela libertação, reduzida à simples questão material. Lê-se, por exemplo, a História da Salvação tão somente sob a ótica da necessidade da luta do oprimido contra o opressor, do fraco contra o forte, do dominado contra o dominador. E o Deus da Bíblia, na visão da falsa TL, é aquele que justifica a violência.
Ou seja, não há o que definir, em termos de teologia, a falsa TL...


In Guardia: Com relação à Liturgia da Santa Missa, como o Sr. vê a formação dentro dos seminários brasileiros para que os seminaristas tenham uma boa instrução sobre o que é a missa e como celebrá-la com dignidade?
Em geral, a formação é deficiente. Estuda-se a teologia litúrgica, muitas vezes a partir de autores que não tem uma visão da liturgia suficientemente católica. Nos estudos sobre a liturgia, predomina a opinião pessoal de determinado liturgista, muitas vezes, opinião que contradiz aquilo que a Igreja ensina e determina, especialmente nos últimos Documentos que são normativos, em relação à Sagrada Liturgia. Além disso, falta nos estudos litúrgicos, a meu ver, a “alma” da Liturgia. Uma liturgia sem espiritualidade, sem a consciência de que, antes de tudo, liturgia é oração, acaba caindo no mesmo ritualismo que tantos modernos liturgistas criticam do passado: só que é o ritualismo do inventar, da novidade, que também não tem alma. A meu ver, a formação litúrgica dos seminaristas e também aquela dos padres, deve centrar-se nestes dois eixos: a fidelidade às Normas litúrgicas vigentes e a preocupação constante de fazer da liturgia oração.

In Guardia: Como o Sr. vê as reformas litúrgicas promovidas pelo Papa Bento XVI?
Não diria que o Santo Padre, o Papa Bento XVI esteja promovendo propriamente uma “reforma litúrgica”. A meu ver, a grande lição do Santo Padre é aquela de nos ensinar a celebrar no rito ordinário, explorando todas as possibilidades que o rito permite, sem invencionices estéreis, mas na fidelidade às Normas estabelecidas. Vejo no Santo Padre um profundo amor à liturgia da Igreja, sempre acompanhando a retidão de obediência às Normas com uma atitude de oração, de interiorização dos Sagrados Mistérios.

In Guardia: Com relação ao documento intitulado Summorum Pontificum, qual o caminho para colocá-lo em prática da melhor forma?
Em minha Igreja Diocesana, a grande questão é, antes de tudo, prática. Meus padres não tem a menor noção do latim. Esta é a realidade. Somos tão somente dois os que celebramos em latim, semanalmente, na Forma Ordinária. Estamos preparando nossos seminaristas também no estudo fundamental da língua latina. Penso que seja necessário, antes de tudo, uma boa formação litúrgica, incluindo o estudo do latim, para que o Motu Proprio Summorum Pontificum possa ser aplicado de forma mais generosa e abrangente.

In Guardia: Muitos fiéis se assustam e até se armam contra a celebração no rito Extraordinário atacando-o por vários meios: língua latina, afastamento entre o sacerdote e o povo, desanimação e tantos outros. O que o Sr. diria a esses fiéis?
Diria que a Forma Extraordinária é um patrimônio sagrado da Igreja. Durante séculos a Igreja utilizou esta maneira de celebrar a Santa Missa. Multidões de santos alimentaram seu amor a Deus e sua vida cristã através deste Rito santo. Ninguém tem o direito de desprezá-lo. A meu ver, o segredo para bem celebrar e participar da Santa Missa, na Forma Ordinária, está em conhecer em profundidade a Forma Extraordinária.

In Guardia: Tendo em vista seu empenho em ter uma liturgia dignamente celebrada, bem como em atender aos fiéis que pretendem a celebração no rito litúrgico extraordinário, chegou-nos a informação de que o Bispo da diocese de Chur, Suíça, Dom Vitus Huonder, criou duas paróquias para celebração exclusiva da missa no rito extraordinário. O que o Sr. acha dessa possibilidade?
Necessidades pastorais devem ser respondidas com ações efetivas e não com palavreado... Sua Excelência, D. Huonder agiu, em primeiro lugar respeitando um direito dos fiéis daquela Diocese, que pediam uma atenção pastoral especial. E em segundo lugar, agiu também com sabedoria pastoral, oferecendo esta possibilidade a um grupo de específico, sensível à Forma Extraordinária. Ou seja, na Diocese de Chur, todos os fiéis católicos são atendidos...

