quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

A glória da humanidade na glória de Deus


Por Ian Farias

Solenidade do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo

Nesta noite, marcada pela esperança novamente cintilante, o Senhor desce ao nosso encontro, se faz um de nós e, assumindo esta condição, abre à humanidade as portas da salvação e da vida nova. A antífona da Missa nesta noite santa inicia-se com as palavras do salmista: “Dominus dixit ad me: Filius meus es tu, ego hodie genui te – O Senhor me disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Sl 2, 7). Essa frase, que primariamente pertencia ao rito da coroação do rei de Israel que em seu chamamento era introduzido como “filho de Deus”, hoje é usada pela Igreja no reconhecimento da filiação divina de Cristo e da sua eterna geração no Pai.

O salmo 2º é uma leitura prefigurativa daquele menino frágil e indefeso que hoje desce à terra, repleto de majestade e poder, tendo como único sinal a humildade e o canto dos anjos, que ouvimos no Evangelho. Aquele que é gerado por Deus desde toda a eternidade aceita também ser gerado no ventre de Maria, submetendo-se à condição da temporalidade e da morte. Ele é verdadeiramente Deus conosco! Ainda hoje o Filho – professado no Credo como consubstancial ao Pai – continua a ser gerado em Deus. Hoje também Deus vem ao nosso encontro, fala ao nosso coração e quer ser acolhido por cada um de nós.

Santo Irineu de Lyon escrevera de forma significativamente profunda: “O esplendor de Deus dá a vida. Consequentemente, os que veem a Deus recebem a vida. Por isso, aquele que é inacessível, incompreensível e invisível, torna-se compreensível e acessível para os homens, a fim de dar a vida aos que o alcançam e veem. Assim como viver sem a vida é impossível, sem a participação de Deus não há vida... Ao mesmo tempo [o Verbo], mostrou também, por diversos modos, que Deus é visível aos homens, para não acontecer que, privado totalmente de Deus, o homem chegasse a perder a própria existência. Pois a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus” (Lib. 4,20,5-7:Sch 100, 640-642.644-648).

Com o seu nascimento Jesus nos permite participar de Deus. Nós recebemos a verdadeira vida! Se em primeiro plano o pecado parecia ter vencido o homem decaído, em última instância há sempre a graça de Deus e aquele sinônimo que devemos atribuir-lhe: “amor”.

Onde há reconhecimento da glória de Deus, há de igual forma vida e esperança. Onde não se dá glória a Deus se dá glória às ideologias subjetivas e contrárias ao verdadeiro sentido da fé e da vida. Onde Ele não é adorado, mas antes, é desprezado e negado, prevalecem os obstáculos entre o divino e o humano: Ele não pode falar e tampouco ser escutado.

Irineu reafirma que Deus se compraz e é glorificado no “homem vivo”. Que coisa podemos entender destas palavras? Que sentido possui a vida nesta noite em que o seu Autor assume nossa condição? Poderíamos responder a estas perguntas com a mesma afirmação paulina escutada na segunda leitura: O homem vivo é aquele que abandona a impiedade e as paixões mundanas e vive neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade (cf. Tt 2,12). Quanta injustiça e impiedade imperam no mundo onde Deus deveria reinar! Quantos homens velhos que não se abriram ao Menino que vem, permanecendo, assim, na dramática situação narrada pelo Profeta Isaías: “Botas de tropa de assalto, trajes manchados de sangue...” (Is 9,4). A marca do exílio israelita na Assíria ultrapassa os limites históricos e assume uma dimensão espiritual e sempre atual. Ainda hoje podemos acompanhar a catastrófica situação dos prófugos e refugiados, de modo particular os cristãos do Oriente Médio, forçados a deixarem sua pátria pela realidade que se lhes sobreveio, ou, muitas vezes, rejeitados em outros lugares. Mas a profecia de Isaías estende-se com uma consoladora promessa: “... tudo será queimado e devorado pelas chamas”. Como não rezarmos nesta hora: Sim, Senhor, sabemos que onde não existem homens vivos não haverá vida digna. Fazei brilhar a vossa luz sobre aqueles que praticam a impiedade e a injustiça. Queimai os calçados ruidosos e os trajes manchados de sangue, sobretudo os daqueles que negam o direito à vida aos indefesos: que ainda não nasceram ou os que já estão acometidos pela fragilidade da idade avançada. Sejais Vós a verdadeira vida numa sociedade que se ampara na lógica da força e do poder e nega-se a abraçar a humildade e ser portadora da “grande alegria” comunicada pelos anjos aos pastores.

Voltemos ainda à afirmação de Irineu: “A vida do homem é a visão de Deus”. A leitura do profeta Isaías nos faz relato de um caos primígeno, já transcrito no início do livro dos Gênesis, quando ainda nada tivera sido criado. O caos é uma não-vida, portanto, uma realidade tenebrosa, obscura. Com este pressuposto, a frase de Irineu que atribui a visão de Deus, isto é, a sua ação, à vida do homem, entrelaça-se com a primeira leitura e podem ser postas lado a lado. O pecado quebra a harmonia da criação e restabelece a realidade primitiva: quando a mão de Deus nada tivera criado havia somente o caos, o prenúncio da morte. Desta forma, somente se permanece alimentado pela esperança e pela certeza da ação de Deus, o homem pode passar da morte à vida, pode ser visão de Deus e pode ser glória para Deus.

No fim, podemos pensar que o próprio Filho de Deus entra na História humana de forma visível, subjuga-se ao tempo (Chronos) e às condições físicas do homem. Poderíamos perguntar-nos: Como receberíamos Jesus hoje? O que faríamos se Maria e José batessem hoje à nossa porta? Quando Deus quis entrar no tempo dos homens, os homens quiseram sair do seu tempo (Chronos) e do tempo da Graça (Kairós). Criaram, por conseguinte, subterfúgios e, como Adão, esconderam Dele o seu rosto. É certo que a glória de Deus em sua totalidade só poderá ser contemplada quando estivermos purificados de todas as nossas faltas e participarmos do convívio dos eleitos. Mas Deus nos permite, pelo nascimento de Seu Filho, contemplarmos de antemão a prefiguração do Seu poder e da sua glória.

O Evangelho nos relata o cenário que Maria e José encontraram na fria noite em Belém. Mais do que hospedarias fechadas para um pobre casal, os corações encontravam-se cerrados no comodismo e no egocentrismo. Quem está fechado em si não se dá conta de que Deus mesmo está a bater à sua porta e que pede espaço e abrigo. Bateu outrora nas hospedarias em Belém e não encontrou lugar. Bate também hoje e não encontra espaço porque estamos atarefados com coisas pretensamente “importantes”. O tempo para Deus parece tornar-se cada vez mais escasso e disputado com o ativismo das tarefas diárias. A ausência de lugar para o Menino foi aprofundada e aludida na sua essência pelo evangelista João ao escrever: “Veio para o que era Seu, e os Seus não O acolheram” (Jo 1, 11).


Peçamos que o Senhor nos conceda um coração aberto a acolhê-Lo. Peçamos que o nome de Deus seja solevado e a salvação entre em nossos lares por meio d’Aquele que hoje pede o nosso amor, a nossa atenção e os nossos cuidados. Faze que reine a Paz como promessa do Teu Reino ao reconhecermos que sem Vós toda paz é utópica e toda ideologia é falha. Que a Tua Luz nos conduza à Belém para também nós adorarmos o mistério que ali se fez alcançar. Amém! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário