Por Paulo Henrique Cremoneze
Ó, Deus, tudo o que quero é ser santo.
Mas não é fácil.
Bem, se fosse fácil, qual o mérito em ser santo?
Muitas coisas atrapalham meu caminho rumo à santidade: vaidade, afetos desordenados, vícios, imperfeições, etc.
Mas uma das dificuldades que mais sinto é sublimar meu espírito belicoso.
Sabe, Deus, confesso: eu vivo com raiva.
Raiva das coisas erradas que vejo por aí.
Uma raiva que dá vontade de agrir meio mundo, para dizer o mínimo.
Sim, eu sei, quando vieste ao mundo Tu não sentistes raiva.
Amou tudo e a todos sem medida.
Afinal, foste igual ao homem em tudo, menos no pecado.
E a ira é um pecado capital.
É bem verdade que existe a ira santa, a chamada “Deus irae”, mas esta é uma forma extraordinária de ira.
Foi exatamente aquela que sentiste diante dos vendilhões do Templo.
Uma ira purificadora, imantada de amor, para o bem de todos.
Não raro quero revestir a minha ira com o manto da Tua ira, mas sei que isso é inútil.
Em verdade, procuro eclipsar o meu pecado e o meu egoísmo com a Tua benção.
E ao fazer isso, mais por cálculo do que por índole, acrescento ao pecado da ira um vício ainda maior e mais nefasto: a soberba.
Mas sei que às vezes é preciso um pouco de ira para a defesa da justiça.
Um santo que hoje vive ao Teu redor disse mais ou menos com estas palavras: antes ser a bigorna do mundo do que o martelo.
Claro, concordo com ele. Quem sou eu para discordar de um santo? (afinal, como disse antes, tudo o quero é ser santo).
Mas, a idéia de ser o Teu martelo vingador muito me agrada.
Senhor, eu sei que Tu és amor. Mas sei também que o amor não raro se vale da força.
E por saber essas coisas todas que eu me sinto tão confuso.... gostaria de ser humilde como Francisco de Assis, mas tenho dentro de mim, em que pesem fraquezas e pecados, um leão que ruge como o do coração de Ricardo I.
Senhor, ajude-me a entender a santa Ira e a entender a mim mesmo.
O que foi senão a santa ira que O fez mandar executar a fio de espada os quatrocentos sacerdotes de Baal que, com sua doutrina diabólica, ameaçava corromper a fé do povo eleito?
Por muito tempo pensei que a Jerusalém terrestre, aliada à Jerusalém celeste, era a paz e o amor absolutos, preferindo-se o claustro à cruzada.
Pensei que renunciar a toda e qualquer forma de luta poderia e deveria ser o caminho único de quem aspira ser manso e humilde de coração.
Mas eu vivo neste mundo e sou deste mundo, embora meu espírito seja de outro, do mundo chamado Reino de Deus (ao menos assim espero).
Sim, eu sei, Senhor, que ao dizer: “que eles vivam no mundo, mas não sejam do mundo”, Tu não falavas apenas dos santos apóstolos, mas de todos nós que ousamos nos considerar Teus seguidores e parte do Teu povo.
Mas sei também que não ser do mundo significa não se acomodar com as vozes e os desejos do mundo e não necessariamente dele sair ou dele a tudo renunciar, incluindo-se o espírito de luta.
Sei hoje porque por muito tempo confundi tudo.
Posso, Deus meu, ignorar as guerras, as corrupções, as maldades, as atrocidades, praticadas em todos os lugares e contra todas as pessoas?
Posso, santo Deus, ignorar a injustiça que grassa neste mundo e fere tantas e tantas pessoas?
Posso, amado Deus, ignorar as ofensas covardes praticadas contra o Teu nome e a Tua santa Igreja?
Posso fechar os olhos às violências praticadas contra os Teus filhos?
Posso, em sã consciência, desprezar alguns dons que Tu me deste e que utilizados corajosamente poderão ajudar na defesa daqueles que mais necessitam?
Senhor, é preciso defender as pessoas, defender as famílias, defender Roma, defender a fé, defender a honra, defender a moral.
Deus, santo Deus, é preciso lutar pelo o que é justo, reto e próprio da Tua vontade.
É o momento de a bigorna ceder lugar ao martelo.
É o momento de lutar.
É preciso limpar a sujeira, começando por aquela que inunda o meu coração, assim terei condições morais de lutar pelo o que é Teu.
Só poderei discernir a Tua vontade e lutar pelo o que é próprio do Teu nome se eu, antes, limpar o meu coração, a minh´alma e todo o meu ser.
Faça-me puro e desnudo dos meus vícios, Senhor, para que eu possa lutar pelos Teus interesses neste mundo.
Inspiro-me nos antigos monges e cavaleiros para lutar por causas justas e não querelas rotas e puídas, próprias de um ego inflado.
Não os Cavaleiros Templários das lendas e dos mitos que se seguem desde a Idade Média, absolutamente inverídicos, mas os Cavaleiros Templários verdadeiros, os fiéis defensores da santa Igreja, os quais se deixaram destruir por Felipe, o Belo, porque não queriam de forma alguma levantar as mãos contra o rei e contra a Igreja.
Assim, a nova cruzada será um caminho puro de santificação, tão justo quanto um retiro monástico, uma via ao Teu sagrado coração.
