Por Denilson
Cardoso de Araújo
Para você que perdeu
alguém, o Natal vai doer. Eu sei. Você vai titubear frente à árvore.
Incomodar-se com as calçadas entulhadas gritando abomináveis gravações
natalinas, gente na febre das compras, engarrafamentos insanos, crianças
hipnotizadas e a voz oscilante, ao fundo, dizendo compre tudo, compre ainda e
compre mais. Você se movendo, lesma gélida num tronco, viscosa, arrastando
cansaços de séculos.
Eu sei. Já fiquei
invisível no Natal. Como encarar o campeonato de sorrisos, o amigo oculto, o
culto, a cantata, a cantada? Como sobreviver em tempo dourado, com crateras
lunares no coração? Alguém te foi arrancado. Por isso a ceia sem gosto, o
cheiro de lágrima. A oca alegria à volta, essa espécie de afronta. Ou você vai
e se torna iceberg encalhando a noite famosa, ou emigra dentro de si, canto da
casa, apertamento de garganta, a ocultar sentimentos molhados que moerão os
dezembros de todos os calendários. Como enfrentar, com tal incompletude, a
estação anual de encontros?
Escuta. A pior
ofensa ao ausente é dele ter só a dor. Isso dá estagnação, água de larva.
Alguém precioso assim para você merece melhor invólucro. A memória de quem
tivemos ao lado ou em colo, partilhando ombro, comemorando abraços de leme,
cravejando no olho o sorriso de lume, essa memória tem mil quilates. Ouro de
coroa, merece veludo vermelho, não estopa rasgada.
Eu sei. Terapia da
recomposição do ser. Rejeite o irritante Natal de comprismo militante,
felicidade crepom, Papai Noel que agrada crianças para expulsar o Menino. Tira
de você esse joio, depressão natural de um tempo corrompido. Ponha no centro do
drama que te veste o trigo que importa. A manjedoura. O Menino. Que, disse Isaías,
nos guiará. Berço pobre, cocho de gado comer. José deu lá tratos de água e
vassoura, buscou palha nova, mas ainda é estábulo e cocho, este palácio.
Lamentos não há, no abrigo escasso. Sim alegria de glórias, sim cantos, anjos,
pastores, reis magos, bezerros curiosos. Tal grandeza não tinha acatado até ver
a vaca com a cabeça na janela num culto em pequena igreja mineira. Galáxias de
ouro à disposição, e Deus nasce entre bezerros!
Traga a dor e ponha
aqui, com o ouro. A saudade, ajeite no incenso. Cuidado com esse vazio, que é
tão cristal. Vai bem com a mirra. Olhe em volta. Tantos, que aqui chegam, a
cada Natal, evadidos de festas, ultrajados de dores, desabrigados de amores.
Aqui estão, humilde comunidade. Os que nada têm. Perderam coisas, casas, tudo.
Enterraram amados filhos, amorosas mães, irmãs queridas.
Beira de manjedoura.
Lugar de fazer reviver quem se foi. Puxe da memória preciosa, a piada melhor
sobre a pessoa amada, os lindos casos, um sorriso, e a lágrima, duas, muitas.
Santa combinação, a lágrima que purifica o sorriso que ilumina. Metamorfose da
dor de chumbo em alegria dourada aqui permitida. Diga. Senhor, aqui estou, nada
tenho. Ele te dará tudo. Esse Menino, que vai ser morto. Antes de vir, Ele
sabia. Agora, bebê, não sabe. Terá que aprender. Dura descoberta. Mas pela
Graça, Ele vai até o fim, porque você vale a pena.
Manjedoura, cruz,
ressurreição - a mensagem do Natal é essa inteireza. Por isso caminho. Por isso
homenageio os mortos e curo minhas perdas usando a luz que me deixaram, para
lembrar: há vivos que precisam de mim. Assim me segredou o Menino. Por isso
caminho. Caminhe. Coragem! Vá preparar o Natal. Escolha boa toalha. Há tempo.
Quem se foi, assim gostaria. Gostará.
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