Por Paul
Medeiros Krause
Uma
simpática amiga, cujo esposo também é meu amigo, pediu-me certa vez que eu
escrevesse sobre a unção dos enfermos, este sacramento terrível outrora chamado
de extrema-unção. (Foi o Concílio Vaticano II, nos números 73-75 da
Constituição 'Sacrosanctum Concilium', que ordenou a troca do nome). Parece-me
que o momento é oportuno para falar dele, pois o mês de novembro, o último do
ano litúrgico, além de mês dos mortos, dos finados, é dedicado à meditação dos
novíssimos, isto é, dos últimos acontecimentos da vida do homem: morte, juízo,
céu, inferno e purgatório. Comecei a redigir este texto em novembro.
Toda
vez que eu saibo de alguém das minhas relações que fica gravemente enfermo, a
primeira coisa que me ocorre é indagar se tal pessoa recebeu a unção dos
enfermos. Pode ser que às vezes eu cometa uma indiscrição. Em algumas ocasiões,
os parentes próximos do enfermo assustam-se, como se tal indagação equivalesse
a uma sentença de morte para o doente. É como se eu dissesse: “Coitado, esse aí
vai vestir o paletó de madeira!”, “Esse aí já era!”, “Vai bater a cachuleta!”,
“Finou-se!”.
Ainda
não fui capaz de vencer a falta de habilidade com as palavras e com as pessoas,
mas tenho pelo menos dois argumentos em minha defesa, que, se não me absolvem,
pelo menos me atenuam a culpa: o primeiro é que a unção dos enfermos não se
destina apenas aos que vão morrer, mas tem finalidade curativa, destina-se a
curar, ainda que precipuamente a alma. Diz São Tiago no final da sua
epístola (Tg 5,14-15): “Alguém dentre vós está doente? Mande chamar os
presbíteros da Igreja, para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do
Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o aliviará; e, se tiver
cometido pecados, estes lhe serão perdoados.” (Pois bem. Embora o
católico não viva apenas da Bíblia, mas da Bíblia, da Tradição e do Magistério,
o sacramento de que nos ocupamos tem base bíblica, embora não exclusivamente. A
Tradição e o Magistério também o consagram). O segundo é este: com a salvação
eterna não se brinca; não podemos deixar que uma pessoa se perca por respeito
humano.
O
Código de Direito Canônico também vem em meu socorro. No cânon 1001 ele diz:
"Cân. 1001. Cuidem os pastores de almas e os parentes dos
enfermos que estes sejam confortados em tempo oportuno com esse
sacramento".
Já
falei disso uma outra vez: a estranha capacidade do homem de nossos dias de
esquecer o mais importante, de relegar o essencial ao segundo plano, deixa-me
perplexo. A hora da morte não é para brincadeiras. Ninguém vai se preocupar com
sujar ou estragar um terno, atrapalhar o penteado, perder a pose ou a
compostura, se o que estiver em jogo for uma vida humana, se uma pessoa
estiver morrendo na sua frente e um ato seu puder salvá-la. Ocorre que aqui
estamos diante de algo muito mais grave do que a mera morte física ou
biológica: a morte espiritual, o inferno eterno, sofrimentos insuportáveis a
que nenhuma outra morte porá fim.
A
ideia que faço do inferno é a seguinte: é a de um desespero insuportável, de
uma dor talvez até mais moral, espiritual, do que física, pior que a de um
suicida, com o agravante de que não há morte que possa interrompê-la, não há
remédio para esse mal. Digo isso porque o desespero de um suicida é o pior
sofrimento que eu consigo imaginar sobre a face da terra.
Um
padre sábio uma vez me disse ter notícia de muitos casos de
moribundos que parecem estar justamente esperando a unção dos enfermos para
morrer. Eles sobrevivem miraculosamente, ou quase isso, até a chegada do
sacerdote. Recebida a unção, eles entregam a alma a Deus. Observemos que a
unção dos enfermos, como atesta São Tiago, perdoa os pecados. Além disso,
conforta e revigora a alma, fortalece-a no combate da doença e
das tentações. Talvez esses moribundos não se salvassem se não tivessem
recebido o sacramento.
Santa
Faustina, em seu "Diário", demonstra-nos que a hora da agonia é uma
hora tremenda, é uma hora grave e decisiva, em que os demônios tentam-nos com
especial força. Não deve ser por qualquer motivo ocioso que nas Ave-Marias
pedimos a intercessão de Nossa Senhora para a hora da nossa morte. Santa
Faustina tinha muita compaixão pelos agonizantes.
Estabelece,
a respeito da unção, o Código de Direito Canônico:
"Cân. 1004 - §
1. A unção dos enfermos pode ser administrada ao fiel que, tendo atingido o uso
da razão, começa a estar em perigo por motivo de doença ou velhice.
