Por Pe. Luiz Carlos Lodi
Prezado juiz Jesseir
Coelho de Alcântara.
Permite-me tratar-te
por “tu” em vez de “Vossa Excelência”, sem que isso queira significar nenhuma
falta de respeito.
Tu deves ter-te
emocionado pelo recém-nascido encontrado no centro de Goiânia em 22 de dezembro
de 2015, dentro de dois sacos de lixo, debaixo de uma árvore da Rua 01. A
criança foi encontrada por um casal, socorrida pelo Corpo de Bombeiros e levada
até o Hospital Materno Infantil, onde os servidores, emocionados, deram-lhe o
nome de Manoel, “Deus conosco”. O bebê teve alta no dia de Natal, 25 de
dezembro, com uma lista extensa de pessoas querendo adotá-lo[1].
Que alegria, para um juiz como tu, da 1ª vara de crime dolosos contra a vida,
ver que uma pessoa foi salva de uma tentativa de homicídio!
No entanto, há três
anos, também em época natalina, em 21 de dezembro de 2012, o mesmo Hospital
Materno Infantil terminava de executar um aborto em um bebê com mais de 20
semanas (cinco meses) de vida, filho de uma adolescente de 15 anos[2].
Que fizera ele para merecer a pena capital? Nada. Mas, segundo informações de
sua mãe, ele teria sido fruto de um estupro. No dia 12 de dezembro, tu havias
mandado expedir um alvará judicial para o aborto, com a seguinte justificativa:
“Se for permitido que a criança nasça, um dia ela saberá que foi fruto de um
ato criminoso, o que acarretará enormes problemas em sua formação”[3].
A solução para a violência sofrida (o estupro) seria, segundo teu parecer, uma
violência ainda maior: o aborto. O estuprador, após um julgamento com amplo
direito de defesa, se fosse condenado, não receberia pena de morte. Sofreria
alguns anos de reclusão, começando em regime fechado, mas com direito a
progredir para os regimes semiaberto e aberto. A criança, porém, inocente e
indefesa, deveria pagar com a morte pelo crime de seu pai. Como magistrado, tu
sabes que isso contradiz o princípio fundamental esculpido em nossa
Constituição de que “nenhuma pena não passará da pessoa do condenado”
(art. 5º, XLV, CF).
No entanto, no caso
acima, houve uma peculiaridade. A indução do aborto já havia começado quando a
titular da Delegacia de Proteção e à Criança e ao Adolescente (DPCA), Renata
Vieira Freitas, encontrou fortes indícios de que a alegação de estupro era
falsa. Segundo o pai da criança, a adolescente teria inventado a estória de
violência por ódio ou vingança. Posteriormente a delegada verificaria, com a
confissão da própria jovem, que o “estupro” não passara de uma farsa. No entanto,
já no dia 20, a delegada tentou inutilmente comunicar-se contigo, a fim de que
tu anulasses teu próprio alvará. Tu, porém, estavas descansando em um lugar
longínquo... enquanto um inocente morria. Lembro-me de como o Hospital estava
enfeitado com adornos natalinos. E os profissionais da saúde não enxergavam a
gritante contradição entre o festejo do nascimento do menino Jesus e a
provocação de um aborto. Dirás tu: “Não era o menino Jesus que estava sendo
abortado”. Mas Ele te dirá no dia do juízo: “Cada vez que o fizeste a um
desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste” (Mt 25,40).
Em Goiânia tu te
tornaste famoso por seres o juiz que expediu o maior número de alvarás para
aborto de crianças malformadas (aborto eugênico). Tuas sentenças mostram que
estás ciente de que aquilo que autorizas é um ilícito. Transcrevo trechos da
sentença de 16 de novembro de 2004, no qual autorizaste o aborto de uma criança
anencéfala[4] (as
palavras são repetidas em diversas outras sentenças):
O que a requerente almeja
não se enquadra no nosso Direito Positivo, já que pleiteia o chamado aborto
eugenésico [...]. Poder-se-ia, no caso, preferir o formalismo e, com isso,
concluir pela impossibilidade jurídica do pedido. [...] É sabido que o direito
à vida, abrangendo a vida uterina, assegurado pelo caput do
artigo 5º do Texto Constitucional, é inviolável.
No entanto, ao
arrepio da lei e da Constituição, tu dizes:
A interrupção da
gravidez encontra fundamento quando o feto possuir malformação congênita,
degeneração ou houver possibilidade de que venha a nascer com enfermidade
incurável.
Em tua opinião,
portanto, tu poderias agir como um juiz de exceção, permitindo o que a lei
proíbe[5].
Sim, pois a lei não é omissa no que se refere ao distúrbio do nascituro. O
aborto eugênico enquadra-se perfeitamente nos artigos 125 ou 126 do Código
Penal, conforme seja feito sem ou com o consentimento da gestante. E a
autorização judicial não tem nenhum efeito jurídico, a não ser o de tornar o
juiz partícipe do crime, conforme diz o artigo 29 do Código Penal: “Quem, de
qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na
medida de sua culpabilidade”.
