sábado, 25 de outubro de 2014

O Mundo não começou com Lula.


Por Denilson Cardoso de Araújo

O mundo não se divide entre os completamente santos e os totalmente perversos. A vida não é simples assim. Conheço gente virtuosa, mas com vícios. E vi canalhas com arroubos de bondade. Então, não me insultem a inteligência dizendo que Dilma é classe operária indo ao paraíso, a Marina purgatório e o Aécio, o inferno.

Não desertando de ideais, trago pés na realidade. Portanto, sei. Bom ficou à biografia deste país de elites machistas, caberem na cadeira importante, tanto o retirante com dedo comido na máquina quanto a mulher governante. Mas descasque estes simbolismos úteis, até necessários. Ressalvada a política de cotas nas universidades, esta sim, de caráter libertário, o conteúdo de seus governos deixa déficits ideológicos e morais inéditos, vindos de quem tinha compromissos opostos.

O mundo não começou com Lula. Século de sacrifícios de militantes pagaram em sofrimento e sangue o alto preço da oportunidade dada ao PT. Por isso dói o desperdício em compromissos abandonados na subserviência a banqueiros, manutenção do status quo econômico, exacerbação do clientelismo e práticas corruptas que condenava. O PT não fez jus a tantos que puseram sangue no tom do vermelho que antes enchia a estrela hoje desbotada. Dói ver petistas presos envergonhando o gesto militante de erguer o punho que simboliza luta. O vergonhoso discurso implícito é coisa tipo “nossos criminosos são melhores que os deles”.

Assim, o dilema do eleitor de Marina parece dispensável drama para quem admirou a miserável que senadora se tornou, moribunda que renasceu militante aguerrida, Osmarina-ninguém que personalidade mundial se tornou. Pois tal voto nasceu também do cansaço com o petismo tornado organização de militantes reféns da direção que os quer cúmplices, e que sequestra representações sindicais e sociais para esterilizá-las, tirando voz da sociedade insatisfeita.

A opção deste eleitor parece penosa, mas simples. Renovar “o inferno” de suas frustrações ou votar pela alternativa, mesmo sendo ela, a alguns, uma “cruz”. Além de ser verdade relativa atribuir direitismos a Aécio, quem disse que o PT governou à esquerda? Ah, tem o Bolsa-Família, que alimenta desfavorecidos. Mas os fideliza e compromete com um tantas vezes injustificado senso de “eu mereço” e, pela inércia na busca de ocupação, falseia estatísticas de desemprego. Populismos servem à esquerda e à direita. Estão aí fartos votos dos mesmos “grotões” que um dia garantiram eleições à ARENA da ditadura. Hoje podem dar a Dilma outro mandato.

Patrulheiros ideológicos acenderão fogueiras da Inquisição com esta crônica, mas é fato: o PSDB não é o PMDB. Trágico reconhecimento: sem esse acessório permanente do poder não se governa este país. Aluga-se a casa e o PMDB vem junto. Necessário conviver com ele. Então, se o PT anda a braços dados com Sarney, Renan e Collor; se o PSDB fez o mesmo, qual o diferencial? Marina é um deles. Outro, a indispensável alternância. Até para que o que restou da esquerda sequestrada se recomponha, se purgue e, quem sabe, dando vez aos lúcidos e honestos (que os há!) um dia retorne em condições mais fraternas, éticas e menos arrogantes. O mundo não começou com Lula. O mundo não acaba sem ele.


Se o PSDB não tinha legitimidade para resolver graves dificuldades do país, o PT, que um dia a teve, desperdiçou-a sem o fazer. Tempos penosos virão. Não estamos escolhendo revolução ou retrocesso. Apenas capitão apto a tirar o barco do labirinto de naufrágios em que nos meteram.

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