domingo, 5 de abril de 2015

Páscoa, celebrando a vida.

Por Carlos Ramalhete.

As coisas mais presentes são normalmente as mais fáceis de esquecer. Só nos damos conta de que respiramos se prestarmos atenção, mas ai de quem parar de respirar! A mais básica de todas essas coisas óbvias, porém esquecidas, é a vida. Quem lê um texto no jornal está vivo. Também quem o escreve. Todos os que nos cercam, todas as pessoas que amamos, ou mesmo quem nos são indiferentes, estão vivos. Isso é óbvio, mas não é por ser óbvio que perde valor.

A Páscoa, celebrada hoje, é a celebração da vida por excelência. A crença cristã de que o Cristo hoje venceu a morte, hoje voltou à vida para dar a Vida a todos os que o aceitarem, nos mostra a vida como uma presença, como algo que, por estar aí, suplanta a ausência que é a morte. É como a luz, que espanta a escuridão.

Além do riquíssimo sentido religioso desta festa, contudo, mesmo quem não compartilha das crenças cristãs tem nela um forte motivo para celebrar: o fato de estar vivo! Os símbolos pascais são símbolos da vida, ainda que seja fácil esquecer disto. O coelho é um animal que tem muitos e muitos filhotes: vida. O ovo é uma coisa dura e seca, aparentemente sem vida, de onde brota inesperadamente um animal: vida. Mesmo o chocolate, alimento que dá energia e disposição, é algo que nos remete a este motivo contínuo de alegria que é a vida.

Este é um dia em que somos lembrados do valor que tem a vida, para celebrá-la. É um dia em que, quando nos encontramos à mesa com toda a família, nos lembramos de celebrar a vida que continua, com uma geração vindo após a outra, com os idosos e as crianças, que um dia serão também pais e avós. É um dia em que vemos as árvores que crescem e nos dão sombra e fruto, em que vemos os pássaros que cantam e enfeitam a nossa vida, em que somos lembrados, chamados, cutucados, para que não nos esqueçamos da beleza deste fenômeno tão corriqueiro que é comum esquecermos que está além do alcance da ciência: a vida.

É óbvio, é evidente, é corriqueiro. Como é óbvio que respiramos. Contudo, assim como conseguimos nos dar conta de que respiramos, do ritmo e da profundidade da nossa respiração, também convém que consigamos nos dar conta do valor enorme de estarmos vivos, de termos ao nosso lado (vivas!) pessoas que amamos.

Tudo o que nos acontece de bom só pode nos acontecer por estarmos vivos. Mesmo os sofrimentos, mesmo as tragédias – como as que infelizmente tantas vezes têm ocupado as primeiras páginas dos jornais –, são trágicos por atentarem contra esta riqueza, tão básica que tudo o mais é construído em torno dela: a vida.

Vale a pena, assim, fazer este pequeno esforço, e – neste dia em que a cultura que, como a vida, herdamos dos nossos ancestrais, celebra a vitória da vida – prestar atenção à vida, como quem presta atenção à respiração. Começar neste dia um hábito, de certa maneira semelhante ao dos atletas e cantores que procuram perceber sempre o ritmo e a profundidade da respiração, de valorizar a vida que está presente por toda parte. Se alguém nos incomoda, quanto mais nos incomodaria estar em um deserto vazio e sem vida? Se alguém não nos dá o que achamos que merecemos, como seria pior se não houvesse quem nos desse nada, se não tivéssemos o amor, o carinho, o olhar e o toque de outro ser vivo ao nosso lado.


Vamos tentar, neste dia, seguir as pistas que ainda nos restam nos símbolos pascais que não foram totalmente substituídos pelo mais vazio consumismo: vejamos no coelho a fecundidade, no ovo a geração da vida, no chocolate a sua manutenção. Celebremos a vida.

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