A “sacrossanta” anulação do amor ao próximo por amor à humanidade
Marx flerta com o humanismo de Feuerbach. |
Marx flerta com o humanismo de Feuerbach, pois acredita que este
teve ao menos o mérito de encontrar, no homem, e não em qualquer, a essência do
próprio homem. Ora, a essência do homem, segundo Marx, é o trabalho, concebido
como seu modo de subsistência. Porém, a essência humana, que é o trabalho, não
deve ser pensada como obra de um homem em particular. Na verdade, a essência do
homem é a “humanidade social” e laboriosa. Portanto, esta essência deve ser
pensada em termos de “relações sociais”. Assim, a ciência por excelência é uma
espécie de “antropologia social”, abordada em termos de “relações econômicas”. Eis
o materialismo, vale dizer, a realidade é a matéria moldada pelo homo faber.
Agora bem, olhando sob este ponto de vista, presenciamos
ininterruptamente – segundo Marx – o homem sendo alienado da expressão da sua
essência, isto é, da sua capacidade demiúrgica de moldar a natureza à sua imagem
e semelhança. Por quê? Porque esta sua capacidade criativa transformou-se ou
degenerou-se, através dos tempos, em mercadoria. A essência do homem, sempre segundo
Marx, está, pois, despida nos mercados, qual despojo para troca. No entanto, o
homem vale ainda menos do que essa mesma mercadoria, pois o salário de um
operário não pode pagar sequer o que ele próprio produziu. De fato, o capital
barateia o trabalho humano transformando-o em permuta e com isso avilta o homem
de tal forma, que o apouca ainda mais do que à sua obra. Dizendo de forma
clara: não só o homem é desvencilhado do seu trabalho, mas passa a não ter
acesso ao fruto do seu trabalho. Nisto consiste a degradação imposta aos homens
pelas contradições nascidas no bojo das “relações sociais”.
A ideia de mais-valia de Marx. |
E não só. Transformar mais e mais o trabalho humano em mercadoria é
mister, pois a finalidade da mercadoria é criar, em quem a consome, o fetiche e
a compulsão, o domínio e a escravidão. Por isso, não basta sequer o homem
trabalhar para produzir; deve ele apequenar-se ainda mais produzindo máquinas e
tecnologias que reproduzam, em larguíssima escala, a mercadoria. Assim nasce a
indústria e, pela indústria, o homem torna-se escravo do que ele próprio criou,
porque, como a máquina é mais célere do que ele, o homem deve competir com ela
até a exaustão. Ora, Marx chama de “plus valia” esta exploração do trabalho
humano. Para ele, o que gera o capital é esta escravidão imposta ao homem pelo
mercado. Observemos que aqui reside a causa
de todo marxista ver no capital algo iníquo por natureza. De fato, na visão
marxista, o capital nasce da exploração do trabalho da classe trabalhadora,
obnubilada pelas superestruturas: pátria, religião, família etc.
Agora bem, para sair deste quadro dantesco – na concepção de Marx –
urge não se apiedar de um homem em particular – isto seria ceder à tentação da
alienação caritativa das superestruturas, que aquinhoam, sim, mas para que nada
mude – mas sim “compadecer-se” do proletariado, “conscientizando-o” das
perfídias estatais. Importa “salvar” a classe. Para tanto, cumpre usar do
próprio capital para destruí-lo. O capitalismo deve ser posto contra si mesmo.
Tornar o sistema dominante antiético, imiscuir-se nas suas estruturas para
vilipendiá-lo por dentro e servir-se dele com vilezas sem fim, eis o primeiro
passo. Neste sentido, não é de todo impreciso dizer que o “capitalismo
selvagem” é obra de bárbaros comunistas que, com o intuito de torná-lo desumano
e insuportável, esperam a “oração” do povo por um salvador, que é o mesmo comunismo.
Observemos que, para todo marxista, o capitalismo já é injusto por natureza,
mas torná-lo ainda mais cruel, bruto e rude é um gesto de “candura” – "Hay
que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás” – que acelerará o que vai
acontecer de todo modo: a luta de classes, que redundará num “reino de amor, de
doçura e de paz”.
