Por Denilson
Cardoso de Araújo
O mundo não se
divide entre os completamente santos e os totalmente perversos. A vida não é
simples assim. Conheço gente virtuosa, mas com vícios. E vi canalhas com
arroubos de bondade. Então, não me insultem a inteligência dizendo que Dilma é
classe operária indo ao paraíso, a Marina purgatório e o Aécio, o inferno.
Não desertando de
ideais, trago pés na realidade. Portanto, sei. Bom ficou à biografia deste país
de elites machistas, caberem na cadeira importante, tanto o retirante com dedo
comido na máquina quanto a mulher governante. Mas descasque estes simbolismos
úteis, até necessários. Ressalvada a política de cotas nas universidades, esta
sim, de caráter libertário, o conteúdo de seus governos deixa déficits
ideológicos e morais inéditos, vindos de quem tinha compromissos opostos.
O mundo não começou
com Lula. Século de sacrifícios de militantes pagaram em sofrimento e sangue o
alto preço da oportunidade dada ao PT. Por isso dói o desperdício em
compromissos abandonados na subserviência a banqueiros, manutenção do status
quo econômico, exacerbação do clientelismo e práticas corruptas que condenava.
O PT não fez jus a tantos que puseram sangue no tom do vermelho que antes
enchia a estrela hoje desbotada. Dói ver petistas presos envergonhando o gesto
militante de erguer o punho que simboliza luta. O vergonhoso discurso implícito
é coisa tipo “nossos criminosos são melhores que os deles”.
Assim, o dilema do
eleitor de Marina parece dispensável drama para quem admirou a miserável que
senadora se tornou, moribunda que renasceu militante aguerrida,
Osmarina-ninguém que personalidade mundial se tornou. Pois tal voto nasceu
também do cansaço com o petismo tornado organização de militantes reféns da
direção que os quer cúmplices, e que sequestra representações sindicais e
sociais para esterilizá-las, tirando voz da sociedade insatisfeita.
A opção deste
eleitor parece penosa, mas simples. Renovar “o inferno” de suas frustrações ou
votar pela alternativa, mesmo sendo ela, a alguns, uma “cruz”. Além de ser
verdade relativa atribuir direitismos a Aécio, quem disse que o PT governou à
esquerda? Ah, tem o Bolsa-Família, que alimenta desfavorecidos. Mas os fideliza
e compromete com um tantas vezes injustificado senso de “eu mereço” e, pela
inércia na busca de ocupação, falseia estatísticas de desemprego. Populismos
servem à esquerda e à direita. Estão aí fartos votos dos mesmos “grotões” que
um dia garantiram eleições à ARENA da ditadura. Hoje podem dar a Dilma outro
mandato.
Patrulheiros
ideológicos acenderão fogueiras da Inquisição com esta crônica, mas é fato: o
PSDB não é o PMDB. Trágico reconhecimento: sem esse acessório permanente do
poder não se governa este país. Aluga-se a casa e o PMDB vem junto. Necessário
conviver com ele. Então, se o PT anda a braços dados com Sarney, Renan e
Collor; se o PSDB fez o mesmo, qual o diferencial? Marina é um deles. Outro, a
indispensável alternância. Até para que o que restou da esquerda sequestrada se
recomponha, se purgue e, quem sabe, dando vez aos lúcidos e honestos (que os
há!) um dia retorne em condições mais fraternas, éticas e menos arrogantes. O
mundo não começou com Lula. O mundo não acaba sem ele.
Se o PSDB não tinha
legitimidade para resolver graves dificuldades do país, o PT, que um dia a
teve, desperdiçou-a sem o fazer. Tempos penosos virão. Não estamos escolhendo
revolução ou retrocesso. Apenas capitão apto a tirar o barco do labirinto de
naufrágios em que nos meteram.
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