sábado, 17 de janeiro de 2015

Eclesiologia protestante


Por Carlos Ramalhete.

O principal erro do protestantismo não é o Sola Scriptura; este é a caixa de Pandora, e só isso. O que, porém, levou Lutero a abrir esta caixa? Um erro de eclesiologia. A eclesiologia protestante está de cabeça para baixo, e é isso que os leva a aceitar algo tão irracional quanto "acreditar só na Bíblia" quando a própria Bíblia diz que não é para "acreditar só na Bíblia" (e isso se deixarmos de lado outras coisas importantes, como o fato de não haver nenhum cânone definido no próprio texto inspirado, o que já faz do cânone bíblico algo extra-bíblico...).

Vejamos então um pouco de eclesiologia.

O que é comunhão? É a participação no Corpo de Cristo. Todos nós, batizados, somos enxertados no Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a Igreja. Nosso Senhor é Cabeça da Igreja, e a alma da Igreja (ou seja, sua forma, aquilo que lhe dá coerência) é o Espírito Santo. Assim como um corpo sem alma não é uma pessoa, uma reunião de pessoas sem a união e a coerência que são dadas pela alma, que é o Espírito Santo, não é uma Igreja.

O protestante, porém, não entende que o Espírito Santo seja a alma da Igreja. Ele O vê como uma espécie de "assistente pessoal", como uma espécie de garantia pessoal de infalibidade dada a cada protestante. É por isso que ele não aceita a Comunhão dos Santos.

Assim, nada mais natural para ele que considerar que quando se junta trezentos "crentes" em uma sala duas vezes por semana se tenha uma "Igreja". Não há união nenhuma entre eles, senão o fato de estarem todos no mesmo lugar, ao mesmo tempo, fazendo a mesma coisa. Para eles, o Espírito Santo não dá uma coerência, uma união indissolúvel na unidade do Corpo de Cristo.

É por isso que é tão comum vermos em seitas protestantes a citação bíblica (presente nas fachadas de muitas seitas) que afirma que "Jesus Cristo é o Senhor". Isto ocorre porque na Sagrada Escritura S. João nos ensina que só no Espírito Santo podemos dizer isso. O que significa o que escreve S. João? Que só na Igreja, ou seja, só sendo enxertados neste Corpo Místico de Cristo e sendo animados (tendo como alma da Igreja, tendo como forma - ou princípio de coerência - da Igreja) pelo Espírito Santo podemos dizer isso. De nada vale dizer que Ele é o Senhor quando se está fora da Igreja. Será o mesmo que dizer bu-bu-bu ou bó-bó-bó, e valerá um dia um belo "apartai-vos de Mim, malditos, pois não os conheço".

Faltando-lhes, assim, a noção mais básica da Igreja como Corpo uno e indivisível de Cristo, que é o sentido da comunhão (somos irmãos em Cristo pelo batismo, não por estarmos ao lado um do outro em um banco de igreja; o que nos une é Cristo. É isso que faz ser péssimo dar as mãos no Pai-Nosso, por exemplo, passando assim um sinal trocado de que a nossa união é direta entre um e outro, e não através do Cristo), eles tendem a chamar de "comunhão" o mero irenismo, o mero coleguismo (frequentemente hipócrita, pois é necessário um esforço consciente em evitar quaisquer questões mais espinhudas - e isso inclui até mesmo a eficácia do batismo! - para que dois "crentes" de seitas diferentes, ou até de cultos em horários diferentes na mesma seita, não comecem a debater sem possibilidade de chegar a uma definição de quem está certo).

É o mesmíssimo mecanismo que os leva a chamar trezentas pessoas com crenças diferentes, desunidas em tudo que não na presença física regular no mesmo lugar e horário e no apego a algumas fórmulas dogmáticas (cujo sentido é diferente para cada um), de "Igreja". Se isso é "Igreja", o que faz e mantém a "Igreja"? A Graça? Os Sacramentos? A Santidade? O Espírito Santo?

Claro que não. O que impede que soçobre esta união acidental (radicalmente diferente da união substancial dos cristãos no Corpo Místico de Cristo - os protestantes unem-se pelo acidente da localização, enquanto os cristãos unem-se na substância da Igreja, de que somos a matéria e o Espírito Santo é a forma) é apenas o bom-mocismo, a fuga das questões difíceis, o empenho em ser um "xuxuzinho" para todos os outros. Se o "crente" Zeca briga com o "crente" Joca, acabou a "comunhão". Se Zeca e Joca levam a briga deles mais além e as pessoas se dividem entre pró-Zequistas e pró-Zoquistas, acabou a "Igreja".

É por isso que a Igreja nos ensina que não podemos chamar estas seitas de "Igrejas"; elas não o são.