Os fins justificam os meios, segundo Maquiavel. Ser injusto com indivíduos é justificável quando o objetivo e salvaguardar a humanidade impessoal. Essa é a base de Marx. |
Pois bem, neste jogo, rapinar é expropriar. Nesta lógica, atende
assenhorar-se das indústrias e empresas para subvertê-las e, se saquear é um
mal em si, arrombar cofres pela causa torna-se um ato de “amor” à humanidade
alijada de si. Ser injusto com indivíduos é altamente justificável quando o que
se tem em mente é salvaguardar a humanidade impessoal. Uma insensibilidade a
toda prova e a todo custo com a pessoa humana pode ser uma declaração de amor à
humanidade vindoura, um modo de celebrar, liturgicamente, a prelibação do
porvir de um “paraíso terreno”. Sem meias palavras, o marxismo flagela a consciência
dizendo a ela: “faça o que fizer, se estiver fazendo contra o sistema
capitalista, é ético e justo”, visto que o capital, advindo do roubo da
dignidade humana, é impiedoso por natureza. Desta forma, os sequazes de Marx vão
cauterizando a sua própria consciência até transformá-la num “lupanar”, a fim
de que, “liberada” de amar o próximo, passe a amar a “humanidade sofredora”.
Destarte, corrupção em nome
da causa não merece este nome. Corrupção é um “ato ascético”, uma “autoflagelação
purificadora”, quando o que se pretende é acelerar o processo de libertação.
Antepor-se a sua própria consciência é “imolação sacra”; violar a sensibilidade
para praticar toda sorte de torpezas é um “sacrifício perfeito”. Sim, praticar
a arte de enganar os outros é “oblação sagrada” que, os que querem ver irromper
o “reino terrestre”, oferecem ao templo do deus nada. É imprescindível
livrar-se da moral burguesa e faz parte do processo de “santificação” – quiçá
de “canonização” para os que virão – o “apostolado” inamovível de vituperar
impropérios contra a fama dos que se interpuserem ao projeto marxista.
Assim é o comunismo, vermelho como o fogo do inferno, vermelho como
as casas prostituídas, vermelho como a ruína das finanças, vermelho como o ódio,
vermelho, enfim, de tanto sangue inocente. Religião, o marxismo tornou-se a
orgia dos séculos, a redenção dos bacanais imemoráveis. Claudicante, ele
perdura nos corações embalsamados; cemitério de tantas vidas, onde ele
subsiste, subsiste como um defunto que os seus desejariam perdurasse qual “corpos
incorruptíveis”.
E há mais. O comunismo se traveste de muitas formas e vem corroendo
também as humanas ciências. Já faz algum tempo que muitos da área de humanas
parecem desmentir que haja uma ciência humana. De fato, a palavra mais em voga
não é corrigir os erros e as insuficiências do passado, mas “desmistificar”. E
desmistificar o quê? Justamente as ciências humanas. Destarte, quem nos garante
que, daqui a cem anos, não haverá outros desmistificando as teses dos que
acreditam serem os verdadeiros cientistas, hoje? Dito de outro modo, nada há
que garanta que a desmistificação que hoje empreendem não tenha que ser desmistificada
amanhã. Na verdade, o problema de fundo é que muitos da área de humanas pensam poder
fazer ciência como quem se destaca do mundo a tal ponto de poder especulá-lo
como se fosse um “telespectador”, quando sabemos que igualmente passaremos, e
com o passar dos anos, também os resultados das nossas pesquisas – por mais
qualificadas que sejam – tornar-se-ão tão marcados pelo tempo quanto os dos
cientistas de antanho. Na verdade, quem pensa poder se destacar de todo da área
em que estuda para contemplá-la de fora, está longe de fazer um exercício
sadio. Antes, isso pode levá-lo a tomar ares rabínicos. É como aqueles que
entram em uma espécie de “transe hipnótico” quando voltam de um passeio pela
Terra Santa, autonomeando-se profetas ou até mesmo o próprio messias. Mas esta
atitude não é ocasional. Ela busca de toda maneira destruir o pensamento
humano, o qual, segundo os “livros santos” do alto “clero comunista”, formatado
e configurado pela práxis opressora das massas, fundamenta-a e causa delongas à
práxis emancipatória das turbas.
