sexta-feira, 17 de outubro de 2014

As raízes e seus ramos


Por Carlos Ramalhete

As primeiras universidades foram instituições religiosas. Do mesmo modo, os valores humanos dos laicistas mais exacerbados – como a dignidade da pessoa humana, o valor da vida ou a adesão a um código ético – são versões reduzidas e resumidas de preceitos cristãos.

Contudo, em alguns meios de intelectualidade rasa, é moda prezar os valores oriundos do cristianismo e, ao mesmo tempo, desprezar a religião que os gerou. Antes dela, na Roma pagã, por exemplo, a vida humana pouco valia: o pai tinha direito de vida e morte sobre toda a família, e no circo o “palhaço” era morto por feras. Se não fosse a ascensão do cristianismo, ainda hoje seria assim; se o cristianismo desaparecesse, os valores humanistas também desapareceriam, por falta de base. Sem sua base cristã, a única razão para aceitar estes valores é “porque sim”.

O fato é que nossa sociedade está passando por uma séria crise de adolescência, revoltando-se contra as origens de tudo o que ela diz prezar. Esta crise também se reflete nas universidades, de que um ou outro deseja expulsar a expressão religiosa. Ora, ao negar o desejo humano de Deus, faz-se apenas com que falsos deuses – partidos, “celebridades” ou teorias da moda – tentem inutilmente preencher o vazio. Além disso, proibir alguém de professar sua fé no ambiente universitário é tão arbitrário quanto exigir que se siga, obrigatoriamente, uma religião. É a ditadura do laicismo.

Quando começou esta separação artificial entre os valores que vêm do cristianismo e a fé que lhes deu origem, há coisa de 200 anos, seus defensores ainda pregavam a necessidade da crença religiosa como meio de garantir o bom comportamento da “massa ignara”. Depois, nem isso mais admitiam: no Rio há ainda a Igreja Positivista do Brasil, a que pertencia Benjamin Constant, que mantém uma imitação de capela católica com Gutenberg e Descartes no lugar dos santos, qual museu de uma tentativa frustrada de criar o homem sem Deus, há cerca de um século.

Hoje esta crise adolescente está em seu auge, com a sociedade querendo negar a figura do pai – Deus – e ver-se livre da figura da mãe – a cristandade –, sem aceitar que é deles que vem. Pipocando como espinhas, ateus militantes vendem mentiras requentadas e movimentos laicistas procuram impedir a expressão religiosa, sem que percebam que estão atacando a religião em nome de valores que provêm dela mesma, de valores que, antes da ascensão do cristianismo, seriam tidos por loucura.

Universidade de Oxford. Seria bom buscar as origens do
que hoje é o que conhecemos como sistema universitário.
É pena, mas até mesmo na universidade este tipo de contra-senso ainda aparece. É perfeitamente normal que, como o adolescente que não precisa mais ser guiado pela mão ao atravessar a rua, a universidade tenha se distanciado um pouco de suas origens. A especialização extremada do ambiente acadêmico de hoje, em que o químico ignora o que estuda o biólogo, também deixa pouco espaço para a discussão teológica, forçosamente mais abrangente que os caminhos hoje separados das ciências. Mesmo assim, apenas em meio a pessoas pouco afeitas ao raciocínio lógico seria concebível não perceber a tremenda contradição que é pregar valores que vêm da religião e ao mesmo tempo atacá-la; na universidade, seria de se esperar que isto não acontecesse. Afinal, crises de histeria adolescente não ficam bem sequer nos adolescentes, quanto mais em universidades.

O papel da religião na universidade, assim, é cuidar para que ela não se distancie dos valores em que se baseiam tanto ela quanto a própria sociedade ocidental. Como o tronco de uma árvore, que comunica às raízes o que vem das folhas e às folhas o que vem das raízes, a presença religiosa impede que a ciência perca seu norte ético. Para tal, deve haver na universidade ao menos um chamado à oração e à meditação, um reconhecimento explícito da necessidade de proteção divina (como há na Constituição, aliás), uma capela, atos de culto oficiais e imagens religiosas...


Em suma: apoio, abertura e tolerância para com as manifestações religiosas de todos os que, juntos, compõem este “universo de mestres e estudiosos” chamado universidade. Só assim ela pode evitar a triste posição de adolescente mimado que renega a origem de sua existência, valores e sobrevivência.

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