quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Divagando sobre o sofrimento. Quinta parte. Paradoxos da tribulação.


Por Emanuel Jr

Contemplação: solidão e melancolia.
No cristianismo vários paradoxos podem ser encontrados. Podemos pensar desde o mais básicos até o mais complexos. Os exemplos multiplicam-se. Desde que há alguém falando em cristianismo como modo alegre e sorridente de se viver, algo muito cogente no governo de nosso Papa Francisco, ao mesmo tempo temos o cristianismo que diz que acima de tudo isso está a contemplação. Ah, a contemplação! Momento único, isolado e melancólico. Eis um dos grandes problemas: como conciliar a melancolia com a alegria. Desses paradoxos é feito o cristianismo.

Ao mesmo tempo em que alguém afirma que o cristianismo defende o capitalismo, a doutrina social nos informa que não, não somos capitalistas, mas também não somos de forma alguma socialistas, afinal esse é intrinsecamente mau. Mas e então? Aprendi a discernir que sempre que me coloco a frente de um dilema como esse e tantos outros que já me apareceram, basta procurar, porque em algum momento de sua história a Igreja já terá se manifestado a respeito. Descobri também que muitas vezes ela não se manifestou com a audácia e demonstração de força que eu gostaria e outras vezes que se manifestou em total desacordo com o que eu penso. Que eu me adeque nesse último caso.

A grande questão é que dos muitos e variados paradoxos aparentes de que é feito o cristianismo, temos um que é preferencial de muitos teólogos e santos e que hoje se mostra ainda mais desconfortável de se falar devido a atual e crescente onda de ateísmo. Esse paradoxo é a tribulação.

Cristo disse claramente que:

"Bem-aventurados são os pobres de coração, pois deles é o Reino dos céus" (Mt 5, 3)

Mas Cristo e em todo o transcurso da Bíblia fica muito claro o que temos sobre as esmolas:

"Dá esmola dos teus bens, e não te desvies de nenhum pobre, pois, assim fazendo, Deus tampouco se desviará de ti. (Tobias 4, 7)

"(...)porque a esmola livra do pecado e da morte, e preserva a alma de cair nas trevas." (Tobias 4, 11)

"A esmola será para todos os que a praticam um motivo de grande confiança diante do Deus Altíssimo." (Tobias 4, 12)

"Meu filho, não negues esmola ao pobre, nem dele desvies os olhos." (Eclesiástico 4, 1)

E pra não dizer que falei só de antigo testamento, vamos ao que Novo diz a respeito do tema:

"Assim, a tua esmola se fará em segredo; e teu Pai, que vê o escondido, recompensar-te-á." (São Mateus 6, 4)

"Dai antes em esmola o que possuís, e todas as coisas vos serão limpas." (São Lucas 11, 41)

A dúvida sempre me foi muito clara: se o Reino dos céus é dos pobres, porque raios de motivo eu devo tirar o pobre de sua pobreza. Parece-me lógico que o tirando da pobreza eu o afasto do Reino dos céus à custa da minha aproximação. Uma coisa deve mesmo interferir na outra ou mesmo depender da outra? Como conciliar isso tudo? A prática da justiça social e compaixão dando esmolas e removendo a pobreza não é lícita ou é?

Se o sofrimento, como consta nas bem-aventuranças é tão bom, não deveria ser ele procurado no lugar de evitado? Afinal Jesus não orou para ser poupado no Getsêmani? Se orou para ser poupado, como pode o sofrimento levar aos céus e como pode Deus, que é perfeito, ter tal vontade?

O grande paradoxo aparente é que vemos o sofrimento, a tribulação, como um bem em si mesmo ou como um mau em si mesmo. Ele não é. Ele é uma consequência ou mesmo uma dependência. O que precisamos urgentemente entender nesse mundo que tenta escapar do sofrimento, muitas vezes legitimamente, é que há algo positivo para o sofredor em qualquer experiência penosa. O grande problema está sendo identificar o que é positivo no sofrimento. Pois bem, o sofrimento e a tribulação são positivos quando sofridos em total e absoluta submissão à vontade de Deus. Estando submisso à vontade de Deus, nosso sofrimento é apenas um meio para a santificação, uma prova a que devemos passar para aprender mais e mais, contudo isso não encerra a questão. Como resolver o problema de quem é espectador desse sofrimento? Deve continuar como espectador e ver, passivamente, a tribulação alheia? Obviamente que não, apesar de o parente paradoxo nos remeter a isso. Para os espectadores, o sofrimento alheio deve despertar a compaixão que, uma vez despertada, faz com que os atos de bondade sejam levados a algum grau. Quanto maior o grau, maior o mérito.


Assim sendo, o sofrimento entregue diretamente a Deus, em total submissão à Sua vontade, é meritório não pelo sofrimento em si, mas pela obediência. Cristo sofreu por nós não porque tinha que aprender alguma coisa, mas porque tinha total obediência ao Pai e essa era a vontade do Pai. Os sofrimentos foram oferecidos em totalidade, contudo o sofrimento de um Deus (Cristo) obviamente é muito mais meritório que qualquer tipo de sofrimento humano. Assim, Cristo pagou os pecados de toda a humanidade e abriu caminho para que façamos o mesmo com nós mesmos. Por outro lado, aquele que assiste ao sofrimento alheio precisa estar cheio de compaixão para com o aquele sofrimento e, então, não será a tribulação ou não tribulação do outro que o levará a ter méritos, mas a compaixão sentida e externada dentro do máximo possível naquele momento.

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