In Guardia: Pessoalmente considero que a formação doutrinária é o melhor caminho para qualquer católico, afinal: só se ama aquilo que se conhece. De toda a sorte, como o Sr. vê a falta de formação dos féis e clérigos da Igreja no Brasil quanto a espiritualidade individual?
A Formação doutrinal é uma questão vital para o “ser cristão” hoje. A meu ver, a Igreja e os cristãos serão, cada vez mais, Igreja e cristãos do testemunho. Ora, como testemunhar a fé se não se tem um conhecimento profundo da sua riqueza e profundidade, de suas implicações no dia a dia? Como responder aos desafios da fidelidade a Deus, sem as noções elementares da Doutrina, da Moral, da Disciplina etc.? Como guiar e orientar, no caso dos pastores da Igreja, os fiéis se não se tem a Luz da fé iluminando, com clareza, os próprios olhos?
A ignorância em questões vitais da fé cristã é a razão da falta de qualidade espiritual de tantos católicos de hoje, sem dúvida.

In Guardia: Sob o mesmo contexto, como o Sr. vê a falta de formação dos féis e clérigos da Igreja no Brasil quanto a temas ligados à Doutrina Social da Igreja - DSI?
A falta de compreensão dos princípios e da abrangência da DSI levou e continua levando hoje muitos clérigos a apoiarem-se, em suas intervenções teóricas e em sua ação pastoral social em ideologias, algumas das quais já claramente condenadas pela Igreja. Infelizmente, para muita gente, a palavra de qualquer filósofo ou sociólogo tem mais valor do que a sabedoria da Igreja...

In Guardia: Sua Diocese está territorialmente localizada em um Estado da Federação governado pelo PT. O Sr. considera isso bom ou ruim para o desenvolvimento e melhor aplicação da DSI?
Penso que a Igreja tem uma missão em relação à Doutrina Social, que pode ser aplicada em qualquer situação política. Desde que exista retidão de objetivos por parte das instâncias políticas, no sentido de buscar o autêntico bem social da população, aí teremos um patamar de possibilidade de diálogo, compreensão e ajuda. Cabe à Igreja iluminar, com a riqueza de sua Doutrina Social, a realidade social. Até o momento não tenho encontrado nenhum tipo de dificuldade em relação a esta questão. Pelo contrário, em nosso Estado, a DSI é bem vista e bem acolhida. Temos uma longa tradição de presença da Igreja na realidade da transformação social que visa o bem da população. Muitas iniciativas sociais, entre elas o cooperativismo, tem as suas origens em ambientes da Igreja.

In Guardia: Falando em DSI, como o Sr. vê o equilíbrio partidário e as atuais posturas dos partidos brasileiros?
Vejo com muita preocupação a atual conjuntura partidária brasileira. No sentido de que, a grande maioria dos atuais partidos não tem fundamentos ideológicos claros e nem propostas programáticas concretas para a solução dos problemas gravíssimos que afetam a população deste país. A meu ver, os partidos presentes no universo político do Brasil são simplesmente “hotéis” de hospedagem política (em determinados casos, hotéis de curta permanência...). Ou seja, os partidos, em geral abrigam aqueles que, na verdade, só e tão somente pretendem ingressar na “carreira política”, ou seja, profissionalizarem-se na política, tendo isto como objetivo primário. Posteriormente, bem posteriormente, poderá acontecer uma preocupação com os problemas da sociedade etc. Infelizmente, não sou muito otimista em relação à atual conjuntura política brasileira. O que existe mesmo de ideário político hoje, defendido com unhas e dentes, em geral é aquele marxista. O resto é puro fisiologismo e oportunismo...


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