Mas qual procurador
de justiça ousaria oferecer denúncia contra um juiz por crime de aborto? Tu
estás tranquilo. De um lado, a incapacidade de a criança se defender, do outro,
a omissão do Ministério Público. Curiosamente, em algumas de tuas sentenças, tu
escreves a seguinte frase: “Quem se sentir lesado que recorra”. Ora,
como a criança poderá recorrer? Se um cidadão quiser impetrar habeas
corpus em favor dela, encontrará inúmeros obstáculos. Quando em
06/10/2015, tu autorizaste o aborto de uma criança com síndrome de body-stalk
(cordão umbilical curto), o impetrante do habeas corpus não
pôde fotocopiar os autos, por proibição expressa da escrivania. Foi-lhe
concedido tão-somente folheá-los. A petição teve que ser redigida a mão no
próprio balcão do cartório. Mesmo assim, o desembargador Aluizio Ataides de
Sousa conheceu o pedido e deferiu a liminar, a tempo de impedir o aborto. A
criança nasceu, recebeu um nome (Giovana) e morreu após uma hora e quarenta
minutos. Foi registrada como cidadã e sepultada dignamente. Não foi descartada
nem tratada como lixo hospitalar. Dize-me, senhor juiz: para ti, a curta
sobrevida extrauterina torna o bebê indigno de respeito?
Nos dois alvarás
para aborto expedidos em 2011 – o primeiro de uma criança normal com possível
deformidade futura (eugenia preventiva)[6],
o segundo de uma criança com síndrome de Edwards[7] –
os funcionários da escrivania sonegaram toda sorte de informações aos
impetrantes, incluindo o número do processo (!), alegando um pretenso “segredo
de justiça”.
A última de tuas
sentenças de aborto eugênico, dada em 17 de dezembro de 2015, foi tão sigilosa,
que nem o serviço de notícias do Tribunal de Justiça de Goiás fez referência a
ela! A informação só foi obtida dos jornais Opção[8] e
Diário da Manhã[9].
A criança, com vinte e cinco semanas (seis meses) padecia da síndrome de
Edwards, conhecida também como trissomia 18, uma anomalia genética que se
caracteriza por atraso mental, atraso do crescimento e, por vezes, má-formação
grave no coração. A esperança de vida é baixa, mas já foram registrados casos
de adolescentes portadores da síndrome[10].
Tu afirmas que tal caso não se confunde com o de bebês apresentando deficiência
física ou mental, como a síndrome de Down (trissomia 21 ou mongolismo). Não há,
contudo, diferença essencial, mas apenas diferença de grau entre as duas síndromes.
Crê, senhor juiz: em breve tu estarás autorizando não só o aborto de crianças
“mongoloides”, mas o de qualquer bebê considerado “de má qualidade” pelos pais
ou pelos médicos.
Tu és cristão e
dizes com acerto que “ser juiz é um sacerdócio”. No entanto, parece que tu
ignoras os Dez Mandamentos – em particular o quinto: “não matarás” –
quando estás oficiando no fórum. Talvez tu digas que o Estado é laico (ou
louco?), de modo que, se no templo tu oras ao Senhor, na tua profissão podes
olhar para um bebê e dizer: “Não conheço esse homem” (Mc 14,71).
Escrevo esta carta
para que vivas, mesmo sabendo que poderás persistir na conduta que te levará à
morte. Ao escrever, lembro-me do que disse o Senhor ao profeta Ezequiel:
Se digo ao ímpio:
‘Tu hás de morrer’ e tu não o advertires, se não lhe falares a fim de desviá-lo
do seu caminho mau, para que viva, ele morrerá, mas o seu sangue requerê-lo-ei
da tua mão. Por outro lado, se tu advertires o ímpio, mas ele não se arrepender
do seu caminho mau, morrerá na sua iniquidade, mas tu terás salvo a tua vida
(Ez 3,18-19).
Senhor juiz,
“escolhe, pois, a vida, para que vivas tu e a tua descendência” (Dt 30,19).
Anápolis, 4 de
janeiro de 2016.
Pe. Luiz Carlos Lodi
da Cruz
Mensagens
respeitosas podem ser enviadas ao juiz Jesseir Correio de Alcântara: 1ª Vara
Criminal, Fórum Dr. Heitor Moraes Fleury - Rua 10, nº 150, Térreo, sala 178,
Setor Oeste, 74.120-020, Goiânia, GO. Telefones: (62) 3216-2723 /
3216-2721. E-mail:1vcrim@tjgo.jus.br
[1] Pedro NUNES. Bebê comove servidores de hospital. O
Popular, 25 dez. 2015, p. 3.
[2] A adolescente completou 15 anos no dia 15 de
dezembro. O aborto começou no dia 19, mas o neném só foi expelido no dia 21, após
aplicação de várias doses de misoprostol (Cytotec).
[3] Aline LEONARDO. “Menina de 14 anos estuprada por
padrasto poderá abortar”. Notícias do Tribunal de Justiça de Goiás, 14 dez.
2012.
[4] Cf. autos do processo 200402082081.
[5] Art. 5º, XXXVII, CF - não haverá juízo
ou tribunal de exceção.
[6] Processo n. 201100707390.
[7] Processo n. 201100980606.
[8] http://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/justica-goiana-autoriza-aborto-de-feto-com-sindrome-rara-54686/
[10] Cf. Síndrome
de Edwards in Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Síndrome_de_Edwards)
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