A Igreja é uma só e é visível, e é a Igreja Católica. Nós não "fazemos Igreja", mas somos nela enxertados. Somos a matéria que recebe sua coerência pelo Espírito Santo e passa a constituir uma união substancial, um ente, que é a Igreja, o Corpo Místico de Cristo, a Igreja. Nossas brigas - ao contrário do que ocorre entre os protestantes - não são fator de divisão, mas de união. O que nos une não é estarmos bem um com o outro, mas nos deixarmos ser animados pelo Espírito Santo, nos apegarmos à Verdade. Se não brigarmos, se não discutirmos, seria como uma Aids no Corpo Místico de Cristo, o que é inimaginável. O erro, a mentira,m tudo isso é inimigo do Corpo de Cristo. Isto é como um vírus ou uma bactéria, que depende dos anticorpos para ser expelido. Ele precisa, porém, ser reconhecido pelo sistema imunológico para que possa ser expelido.

Estas brigas são exatamente isso: um reconhecimento do erro para que ele possa ser expelido. Se eu sento o tacape nos blasfemos que batem palmas na Missa (a Missa é o Calvário, e só quem bateu palma no Calvário foram os judeus e os romanos...), estou sinalizando um inimigo do Corpo de Cristo que está tomando algumas de Suas "células", que somos nós. Precisamos salvar estas células e expelir o inimigo. Depois que as células mais próximas do invasor o detectaram, elas mandarão um aviso para o cérebro, que pode - ou não - tomar conhecimento disso. Nós não reparamos na imensa maioria das invasões bacterianas e viróticas que nosso corpo enfrenta. Algumas nos chegam ao conhecimento, e dizemos "estou gripado, preciso me tratar". Isto é uma definição magisterial. Antes que ela surja, porém, é extremamente necessário que o inimigo tenha sido apontado e combatido, pois ela só surgirá quando a crise for realmente gravíssima. Assim como para as células próximas a uma pequena ferida que está inflamada a crise parece grave, mas o cérebro nem se dá conta do que está acontecendo até que a dor aumente muito, nós que estamos próximos às crises devemos agir de maneira forte, mesmo que o cérebro ainda não se tenha dado conta. Se agirmos eficientemente, o cérebro jamais se dará conta. Nosso Senhor prometeu que a Igreja não seria vencida, mas não que não perderia membros por gangrena (como ocorreu tantas vezes; basta ver o Norte da África, antes terra cristã).

Para o protestante isso seria inimaginável, pois o mais natural seria que os batedores de palmas fizessem uma outra "Igreja", onde todos batem palmas o tempo todo. O fator da "comunhão" desta "Igreja" seria justamente o ânimo de aplaudir a torto e a direito. Não há fator de unidade que não o acidental, não há sentido algum em permanecer na mesma "Igreja" se há brigas lá. Isso ocorre porque eles não percebem que a Igreja não é feita por homens (como o corpo humano não é feito por células: se juntarmos milhões de células não teremos um corpo humano, mas um embrião com duas células já é um corpo humano por ter uma alma, ter algo que não é sua matéria e lhe dá sua coerência), e não percebem os inimigos da igreja como realmente inimigos. Para eles, a divisão - que para nós seria a horrenda perda de um membro da Igreja, pois quem se separa do Corpo não é mais Corpo, como uma mão amputada não é mais a mão de alguém e sim um monte de carne e ossos a caminho da putrefação - é uma solução, uma maneira de fazer com que ainda haja "comunhão" (entendida como companheirismo, amizade humana e natural, etc.).

Assim eles têm esses pedaços de carne putrefata dominados por bactérias X e outros dominados por bactérias Y, e são justamente as bactérias que eles vêem como os elos de união interna, como a coerência interna daqueles pedaços de carne putrefata. Todas as seitas juntas aceitam algumas frases-chavão (Sola Scriptura, Sola Fide, Sola Gratia...), com cada uma delas entendendo estas frases de modo completamente diferente, como se as colônias de bactérias nos pedaços de carne estivessem em acordo em dizer que é bom devorar carne, e só. Uma transforma a carne em nitrogênio e a outra em metano, mas ambas chamam a transformação que efetuam de "devorar carne".


Pudera que quem pensa assim fique horrorizado ao ver a ação dos anticorpos no Corpo vivo, e confunda a bronca de São Paulo nos que pregavam a união natural como superior à união em Cristo (ou seja, estar ligado a Apolo ou a Paulo, e não a Cristo; ter uma "comunhão" de companheirismo com Apolo ou Paulo como mais importante que ter a mesma única Fé e o mesmo único batismo no mesmo único Senhor, fazendo assim parte do mesmo único Corpo Místico de Cristo) com o seu oposto: uma bronca nos que - como S. Paulo - brigam contra a infiltração do erro para que a Verdade pristina sempre prevaleça.

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