Uma ideia equivocada do que é a Igreja. |
Mas o mais interessante é perceber o quanto a área de humanas tem
uma tara pelo catolicismo. Elas quase sempre conseguem baratear questões,
tomando por Igreja o que ouvem nos banquetes. Quase tudo que apresentam com
glamour acerca da Igreja são dados tão retrógrados, que chega até a ser constrangedor.
O que se dá, aqui, parece ser o seguinte. Antes de tudo, tomam como Igreja uma
concepção absurda, que não é nem sequer pronunciável por autores católicos
sérios. Em seguida, diante de um público estupefato, apinhoado e deslumbrado
ante “luz” tão intensa, apresentam-se como aqueles que “desmascaram” esta
concepção que eles próprios forjaram, uma imagem que a Igreja nunca fez de si
mesma... Ora, isso seria uma atitude cômica – própria a um show ou a um circo –
se não fosse algo um atendado à verdade dos fatos. A Igreja nunca disse que
todos os seus filhos, desde o papa até o mais humilde fiel, gozassem de uma
pureza imarcescível. Aliás, é por isso que existem os santos e os milagres.
Eles estão aí para mostrar que, inobstante tantas e tantas mazelas de seus
filhos, a Igreja perdura por ser uma instituição divina. Um pouco de
honestidade intelectual e a certeza de que somos quase nada bastariam para
atestar isto. No entanto, a humildade não faz parte do culto socialista, no
qual a mesa do professor é o púlpito do pastor, o altar do sacerdote. Afinal, a
religião cristã faz parte da superestrutura da estrutura do “mal”. E quem ousar
ser mais do que um quietista e intimista levará sobre si as “dez pragas do
Egito” e, pelo vocábulo “correção”, a humilhação e, por fim, a excomunhão da “igreja”
dos nossos dias.
Antônio Gramsci criou o Marxismo Cultural como confissão de culpa do fracasso do Marxismo tradicional |
Marcuse era um sociólogo e filósofo alemão naturalizado americano da Escola de Frankfurt. |
A síntese entre estes dois pensadores é a seguinte:
são os libertinos, licenciosos e anarquistas – ou os que os defendem – que
devem ocupar os espaços da classe dirigente, até que a hegemonia desta mesma
classe derrube a classe dominante, ocupando, ela própria, o monopólio do poder.
Ratificando: não é o proletariado que deve dar ordens, pois este acabou se
“enriquecendo”. Os que devem arbitrar são os indecorosos; os que devem ser
“libertados” de toda “opressão” e de todo “recato” são os despudorados.
Façamos uma revisão dos fatos. De fato, não é
verdade que faz algum tempo que estamos sob o poder de
depravados? Não é verdade que muitos dos nossos representantes
e intelectuais não só praticam, senão que fomentam e buscam
"fundamentar" mais e mais a devassidão? Ora, a única alternativa para
esta espécie de comunismo é uma educação que busque desintoxicar e sanar as
pessoas que quiserem reintegrar-se. E como isto se dá?
Mas como conhecemos a nós mesmos? Aos poucos, Sócrates foi
descobrindo que conhecemos a nós mesmos somente no diálogo amoroso com o outro,
enquanto o outro reflete em sua pupila a nossa alma. Destarte, o “conhece-te a
si mesmo” socrático acontece não no solipsismo cartesiano, mas no bojo de um
diálogo franco com o outro; a nossa alma está, qual num espelho de carne e
osso, nos olhos daquele com o qual dialogamos para além das aparências. Em uma
palavra, uma alma só conhece a si mesma em outra alma, da qual os olhos são o
espelho. Assim, Nosso Senhor deu a conhecer ao jovem rico quem ele era:
“Fitando-o, Jesus o amou e disse: ‘Uma só coisa te falta: vai, vende o que
tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me” [Mc 10,
21]. Nesta pergunta, neste fitar-lhe os olhos com carinho, Nosso Senhor
colocou-o diante de si mesmo, da sua alma: “Ele, porém, contristado com essa
palavra saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos bens.” [Mc 10, 22]. Não
sabemos o que aconteceu com aquele homem, se ele acabou aceitando ou não o
convite de Jesus, mas uma coisa é certa, ele “conheceu a si mesmo” em Cristo. Também
sabemos como terminou a vida de Sócrates e de Cristo. Muitos preferiram
arrancar os seus próprios olhos a conhecer-se – como Édipo – a ponto de levarem
Sócrates e Cristo à morte. E custa-me dizer que os comunistas talvez estejam
mais próximos de Édipo e dos algozes de Cristo do que do “moço rico”, que ao
menos aceitou estar frente a frente consigo próprio.