§ 2. Pode-se repetir este
sacramento se o doente, depois de ter convalescido, recair em doença grave, ou
durante a mesma enfermidade, se o perigo se agravar.
Cân. 1005 - Na dúvida se o doente já atingiu o uso da razão [normalmente se considera a idade de sete anos], se
está perigosamente doente, ou se já está morto, administre-se o
sacramento.
Cân. 1006 - Administre-se este sacramento aos doentes que ao menos
implicitamente o pediram quando estavam no uso de suas faculdades.
Cân. 1007 - Não se administre a unção dos enfermos aos que
perseverarem obstinadamente em pecado grave manifesto."
O
Papa Paulo VI, na sua Constituição Apostólica sobre o Sacramento da Unção dos
Enfermos, de 30 de novembro de 1972, esclarece que a referida unção é atestada
na tradição da Igreja, sobretudo em sua liturgia, pelos mais antigos
testemunhos, tanto no Oriente como no Ocidente.
O
mesmo Paulo VI aprovou o Rito da Unção dos Enfermos e sua Assistência Pastoral,
promulgado por Decreto da Sagrada Congregação para o Culto Divino de 7 de dezembro
de 1972.
|
El niño enfermo de Arturo Michelena |
É
importante frisar que antes de uma operação cirúrgica pode ser dada ao enfermo
a unção sagrada sempre que uma doença grave seja a causa da intervenção. A
velhice também, desde que comece a oferecer perigo de morte, é motivo
para a unção dos enfermos. O tempo oportuno do sacramento, pois, é o momento em
que começa o perigo de morte. Não é necessário que esta seja iminente, que o
enfermo esteja à beira da morte. Basta a probabilidade, não se exigindo que
seja mais provável que morra do que sobreviva.
Do
referido ritual de 7 de dezembro de 1972, extrai-se:
"Para atender mais
facilmente aos casos particulares, em que os fiéis, por doença repentina ou
qualquer outro motivo, se vejam de repente em perigo de morte, recorra-se ao
Rito Contínuo, pelo qual o enfermo recebe sucessivamente os sacramentos da
Penitência, da Unção e da Eucaristia sob forma de viático.
Porém, se há perigo de morte
iminente e não houver tempo para ministrar todos os sacramentos do modo que foi
estabelecido, dê-se primeiro ao doente a oportunidade de uma confissão
sacramental, ainda que realizada genericamente em caso de necessidade; em
seguida seja-lhe dado o viático, que todos os fiéis em perigo de morte têm a
obrigação de receber. Finalmente, se ainda houver tempo, seja-lhe ministrada a
Sagrada Unção.
Se, por motivo de
enfermidade, não puder receber a sagrada comunhão, seja-lhe conferida a Unção
dos Enfermos."
Recorde-se
que a unção dos enfermos perdoa os pecados, se o enfermo não estiver em
condições de obter tal perdão pelo sacramento da Penitência, como esclarece o
Catecismo da Igreja Católica. Se o enfermo estiver lúcido e em condições de
confessar-se, deve fazê-lo, dispondo-se bem para receber a unção,
sobretudo se estiver em pecado mortal. Como esclarece o Padre Paulo Ricardo,
o perdão dos pecados na unção dos enfermos é efeito secundário. Ele é
efeito primário de outro sacramento: a confissão.
Acrescente-se,
ainda, que o sacerdote, ao administrar os sacramentos ao fiel em perigo de
morte (se possível, a confissão, a unção e a Eucaristia ou
"viático"), pode conceder-lhe a bênção apostólica com a indulgência
plenária (em artigo de morte), mesmo que tal fiel já tenha recebido outra
indulgência plenária no mesmo dia. Trata-se de uma exceção.
Sobre
isso, a norma 18 da Constituição Apostólica sobre a Doutrina das Indulgências
do Papa Paulo VI, de 1.º de janeiro de 1967, complementa:
"N. 18. No
caso da impossibilidade de haver um padre para administrar a um fiel em perigo
de morte os sacramentos e a bênção apostólica com a indulgência plenária a ela
ligada, de que se trata no cân. 468, parágrafo 2, do CDC [trata-se do Código de Direito Canônico anterior],
concede benignamente nossa piedosa Mãe Igreja a esse fiel bem disposto a
indulgência plenária a lucrar em artigo de morte, com a condição de ter ele
durante a vida habitualmente recitado algumas orações. Para aquisição dessa
indulgência é louvável empregar um crucifixo ou uma cruz. Essa mesma
indulgência plenária em artigo de morte pode ser ganha por um fiel, ainda que ele
já tenha no mesmo dia ganho outra indulgência plenária."
Por
tudo isso, meus amigos, não negligenciemos o tesouro espiritual que a Igreja,
Mãe solícita e mestra, põe em nossas mãos.