Que as palavras sábias e piedosas de São Bernardo de Claraval ardam em meu peito, como chama que não se apaga, como a sarça que Moisés viu arder sem se consumir e eu possa ter a coragem de lutar pelo o que é certo, sempre.
Disse Bernardo de Claraval:
Eles não temem pecar ao matar seus inimigos, nem se achar em perigo de serem, eles mesmos, mortos. Na verdade, é por Cristo que eles dão ou recebem a morte, de modo que não comentem crime algum e merecem uma glória a mais. Se matam, é por Cristo; se morrem, Cristo está neles...Disse, pois, que o soldado de Cristo dá a morte com toda a segurança e a recebe com mais segurança ainda... Quando mata um malfeitor, ele não comete um homicídio, mas um “malicídio”; Ele é o vingador de Cristo contra os que fazem o mal e obtém o título de defensor dos Cristãos.
E se o cansaço me atingir, se a fadiga contaminar meus ideais, se a tristeza pelos eventuais resultados pífios de uma luta sabidamente inglória ameaçarem corromper meu espírito e me tirarem da rota, que eu não me esqueça do que o bravo Henrique V, um dos últimos reis heróicos da Inglaterra, bradou ao seu exército antes de uma batalha fadada ao fracasso e que se compaginou num dos maiores feitos militares de todos os tempos, a batalha de Azincourt:
“Quem expressa esse desejo? Meu primo Westmoreland? Não, meu simpático primo, se estivermos destinados a morrer nosso país não tem necessidade de perder mais homens do que nós; e se vivermos,quanto menos formos, maior será para cada um a parte que nos caberá de honra. Deus assim o deseja! Por favor, não desejes um homem a mais. Por Júpiter! Não tenho a cupidez do ouro e pouco me importa que vivam as minhas custas; sinto pouco que outros usem minhas roupas; essas coisas exteriores quase não tem importância em meus desejos; mas, se for pecado cobiçar a honra eu sou a mais pecadora das almas existentes. Não, por minha fé, meu primo, não desejes um homem mais da Inglaterra. Paz de Deus! Não desejaria perder tão grande honra, pela melhor das esperança, pois um homem a mais talvez quisesse partilhá-la comigo.Oh! Não anseies por um homem mais! Proclama, antes, através do meu exército, Westmoreland, que pode retirar-se aquele que não tiver coragem para lutar; entreguem-lhe o passaporte e ponham-lhe na bolsa algum dinheiro para que possa viajar; não desejaríamos morrer em companhia de um homem que tivesse medo de acabar como nosso companheiro. Hoje é o dia da festa de São Crispim, quem sobreviver a este dia voltará são e salvo para casa, ficará na ponta dos pés toda vez que falarem no dia de hoje e crescerá só com o nome de São Crispim. Quem sobreviver a este dia e chegar à velhice, anualmente na vigília desta festa, convidará os amigos e dir-lhes-á: “Amanhã é dia de São Crispim.” Então arregaçará as mangas e, ao mostrar as cicatrizes,dirá: “Recebi estas feridas no dia de São Crispim. “Os velhos esquecem,entretanto,aquele que de tudo se tiver esquecido,lembrar-se-á, mesmo assim, com satisfação, das proezas que realizou naquele dia.E então,nossos nomes serão tão familiares em suas bocas quanto os nomes de seus parentes; o Rei Henrique, Bedford, Exeter, Warwick, Talbot, Salisbury e Glócester ressucitarão na lembrança viva e saudável com taças espumantes.Está história será ensinada pelo bom homem ao filho e, desde este dia até o fim do mundo, a festa de São Crispim e São Crispiniano nunca passará sem que esteja associada à nossa recordação, de nosso pequeno exército, de nosso feliz pequeno exército de nosso bando de irmãos; porque, aquele que hoje verter o sangue comigo será meu irmão; por muito vil que seja, está jornada enobrecerá sua condição e os cavaleiros que agora permanecem na Inglaterra, deitados no leito, sentir-se-ão amaldiçoados pelo fato de não se encontrarem aqui e considerarão de baixo preço a própria nobreza, quando ouvir falar um daqueles que combateram conosco no dia de São Crispim!”
Enfim, Senhor, eu quero ser santo e quero ser bom, manso e humilde de coração. Mas foste tu mesmo que me teceste no ventre da minha mãe, Tu que, sem ferir o meu livre-arbítrio, me deste a força de um touro, a coragem de um lobo e a fúria predadora de uma águia.
Tu que me privaste da poesia, da beleza, das belas artes, mas gravastes em meu coração, com letras sulcadas, o ardor dos tambores bélicos e a paixão pela guerra.
Deixe-me então lutar Senhor e deixe-me morrer de forma gloriosa, defendendo o que é certo e conforme a Tua vontade.
E se eu pecar, Senhor, se eu pecar como sempre pequei, que Tua própria mão me esbofeteie e me faça ver o que é certo: a Tua santa Cruz.
Para que eu possa lutar por causas justas e honradas que eu comece pelo meu próprio coração, que mais lhe causa ofensas e dores do que alegrias e orgulhos.
Faça de mim, Senhor, um pobre, mas valoroso servo do Teu reino, o Teu santo aríete contra as iniqüidades e se for um eco da soberba espiritual que brada em meu peito ao tanto pedir-Te que eu seja fulminado por um raio de Tua santa e justa cólera.
Assim seja.....
Nenhum comentário:
Postar um comentário