Na verdade, quando falamos
de marxismo – em todas as suas formas – falamos da forma mais funesta e
deletéria de fanatismo, porque se pretende manter imune a críticas, bem como permanecer
impune mesmo às práticas mais nefandas e infames. Oxalá o mundo possa ser
remido, pois o fogo do inferno – furtado pelo socialismo – chegou até nós e
causa-nos dores atrozes. Subtraiamo-nos ao poder da imorredoura serpente e da
sedutora maçã envenenada. O marxismo é o verdugo do mundo.
A integração – temos insistido nisso – está no “conhece-te a ti
mesmo”[1]. Na
verdade, o “conhece-te a ti mesmo” era uma exortação do deus Apolo aos
frequentadores do templo de Delfos. Antes de tudo, este dito preceituava aos
homens que conhecessem a sua verdadeira condição, que é de mortalidade,
finitude, precariedade e ignorância. Com efeito, “Conhece-te a ti mesmo”
significava precipuamente: fique no seu posto, mantenha-se no seu limite, assim
você estará na excelência e evitará o defeito e o excesso. Ora, este imperativo
está no DNA da cultura grega enquanto impõe ao homem que conheça a sua medida.
Agora bem, urge conhecer a si mesmo para bem-viver, posto que a
falta deste conhecimento pode acarretar uma tragédia, que resultará na imprecação,
por parte do homem, a este imperativo. Isto está bem ilustrado no mito de
Édipo. Por não conhecer a si mesmo, cometeu toda sorte de volúpias e quando se
soube filho de sua mulher, Jocasta, preferiu arrancar os olhos – princípio de
todo conhecimento – a conhecer-se. Mas por que isso aconteceu com Édipo? Porque
se tomando vorazmente como o mais sábio dos homens, deixou de conhecer a si
mesmo no momento adequado. Antes, permitiu que os outros, que o proclamavam o
mais sábio dos homens, dessem-lhe a conhecer quem era ele, quando ele próprio
deveria ter buscado este conhecimento. Estamos no âmago da ética.
Sócrates, ao contrário, “conhecendo a si mesmo” pelo dito de Apolo,
conheceu que não possuía a sabedoria, e isso lhe deu a humildade necessária
para buscar apreender – para além do que o “senso comum” dizia dele próprio e
das coisas – quem ele era realmente. Agora bem, com esta disposição, ele passou
a buscar, com sinceridade, o conhecimento verdadeiro de si e das coisas. Ora,
ante isto, paradoxalmente – conforme atestou também o próprio oráculo de Delfos
– Sócrates tornou-se o mais sábio dos homens, visto que se pôs no seu lugar de
homem.
O infortúnio de Sócrates deu-se quando, através do diálogo, começou
a colocar em crise o saber de toda uma juventude que se acercava dele, fazendo
com ela o mesmo exercício que fez consigo mesmo, a saber, através de questões
que deitavam por terra as suas mais fortes convicções, buscava levá-la ao
conhecimento de si. Ora, este exercício de ensinar sem dar respostas prontas,
senão problematizando a credulidade dos jovens, era justamente o que Sócrates começou
a conceber como Paideia. Assim, a Paideia socrática consistia em tirar dos
jovens a voracidade de assumir o governo de muitos sem que antes conhecessem
governassem a si mesmos.
Sócrates foi descobrindo que conhecemos nós mesmos somente pelo diálogo amoroso e Platão divulgou isso ao mundo |
[1]
Seguiremos de perto, doravante, até o final do artigo, a estupenda exposição de
Giuseppe Girgenti: GIRGENTI, Giuseppe. Socrate e Alcebiade: conosci te stesso nel dialogo con
l’Altro. Disponível em:
< http://vimeo.com/92720196>>. Acesso em: 11/12/2014. Não vamos
carregar o texto com os termos gregos para que não percamos o essencial.
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