Por Paul Medeiros Krause
Causa estarrecimento a recente resolução do Conselho Nacional de
Justiça, de n.º 175, que obriga os cartórios a celebrar o casamento de pessoas
do mesmo sexo. Até pouco tempo, não havia dúvidas de que o casamento havido
entre pessoas do mesmo sexo era negócio jurídico inexistente.
Já atropelavam a Constituição as decisões judiciais, inclusive do
Supremo Tribunal Federal, que reconheciam a existência e atribuíam efeitos
jurídicos à união civil entre pessoas do mesmo sexo. Tais decisões, como a
recente resolução do CNJ, causam perplexidade e suscitam o questionamento sobre
os limites da atuação do Poder Judiciário. Poderá ele reescrever a
Constituição, atribuindo-se funções de legislador constituinte, invocando
princípios para solapar a letra expressa do texto constitucional? Está correto
do ponto de vista técnico fazer prevalecer princípios, cujo conteúdo é sempre
maleável, em detrimento da letra expressa do texto constitucional?
Ora, o art. 226, § 3.º, da Lei Maior é de clareza meridiana:
“§ 3.º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento”.
Em outras palavras, nem mesmo a união civil pode se dar entre pessoas do
mesmo sexo. Também ela é inexistente aos olhos do direito, por mais que se
invoquem princípios de discutível conteúdo, quanto mais o casamento. A
dualidade de sexos é elemento essencial da união civil, diz o Constituinte.
Coisa diversa é a sociedade de fato, que não constitui entidade familiar, pode
ser formada por pessoas do mesmo sexo e ter consequências jurídicas. Casamento
gay e união civil entre pessoas do mesmo sexo são construções de vento,
ficções, mas não ficções jurídicas, pois nem sequer penetram no mundo do
direito.
O Poder Judiciário envereda por caminho perigoso, antidemocrático,
totalitário, manietando a ampla discussão que o tema deve ter. Introduz, manu
militari, com desprezo da opinião pública e ignorando a atuação do Parlamento,
inovações graves no ordenamento jurídico, tão somente com base em princípios,
repita-se, de conteúdo discutível, de forte carga ideológica, e contrariamente
a texto expresso promulgado pelo Poder Constituinte Originário.
O direito não pode ficar refém de ideologias. Não pode se curvar e estar
a serviço de crenças liberalizantes em matéria sexual. Ideologia não se impõe
no tapetão. Crenças materialistas não detém, na Constituição, qualquer
privilégio em relação a crenças de outra ordem. Na Constituição, materialismo e
espiritualismo equivalem-se. Não se impõe materialismo por sentença.
Será que nos apercebemos da gravidade da situação?
Invoca-se a laicidade do Estado, apesar de geralmente haver abuso no
emprego desse argumento. Agora, é jurídico decidir com base em princípios
quando há texto constitucional expresso, emanado do Poder Constituinte
Originário? E os outros princípios expressos da república, do estado de
direito, da separação de poderes, da liberdade de pensamento e de crença, da
soberania popular? Qual é a sua extensão? Ou invocar a república e o estado de direito
comprometem a laicidade do Estado? A separação de poderes é dogma jurídico ou
de que natureza? O poder emana do povo ou dos juízes? É o povo quem dá o poder
aos juízes, não o contrário.
Tenho para mim que as decisões judiciais que reconhecem a união civil
entre pessoas do mesmo sexo e a recente resolução do CNJ atentam, elas sim,
contra a laicidade do Estado. Explico.
De um lado, elas não têm assento na lei, na Lei Maior, no texto
constitucional, portanto, não têm substrato jurídico. De outro, não se assentam
na natureza humana, pois diz-se que o gênero é uma construção social. De outro
ainda, não se assentam na soberania popular, senhora do seu destino.
Assentam-se, ao revés, em princípios que, infelizmente, estão sujeitos a
manipulações ou servem a construções ideológicas. Comprometem-se, portanto,
tais atos com uma visão de mundo segundo a qual os homossexuais são vítimas da
sociedade, e o homossexualismo é um supervalor humano.
A pergunta, pois, que não quer calar é se estado confessional é apenas
aquele que professa uma fé religiosa ou se o é aquele que impõe uma ideologia
oficial. Para mim, a resposta à indagação é óbvia. Não se pode proscrever uma
fé oficial de cunho metafísico e tornar obrigatório um credo materialista,
ainda que travestido de direitos humanos.
Outra questão que se põe é a seguinte: existe liberdade absoluta em
matéria sexual? Se nenhum direito é absoluto, por que o seria o de contrair
casamento contrariamente à lei natural? A sociedade inteira não tem o direito
de opinar e influir nas decisões do Estado em matéria familiar? Por que razão
deteria o Poder Judiciário mais legitimidade ou autoridade do que o povo, do
qual se diz que o poder emana e que o exerce diretamente ou por meio de
representantes eleitos, para determinar, com base em princípios de questionável
conteúdo e alcance, forjados nos laboratórios da ideologia, e não em texto
constitucional expresso, o desenho, a moldura, o caráter da sociedade ou
entidade familiar?
A norma emanada da Resolução n.º 175 do CNJ é ato inexistente. Tanto
quanto a união civil e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, não encontra
suporte no ordenamento jurídico brasileiro, no estado de direito, na soberania
popular, na separação de poderes, na laicidade do Estado e no art. 226, § 3.º,
da Constituição. Não vale a tinta com que foi escrita. É uma ficção e não
merece cumprimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário